O Garoto Da Minha Turma escrita por LittleR


Capítulo 5
Terceiro ano


Notas iniciais do capítulo

Notas sobre uma garota



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Tinha muitos garotos na minha turma do terceiro ano. Nenhum deles era o que eu queria. Suspirei ao erguer a cabeça e encarar o teto branco, exalando para meus pulmões o cheiro de ar-condicionado e papéis que a sala de aula tinha. Nunca uma aula fora tão chata.

Era o terceiro ano. Tinha um garoto na minha porta. Não demorou para que ele entrasse e tirasse minha roupa. E nós transamos, pela vigésima vez, eu acho. Nós fazemos isso quando ele está frustrado. Ele fica frustrado com muito frequência. Exceto de uns tempos pra cá. As coisas ficaram meio... escassas entre nós.

Eu sei o motivo. Eu sei de muitas coisas, embora seja problemático. Eu sou lenta, apenas; idiota não. Por olhar bem, eu vejo coisas que a maioria das pessoas está apressada demais pra ver.

Eu suspirei ao encarar o teto branco, absorvendo para meus pulmões o cheio de perfume importado e chá que meu quarto tinha. Mesmo o lençol não consegue aquecer minha pele nua. Eu desvio o olhar e lá está Castiel, esparramado desleixadamente ao meu lado, parecendo encarar nada com interesse nenhum. Ah, essa maneira de agir era... era...

— No que está pensando? – eu pergunto. Minha voz está rouca pelo sono. Devo ter soado mais manhosa do que imaginei, mas não foi intencional.

Ele gira a cabeça e me olha. Os cabelos vermelhos bagunçados sobre o travesseiro branco. Os olhos ainda semicerrados pelo sono, mas eles parecem suavizar quando caem sobre mim. Eu sei que não é nada disso. Eu sei que Castiel não se sente assim, mas minha mente ainda insiste em fantasiar. Tudo bem. Eu ainda conheço o limite de minha imaginação.

— Nada em especial – ele responde. E depois sorri. É um sorriso que você não conhece e nem poderá. Exceto, talvez, se já tiver transado com ele. Mas Castiel não transa com muitas garotas. Ele não é assim e isso não é fantasia minha.

Eu movo minha cabeça e volto a encarar o teto. Alguns minutos de silêncio se seguem entre nós, antes que ele deslize o braço sobre a cama e toque minha bochecha com os dedos. Sua carícia me arrepia. E ainda mais quando ele sobe sua mão e afaga os meus cabelos.

— No que está pensando? – ele pergunta, travesso. Eu me pego sorrindo. Meu coração não bate forte e nem se exalta, mas eu ainda largaria tudo hoje se soubesse que Castiel me amaria amanhã de manhã.

— Nada em especial – respondo e ele volta a sorrir, soltando um gemido manhoso enquanto move-se suavemente pela cama na minha direção.

— Você está sempre pensando em alguma coisa – sussurra-me, acariciando minha bochecha. – Sua mente é uma bagunça.

Sinto minha face contorcer-se em uma careta involuntária.

— Eu não sou assim – resmungo. – Eu sou lenta. Devagar, quase parando.

Uma risada rouca escapou por sua garganta. Sou seu parque de diversões particular.

— Você diz isso, mas... sabe que não é verdade. Você não é lenta, é acelerada demais. Sua mente está sempre correndo.

Pode ser verdade, eu digo a mim mesma. Sim. Tem muito bagunça aqui. Tem muita informação também. Como se uma epifania me sobreviesse a cada manhã. Eu solto um resmungo contido.

— Na verdade, eu... estava pensando sobre os boatos que correm na escola.

— Boatos? Você está sempre cheia de boatos. Quais são os boatos?

Não é culpa minha. Digo, o lance dos boatos. Eu não vou atrás deles e também não os espalho. Eles apenas... chegam até mim. E eu... eu os mantenho dentro dessa minha cabeça bagunçada.

— Tem uma garota nova na escola – continuei. – Dizem que ela vive correndo pelos corredores, sempre procurando alguma coisa. Como ela se chamava mesmo... Doh... Do... Docete?

Antes que eu terminasse de falar, Castiel riu alto. As gargalhadas pareceram ter saído simplesmente sem permissão. De forma... espontânea. Como ele costumava ser. Mas não por mim e não comigo. Eu suspiro e aceito meu destino.

— Docete? Sério? Essa foi boa – Cass exalou, uma risada saindo arrastada de sua garganta. – Esse não é o nome dela. – olhou-me como se eu fosse louca. – E além do mais, ela já está na escola há um bom tempo. Como você só conseguiu ouvir sobre ela agora?

Eu dei de ombros, encolhendo-me sob a coberta. Eu não sei porque, mas... nada na forma como Castiel falava parecia boa para mim. Desculpe, estou mentindo. Sim, eu sei porquê.

— Sou uma garota reclusa – respondi. – Aposto que ela é uma garota que adora se meter em assuntos alheios, com uma tia meio estranha e um pai que cozinha muito bem.

Mal eu terminei, Cass ergueu o corpo e sentou-se na cama. Encarou-me com o rosto franzido, como seu eu fosse a pessoa mais esquisita da face da terra. De novo.

— Que tipo de boatos você anda ouvindo? – perguntou com uma careta. – Eu não sei sobre o lance da tia e do pai, mas a parte que ela adora se meter é verdade.

Dei de ombros. Eu não escolho os boatos.

— Você gosta dela, não é? A tal da Docete – exalei a pergunta, sem dar-me conta do quão invasiva ela era. Dane-se.

O rosto de Castiel contorceu-se com a pergunta, como se eu tivesse cutucado o espinho em seu pé. Eu sabia o significado daquele olhar, era porque eu tinha tocado em um assunto que ele ainda não tinha admitido para si mesmo.

— Esse não é o nome dela – repetiu.

Ele repetiu porque queria desviar do assunto. No fundo de sua mente, ele deve achar que eu sou idiota. Eu não sou idiota, meu amor. Eu só deixo as pessoas acharem que sim.

— Você gosta dela – repeti, com suavidade e gentileza. – Seja lá qual for seu nome.

Ele bufou. A irritação começava a dar sinais. Mas eu não iria parar. Hoje não. Tentei adiar o máximo que pude, mas hoje é nosso prazo final. Desculpe, nada o salvará desta vez.

— Você só pode ser louca – acusou-me.

Mas eu suspirei com toda a calma que adquiri nestes longos 17 anos de vida e me sentei também.

— Eu não – respondi, atenciosamente. Respondi com calma e tranquilidade, como quem diz: "não, não fui ao correio hoje". Eu respondi assim porque é assim que sou e isso não vai mudar porque me apaixonei. – Eu sei. Eu sempre sei. Você sabe que sim.

Que eu sei de tudo. Eu vejo em seu olhar e ele entende que nada é invisível aos meus olhos. Ele mesmo disse uma vez. Que eu sempre sei de tudo. Os ombros de Castiel caem e seu olhar desliza para baixo, para os lençóis de minha cama. Eu me aproximo e pouso minha mão em seu ombro, amigavelmente.

— Tudo bem – sorri. – Ninguém escolhe por quem vai se apaixonar.

— Pare com essa conversa! – ele decretou, encarando-me com fúria. – Eu a conheci tem uns 4 meses, não tem como eu me apaixonar tão rápido. Além do mais, você e eu...

— Você e eu nada! – cortei-o, educadamente. – Você nunca ouviu falar em amor à primeira vista? Parece bem o seu caso pra mim.

— O quê? Isso... nada a ver... – um tom de vermelho cortou seu rosto claro. Meus olhos se arregalaram. A última vez que eu o vira assim foi com Debrah. Não consegui segurar o riso involuntário que me adveio.

— Céus, você está vermelho... – De repente, sinto minha garganta doer. A testa acima de meus olhos se contorce e eu... sinto gotas de alguma coisa escorrerem por minha bochecha. – Você está mesmo... – Minha voz falha. Eu... eu estou chorando.

Castiel me olha com espanto. Eu tento segurar as lágrimas. Eu juro que tento. Eu juro que não quero me sentir frustrada. Todos vocês são testemunhas de que eu tentei. E eu que havia deixado todas estas coisas pra trás. Sinto as mãos de Castiel em meu rosto. Seus dedos limpam-me as lágrimas. Eu as refreio. Eu as tomo com minhas próprias mãos e beijo seus dedos.

— Desculpe – murmuro. – Eu não queria assustá-lo. Tudo bem. Não se preocupe, eu sei como se sente.

Eu digo. Mas nem eu mesma posso acreditar, quem dirá Castiel. Ele suspira e desiste discutir. Limita-se a negar novamente, dessa vez com um simples aceno de cabeça.

Eu fecho os olhos por um breve instante, apreciando o silêncio consentido que se instaurou. Faz tempo que não fico assim. Faz tempo que não simplesmente calo a boca.

Eu volto a abrir os olhos quando ouço os lençóis da cama farfalharem. Castiel curvou-se sobre mim, até seus braços estarem agarrados em minha cintura e sua cabeça em meu colo. Ele faz isso quando está desesperado.

Afaguei os cabelos tingidos e, dessa vez, eles tinham mais cheiro de menta do que de cigarro.

— Você a vê com frequência, não é? – eu sussurrei, sem alarde.

Castiel demorou-se alguns segundos antes de responder. Apertou-me mais contra seu corpo quando o fez.

— Sim. Estamos na mesma turma.

Ah, é claro. Agora, ele é o garoto da turma dela. Não minha. Minha nunca mais.

— E o que vocês fazem? – continuo conduzindo a conversa, algo que dois melhores amigos fariam sem qualquer dificuldade. Não era o nosso caso. Já não éramos mais melhores amigos e já não éramos há bastante tempo. Desde aquela terça em que transamos indiscriminadamente em um porão sujo e pouco arejado.

— Muitas coisas. Ela me ajuda. Eu a ajudo. Ela... está sempre correndo. – Ele encolhe-se, esconde a satisfação estampada em sua face. – Ela também é terrível e tem uma língua afiada. Chega a ser engraçado.

Alguns segundos de silêncio se passaram antes que Castiel voltasse a falar:

— Você devia conhecê-la qualquer dia desses. Aposto que vai gostar dela.

— Na verdade, ela me lembra Debrah.

Os músculos de Castiel retesaram-se através de sua pele. Ele ergueu-se diante de mim, seus olhos fulguraram para os meus.

— Ela não tem nada a ver com Debrah – inteirou, tão perfeitamente que duvidei que fosse o dito cujo. Era ele. Era ele apaixonado por ela. Era eu apaixonada por ele.

Não vou chorar dessa vez. Prometo.

Um sorriso esticou-se em meus lábios, unindo minhas sobrancelhas. Uma desculpa silenciosa.

— Então devia chamá-la pra sair. Talvez um jantar... E quem sabe você possa beijá-la na porta da casa dela. – Inspirei, encolhendo meus ombros. – Ou não. Mas não importa, desde que vocês se divirtam.

Ele me olhou com olhos semicerrados, ainda incapaz de admitir. Mas eu estava bem.

— Quando chegar o momento, diga a ela tudo o que ela precisa saber. – Gesticulei ao falar, como se falasse a um aluno. – Diga que você adora a presença dela. Que você vai a lugares aonde ela possa encontrá-lo com mais facilidade. Que você a ofende porque ela é incrível e que tudo o que ela diz sempre parece ser a resposta correta. – sinto as lágrimas voltarem. Mais suaves. Mais gentis. Minha voz não falha dessa vez. E eu quebrei uma promessa. – Então, quando chegar a hora, faça uma canção. Esteja sóbrio ao tomá-la em seus braços e beije-a com carinho pela manhã. Assim você nunca precisará chutar paredes ou xingar pessoas, porque terá feito tudo o que pôde.

Castiel franze o cenho e me abraça. Seus braços me retém com tanta força que eu quase me esqueço que ele não me ama, que ele ama outra.

— Me desculpe – ele sussurra. Eu balanço a cabeça e afundo meu rosto em seu pescoço, e ali fico, desejando encerrar-me em seu corpo, longe de toda aquela correria lá fora. Não é possível. Por isso eu me afasto e o olho. Juntei todas as forças que eu tinha. Eram muitas.

— Me desculpe você. – Eu estou segura. Convicta. – Castiel, eu estou indo embora.

Os olhos de Castiel se arregalam. Seu rosto é espanto puro.

— O quê? – ele balbucia. – O qu... isso não é...?

— Fique calmo. Não tem nada a ver com você – expliquei. – Vou morar com meus avós no interior. Vovó está doente e eu quero ir até lá antes que as coisas fiquem... complicadas. É uma decisão que tomei há muito tempo.

O corpo de Castiel relaxa e seus olhos suavizam. Uma pontada fustiga meu peito. Eu a escondo debaixo de minhas camadas de segredos.

— Eu irei vê-la novamente, certo? – ele pergunta.

Não que isso importe. Em algum momento, ele viverá tão plenamente a própria vida que esquecerá que, um dia, eu estive ali. Tudo bem.

— Claro – dei de ombros. – Quem é vivo sempre aparece.

Antes que eu terminasse de falar, o celular de Castiel sobre a escrivaninha soou, acusador. Demorou alguns segundos até que ele conseguisse tirar os olhos de mim e alcançar o aparelho. Abriu-o. Olhou-o. Depois de uns segundos, um suspiro.

— Eu tenho q...

— Tudo bem – interrompo-o com um sorriso levado. – Eu sei que você tem o ensaio de uma peça agora. Pode ir, lobo mal. Por sorte, não sou sua chapeuzinho.

Ele sorri também e balança a cabeça. Eu o admiro enquanto ele recolhe suas roupas e as veste. Quero tirá-las de seu corpo e jogá-las na lareira. Mas, nosso tempo já acabou. Castiel se vira e caminha na direção da porta. Antes de sair, ele para.

— Você disse que me amava – lembrou, a voz baixa.

Eu o encaro com curiosidade.

— Sim, eu disse.

Seus olhos espreitam-me por sobre seu ombro. Eles querem uma resposta. Mas eu sorrio gentilmente. De novo e de novo. Não tenho resposta para ele. Amá-lo não muda nada. Castiel suspira e vai embora. Pela última vez.

Tem uma garota na minha turma do terceiro ano.

O que eu sei sobre ela é que ela guarda segredos demais. E ela ama um garoto que não é da minha turma.

Eu sempre retribuo o sorriso piedoso das enfermeiras quando entro no hospital. Hoje não. Hoje é segunda-feira e eu provavelmente não verei outra terça. Fico feliz porque, pelo menos, o clima é ameno.

Eu digo a mim mesma que meu coração tem muito mais do que a artéria entupida que sempre esteve aqui, mas que você não percebeu. Não. Tem algumas boas memórias aqui também. O cheiro de cigarros do porão. O som das cordas da guitarra. O barulho dos passos no corredor.

Eu penso em Nathaniel, em Iris. Até em Lysandre, que eu nunca conheci.

Eu penso no garoto que não é da minha turma, enquanto passo os olhos pelos objetos cortantes que hão de abrir-me o peito em alguns minutos, nesta sala de cirurgia branca e entediante. Não é o melhor lugar, eu sei.

Penso na garota que é da turma dele. Penso na história dela, correndo com seus amigos, resolvendo problemas. Ela viverá e contará sua vida, mas meu nome nunca será citado em nenhuma parte. E será como se eu nunca tivesse existido.

Tudo bem. Eu não me importo. A faca que me rasga não pode alcançar as memórias que guardei. Nem os segredos que escondi. Nem as vezes em que amei profundamente um garoto mal-humorado. A ele, deixo minha lentidão e minha forma chata de narrar as coisas.

 

Quando o sol nascer amanhã, enfim, todos saberão que já não amo mais o garoto da minha turma.


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Notas finais do capítulo

Yo, gente! Então, com esse capítulo, eu dou como terminada a história. O que acharam do final? É um final bem pesado sim, mas eu dei diversas dicas dos problemas que a protagonista tinha pela história. É só dar uma espiada, que vocês verão.
Essa história teria, inicialmente, apenas 4 capítulos. Mas eu realmente precisei escrever o capítulo 4, Segundo ano, part. 2, pra detalhar melhor algumas coisas. Daí, acabamos com 5.
Então, vou dar algumas informações meio desnecessárias, mas que existem no universo da fanfic:
a) Os pais da protagonista são ricos. Os avós dela têm uma fazenda no interior
b) Ela descobriu que tinha um problema arterial durante o primeiro ano, no dia em que tropeçou e o Castiel segurou ela, lembram?
c) Ela consegue processar uma quantidade insana de informações ao mesmo tempo. É por isso que ela vê coisas que ninguém mais vê e se sente lenta em relação ao mundo. Porque ela é muito acelerada, daí ela vê o mundo em câmera lenta.
d) A protagonista foi responsável por aquele desastre de cabelo rosa do Cass que a Rosália cita no jogo. Castiel ficou puto, mas ela encarou como uma forma de fazer com que esquecesse um pouco a tristeza.
E) Não, ela não tem nome.
Então, é isso. Eu me despeço de vocês, leitores maravilhosos, com esse capítulo escrito com muito amor. A cada um de vocês, que me acompanhou até aqui, me incentivou, comentou ou que só leu mesmo, meu muito obrigada.
Nos vemos na próxima!