O Colecionador de Histórias escrita por Akiel


Capítulo 2
1º de Ellanaris, 1318




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1º de Ellanaris, 1318

Não foi uma boa ideia desde o começo.

Hoje foi meu aniversário e meus amigos decidiram que, sendo o décimo oitavo, eu deveria fazer algo diferente para comemorar. Entretanto, eu não esperava que o diferente deles envolvesse invadir o território mais admirado e temido do Reino do Sul: o jardim dos Soberanos Silenciosos. Eu tentei protestar, argumentar que era uma má ideia cruzar os limites da morada das personificações do Fogo e do Inverno, mas foi inútil.

“É o seu aniversário”, Luca disse, “Você tem que se divertir. Além do mais, todo mundo vai lá para pegar as rosas”

 As Rosas de Fogo e de Inverno, o coração de nossa mais antiga tradição. Uma que eu não consigo entender. A Rosa de Fogo tem as pétalas da cor do sangue, mas salpicada com pequenas sombras alaranjadas que dão a ela a aparência de chamas, de um puro fogo envolvendo o espinhoso caule. É o símbolo de Iverith, a criança do mundo que personifica o Fogo. Já a Rosa de Inverno mostra pétalas de um azul tão intenso quanto aquele visto no céu logo após o amanhecer, as pontas pintadas pela brancura da neve. Ela simboliza Ileanna, a personificação do Inverno. É dito que as rosas nasceram do sangue derramado quando os soberanos perderam a voz. O silêncio que carregam sendo a punição do Mundo por eles terem se voltado contra nossos antepassados.

Mas agora? Agora, elas são apenas rosas, são troféus que deveriam representar a coragem daqueles que invadem o jardim dos Soberanos para colhê-las e então oferecê-las como presente de cortejo. Para mim, tal ação não demonstra nada além tolice e desrespeito. Afinal, todos conhecemos a extensão do poder dos Soberanos e o perigo que invadir o jardim e ser pego representa, mas ainda assim essa tradição persiste, cada dia mais descuidada. E nós somos a prova disso.

Meus amigos ignoraram meus pedidos e meus argumentos, me arrastando para a floresta, até a fronteira que marca o início do Jardim Congelado. O território de Ileanna e Iverith se assemelha a uma pintura feita em escala real, um fragmento do mundo paralisado no tempo. A neve nunca deixa a companhia das rosas e o castelo está constantemente coberto com um manto de gelo. Uma verdade imagem do Inverno. E uma beleza tão poderosa quanto um feitiço. Um feitiço que me pegou e nos levou direto para uma armadilha.

Enquanto Luca e Thiago riam e corriam entre as rosas, eu me sentia preso em um sonho, hipnotizado por uma beleza que até então eu só havia ouvido sendo descrita. Até mesmo meus passos sobre a neve pareciam diferentes de quando caminho pela praia durante o auge do inverno. O ar do jardim era frio, mas parecia esconder um calor que se manifestava apenas quando chegava aos pulmões, uma mistura de gelo e fogo que mascarava o desconforto que o frio poderia gerar. E havia tanta rosas... Rosas de Fogo e de Inverno, misturadas sobre o branco tapete e dançando sob o toque da brisa.

“Escolha uma!” Thiago disse, rindo da minha aparente perplexidade, mas eu não conseguia decidir. Não parecia certo – nunca pareceu certo – roubar uma flor dos Soberanos Silenciosos. Mas, então, eu vi uma rosa diferente. Uma Rosa de Inverno, mas manchada com algumas gotas de vermelho e laranja, presenteando as pétalas azuis com um toque arroxeado. Ela estava próxima da entrada do castelo, aos pés de uma escura estátua de uma raposa da neve. Contudo, eu não pude nem ao menos tocá-la antes de ouvir meus amigos me chamando, mandando me afastar.  Eu olhei para o lado e foi quando eu a vi.

Ileanna, a personificação do Inverno. Tão bela quanto as histórias a descrevem...

Pálida como a neve, o longo e liso cabelo branco contrastando com o vestido pintado em um suave dégradé de azul e os olhos da cor do céu noturno. Ela se aproximou de mim com calma, a barra do vestido deslizando sobre a neve em um leve arrastar que fez um arrepio frio correr por todo meu corpo. Sem pensar, me coloquei de pé e dei um passo para trás, me afastando da bela rosa. Eu vi quando um fraco sorriso nasceu nos lábios azulados com meu movimento. Quando Ileanna chegou ainda mais perto da estátua da raposa, eu dei dois passos rápidos para trás e logo pude sentir as mãos de Luca e Thiago me segurando com força pelos braços.

Por um momento, pensei que a personificação do Inverno iria nos atacar ou, ao menos, nos expulsar do jardim. Mas Ileanna apenas se abaixou e colheu a diferente rosa, os longos dedos tocando as pétalas azuis e arroxeadas por alguns segundos antes que a bela flor fosse oferecida para mim. Sentindo meu coração batendo com toda força em meu peito, olhei da rosa para a face de Ileanna sem entender, temeroso de que a oferta fosse apenas uma armadilha. Somente quando Luca cutucou minhas costelas que me movi, aceitando lentamente a rara rosa. A resposta do Inverno foi apenas um pequeno sorriso e, então, ela voltou para o interior do castelo, tão silenciosa quanto quando apareceu.

Tudo que aconteceu depois é como um borrão na minha mente. Retornamos para a cidade rapidamente, querendo mais do que tudo colocar uma boa distância entre nós e o território dos Soberanos Silenciosos. Durante o caminho, não trocamos uma palavra e, assim que chegamos, segui direto para casa, a festa feita para mim na taverna de meu tio completamente esquecida. Foi só quando a porta do meu quarto se fechou que eu olhei para a rosa na minha mão. Segurei-a com tanta forma durante o trajeto, que os espinhos cortaram minha pele, pintando o escuro caule com meu sangue. Mesmo agora, enquanto escrevo em meu diário, eu sinto o eco dos cortes em minha palma. E do ar do jardim, frio e quente ao mesmo tempo. Se eu fechar meus olhos, posso me sentir de volta ao lar das rosas, sentindo a macia neve sob meus pés. Posso ver a bela personificação do Inverno, sorrindo como se brincasse com três rapazes assustados. E, mais do que isso, quando abro meus olhos, eu vejo a bela rosa, uma mistura perfeita do Inverno e do Fogo.

Meu presente de aniversário.


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Notas finais do capítulo

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