Ah, natureza... Tu és minha companhia. Minha única companhia, a única que me ouves. A única que procura paciência enquanto venho te reclamar meus desânimos. Como me aguentas, natureza? Onde encontras essa paciência que eu mesma já não tenho?

Por muito tempo tenho vindo aqui, bem sabes disso. A propósito, sabes tudo de mim: as enjoeiras de minha mãe para que aprenda melhor os serviços da casa, as manhas de meu pai para que me case, as saídas de meu irmão, as mentiras de minha tia... Sabes até da Dany, minha tão estimada cadela. Sabes do meu diário, onde deposito mais alguns de meus segredos. Sabes do meu caderno de desenhos, que não contém belas obras, mas algumas singelas representações de minhas emoções.

Ah, já te desenhei uma vez, natureza. Não apenas uma vez; mais vezes. Representei a paz que sinto aqui contigo, o riacho a correr depressa, as aves a fazer seus ninhos, o vento acariciando as folhas das árvores e também os meus cabelos... 

Quantas vezes achava que não tinha mais esperança e tu me salvaste! Quantas vezes pensei em fazer algo contra mim e tu pegaste em minhas mãos e conduziu às minhas próprias profundezas, me apresentando cada uma de minhas virtudes, aquilo que tenho de mais bonito...

Também me apresentaste aquilo que mais temia e não entendia em mim, e tu decifraste, em segundos, aquilo que tentava entender desde toda minha existência. Me corrigiste quando estive errada e me parabenizou quando fiz alguns poucos acertos. Quem de meus parentes me mimam assim como tu?

Outra vez me desesperei, minha natureza, quando vi que o fogo te consumia, te engolia, como que invejando sua beleza. Ah, nada descreve a dor que senti... Quantas lágrimas derramei por ti, minha amada... Fiz questão de sair de minha pequena prisão que é minha casa para vir te ajudar a recomeçar. Muitas vezes, muitíssimas, saí escondida para vir regar suas mais novas flores, que eu mesma havia plantado. Tu trataste de cuidá-las a seu modo e não me estressei com isso em nenhum momento.

Hoje aprecio sua força: em pouco tempo você se refez em formosura, tão magnífica quanto antes, mais esplendorosa que as nuvens quando estão combinando sua dança no céu, fazendo um jogo com as luzes que o Sol lhes oferece. Tu tens força, natureza, e mais forte ainda é o seu carinho. Quanto amor retém em teu verde... Quanta calma está presente em tuas plantações... Quanto silêncio nesse pequeno paraíso...

Às vezes penso em fugir. Sim, fugir. Fugir e viver contigo. Esquecer os afazeres domésticos para podar as árvores e as jovens flores, recebendo em troca suas frutas, sejam elas quais forem. Penso em deixar o Francisco e o Pedro, meus pretendentes, e assumir um relacionamento contigo: a mãe natureza e a filha humana, uma cuidando da outra. E me dedicarei a ti, e não mais a um marido. E serei feliz contigo, e não mais com os pequenos mimos, tão superficiais de meus pretendentes...

Teu silêncio é tão vazio e tão cheio de significados... Nele posso ouvir meus pensamentos e esquecê-los, posso refletir e inventar canções, recitar poemas ou criá-los. Em teu silêncio posso ouvir tua voz, calma e solene, a dizer que está tarde e que é melhor voltar depois porque já está tarde.

Desisto de meus sentidos apenas para estar aqui, deixando os pensamentos voarem enquanto observo o céu azul estrelado. Mas nem tudo é eterno e logo tenho de voltar à minha prisão, fingindo aprender a amar alguém que desconheço.

A ti eu conheço, natureza, e é contigo que quero estar. Você, o silêncio e meus pensamentos.