O Canto da Sereia escrita por Moonkiss


Capítulo 2
Feitiço


Notas iniciais do capítulo

Ei, amores, tudo bom?
Demorei para atualizar a fanfic, mas nestas últimas semanas pude me concentrar nas minhas histórias, e cá estou. Enfim.
Neste capítulo veremos um pouco sobre a vida do Gaara e como ele e a Sakura se conheceram.
Boa leitura! ♥



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Capítulo I – Feitiço

Escrito por @Moonkiss

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Havia algo diferente naquele pôr do Sol. Não sabia se era impressão minha, mas a beleza do céu parecia ter se intensificado. Cores quentes pincelavam em diversos tons as poucas nuvens que pairavam sobre aquela imensidão, criando um belo quadro da despedida ao Sol. Vez ou outra algumas gaivotas surgiam para acrescentar mais detalhes, voando em direção ao sul. E, o mais notável, um oceano de águas cristalinas. Foram formadas ondas leves que oscilavam entre um sopro e outro do vento, gerando uma uma calmaria a quem fosse assistir àquele espetáculo natural. Era um fim de tarde muito bonito.

Eu tinha encontrado refúgio naquela praia. Sentia leveza, uma sensação de liberdade sempre que visitava o local. Observar o mar me servia de bálsamo, esquecia os meus problemas pelo menos temporariamente. Desde que me mudei para Konoha, essas visitas tinham se tornado um costume diário. Naquele horário, não havia tantas pessoas circulando por ali. Alguns surfistas decepcionados retiravam-se, já que as ondas não estavam tão agitadas, pouquíssimos donos passeavam com seus cães de estimação e um ou outro corredor percorria caminho ali.

Sentado sobre a areia, fechei os olhos a fim de apreciar o som vindo das águas colidindo contra as rochas e de sentir os toques do vento litorâneo em meu rosto. Sorri fraco com o esvoaçar dos meus cabelos, pois me lembrei dos cafunés de minha irmã mais velha. Às vezes eu tinha saudades de Suna. No entanto, aquela mudança foi para o meu próprio bem. As coisas estavam indo de mal a pior e precisava me recompor o quanto antes. A viagem à Konoha era a minha solução, prometi a mim mesmo que voltaria a minha cidade natal apenas quando estivesse tranquilo.

— Como é que é, ô, bonito? — disse alguém em voz alta, logo atrás de mim. Reconheci quem era — Vão roubar seu violão se você não tomar cuidado!

— Eu estou atento, Naruto, não se preocupe. — o respondi calmamente, intacto.

Não notei a aproximação dele. Senti duas batidas leves no ombro como forma de cumprimento e em seguida ele se sentou ao meu lado. Naruto Uzumaki era a única pessoa que eu conhecia naquele bairro até o momento, além de sua namorada e seu padrinho. Havíamos criado um laço de amizade em pouco tempo, foi ele quem me apresentou o lugar e me ajudou em certas situações. Era um cara legal e gostava da companhia dele, apesar de termos personalidades bastante desiguais.

— Estava compondo de novo, Gaara? — perguntou sem rodeios, referindo-se ao fato de eu estar acompanhado do meu violão. Parecia animado a julgar pelo tom que usou. 

— Sim, mas me falta inspiração.

— Hmm, entendo! Tem compromisso pra hoje à noite? — indagou, dessa vez com mais entusiasmo. Finalmente me virei para ele e cerrei a testa. 

— Não, por quê?

— Hoje terá a inauguração de um barzinho aqui perto do litoral. Dizem que vai ser maneiro, e uma amiga minha que não vejo há semanas foi convidada para cantar lá. 

— Uma cantora? Que legal.

— Sim, quase isso! Ela estava fora da cidade em busca de uma gravadora para fazer contrato, creio que vai voltar com tudo!

— Hmm, pode ser. — assenti, apanhando o instrumento repousado na areia no meu lado direito — Que horas então?

— Já que você não sabe aonde é, vou estar na porta da sua casa às nove horas. Tenho que buscar a Hinata antes.

— Por mim tudo bem.

— OK! — subitamente ele desfez o sorriso que abrira, dando lugar a uma expressão tristonha — É que eu acho que você deve conhecer gente nova. Já está na cidade há duas semanas e só tem a mim como amigo.

— Sei lá, Naruto, por mais que você esteja certo, às vezes bate um desânimo, sabe? — franzi os lábios, em seguida escorei meus antebraços sobre os joelhos — Nunca fui muito sociável.

A palavra “sociabilidade” nunca pertenceu ao meu vocabulário. Não sabia se aquilo era bom ou ruim, pois, por conta desse fato, durante toda a minha infância e a maior parte da adolescência não fiz um amigo sequer. Talvez porque o ser humano não costuma ser aberto ao diferente, aceitar a diversidade das coisas, e eu reconheço que nunca fui igual aos outros. Mas por outro lado também sempre detestei pessoas.

— Relaxa, cara! Fica numa boa, vou te apresentar umas garotas daqui, Konoha só tem mulher gata! — ele exclamou ao abrir um sorriso malicioso, me cutucando com o cotovelo. Fiquei confuso.

— Não sei lidar muito bem com as mulheres.

— Eu também não sabia até namorar a Hinata. — coçou a própria nuca, dessa vez sorrindo com certa timidez. E de repente o Naruto alegre voltou — Mas enfim, deixa tudo comigo! Só esteja vestido tipo galã de novela!

— Galã de novela?

— Exato, meu amigo de olhos pintados! Capricha na roupa, no perfume, no cabelo, daquele jeito que as meninas gostam! — ele deu uma piscadela.

Eu francamente não estava nem um pouco a fim de socializar. Não gosto de lugares populosos ou que tenham relação com folias e coisas semelhantes, e principalmente porque com certeza ele me apresentaria algumas garotas; garotas nunca estiveram na minha lista de especialidades, eu tinha pavor delas e elas tinham pavor de mim. No entanto, conhecendo bem sua incomparável persistência, Naruto seria capaz de incendiar a minha casa só para me fazer sair. Não nasci com o dom da paciência, então apenas respondi:

— Certo.

— Ha, ha, hoje a noite promete! — se pôs de pé num salto e esfregou as mãos uma na outra freneticamente. Ainda rindo, limpou a própria bermuda cor de laranja — Tenho que ir, parceiro, vou ajudar o meu padrinho a tirar o barco do cais.

— Vai lá. — permiti brotar um sorriso minúsculo e acenei brevemente ao olhá-lo partir — Até mais tarde.

— Até, Gaara! E lembre-se: capricha no visual, hein!

Revirei os olhos por um instante e balancei a cabeça enquanto Naruto corria em direção à saída da praia, atraindo os poucos olhares femininos por estar sem camisa. Não que eu seja vaidoso ou algo parecido, muito pelo contrário, mas fiquei imaginando se ocorreria o mesmo comigo, caso não tivesse este corpo franzino. Enfim retornei a minha visão para o mar, sendo atrapalhada minimamente por alguns fios de cabelo empurrados pela brisa do litoral.

Durante uma fração de segundos, desistir do convite dele outra vez pareceu uma oferta tentadora, e subitamente alguma coisa apertou em meu peito: Temari e Kankurou o apoiariam. Meus irmãos sempre estiveram dispostos a tentar fazer com que eu me comportasse como uma “pessoa normal”. Aposto que naquele exato momento eles tratariam de cuidar da minha aparência, sem consultar opiniões vindas de mim. Contive um suspiro, vendo o Sol prestes a passar seu reinado para a Lua. Estou mesmo encurralado.

Enchi os pulmões de ar fresco e me levantei, logo ajeitando a alça do violão ao colocá-lo nas costas e caminhei tranquilamente à rua. Ao passo que me retirava do local, também chamava a atenção das poucas moças dali. Porém, diferente de Naruto, era de forma negativa.

— Ele tem cara de psicopata! — sussurrava uma menina de cabeleira negra para a amiga, ambas espantadas como se houvessem visto uma besta sanguinária.

Com as mãos nos bolsos, as observei por cima do ombro. Sorri com ironia, constatando a leve suspeita de que, sendo magro ou malhado, aquilo não faria diferença alguma.

 

[...]

Nasci exatamente com cinco meses de vida. Os médicos disseram a minha mãe, poucos minutos antes de ela falecer, que eu era um milagre da medicina, visto que é praticamente impossível uma criança que cabia nas palmas das mãos de um homem adulto sobreviver e não possuir nenhum tipo de deficiência. Mas por conta deste fator sempre tive a estatura baixa até os quatorze anos de idade. Tenho então altura suficiente para a minha faixa etária, entretanto, nada mudou em meu metabolismo; nunca consegui engordar ou ganhar músculos vistosos, mesmo estando à base de suplementos de vitamina ou praticando quaisquer exercícios.

Eu estava em frente ao espelho do pequeno quarto. Havia acabado de sair do banho e pretendia escolher rapidamente uma roupa nem tão desleixada e nem tão exagerada, até que resolvi parar para refletir sobre os meus defeitos físicos, considerando mais a magreza. Meu corpo é definido, mas obviamente não musculoso. Sou magro o bastante para Temari ter o costume de me zombar com a frase “Você parece um bicho doente!”. Ela falava aquilo com o intuito de culpar também as profundas olheiras que carrego desde a infância. São bizarras, e também responsáveis pela má fama que herdei por parecer sempre maquiado.

Depois de um suspiro, retirei uma das mãos apoiadas na cintura e joguei os cabelos úmidos para trás com os dedos. Apesar de ainda vestir somente uma toalha branca na parte inferior do corpo, já sentia pequenas gotículas de suor percorrerem as têmporas e o peitoral pálido tal qual um coto de vela. Konoha é uma cidade de clima estável, porém, seus dias calorosos, embora não se comparassem aos de Suna, podiam ser quentes como o verão de um país tropical. Mas não era o calor que me fazia transpirar. Estava nervoso com o passeio que ocorreria. Mordi o lábio ao notar o quanto meus batimentos cardíacos se alteravam.

Qualquer um se questionaria sobre esse receio ridículo de sair para, segundo a maior parte da sociedade, um lugar legal numa plena sexta-feira à noite. As razões são bem simples: a) Eu odeio locais cheios; b) Supondo que eu seja o Superman, bares para mim funcionam como uma kriptonita. Sou um alcoólico em recuperação e não estou com vontade de ter alguma recaída; c) Sinto-me bem mais confortável estando na praia, compondo as minhas músicas, do que ir para festas ou baladas.

Por fim apanhei do armário uma camisa preta do Nirvana pendurada no cabide. Se é reservada, é perfeita. Coloquei-a de volta onde encontrei e peguei um desodorante spray na estante do banheiro.

No instante em que o passava, escutei batidas na porta. Deduzi serem Naruto e Hinata. Larguei o desodorante em qualquer canto e me vesti o mais rápido que pude, como se a minha vida dependesse daquilo. Quando vim para cá, não tinha tanto dinheiro para morar num espaço amplo, principalmente por ser algo temporário. Aluguei então essa quitinete simples, composta por quarto, banheiro e cozinha. Atravessei correndo esta última, onde ficava a entrada, e abri a porta.

Posso queimar no inferno por isso, mas tive vontade de jogar um balde de água congelante naqueles dois: Naruto segurava a cintura de Hinata tão próxima da sua que por um segundo achei que fossem transar ali mesmo, levando em conta também o modo como se beijavam, dando a impressão de que tentavam devorar um ao outro. Senti todo o jantar subindo pela garganta e ficando entalado ao ouvi-la gemer de dor, provavelmente porque ele entrelaçava seus cabelos com os dedos e os puxava com força. Constrangido e irritado, pigarreei alto o bastante para quebrar o clima. Ambos tornaram a atenção em mim, os olhos quase saltando para fora. Afastaram-se imediatamente.

— G-Gaara, foi mal... s-sabe como é, não é?! — Naruto sorriu, envergonhado — Você demorou tanto que...

— Entrem. — o interrompi com uma voz cortante e os braços cruzados.

O casal adentrou com certa relutância, intimidados por causa da postura que eu apresentava. Não que estivesse os censurando ou algo parecido, afinal, não tenho nenhum direito de agir de maneira autoritária em relação ao namoro deles. Liguei a luz pelo interruptor e meneei a cabeça em direção à mesa de jantar, lhes convidando a sentar.

Hinata passou por mim ainda com o rosto enrubescido, empurrando uma mecha para trás da orelha. Por mais que já estivesse acostumada a ficar tímida por quase tudo, acho que dessa vez a garota se superou. Ela acenou brevemente, entretanto, sem me olhar nos olhos.

— G-Gaara...

— Oi, Hyuuga.

Naruto, antes de se assentar, puxou delicadamente a cadeira para Hinata, que agradeceu o gesto cavalheiresco e o atendeu. Ele parou para me analisar de cima abaixo, arqueando a sobrancelha. Sabia que viria um sermão devido ao meu visual.

— É sério que você vai assim? — disse, cético, apontando para mim. Observei as minhas roupas.

— Assim como? Não estou desarrumado, apenas simples.

— Por isso mesmo! — ele se levantou e pôs as mãos na cintura. Falava como se fosse o meu pai — Será que eu não posso sossegar um minuto? Tenho mesmo que tomar conta de você?

Depois de revirar os globos oculares, olhei de relance para o meu corpo. Havia vestido a camisa que escolhera de primeira, uma calça jeans escuro e planejava pôr um par de All Stars vermelhos assim que saísse daquele tribunal. Também os analisei: Naruto, como de hábito, usava uma camisa laranja e por cima dela uma jaqueta preta, sem contar no colar com o pingente de cristal azulado. Hinata trajava um vestido lilás, rodado e sem mangas, que acentuava bem sua cintura, e calçava sandálias brancas. Estavam bem arrumados até, e confesso que me senti um pouco deslocado.

— Ah, para, Naruto. Quer que eu vista um smoking?

— Seria melhor do que isso aí! Venha, você não pode parecer um gótico virgem hoje! — falou, me puxando pela manga da camisa, rumo ao meu quarto.

Ao chegarmos, ele vasculhou o armário inteiro até encontrar uma camisa lisa em tom de cereja, a qual Temari me deu de aniversário. Troquei a do Nirvana por aquela mais nova. Naruto sugeriu uma jaqueta jeans e um par de tênis pretos. Após a reforma, me pôs em frente ao espelho e ficamos avaliando o meu visual por alguns segundos. Realmente gostei, mas deixei em segredo.

Com a minha aprovação, voltamos à cozinha, e ele perguntou para Hinata se ela também tinha curtido a mudança, alegando que uma opinião feminina sempre possui uma enorme importância. Tendo uma resposta positiva, apanhei a carteira, o celular e as chaves no quarto. Desliguei a luz do cômodo, tranquei a casa, guardei os meus pertences nos bolsos da calça e finalmente saímos.

Fomos a pé para o bar. Permaneci calado durante uma boa parte do caminho, falando somente quando um dos dois dirigia-se a mim. Tentava omitir a minha inquietação, porém, a todo instante batia em mim o desejo de fugir deles. Não sabia por quanto tempo Naruto e Hinata pretendiam ficar no bar, então estava preocupado. Pus em mente o que os meus irmãos com certeza iriam dizer se estivessem conosco: “Aproveite o momento, você quase nunca sai de casa e finalmente arranjou amigos”. Não era um pensamento errado, logo me esforcei ao máximo para aderi-lo.

Chegamos ao local. Era um bar de estilo rústico, todavia com um ar de chiqueza. Sentia-me o guarda-costas de dois artistas famosos, pois, desde que saímos de casa, o casal cumprimentava quase todas as pessoas que víamos ao longo do trajeto. Estávamos sentados na fileira de banquetas enquanto Naruto e Hinata conversavam descontraidamente com alguns conhecidos seus — inclusive ele tentou empurrar Ino, uma colega sua bem perua, para mim, mas a rejeitei porque ela não faz nem um pouco o meu tipo. De guarda-costas então passei para aluno matriculado em colégio novo. O som acústico das músicas tocadas pelo primeiro cantor da noite era a única coisa que me aliviava.

— Ei, Gaara! — Naruto me cutucou com o cotovelo, o que me fez erguer a cabeça e olhar para ele — Acorda, bicho, hoje é noite de diversão!

— Acho que você ainda não reparou que estou tentando não pedir uma bebida, certo? — grunhi, pregueando a testa.

A partir do momento em que pisei nesse bar, tinha usado ao máximo o meu autocontrole para não ceder à vontade de beber. Caso fizesse isto, estragaria a noite de todos e destruiria a minha amizade com Naruto e Hinata e novamente a mim mesmo também. Tudo porque eu me transformo quando estou embriagado, como se fosse um monstro aniquilador. Já tive diversos problemas devido ao excesso de consumo alcoólico e pretendia não ter mais nenhum.

— Ah, me esqueci desse detalhe! Foi mal, parceiro. E se eu pedir para você um coquetel sem álcool? — sugeriu com uma expressão arrependida, apoiando o cotovelo no meu ombro. Assenti.

— Pode ser.

— OK! — ele chamou o barman e pediu dois coquetéis, um com e outro sem álcool. Então abriu um sorriso malandro quando o atendente foi preparar os drinques — Vem cá, já que você não gostou da Ino, posso então te apresentar a Mei Terumi? Ela tem uns trinta e tantos anos, mas como diz aquele ditado, panela velha é que faz comida boa, ha, ha!

— Quem é Mei, criatura?

— Está vendo aquela morena esbelta de azul? — Naruto virou-se para trás e eu o acompanhei, seguindo a direção para onde o seu indicador apontava — Olhos verdes, com uma taça na mão, sentada na mesa lá do fundo, que falou conosco assim que chegamos?

Tentei distinguir a tal Mei entre a iluminação intensa do local e uma pequena aglomeração de pessoas que interrompiam a minha mira. Finalmente cheguei ao ponto certo: de fato Mei Terumi era uma mulher esbelta. Tinha um sorriso envolvente e astuto e um olhar lascivo também, típico daquelas que seduzem os caras a todo custo para fazer com que gastem até a última nota do bolso com elas mesmas. Não tem nada de especial. Visto que não pretendo me arriscar, recusei:

— É muita areia para o meu caminhãozinho, Naruto, convenhamos.

— Para de fazer doce, você não viu o jeito que ela te olhava quando fomos cumprimentá-la?! — ele arregalou os olhos, quase berrando — Aquela mulher é muito cobiçada por aqui, por que não tenta?

— Sem essa, cara.

— Tá bom então, não venha reclamar depois que está segurando vela para nós!

— Amor, deixe o Gaara em paz. — Hinata interveio, preocupada — Ele tem o direito de escolher com quem fica.

— Muito obrigado, Hinata, você sim é uma pessoa compreensiva.

Abismado com a postura de sua namorada, Naruto mostrou a língua num gesto infantil para nós ao passo que pegava os coquetéis já prontos. Naquele segundo, ouvimos aplausos longos. O músico que se apresentava, um cara de cabelos brancos e arrepiados, terminou a melodia. Quando Naruto e Hinata perceberam, se juntaram ao pessoal das palmas. Após assobiar alto, Naruto, sorrindo, comentou comigo:

— O Kakashi é ótimo, não acha?

— Sim, mas quem é ele? — questionei, batendo palmas também e olhando Kakashi agradecer ao público.

— É o nosso ex-professor de Literatura do Ensino Médio, ele é compositor nas horas vagas.

— Eu admito que achei que ele cantasse mal. — mencionou um tal de Kiba Inuzuka aos risos, próximo à Hinata, e o casal conteve uma gargalhada com o comentário — Vou pedir tequila, alguém mais quer?

Ah, não...

Só me faltava essa...

Até o momento ninguém da nossa fileira havia pedido uma bebida com um teor alcoólico tão alto, portanto eu estava conseguindo suportar. Contudo, a tequila, além de ser a minha favorita, me faz salivar apenas em sentir seu cheiro. Apesar da perspectiva preconceituosa da sociedade, o alcoolismo é uma doença física, mental e espiritual. É gradual, sem cura e de término fatal. Uma vez que alguém tenha perdido o próprio autocontrole, o indivíduo nunca mais é capaz de beber controladamente. Não existe a possibilidade de tornar-se um “antigo alcoólico” ou um “ex-alcoólico”, e sim um alcoólico sóbrio ou um alcoólico em recuperação, e eu não pretendo romper com a minha sobriedade, que tenho mantido há seis meses. No entanto, eu sinto medo e não confio em mim mesmo.

Ao me dar conta, estava suando frio e os meus batimentos cardíacos subiam tanto que quase podia escutá-los. Uma energia eletrizante transcorria as minhas veias sanguíneas, causando pequenos calafrios, e minha garganta ficou seca. Conhecia aquela sensação: era a sensação que me dominava nos momentos em que o meu organismo clamava pelo álcool. Comecei a roer as unhas.

Shh, acalme-se, você consegue!

Tudo depende de você, e você já está sóbrio há seis meses!

Vamos, você não pode decepcionar mais ninguém!

Instintivamente olhei ao meu redor, e o único detalhe em que eu reparei foram os copos nas mãos das pessoas. O bar, de repente, revelou ser um campo minado. Guardo uma pontada de inveja de quem tem a capacidade de beber socialmente, de quem não nasceu com a mesma doença que eu. Num súbito instante, um sabor leve de ferro invadiu a minha boca; de tão nervoso, eu roí uma das minhas unhas até a fina camada sangrar. Ignorei a dor e a aflição e decidi me concentrar no coquetel que Naruto havia pedido. Bebi um gole, porém, aquilo somente piorou o meu estado, porque senti falta do álcool. Não deveria ter saído de casa.

VOCÊ PRECISA SAIR DAQUI!

VOCÊ NÃO PODE QUEBRAR A SUA PROMESSA!

O barman se aproximou da bancada com uma garrafa de tequila e Kiba estendeu o próprio copo a fim de que o rapaz o servisse. Como alguém que puxa o gatilho de uma arma, aquilo foi um aviso para que eu saísse o mais rápido possível. Não aguentaria permanecer mais um segundo sequer naquele lugar. Engoli seco e prendi a respiração no intuito de não sentir o cheiro da bebida e me levantei. Sem demora, caminhei a passos largos em direção ao banheiro, e não dei importância aos chamados de Naruto e de Hinata.

Desnorteado, desviei das mesas e das pessoas que encontrava pelo caminho, no qual poderia ser comparado a um labirinto confuso. Aquela agonia acarretou numa dor de cabeça e a visão ameaçou a ficar turva, estava quase tonto. Parecia que a qualquer minuto o meu coração saltaria para fora do peito. A minha temperatura corporal oscilava entre o frio e o calor, e, devido a isto, a atmosfera do ambiente se tornou sufocante. Enfim cheguei ao corredor. Naquele exato momento, a porta do banheiro feminino foi aberta.

Uma mulher jovem, de estatura média e corpo magro saiu de lá. Sua pele branca contrastava com o forte carmesim do vestido de verão que usava. Os cabelos e os olhos, contudo, são os maiores destaques dela: tem os cabelos longos e exoticamente róseos. Com algumas madeixas espalhadas pelos ombros, pareciam cascatas de pétalas de flores de cerejeira. As íris, por sua vez, são coloridas por um verde genuíno; não é verde escuro, verde claro, verde-água ou verde-oliva. É simplesmente verde. Os lábios se entreabriram quando ela notou a minha presença.

Linda...

Uma visão linda e quase divina. Ela parecia a encarnação de uma deusa primaveril. As feições faciais, bem graciosas, articularam uma expressão perplexa ao ficarmos frente a frente. Seu olhar era profundo, entretanto, transmitia um mistério no qual não conseguia desvendar. Como um buraco negro, aquele olhar absorvia tudo, mas não devolvia nada. Não soube distinguir o que aquela moça poderia estar pensando. Outrora paralisado, fui despertado do transe quando uma outra mulher lhe pediu passagem para entrar no banheiro. Assim que ela se distraiu, segui o meu destino.

Por sorte não havia ninguém no banheiro masculino. Andei até a pia e abri a torneira. A água gelada colide contra o meu rosto quente enquanto eu o lavava. Depois de alguns segundos, terminei, apoiei as mãos sobre o mármore e encarei o meu reflexo no espelho. Inflei os pulmões de oxigênio e exalei um suspiro.

Em partes me senti orgulhoso por ter resistido à tentação de beber, no entanto, o outro lado de mim xingava pela covardia de fugir e por reconhecer a minha fraqueza diante do álcool. Eu não queria ter nascido assim. Eu não queria perder tudo que perdi por causa de um maldito vício. Eu não vou recuperar tão facilmente a confiança da minha família, o meu antigo emprego e a minha vaga na faculdade. Basta-me apenas matar um leão a cada dia. Todo o meu futuro depende de mim, está fora de cogitação destruir ainda mais a minha vida.

Com o fôlego se amenizando, a dolorosa adrenalina também diminuiu um pouco. Meus sentidos se normalizaram gradativamente, porém, ainda não me sentia seguro para retornar — isto sem contar na vergonha que sentiria ao falar sobre a minha incapacidade de ficar com eles. Gostaria de ir embora, não fazia ideia de por quanto tempo o meu autocontrole duraria, mas seria falta de consideração com Naruto se eu voltasse para casa. Em controvérsia, seria pior se eu me descuidasse a qualquer hora. É, devo ir embora antes que aconteça algum acidente. Já gravei o caminho na ida mesmo. Decidido, saí do banheiro.

Ao abrir a porta, tive a sensação de haver dezenas de borboletas voando dentro do meu estômago; diante de mim estava novamente a moça de cabelos róseos. Como se ela me aguardasse, mantinha os braços cruzados e me observava com o mesmo semblante pasmado. Sua beleza exótica, mesmo que me encantasse, não foi o suficiente para que eu não achasse a atitude dela estranha. Pigarreei  e tentei atravessar o corredor, contudo, subitamente ela me impediu. A mão, delicada tal qual a de uma boneca, encostou com sutileza no meu tórax. Um arrepio rasgou todos os poros de minha pele ao sentir o toque dela. Mais uma vez os meus batimentos se elevavam numa cadência intrépida, e, por alguma razão, meu corpo não obedecia ao comando do cérebro. Olhei em seus olhos, curiosos e sedutores, que num passe de mágica surtiam um efeito neutralizante sobre mim. Sem interromper o nosso contato visual, ela rodou a maçaneta da porta do banheiro masculino e me empurrou para dentro.

Minha mente dizia para sair e talvez até chamar os seguranças, pois sabe-se lá quais eram as intenções daquela mulher. Meu instinto, todavia, dizia para me entregar àquele momento. Ela fechou a porta atrás de si, e então finalmente a malícia transpareceu na sua áurea. Minhas cordas vocais não funcionavam, estava quase mudo. Uma parte de mim desejava saber o seu nome, mas sequer conseguia proferir alguma palavra. Antes que pudesse me desvencilhar, seus braços envolveram o meu pescoço. Cada movimento seu era sensual e bem articulado. Tão próximos um do outro, o calor de seu corpo fundia-se com o meu, e pela primeira vez eu senti o perfume dela, um deliciosa fragrância de frutas vermelhas. Nossas respirações sincronizavam-se num ritmo desenfreado, e, repentinamente, tive vontade de beijá-la. Como se estivesse lendo os meus pensamentos, ela contornou com a ponta do polegar o meu lábio inferior, e me beijou.

Hesitei um pouco no início, entretanto, seu beijo era tão extasiante e sua boca tão doce que a minha sanidade se esvaía tal como pó. Por mais que me esforçasse, não dava para resistir aos encantos dela. Ela era um misto de pureza e sedução do qual eu era incapaz de me defender. Tendo perdido a noção do tempo e do espaço, segurei a sua cintura e a apertava à medida que o beijo se intensificava. Arfei com a minha frequência cardíaca quando ela deslocou os lábios para o lóbulo de minha orelha e o mordiscou. Céus, que mulher é essa? Sequer a conhecia, no entanto, me permiti ser envolvido em seu universo particular, como se estivesse hipnotizado pelo canto de uma sereia. Vi-me em meio à lava de um vulcão prestes a entrar em erupção no segundo em que ela estava prestes a desabotoar a minha calça. Inconscientemente eu a desejei, e, com o sangue fervendo, senti uma ereção.

Necessitava tê-la para mim como alguém que descobre um oásis no deserto e necessita daquela água límpida. Fascinado, tomei rumo ao seu pescoço e o beijei enquanto abria o zíper na parte de trás de seu vestido. A escutei refrear um gemido. Sem cerimônias, retiramos cada peça de roupa um do outro até ficarmos nus. Dei uma olhada furtiva para o corpo dela.

Tão linda.

Em êxtase, tornei a saborear seus beijos. Além de nunca ter sentido deleite semelhante, ela me livrou de uma suposta crise de abstinência, e sobretudo do risco de voltar a beber. É bom, inclusive, relacionar-se com alguém que não sabe nada sobre o seu passado, não há julgamentos ou preconceitos. Mas eu ansiava por ouvir a sua voz, ouvi-la dizer o próprio nome, contar a sua história de vida e sussurrar algo sobre o nosso momento no meu ouvido. Eu ansiava por ela inteira.

 

[...]

Regressei para onde os meus amigos estavam. Não fazia a menor ideia de quantos minutos se passaram desde que me ausentei, então me preparei psicologicamente para escutar as reclamações de Naruto. De qualquer maneira ainda estava convicto de que deveria ir embora, mesmo que aquela moça tenha me distraído o bastante para esquecer os meus problemas.

Quanto a ela, assim que nos satisfazemos, vestiu-se, me beijou outra vez e saiu às pressas sem falar uma palavra. Tentei chamá-la ao menos para perguntar o seu nome, porém, ela foi mais rápida do que eu. Seu sexo era tão delirante quanto seu beijo. Ao passo que colocava de volta as minhas roupas, cismei com a hipótese de a aparição dela ser apenas um fruto da minha imaginação, já que era loucura ter relações sexuais com um desconhecido, principalmente dentro de um banheiro — algumas pessoas, aliás, foram impedidas de entrar, porque ela travou a porta com o trinco. Contudo, sabia que tudo aquilo não poderia ser uma fantasia, embora ela parecesse um sonho bom. E eu gostaria de repetir aquele sonho.

Enquanto caminhava, observei toda a área do bar. Não a encontrei em canto nenhum. Como ela pode ter sumido assim? Aproximei-me das banquetas e sentei na minha, sentindo as costas arderem por conta dos arranhões da mulher desconhecida. Será que foi embora? Naruto, que estava conversando com alguns rapazes, notou o meu regresso e indagou com irritação:

— Aonde você foi?

— Tomar um pouco de ar fresco. Olha, Naruto, eu preci... — ele interceptou a minha fala, com a atenção no palco:

— Shh, espera, o Kakashi vai falar!

— Obrigado pela atenção de todos. — falou Kakashi ao chegar perto do microfone preso no pedestal, sorridente. Os aplausos cessaram pouco a pouco — Termino o meu trabalho aqui, mas vocês não ficarão sozinhos. É com orgulho e prazer que lhes apresento a próxima cantora da noite: com vocês, Sakura Haruno!

— É a minha melhor amiga! — berrou Naruto, e o grupo ao meu lado aplaudiu e gritou com euforia.

De repente eu senti um zumbido infernal ecoando dentro do meu ouvido esquerdo, pois Naruto tinha dado um assobio tão estridente que quase me deixou surdo de um só lado. Tampei a orelha afetada, irritado. Filho da puta! Os sons do ambiente misturaram-se em palmas, gritos e mais assobios. O senhor Hatake se virou em direção a uma moça que subia no palco com um violão pendurado no pescoço. Eu acho falta de respeito não aplaudir nos momentos necessários, mas era impossível desproteger a orelha. Sem reação alguma para demonstrar, apenas passei a notar Sakura Haruno.

Boquiaberto, anulei pelo menos uma das minhas dúvidas: a moça que me seduziu há poucos instantes se chama Sakura Haruno. Arregalei os olhos. Ela fazia jus ao seu nome, tão bonito quanto a dona. Por isso ela saiu com tanta pressa. Seu sorriso demonstrava sinceridade e alegria como o de uma criança, e era tão radiante que me lamentei por não ter visto-o de perto. Sakura e Kakashi trocaram um aperto de mãos antes de ele descer do palco, e logo em seguida ela se sentou no banco. Ao concluir que ela também nutria paixão pela música, o meu desejo de conhecê-la melhor aumentou mais ainda. Por um súbito momento lembrei-me da sensação de ter a língua dela invadindo a minha boca durante os nossos beijos. Sorri.

— Boa noite! — cumprimentou a plateia, contente — Me sinto muito alegre em estar aqui com vocês!

Com uma nítida humildade, Sakura agradecia a presença de todos e o convite da administração para tocar no bar. Sua voz era agradável e firme, tão linda que podia soar como uma melodia até se falasse normalmente. Não precisava cantar para exibir a sua potência vocal. Era uma voz que eu ouviria todas as noites antes de dormir ou durante uma longa ligação sem me enjoar. Ao imaginar Sakura movendo os seus lábios rosados para dizer o meu nome, um pequeno arrepio subiu pela nuca. Desisti do plano de ir para casa, porque tinha que assistir a apresentação dela.

— Sua amiga é muito bonita. — admiti a Naruto, sem desviar a visão dela. Incrédulo, ele fez uma careta enojada quando me fitou.

— Vixe, é logo dela que você gostou?!

— Qual é o problema?

— Gaara — Naruto ergueu uma sobrancelha —, a Sakura está noiva!

Noiva?

No meu mundo, um meteoro entrou em colisão com a Terra, formando ondas de choque capazes de atingirem velocidades descomunais, tão impactantes que foram o suficiente para destruir uma parte da crosta terrestre. Uma camada de fogo culminou o planeta, quaisquer formas de vida reduziram-se a cinzas e vapor. Uma aniquilação total.

Noiva...

Ela sequer usa uma aliança!

Atônito, fechei os punhos, e de repente senti uma veia ressaltar na fronte. Mirei novamente a figura de Sakura. Por um instante eu a enxerguei como se ela fosse um demônio disfarçado de mulher, o que contradizia o seu comportamento angelical diante das pessoas. Perdi uma boa parcela do meu interesse por Sakura, afinal, com quantos outros homens ela já traiu o próprio noivo? Não creio que eu seja o primeiro. Meu pai, apesar de não termos uma boa relação, sempre ensinou para mim e para os meus irmãos: jamais se envolva com uma pessoa comprometida. Se eu soubesse desde o começo que Sakura é comprometida, nunca teria feito aquilo, mesmo que a beleza e o charme dela me cativassem.

— Noiva? — confirmei entre dentes, olhando-a posicionar o violão na perna.

— Sim, do Sasuke Uchiha, um outro amigo meu.

Senti tanta raiva dela e de mim mesmo que mais uma vez repensei na ideia de partir, todavia algo me prendia naquele lugar. Eu estava um caos; queria vê-la se apresentando e queria discutir com ela sobre o que ocorreu no banheiro. São vários sentimentos embaralhados. Mas, no espaço mais escuro do meu subconsciente, a imagem de Sakura ainda estava bem conservada, e tenho a impressão de que nem aquela ira poderia apagá-la. É perigoso navegar por águas desconhecidas.


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Notas finais do capítulo

Isso é tudo, pessoal. No próximo capítulo veremos como essa treta vai se desenrolar!
Desde já agradeço a atenção de cada um, beijos, até mais. ♥



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