A Última Chance escrita por Caroline Oliveira


Capítulo 21
Acreditar


Notas iniciais do capítulo

Olha quem voltou na segunda semana de capítulos! kkkkkk
Gente, eu tentei muito resumir esse capítulo mas eu não sabia como desmembrar as cenas dele em dois! Ele tá do jeitinho que idealizei, então não achei justo desfazer.
Maaas como eu sei que você estavam com saudade da fic, acho que não vão se importar em ler um grandão ne? Pois bem, divirtam-se!



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Três dias depois...

Lúcia Pevensie

O sol estava a ponto de rachar o solo e eu podia jurar que logo o calor derreteria minha pele em questão de segundos.

Suspirei em frente à janela que ficava atrás da mesa do gabinete de Caspian, do qual Pedro e eu nos apossamos para cuidar dos assuntos do reino enquanto seu monarca estava fora. As pessoas se arrastavam debaixo do sol escaldante e o racionamento de água e comida não aliviava suas preocupações.

Três dias haviam se passado desde que Caspian, Susana e Edmundo partiram para a Arquelândia. Pedro assumiu os compromissos oficiais militares junto a Glenstorm. Havia alguns poucos telmarinos que haviam completado a maioridade e que para a nossa alegria ingressaram no exército. A intenção de Calormânia era nos deixar morrer de fome para atacar covardemente, mas se o exército estivesse pronto e o grupo de Caspian conseguisse encontrar a lança, poderíamos atacar primeiro.

Pedro me delegou os compromissos relativos a julgar causas dos súditos que não poderiam ser resolvidas pelos nobres e a criação de uma estratégia de racionamento e distribuição dos alimentos. Estava preocupada principalmente com os animais da floresta, os falantes que não conseguiam cereais. Vegetais e boas pastagens eram raras e os carnívoros também encontravam dificuldade em se alimentar.

Uma batida na porta.

— Majestade? - A voz do guarda soou do lado de fora - Lorde Theodor deseja vê-la.

— Deixe-o entrar! - Pedi. Sentei-me na cadeira de Caspian e procurei nas gavetas os outros papéis para começar os trabalhos.

Eu havia solicitado a Theodor um relatório objetivo sobre a situação dos celeiros e das produções de carne, leite, ovos e pescados. Queria monitorar a distribuição dos alimentos para que nada faltasse para todos.

— Trouxe o relatório que pediu, majestade - Ele entrou na sala, fez uma reverência perto da porta e caminhou até mim normalmente. - Espero que lhe seja útil.

— Obrigada pela eficiência - Theodor atendeu meu pedido rapidamente, devia ter uma contabilidade organizada - Inclusive quero que me ajude com o planejamento da distribuição dos próximos dias.

— Será uma honra auxiliá-la - Assentiu.

— Pedro não precisará de você?

— O rei Pedro está reunido com o general Glenstorm e outros homens de guerra - Explicou - Ele liberou os outros lordes e me pediu para ficar à disposição de vossa majestade.

— Certo, então vamos come...

Outra batida na porta.

— Majestade - A voz do guarda soou novamente - Tenho um recado para a senhora.

— Entre - Pedi - O que houve?

O fauno de expressão nada contente abriu a porta e entrou no gabinete, permanecendo perto da maçaneta.

— O prisioneiro Rilian deseja lhe falar - Avisou o fauno, contrariado. Franzi o cenho. - Confesso que hesitei em passar esse recado absurdo, mas preferi cumprir com minha obrigação.

— O irmão não foi visitá-lo hoje? - Referia-me a Erlian, tentando compreender porquê Rilian gostaria de falar comigo. Talvez tenham proibido Erlian de ir até a cela, contrariando minhas ordens.

Eu permiti que o menino visse o irmão Rilian quando quisesse e até o acompanhei algumas vezes, para o desgosto de Pedro.

— Foi sim, como a senhora autorizou - Assegurou - No entanto, o meliante deseja tratar com a senhora em pessoa.

A revolta do fauno era compreensível: os narnianos consideravam muito a mim e meus irmãos e a ofensa de Rilian à Susana os ofendeu também. Era curioso vê-los à vontade em expressar suas opiniões conosco, contrastando com o comportamento recatado e formal dos telmarinos.

— Receio não poder ir atender pela manhã, mas mande avisar que irei à tarde saber o que ele quer - O fauno pareceu surpreso com minha decisão, entretanto não me questionou; assentiu e saiu do gabinete, fechando a porta atrás de si.

— Se me permite perguntar, senhora - Theodor disse - O que o rei Caspian decidiu sobre o suposto filho do falecido usurpador Miraz?

Pisquei um par de vezes. Era estranho ouvir um telmarino falar de Miraz daquela forma. Na verdade, era incomum até mesmo ouvir falar em Miraz no castelo. Os telmarinos demoraram a se adaptar com o governo inclusivo de Caspian aos narnianos, já que a maioria deles apoiou seu extermínio. A ascensão de Caspian ao trono foi benéfica à qualidade de vida deles, mas ainda era nebulosa a visão que tinham da figura de Miraz.

Ponderei minhas palavras para evitar fofocas e oposições.

— Apesar do infeliz contexto em que Rilian se colocou - Falei - Aslam tem planos para ele no que diz respeito ao cumprimento da profecia. Por ora, Rilian aguarda julgamento nas masmorras.

Eu tinha razões para acreditar que Rilian estava mudando e até se arrependendo. Além de sentir a mudança de postura, o abandono da rebeldia e do ódio, eu acreditava que Aslam queria mudar seu futuro, afinal seu alerta sobre ele fora bem no momento em que a vida de Rilian estava por um fio, com Caspian desejando executá-lo assim que possível. O leão não o queria morto.

Norte da Arquelândia

Susana Pevensie

Havíamos percorrido todo o território narniano e adentrado em Arquelândia em cerca de quatro dias. Era nítida a diferença climática na fronteira e isso só deixava claro que a desertificação era fruto de uma maldição. Arquelândia tinha um clima parecido com o de Nárnia, um pouco mais frio pela altitude, já que era uma região bastante montanhosa.

Acampamos um pouco antes do Passo para Nárnia e no dia seguinte nossa viagem continuou até um pouco depois disso, quando a corte de Arquelândia e nosso grupo iriam se separar: o rei Naim seguiria para sua fortaleza em Anvard ao ocidente, pouco depois da cadeia de montanhas do Pico da Tempestade. Nós, porém, seguiríamos para noroeste, atravessando toda a Arquelândia para o desfiladeiro que cercava o rio Flecha Sinuosa. Segundo a lenda, a lança da rainha Cisne Branco e seu túmulo misterioso deveriam estar escondidos ao longo do curso do rio.

— Bem, aqui nos separamos - Disse Naim para Caspian. Eles trocaram uma espécie de aperto de mão, segurando os antebraços um do outro - Deixarei alguns de meus soldados convosco para levá-los ao Flecha Sinuosa em segurança. Receio que haja bandidos pelas montanhas e não quero que o rei de Nárnia caia em suas mãos.

Apesar da relutância de Naim em nos ajudar de início, as conversas dos últimos três dias foram agradáveis. Ele compreendeu que se Calormânia desejava destruir ou conquistar Nárnia, seu território estaria em vista também e isso não era nossa culpa. Assim, suas reservas foram se apaziguando.

— Agradeço por sua colaboração - Disse Caspian - Como conversamos, aconselho que reforce a segurança e prepare seu exército. Não pretendo envolver Arquelândia no conflito, mas se for desejo de Ahadash conquistar todo o norte, seu reino precisará se defender.

— Espero que ele não se atreva - Naim ergueu uma sobrancelha - Seu exército será massacrado por meus arqueiros antes mesmo de chegar às muralhas de Anvard. De toda forma, prepararei minha cidade para o ataque.

Despedi-me de Neriah e desejei felicidades ao futuro casamento com o general Tácito. Ela me convidou antecipadamente ao seu matrimônio e pediu que eu lhe escrevesse sobre o desenrolar do relacionamento com Caspian, após claro Nárnia estar em paz novamente. Eu prometi que mandaria a carta, omitindo o detalhe de que eu não tinha certeza se permaneceria em Nárnia para casar-me com seu rei.

Após mais alguns momentos de conversa e despedidas, a comitiva de Arquelândia partiu.

— Acham que é sério essa história de bandidos e saqueadores? - Edmundo indagou - Pensei que essa seria uma viagem tranquila, até chegarmos ao desfiladeiro.

— Nenhuma jornada nossa é tranquila, Ed - Ressaltei - Achei que já tinha se habituado.

Ele fez uma cara de sofrimento, apertando os olhos e comprimindo os lábios e Caspian e eu sorrimos.

— Veja pelo lado bom - Caspian brincou - Pelo menos vai poder usar a espada novamente!

— Apesar de ter gostado do presente, isso não me deixa mais feliz - Edmundo retrucou, mas acabou rindo conosco.

O ar fresco e o sol ameno do território arquelandês nos permitia uma caminhada tranquila entre as montanhas. Era possível ver um animal ou outro comendo a relva dos solos mais planos, nos vales. Toda aquela vivacidade, no entanto, era incomparavelmente menor à de Nárnia em seus melhores dias e eu esperava que pudéssemos restaurar a vida naquela terra com a graça de Aslam.

 

Castelo Telmarino, Nárnia

Pedro Pevensie

Após destacar alguns nobres de habilidade estrategista para me auxiliar na discussão de estratégias de defesa e ataque, finalmente me reuni com Glenstorm e os outros na sala de guerra.

Caça-Trufas levantou a proposta de fazer uma troca de guardas mais recorrente, pois os homens estavam mais cansados por conta da diminuição da comida, mas Windren advertiu de que não tínhamos tanto pessoal disponível já que uma parte da guarda partiu com Garvis para proteger Caspian, Susana e Edmundo. Além disso, a troca dos guardas era sempre uma falha de segurança, uma oportunidade de ataque. Quanto menos tivéssemos, melhor.

Após mais discussões a respeito do treinamento dos recrutas e da composição dos batalhões, a reunião foi encerrada, cada um ciente das providências que deveria tomar e eu com uma dor de cabeça infernal.

A vinda a Nárnia me dera um pouco de sossego da correria e noites mal dormidas do meu mundo. Sem ter que ir às aulas na universidade, entregar trabalhos e ainda trabalhar no contra turno, eu até conseguia relaxar para dormir, mas não por muito tempo.

Apesar de a maior parte das obrigações estarem sobre os ombros de Caspian, eu não conseguia deixar de me sentir responsável. Aquela era a terra que eu governei durante quinze anos, pela qual lutei batalhas árduas e lutaria muito mais.

Caminhei pelo castelo sem rumo, a mente mergulhada em uma tempestade de pensamentos. Foi quando cheguei ao pátio que tinha uma pequena praça com bancos e arranjos de plantas sem flores. Sentei-me no banco e respirei fundo.

Quando era criança, não podia imaginar o nível de cansaço físico e mental sentido por meu pai após um longo dia de trabalho. Claro que não. Para mim ele era um herói incansável, indestrutível, invencível. Não importava quantas noites ele passasse preocupado em pagar as contas e colocar comida na mesa, ele sempre teria tempo e disposição para brincar conosco no jardim.

Como eu sentia falta dele. Precisei tantas vezes daquele ombro amigo, daquele braço forte que ele tentava ser ao menos pelas cartas que me enviava. Quantas vezes precisei de um abraço dele, ter a posição de filho devolvida a mim? Nunca mais eu teria isso. Nunca mais sequer veria seu rosto.

— Interrompo seus pensamentos? - A voz de Hiandra anunciou sua presença e eu ergui o rosto para ela com um sorriso amigável, mas a expressão animada dela se transformou em susto ao me olhar - Perdão, eu… não queria incomodar! - Ela reparou em meus olhos marejados.

— N-não, não foi nada - Disfarcei - Er… você precisa de alguma coisa?

O espanto em seu rosto se atenuou um pouco. Seu semblante estava menos melancólico desde a última vez que nos vimos. Após a partida de Tácito e Neriah, que eram quem costumava fazer-lhe companhia, eu me comprometi a visitá-la sempre que possível, mas havia falhado no dia anterior, atolado nas atividades administrativas.

— Não, eu apenas estou caminhando um pouco - Deu de ombros - É solitário permanecer no quarto, mesmo com a assistência das servas. Elas têm sido muito gentis, a propósito. 

— Me perdoe por não ter ido vê-la - Pedi com sinceridade - O rei Caspian não está no castelo, de forma que estou o auxiliando a cuidar de tudo.

— Não há problema - Disse gentil. Foi quando meio sem jeito ela se sentou ao meu lado no banco - Vossa majestade é que parece precisar conversar um pouco.

Os olhos castanhos de Hiandra eram um convite compreensivo para a agonia em meu peito. Evitei a todo custo falar dos meus pais por meses, cuidando para não cair em profunda depressão pela perda irreparável.

— Não quero aborrecê-la com meus problemas - Desconversei.

— Já me ouviu tantas vezes lamentar pela minha vida deplorável em Tashbaan - Argumentou - Até me falou do leão que tem bons propósitos até nas dificuldades! - Sorri - Se não quiser se ater aos detalhes, eu entenderei. Apenas permita que eu alivie seu sofrimento.

Suspirei.

— Eu perdi meus pais há poucos meses - Desabafei por fim. Falar aquilo em voz alta era como proferir uma sentença, era admitir aquele fato tão terrível como realidade. Meus olhos arderam - Foi um acidente, Susana quase morreu também. Sabe, quando alguém que amamos está doente e não vemos melhora, aos poucos nos conformamos com a possibilidade da morte. Mas quando as pessoas que nos deram a vida são tiradas de nós de um jeito tão… trágico e repentino… como se conformar com isso?

Hiandra ergueu a mão hesitante para limpar as lágrimas que não consegui evitar que caíssem. Era estranho falar assim diante dela, já que não fazia tanto tempo assim que nos conhecíamos.

— Essa é uma ferida que vossa majestade não permitiu que cicatrizasse - Comentou por fim - É como um ferido que toma chás que mascaram a dor, mas que não utiliza unguentos ou remédios para ajudar o corpo a fechar a chaga.

— Eu não posso desabar agora, Hiandra, não dá - Relutei balançando a cabeça - Nárnia precisa de mim bem.

— Eu sei que não é momento apropriado - Assegurou - A dor ameniza com o tempo, majestade, mas ela precisa ser sentida nesse momento inicial para sarar!

— Eu não tive tempo de viver o meu luto - Continuei - Você não entenderia se eu explicasse como são as coisas no meu mundo…

— Não, não entenderia, mas Aslam entende, não? - Aquela pergunta me fez encará-la de novo. Dessa vez o espanto foi meu - Não é o que você sempre me diz, desde o dia em que conversamos realmente? É a hora de colocar as suas palavras em prática.

Ruminei seus dizeres. Depois de tudo o que vivemos - a traição de Edmundo, a morte e ressurreição de Aslam, todas as vezes em que olhou por nós mesmo de longe… eu deveria ter aprendido a confiar mais nele.

Eu não entendia porque meus pais tiveram que morrer naquele trem. Eu acreditava que cada pessoa tinha o seu dia de ir embora, mas eu não estava preparado para enfrentar a morte deles. Diante disso, no entanto, eu precisava acreditar que de alguma forma tudo aquilo havia me ensinado algo, ou que tinham um propósito maior.

Por muito tempo desejei estar em Nárnia novamente. A Inglaterra não era mais o nosso lar, era pequena demais para a grandeza de Nárnia, para nossas aventuras aqui. Era para nunca mais eu ter voltado, Aslam mesmo disse isso. Ele, porém, mudou de ideia a fim de que tivéssemos aquela chance de felicidade em meio a tanta desgraça. Era isso a que eu devia me apegar.

— Obrigado - Fui sincero ao falar - De verdade, obrigado.

— Já estava na hora de eu retribuir sua gentileza de alguma forma - Sorriu para mim - Só espero que da próxima vez que conversarmos, eu consiga lhe arrancar sorrisos ao invés de lágrimas!

Não consegui evitar o sorriso e ela sorriu ainda mais com isso. Como alguém poderia fazer mal aquela joia preciosa, aquela alma gentil que encantaria o mais duro coração?

 

Ao cair da tarde…

Léguas ao sul do Passo para Nárnia, Arquelândia

Susana Pevensie

— Apreciando a vista? - Indaguei a Caspian ao me aproximar. Ele estava de braços cruzados fitando a campina que se erguia ao pé da montanha.

Após algumas horas de caminhada com intervalo para um almoço simples à beira de um riacho, encontramos uma caverna ao pé de uma montanha que parecia um lugar seguro para passar a noite. Os soldados vasculharam sua extensão e arredores e não havia sinal de presença humana recente.

A relva verdejava diante de nós e o ar estava tão agradável que era quase um insulto permanecer dentro da caverna por muito tempo. O sol se punha atrás no Monte Piro no ocidente, colorindo o céu de rosa, lilás, laranja e amarelo.

— Pensei que a ausência do calor poderia me ajudar a pensar com mais clareza - Ele descruzou os braços e afagou meus braços com suas mãos ao falar. - Teremos mais alguns dias de viagem até chegar ao desfiladeiro. - Suspirou - Eu gostaria de relaxar um pouco, mas minha mente não para.

— Eu entendo você, mas uma mente cansada só vai te atrapalhar - Acariciei seu rosto com as costas da mão, os dedos roçando na barba por fazer que Caspian passou a manter a alguns anos. - Não quero vê-lo entrar em colapso.

Caspian sorriu para mim, seu coração recebendo a ternura de minhas palavras de cuidado. Ele segurou meu queixo delicadamente para tomar meus lábios em um beijo calmo e um arrepio percorreu minhas costas. Havia se tornado raro termos momentos assim.

Sua mão que estava em meu queixo foi para minha nuca e a outra apoiou-se em minhas costas para trazer-me mais para perto. Coloquei uma das mãos em sua nuca também e repousei a outra em seu ombro, aprofundando o beijo.

Momentos como aquele me faziam duvidar da realidade. Passara tanto tempo imaginando estar nos braços de Caspian daquela forma, saborear seu beijo devagar, sentir através daquele toque todo o seu amor.

Quando o beijo se desfez, encostamos nossas testas e apreciamos a presença um do outro no silêncio. As batidas do coração de Caspian pareciam sincronizadas com as do meu coração e eu continuei de olhos fechados, como que para eternizar na memória aquele momento de calmaria.

— Já mencionei o quanto sou feliz por tê-la aqui comigo? - Suas palavras me fizeram abrir os olhos para olhá-lo. Era como se sua voz acariciasse meus ouvidos, como se seu amor afagasse a minha alma - Não sei como consegui viver tanto tempo sem você.

— Não houve um só dia em que não pensei em você - Deixei meu coração falar - Não houve um dia em que eu não desejasse ouvir a sua voz. - Ele voltou a me beijar, dessa vez mais rapidamente - Eu gostaria que pudéssemos aproveitar momentos assim sem pressa, ou preocupação. Ou dúvidas sobre o futuro.

Ele ponderou um pouco. O silêncio recaiu sobre nós. Eu havia prometido a mim mesma aproveitar ao máximo os momentos com ele, porém a dúvida sobre o quanto aquilo duraria sempre pairava sobre minha mente. Apesar de estar profundamente agradecida a Aslam por aquela oportunidade, não sei se teria forças para me separar de Caspian outra vez.

— Eu tenho fé de que vamos poder ficar juntos - Falou por fim e por algum motivo aquela afirmação me causou uma sensação de surpresa - Não acho que Aslam tenha nos dado esta chance para nos separar de novo, não pode ser! - Suas palavras eram sussurros.

— Acha que ele quer provar a nossa fé? - Questionei em voz baixa - Que quer ver até onde lutaremos pelo nosso amor? 

Ele assentiu em resposta.

— Eu gostaria que ele falasse comigo nos meus sonhos como faz com Lúcia - Admitiu com um meio sorriso - Mas creio que a dúvida deve ser justamente o gatilho para que tenhamos fé de que nos casaremos e teremos uma vida aqui.

— É tudo o que eu mais quero - Sussurrei, tocando o rosto de Caspian outra vez e beijando-o.

— Então vamos acreditar! - Pediu, conservando o tom baixo - O impossível já aconteceu: você está bem aqui!

— Oh, que romântico! - Uma voz estranha nos interrompeu. Caspian de imediato me colocou atrás dele e desembainhou a espada - O rei e a rainha trocando juras de amor!

Era um grupo de soldados calormanos, muitos deles. Surgiam através das árvores, cercando toda a caverna.

Como vieram parar aqui? Deviam estar atravessando o Grande Deserto àquela altura!

— O que fazem em território arquelandês? - Caspian exigiu respostas - Soldados! - Gritou. Não demorou muito para que Edmundo, Trumpkin e todos os que estavam conosco aparecerem.

— Vai descobrir que não nos vencerá como antes, rei Caspian - O líder do grupo praticamente cuspiu as palavras - O sangue dos nossos antepassados será vingado e sua terra irá sucumbir debaixo dos nossos pés!

— Só por cima do meu cadáver! - Caspian falou entredentes.

— Pois que seja! Ataquem!

 

Castelo telmarino, Nárnia

Lúcia Pevensie

— Boa tarde, Rilian - Cumprimentei assim que desci as escadas que levavam ao nível das masmorras onde a cela de Rilian se localizava - Confesso que fiquei surpresa com o seu pedido por me ver.

Ele estava sentado na esteira, os pés apoiados no chão e as pernas abertas como de costume para os homens. Apoiava os cotovelos nos joelhos e as mãos cujos pulsos estavam presos em correntes estavam próximas, porém não cruzadas.

Ele logo se agitou para se levantar quando me viu.

— B-boa tarde, Majestade - Me reverenciou atrapalhado. Acho que pensou que eu não viria. Apesar disso, não deixou de esboçar um sorriso travesso - Não entendo a surpresa - Deu de ombros - Pensei que estávamos nos tornando amigos.

Soltei o ar em riso.

— Bem, é que a maioria das nossas conversas partiu de mim, então supus que você apenas não queria ser indelicado - Expliquei.

— Imagino que esteja se perguntando porque solicitei que viesse - Seu semblante assumiu uma expressão mais séria e a melancolia tomou seus olhos.

— Pelo visto, é algo sério. - Cruzei os braços. - O que houve?

— Na verdade, nada. - Ergueu uma das sobrancelhas - Essa é a questão. - Uma pausa, um suspiro - Vossa majestade já sabe qual sentença me darão pelo que aconteceu? É que já faz dias que estou mofando aqui e o rei Caspian parecia com tanta raiva…

— E você não perdeu a oportunidade de alfinetá-lo. - Acusei, recordando o relato de Caspian sobre as palavras ameaçadoras de Rilian a respeito da resistência secreta dos telmarinos à respeito da liderança de Caspian. Rilian baixou os olhos, consciente de seu erro.

— Sei que fiz mal - Reconheceu. Foi quando ergueu os olhos para mim de novo - Quando pretendem me executar?

Olhar nos olhos de Rilian diante daquela pergunta remexia meu coração de intensa compaixão. Eu tinha pena dele, senti isso desde o dia em que ele foi expulso da taberna e quase me derrubou do cavalo. Eu acreditava no arrependimento dele, acreditava que ele enxergava o quanto foi insensato e inconsequente.

— Eu não sei se deveria estar contando isso para você - Falei - Mas existe uma chance de você não ser morto por conta do que fez.

Ele arregalou os olhos azuis. Era mais desconfiança que surpresa.

— Como não? Eu… eu quase matei a sua irmã, aterrorizei-a e desrespeitei seu rei - Indagou incrédulo - Como é possível que não me matem?

— Não é por falta de vontade de Caspian ou de meu irmão Pedro, acredite - Esclareci séria - O sonho que Aslam me deu, contudo, mudou o rumo das coisas. E o fato de você ser primo de Caspian também. Não estou dizendo que será inocentado, você sabe que não é. - Assentiu - Foque em continuar refletindo sobre quem você quer ser a partir de agora e pode ser que tenha a chance de mostrar a todos.

— Tem alguma forma de eu me redimir? - Perguntou. Ele se aproximou da grade e colocou as mãos acorrentadas nas barras de ferro - Não sei, pedir perdão à rainha Susana e ao rei Caspian, a todos os narnianos e telmarinos em público? Não sei!

Pisquei um par de vezes.

— Olha, mesmo que Caspian perdoe você, os narnianos com certeza requererão uma punição, então pedir perdão em público pode ser um começo, mas…

— Não é suficiente - Concluiu por mim. Rilian baixou a cabeça, encostando-a na grade - Obrigado pela sinceridade, rainha Lúcia. E perdão por ter desperdiçado seu tempo.

Seu tom me entristeceu. Será que eu deveria ter ficado quieta sobre a realidade dos fatos? Não queria ser a responsável por tirar-lhe a esperança.

— Majestade? - Chamou Rilian - Não me ouviu?

— Aslam - Sussurrei por fim. Ele franziu o cenho. Andei rapidamente para me aproximar dele e ficamos cara a cara, separados pelas grades. - Peça a ajuda de Aslam! Ele perdoou Edmundo, a mesa de Pedra está quebrada! Peça a misericórdia que Aslam usou com Edmundo, ele com certeza ajudará você!

— Eu sou um estrangeiro, majestade - Rebateu - Não sou digno da justiça de Aslam, não sou do seu povo.

— Os telmarinos também não eram, Caspian também não era - Argumentei - Nem eu, nem meus irmãos! Ou nunca ouviu falar das histórias de que os reis do passado vão e voltam atendendo ao chamado de Nárnia?

Ele piscou um par de vezes e assentiu sem muita convicção.

— Acha que ele me aceitará? - Sua tristeza quase camuflava o fio de esperança que surgiu em seus olhos naquele momento - Depois de tudo o que fiz nos últimos tempos, depois de deixar meu irmão à própria sorte?

— Seu irmão perdoou você, não perdoou? - Indaguei e ele assentiu. - Aslam confiou a você a missão de encontrar a feiticeira maldita que está afundando Nárnia num calor terrível e uma seca devastadora! Ele tem um propósito com isso, ele tem que ter!

E Rilian sorriu, simplesmente. Sorriu de olhos baixos, como alguém que recorda um momento feliz.

— O que eu fiz para merecer sua compaixão? - Indagou. - Por que insiste que eu tenha fé, que eu mostre um lado bom que eu nem sei se ainda existe?

Corei por um momento. A verdade era que nem eu conhecia a origem daquele desejo avassalador de salvar alguém que sequer conhecia bem.

— Não sei - Confessei - Eu poderia inventar uma desculpa qualquer sobre preocupação com os súditos, mas estaria apenas dando uma desculpa bonita sobre algo que não sei descrever. Apenas pare de perguntar e acredite nas minhas palavras. Se você realmente está arrependido…

— Claro que eu estou! - Afirmou veemente - Não há um só dia que eu me pergunte o que raios me transformou nessa máquina de fazer tolices!

— Então ele vai te ouvir! - Completei a frase que ele interrompeu.

Piscou um par de vezes, confuso.

— Eu… devo esperá-lo chegar..? Para pedir?

— Deseje a mercê dele verdadeiramente em seu coração - Orientei - Ele saberá.

Rilian pareceu não entender bem, no entanto eu não saberia explicar melhor. Quando percebi que ele estava envolvido com os próprios pensamentos, me afastei da cela de fininho.

Senti um arrepio quando estava subindo as escadas e o ouvi chorar. Era muito estranho ouvir um homem chorar, a dureza de suas posturas não lhes permitia abrir os corações tão facilmente.

Pensei em voltar. Não, deixaria ele com Aslam. Ele o consolaria.

 

Fortaleza em Anvard, Arquelândia

A fortaleza na capital de Arquelândia estava tomada por um silêncio fúnebre após tantos gritos de desespero. O pátio o castelo estava repleto de soldados rendidos, chantageados em prol da sobrevivência de seu povo pelas mãos impiedosas dos calormanos.

Anvard esteve tomada de traidores. Informantes e agentes que abriram caminho para a entrada de seus exércitos e tomaram a cidade sem que seu rei estivesse presente. Naim sequer imaginava o que encontraria ao chegar. 

Assentado no trono de Arquelândia estava o tisroc Ahadash, vitorioso. Aproveitando-se de ter sido praticamente expulso, sua comitiva foi a primeira a sair de Nárnia. Ele enviou suas mulheres e filhos de volta a Tashbaan e encontrou seu exército já preparado para submeter Anvard.

— Os vigias voltaram com novidades - A sacerdotisa Katrizia anunciou, entrando triunfante na sala do trono como se fosse a rainha. Era a cúmplice fiel dos planos do tisroc, além de ser a porta-voz de Tash para o povo calormano.

— Algo interessante? - Animou-se o rei.

— O rei Naim está a caminho de Anvard, nossa informante estava certa - Katrizia contou com ar de deboche - O coitado nem imagina que conquistamos sua capital!

— Vou saborear o desespero no rosto de Naim, finalmente! - O tisroc estendeu a taça de vinho para o servo arquelandês chicoteado e maltrapilho enchesse de bebida novamente - Vou adorar ver a sua soberba derreter neve ao chegar da primavera.

— E ainda tem mais - Gesticulou Katrizia, estendendo a carta que o traidor havia enviado para eles - O rei Caspian também está em Arquelândia. Acabei de enviar um grupo numeroso para interceptá-lo.

— Nossa oferenda está com ele? - O rei bebericou o vinho enquanto se levantava do trono para descer preguiçosamente os degraus até a sacerdotisa.

— Sim! - A sacerdotisa não reprimiu a risada de escárnio em ver seus planos dando tão certo - Logo, logo Jadis estará de volta. Segundo Cietriz, ela é a mais indicada para acabar com os reis infelizes e o grande Leão!

 — Quando vou conhecê-la? - Indagou o tisroc, segurando o queixo da sacerdotisa - A serpente do deserto tem que conhecer o rei a quem servirá.

— Acredito que virá ao nosso encontro quando Jadis estiver livre - Informou.

— A serpente do deserto conseguirá sua vingança e todo o continente estará sob o domínio de Calormânia - O rei então olhou a sacerdotisa com lascívia - Isso merece uma comemoração.

O tisroc fez um sinal para que os servos e guardas se retirassem da sala do trono e assim que o fizeram, ele tomou a sacerdotisa nos braços, profanando o recinto com sua iniquidade.

Logo mais, dois grupos de soldados seriam destacados para render a comitiva do rei Naim que se dirigia a Anvard crentes de que encontrariam seu lar preservado e para capturar o grupo de Caspian a fim de realizar o sacrifício que traria Jadis de volta e que aplacaria a ira de Tash. Que Aslam os proteja!


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Notas finais do capítulo

E então, galera? Muita coisa pra comentar hein? kkkkk O que acharam da mudança do Rilian? E da relação da Hiandra com o Pedro? E sobre a cena suspian, gostaram? Pena que eles foram interrompidos ne?
O final eu fiz com um narrador observador, espero que tenha dado para compreender e não tenha ficado confuso!
No mais, espero que tenham gostado! Comentem o que acham que vai acontecer e o que esperam dos próximos caps!



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