A História Prometida escrita por Ly Anne Black, Indignado Secreto de Natal


Capítulo 5
O Resgate Mascarado




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Devia haver uma saída do livro em algum lugar ali por perto, pois aquela era a virada de um capítulo, mas Hermione estava incapacitada de achá-la, pois continuava amarrada pelas mãos e pelos pés. Começava a ter a impressão de que S. Morgenstein era um pouquinho sádico no que se tratava da “imersão” dos leitores em seu livro.  

Não que importasse, ela lembrou a si mesma. Precisava achar Rony. De preferência antes que o homem de preto – aquele que estava seguindo-os no barco pirata – a alcançasse. Uma vez que Buttercup e o homem de preto se encontrassem, ela tinha certeza que se desenrolar da trama se tornaria extremamente complicado.

Mas agora ela tinha uma preocupação diferente. Hagrik se preparava para escalar o Precipício da Insanidade com Hermione sobre o seu ombro, Henrico pendurado em seu pescoço e Snapini agarrado às suas pernas. Seria ridículo se não fosse aterrador. Hermione tinha medo de altura, e algo sobre ser sacudida no alto de cabeça para baixo, com suas mãos e pés amarrados, a deixava bem desconfortável.

Hagrik agarrou a corda, que caia lá de cima como se alguém a tivesse amarrado para eles mais cedo. Ele começou a subir e Hermione fechou os olhos bem apertados.

— Vocês são um bando de malucos — ela disse aos seus captores através dos dentes travados. Não estava mais ligando de que eles eram personagens e precisavam fazer o que a trama previa deles. Só estava com muita raiva dos três naquele momento.

Mas eles nem fizeram caso do seu comentário. Estavam mais preocupados com o homem de preto que, lá embaixo, tinha deixado o barco atracado ao lado do barco de Snapini, e saltado para a base do precipício.

— Ele está escalando a corda — avisou Henrico. — E está subindo mais rápido que  a gente.

— Inconcebível — exclamou Snapini. — Hagrik, mais rápido, seu grandalhão preguiçoso!

— Ele está fazendo o melhor que pode! — exclamou Hermione, indignada. Hagrik podia ser um dos seus sequestrados naquela realidade, mas ainda tinha a aparência e personalidade doce do meio-gigante que lhe servia chá e biscoitos duros em Hogwarts e ela não ia admitir que ele fosse tratado daquela maneira.

Ela arriscou abrir um olho, mas ver a distância que já estavam do chão a deixou nauseada. Hagrik tinha aumentado a velocidade, o que fazia com que eles sacudissem bastante. Mesmo assim, o homem de preto escalava com habilidade mais abaixo deles. Ela viu suas mãos enluvadas agarrarem a corda, uma depois da outra, com precisão e força impressionantes.

Ela ficou curiosa para saber que aparência ele tomaria, das pessoas que ela conhecia. Infelizmente não teria tempo para descobrir, pois assim que chegassem no topo do penhasco, precisaria se livrar do trio e procurar por Rony. Talvez isso significasse retornar à Hogsmin, onde estavam a maioria dos personagens secundários da história, e ela tinha uma ideia de como o faria isso. O príncipe Humperdraco estaria “procurando” por seu corpo eventualmente, então quando a achasse viva, ele teria de aceitar leva-la de volta ao castelo e tentar asssassiná-la mais tarde…

— Mais rápido — trovejou Snapini, agora com uma nota de desespero na voz, coisa que não se ouvia todo dia. — Você era suposto a ser essa coisa colossal e legendária, e ainda assim aquele magrelo está alcançando a gente.

— Bem, você ouviu a princesa, estou carregando três pessoas, ele só tem a ele mesmo para carregar!

— Eu não aceito desculpas! Vou ter que encontrar outro gigante, vai ser o jeito.

— Não diga uma coisa dessas, Snapini — choramingou Hagrik, partindo o coração de ponta-cabeça de Hermione.

Aos trancos e barrancos e muito mais comentários de Snapini sobre a lerdeza de Hagrik que fizeram Hermione querer ver o careca do homem queimar num caldeirão fumegante, e eles chegaram ao topo do penhasco. O homem de preto estava muito perto, agora.

Hermione aproveitou para dar uma boa olhada ao redor, procurando um jeito de escapar dos captores enquanto eles estavam distraídos.

— Vamos ver se ele é tão bom voando quanto é escalando — disse Snapini atrás dela, e cortou a corda.

Hermione quase gritou por impulso, mas lembrou de se controlar. Não podia se envolver daquele jeito com a história. Tinha ouvido sobre gente que se envolvera tanto em imersões em narrativas que se esqueciam que não estavam no mundo real, e acabavam nunca mais voltando. Havia um motivo, afinal, pelo qual aqueles livros ficavam na Seção Reservada da biblioteca de Hogwarts.

— Ele tem ótimos braços — comentou Hagrik, espiando lá embaixo.

— Ele não caiu? Inconcebível! — Exclamou Snapini, indo espiar também.

— Dios mío  — disse Henrico, com espanto na voz. — Ele está escalando a montanha com as próprias mãos.

* * *

— Quem é o homem de preto? 

— Ele está usando uma máscara. Não dá para ver o rosto dele — explicou Hermione, virando a página.

— Mas o que ele quer, indo atrás de Buttercup? 

— Rose, você já ouviu falar em paciência? 

— P-A-C-I-Ê-N-C-I-A — ela soletrou prontamente. — Já ouvi, mas não gosto. Anda logo, conta o que aconteceu com o homem de preto, não deixa o coitado aí pendurado.

Hermione voltou os olhos ao livro, rindo.

* * *

Ficou decidido que Henrico ficaria para trás para enfrentar o homem de preto, pois ele era o melhor esgrimista de que se tinha notícia. Hagrik, Snapini e Hermione seguiram adiante.

Quando o homem de preto finalmente chegou ao topo do precipício e encontrou com Henrico, os dois travam uma luta emocionante, cheia de piruetas e até algumas gotas de sangue, mas no fim o homem de preto era mais rápido e mais habilidoso com a sua espada e venceu Henrico Montoya. Então, quando estava com a espada no pescoço de Henrico, pronto para dar o golpe final, ele se deteve e perguntou:

— Já nos vimos antes? Você me parece familiar.

— Não sei — disse Henrico, que não tinha medo da morte e estava muito impressionado com a habilidade de esgrima do homem de preto. — Você por acaso tem nariz?

— Que pergunta estranha.

— É que o homem que matou os meus pais não tinha nariz. Depois que virei um esgrimista excepcional, eu rodei o mundo por muitos anos busca de vingança, mas nunca fui capaz de encontrá-lo.

O homem de preto levantou a máscara um pouquinho, só para mostrar o nariz perfeitamente afilado e salpicado com umas sardinhas, porque ele passava muito tempo debaixo do sol, velejando.

— Você é mesmo um esgrimista excepcional e foi uma honra vencê-lo. Vou poupar a sua vida, pois matá-lo seria um desperdício. No entanto, vou precisar deixá-lo inconsciente, pois não posso arriscar que me siga.

— Parece justo — disse Henrico Montoya, cujo senso de justiça era muito apurado.

O homem de preto bateu com a parte achatada da espada na cabeça dele, com a força necessária apenas para apagá-lo, e o amarrou a uma árvore antes de seguir adiante.

Numa planície mais adiante, o meio-gigante estava esperando pelo homem de preto, pois Sapini o tinha deixado para trás, só por garantia. Hagrik tinha uma enorme pedra na mão – do tamanho exato de uma cabeça humana – a qual jogou na direção do homem de preto, quando ele apareceu em seu campo de visão. A pedra passou a cinco centímetros da orelha esquerda do homem de preto e se espatifou atrás dele, fazendo uma mossa no tronco de uma árvore.

— Isso foi de propósito — disse o meio-gigante. — Eu poderia tê-lo matado, se quisesse.

— Tenho certeza que poderia — disse o homem de preto. — Obrigado por não fazê-lo.

— Achei injusto pegá-lo de surpresa. Vamos ter que lutar, pois preciso mesmo matá-lo, mas acho melhor se lutarmos como viemos ao mundo.

— Pelados? — perguntou o homem de preto, achando aquela proposição pouco usual. O gigante balançou a cabeçona.

— Quê? Não, eu quis dizer sem armas. Você sem a sua espada e eu sem a minha pedra.

O homem de preto considerou por um momento.

— Você é três vezes mais largo e duas vezes mais alto que eu. Não me parece uma luta muito justa.

— Bem, não tenho culpa da minha força e tamanho. Agora chega de conversa, preciso fazer aquilo para que fui contratado.

Mas o homem de preto notou que o meio-gigante não estava soando muito ansioso e achou que ali havia uma oportunidade a ser explorada.

— Olhe, eu vou vencer você. Você é grande e pesado, mas eu sou rápido e habilidoso. Acabei de vencer o seu amigo hispânico, que pode muito bem ser o melhor esgrimista que o mundo já viu. E mesmo se você for o melhor meio-gigante do mundo, vou vencê-lo também. E sinto avisar, mas vai doer um bocado.

Hagrik pensou por um ou dois pares de segundo.

— Não sei o que dizer. Se eu não tentar, pelo menos, vou ser demitido.

— Que tal se apenas fingirmos que eu lhe derrotei? Ninguém sai machucado e como sinal da minha gratidão, eu lhe deixo um presente.

— Que presente é esse? — perguntou Hagrik com desconfiança. Ninguém andava por aí lhe dando presentes, especialmente gente que ele tinha sido ordenado a quebrar o crânio.

O homem de preto tirou da bolsa que ele carregava ao lado do corpo uma coisa oval, cor de opala brilhante, cheia de escamas, que parecia reluzir de dentro para fora. Era a coisa mais bonita que Hagrik já tinha visto.

— É um ovo de dragão, e está para chocar. Estava mesmo procurando alguém para cuidar dele, e você me parece uma boa opção, porque acho que pode dar conta.

Hagrik ficou tonto de empolgação. A coisa que ele mais gostava no mundo, depois de rimar, era de dragões.

— Se eu fingir que você me nocauteou, eu posso ficar com ele? 

— Com certeza — disse o homem de preto, estendendo o ovo.

E foi assim que ele venceu o gigante de braços mais fortes que se tinha notícia e continuou seguindo as pegadas de Snapini e Buttercup até o ponto mais alto da montanha.

Longe dali — mas não tão longe — um grupo composto pelo príncipe Humpedraco, o conde Riddle e vários dos melhores membros de sua guarda real seguiam o rastro dos sequestradoras de Buttercup. Eles acharam Henrico desacordado, amarrado a uma árvore, e Humperdraco, que era bom em adivinhar, adivinhou que havia acontecido uma luta de esgrima. Ele seguiu as pegadas do vencedor, pois estas seguiam as pegadas do gigante, que por sua vez seguiam as pegadas duplas do sequestrador de Buttercup e dos seus pequenos pés sendo arrastados.

Quando o homem de preto encontrou Snapini, ele o estava esperava com um punhal afiado de encontro ao pescoço da princesa Buttercup, que continuava amarrada e agora também vendada, esperando ao seu lado. Snapini até tinha montado um piquenique sobre uma pedra plana, usando um guardanapo como toalha. Havia dois copos de vinho e uma pequena garrafa arrolhada.

O mar quebrava ao longe e abaixo e o vento era forte, quando o homem de preto se aproximou de Snapini, a sua espada em sua mão, pronta para mais uma luta.

      — Então, restamos eu e você — disse Snapini de forma dramática. Ele não sabia, mas, embaixo da sua venda, Hermione estava rolando os olhos.

Ela tinha tentado escapar dele uma vez quando tinham deixado Hagrik para trás, mas sair pulando com as pernas atadas não foi tão coordenado e gracioso quanto ela esperava e Snappini a alcançara muito rápido, adicionando a venda para que ela não tivesse mais “ideias bobas”. Hermione, reavaliando a sua tentativa desesperada de escapar, se perguntou se os miolos frouxos de Buttercup estavam começando a substituir o seu cérebro bem compactado. Sair pulando? Honestamente…

— Se você quer que ela morta, é só dar mais um passo — disse Snapini, pressionando a ponta afiada do seu punhal contra o pescoço de Hermione. Ela se encolheu um pouco. Se quase se afogar já tinha doido tanto, acreditava que ser perfurada por uma faca não seria muito melhor.

— Me deixe explicar — pediu o homem de preto, com uma voz rouca que Hermione não reconheceu.

— Não há nada a explicar! Você está tentando sequestrar o que eu legitimamente roubei!

— Talvez podemos entrar num acordo — disse o homem de preto. Hermione sentiu os pelinhos do braço se arrepiarem e se perguntou que diabos era aquilo. Aquela voz…

— Não vai ter nenhum arranjo! E você a está matando! — ele advertiu, pressionando a faca mais um pouco. Hermione arfou de susto.

— Se não há acordo, estamos num impasse — disse o homem de preto, comedido.

— Sinto que temos mesmo. Não posso vencê-lo fisicamente, e você não é páreo para o meu cérebro.

— Você é tão inteligente assim? — perguntou o homem de preto, seguindo bem o roteiro do qual Hermione se lembrava. Ela costumava gostar daquela parte do livro. Na verdade, talvez a conversa entre os dois homens fosse a sua parte preferida de A Princesa Prometida.

— Deixe ver se eu consigo explicar… já ouviu falar de Platão, Aristóteles, Sócrates?

— Sim.

— Idiotas, comparados a mim.

— É mesmo? Nesse caso, eu o desafio a uma batalha de inteligência.

— Pela princesa? — perguntou Snapini.

Hermione sempre fora da opinião que, se dois homens precisavam mesmo disputar uma princesa, uma batalha de inteligência era muito mais nobre (e interessante) do que uma batalha de espadas.

— Até a morte? — Quis saber Snapini, seu sotaque e sua voz grave fazendo a pergunta soar muitíssimo mais letal do que Hermione se lembrava de ter soado em sua imaginação.

— Eu aceito.

Enquanto que Snapini servia o vinho nas taças, o homem de preto tirou algo do seu bolso. Hermione não viu nada disso, mas ela se lembrava. Então ele disse:

— Cheire, mas não toque.

— Não sinto cheiro de nada — retrucou Snapini. — Suponho que se trate de pó de iocano? 

— Exato. O veneno sem cor, gosto ou odor, o qual se dissolve instantaneamente em qualquer bebida sem deixar vestígios, está entre as substâncias mais mortais conhecidas pela espécie humana.

— Hmm — diz Snapini com apreciação. — Conheço esse jogo. Você coloca veneno em um dos copos sem que eu saiba em qual, e coloca um dos copos na minha frente, o outro na sua. Ambos devem beber, mas posso escolher de qual dos dois copos beberei. Preciso adivinhar qual das taças tem o vinho envenenado, e se eu errar, a minha ignorância significará a minha morte.

— Muito bem. Poderíamos fazer isso e ficarmos aqui ouvindo você ir e voltar em suas divagações pela próxima meia hora, mas eu tenho uma ideia melhor.

Hermione foi puxada das suas divagações ao ouvir aquilo. Algo estava errado. O homem de preto nunca sugeria ‘uma ideia melhor’ no livro.

Ouviu o homem de preto puxar mais alguma coisa de sua bolsa, algo que fez clac clac.

Xadrez? Quer apostar a princesa no xadrez?

— Isso. E vou colocar o veneno no meu copo e no seu. Quem perder precisa beber até o fim, sem desculpas.

Snapini aceitou porque, para o homem mais inteligente do mundo, o que era uma partida de xadrez senão vitória garantida? 

Ele não estava errado. Depois da partida mais longa da vida de Hermione – que se tornava mais agonizante porque ela não podia assisti-la – Snapini disse “cheque-mate”, selando o destino do homem de preto.

Hermione ainda estava muito surpresa que aquele detalhe do livro tinha mudado. Havia sido ela a responsável por aquilo? Como?

— Beba logo, que estou com pressa. O corpo da princesa precisa ser achado na fronteira do Vale Diagonal antes que anoiteça.

— Muito bem, vou beber — disse o homem de preto, que tinha dado a sua palavra e não podia fazer nada.

— Ahá! Não acredito como isso foi fácil. Achou mesmo que podia me vencer numa partida de xadrez, justo a mim, o homem mais inteligente do mundo? Vou ter prazer em ver você cair duro ao fim desse gole, vou ficar deliciado… por que é que você não está morrendo? 

— Acho que ainda demora mais um pouco, vamos contar. Três… dois…

Hermione percebeu que estava respirando rápido. Se Snapini ficasse vivo, isso mudava a história. E se a história mudasse, ela não saberia mais como prever os acontecimentos e usá-los para encontrar Rony.

— …um — disse o homem de preto, e houve um baque.

Passos. Sua venda foi removida do seu rosto. Hermione piscou algumas vezes, acostumando os olhos à luz. O homem de preto estava parado à sua frente, e Snapini estava caído ao seu lado.

— Como ele pode estar morto? Ele não bebeu da própria taça!

— Ah, isso. Coloquei pó de iocano nas peças do meu jogo. Por todo o tempo em que jogava, ele absorvia o veneno através da pele sem perceber. Estava morto antes mesmo do cheque-mate.

— Isso é genial. Como…?

— Como eu também não fui envenenado? Simpes — Ele se vangloriou enquanto terminava de desamarrá-la. — Passei os últimos anos construindo a minha imunidade ao pó de iocano.

Hermione pretendera perguntar “como raios você pode ter mudado de ideia e sugerido um jogo de xadrez ao invés do jogo de lógica, como na obra original”, mas ela suponha que não era uma pergunta justa. Aquele homem de preto, afinal, não tinha como saber que estava se desviando do roteiro de sua própria história.

(Continua….)


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