Aracnídeo: Sangue Perdido escrita por Gabriel Souza, WSU


Capítulo 7
Capítulo 6




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Era um noite escura, a chuva forte alagava a cidade litorânea de Recife, lar do Aracnídeo, um herói corrompido que protegia o município. Com a visão superior do alto de um terraço, Jonas Ferreira poderia dizer que Recife era um cidade que alternava entre belezas naturais, artificiais e áreas degradadas que serviam de lar para os abandonados, àqueles à margem da sociedade, ignorante e preconceituosa.

A tempestade reafirmava a sua visão da cidade, um local, como muitos outros do país, que não era planejado para enfrentar tempestades e por conta disso a confusão era imensa. A famosa falta de educação do brasileiro que muitos gringos reclamam.

O vento forte ensurdecedor acompanhado do som de trovões era o destaque daquela noite, o que Jonas até apreciava, principalmente por quê a chuva naquela época do ano era acompanhada de uma frente fria que refrescava o herói, estava em queda livre com seu uniforme dourado. Inicialmente feito de pano sintético, gastando uma boa parte de sua mesada e logo depois melhorada por Carmita, apelido que Jonas atribuíra à nave de Karen.

Um pouco de teia saiu de seu braço aderindo-se à janela de um outro apartamento próximo, Jonas apreciava sempre que passava por áreas com prédios como aquele, um dos poucos lugares onde ele poderia sentir-se livre do resto do mundo. Onde poderia refletir sobre sua vida, algo que ele fazia com muito mais frequência nas últimas duas semanas.

— Ei, você é aquele cara, o Aracnídeo! — Uma mulher gritou da janela de um prédio enquanto Jonas passava. Ele soltou sua teia e deixou seu corpo se erguer no ar por alguns segundos antes de retornar à queda livre.

— Sou eu mesmo — Fez uma pose no ar e acenou com um sorriso, sentia-se especial quando alguém o reconhecia e não o recordava do acontecimento de duas semanas antes.

Ótimo, Aracnídeo relaxando e patrulhando em busca de encrenca por mais de uma hora, nunca encontro o que eu quero na em que eu quero. Pensava enquanto se segurava com firmeza em mais um fluído pegajoso que tinha como origem seu pulso, fazia tempo que ele se acostumara com o fato de seu corpo produzir mais fluídos do que um adolescente comum deveria produzir.

Depois de uma longa busca finalmente Jonas ouviu algo, o som de uma explosão alguns quarteirões além de sua posição, abaixo pessoas se mostravam assustadas, eram pouco mais de 21:00 e um assalto à caixa eletrônico estava em andamento em uma área super-movimentada da cidade. A segurança do país realmente não era das melhores.

Enquanto seu trajeto se modificava de uma ronda rumo à uma das áreas mais violentas da cidade para o norte, rumo ao local da explosão, Jonas recordava de seu confronto contra dois corrompidos seguidores dos ideais de Bernardo. A surra e a humilhação ainda repercutiam não só em sua mente, como também entre a população, ter apanhado ao vivo no ano de 2016 significava virar meme na internet e ser o assunto da semana entre as pessoas. Jonas poderia até dizer, não de forma muito orgulhosa de que chegou a ser, por algumas horas, a persona mais citada em Tweets.

— Não é hora de se lamentar — resmungou com si próprio enquanto se aproximava e via uma van cortar caminho violentamente na avenida abaixo — Preciso chegar à tempo... — Se esforçava para disparar suas teias de forma mais cirúrgica possível afim de se locomover mais rápido e assim, alcançar o veículo que perseguia antes que saíssem da área cercada de prédios. Se os ladrões de caixa conseguissem esse feito, as chances de Jonas se complicariam exponencialmente, era muito mais difícil alcançar veículos de fuga quando sua maior vantagem não existia para lhe ajudar.

Aracnídeo dava mortais no ar acompanhados de disparos de fluidos pegajosos que serviam como cipós para o Tarzan aranha, que se vendo obrigado a diminuir de altitude devido ao fim dos prédios e o início de uma ponte, largou uma de suas teias e pousou no teto de um ônibus atraindo a atenção dos motoristas próximos.

Antes mesmo que alguém pudesse reclamar ou até mesmo gravar o vigilante, ele saltara do ônibus para outro carro que fazia ultrapassagem, assim repetindo esta estratégia até cair em cima do capô da van que imediatamente fez uma manobra evasiva na tentativa de fazer o herói cair.

— Ei vocês, vocês não acham errado isso não? — Ele batia na janela dianteira fazendo sons de toc toc.

O homem que se encontrava no banco de passageiro sacou um revólver .40, atirou pra frente quebrando o vidro, porém errando o alvo que não estava mais acima do capô, mas sim do teto. Logo, Jonas pôde ouvir uma discussão vindo de dentro da van, podendo captar entre os xingamentos alguém falar que ele estava ali em cima e como num filme de ação disparos foram efetuados para o alto do veículo.

— Que seja — Jonas resmungava, havia saído para patrulhar numa tentativa de pensar em coisas além de Bernardo e sua revolução, porém naquele momento ele estava na verdade era entediado, quase como um Saitama em busca de algo emocionante, porém encontrando apenas decepção.

Aracnídeo saltou da Van para um poste à frente do veículo, em meio segundo observou a velocidade com a qual o automóvel de fuga se movia e disparou teias na rua, entre a van e o carro que vinha logo atrás, criando uma barreira elástica que impediu a continuação do fluxo de trânsito atrás da van. Deu um mortal alto e caiu em frente ao veículo que se chocou contra o seu corpo.

— Vamos lá Jonas — Fazia força na tentativa de parar a van — Você consegue! — Numa explosão muscular Aracnídeo não apenas parou o veículo como entortou a parte dianteira do mesmo, o que fez com que o motorista e o copiloto batessem com suas cabeças no que restava do vidro dianteiro do veículo ficando inconscientes.

Olhou ao redor se certificando de que a parada brusca da van não havia causado nenhum acidente e saltou para a parte de trás do veículo abrindo violentamente a porta traseira e encontrando dois homens cambaleantes, ainda recuperando os sentidos após uma parada não programada, junto deles sacos cheios de dinheiro roubados logo antes.

Aracnídeo apenas prendeu os dois bandidos com teia e saiu do local ao som de sirenes se aproximando.

 

 

 

***

 

O colégio do grupo Gêneses era movimentado, quase dois mil alunos vinham todo dia assistir aulas nos turnos matutino e vespertino e como uma escola particular padrão, existiam aqueles alunos que se achavam superiores por serem mais bonitos, ricos e atléticos em sua concepção. Até poucos meses antes Jonas poderia ser um desses alunos babacas, mas naquele momento ele era só um aluno que estava retornando ao colégio após se ausentar por pouco mais de duas semanas devido à um acidente, claro, era isso o que as pessoas achavam, porém a verdade é que Jonas havia levado uma surra de outros corrompidos, que queriam lhe dar um lição sobre como ir contra seu povo poderia lhe trazer duras consequências.

— Ei — Uma voz familiar chamava Jonas, a voz de Serena, a novata meio retraída, porém bastante atraente a qual Jonas tentou ingressar no seu círculo de amigos numa tentativa de se redimir por sempre ter sido um idiota com aqueles que não tinham muitos amigos no colégio — Que bom ver você de novo — Ela o envolveu num abraço caloroso — Sei que não somos muito próximos, mas fiquei preocupada.

Jonas esperou alguns segundos até que Serena cessasse o abraço e mostrou um sorriso forçado.

— Não precisava se preocupar, Jonas Ferreira é feito de aço, não é um acidente de moto que vai acabar com ele.

Serena mostrou um sorriso de canto de boca, depois de tudo o que ela havia passado nos últimos tempos ela sentia que tudo de ruim que acontecia ao seu redor era culpa sua, ou do que ela era.

— Bem, eu tenho que ir, preciso passar na coordenação antes de ir para a sala, sabe como é, resolver algumas coisas sobre o que eu perdi nessas duas semanas. — Jonas começou a se afastar deixado Serena para trás que observava Jonas andar mancando de leve.

 

 

 

Duas semanas antes

 

Para Jonas tudo estava preto, seu corpo doía por completo e sua visão não o obedecia, a ânsia de vômito também era presente. Passados alguns segundos no chão ele tentou se levantar, porém seus braços não corresponderam e ele desabou novamente no solo áspero da rua, mil pensamentos passavam pela sua cabeça naquele instante: a revolução, Andressa, Bernardo, sua mãe. O que ele estava realmente tentando fazer, ele não era um herói, sabia disso, havia feito muitas cagadas na vida para se considerar um, tudo o que ele fazia era tentar se redimir de quem ele era, do que ele fez e do que deixou de fazer, em meio à esses pensamentos ele sentia sua consciência pesar e se esvaziar até se encontrar inconsciente.

— A vida é sofrida não é? — Jonas acordou de súbito, seu corpo doía, porém não tanto quanto sua cabeça que lutava para assimilar seus últimos minutos de consciência — Ela gosta de ver a pessoa sofrer um baque. Num momento ela te dá aquilo que você mais deseja, a euforia, a alegria, no outro ela te dá um tapa na cara e te acorda para a realidade — Uma voz familiar continuava seu monólogo. Jonas recriava em sua mente a surra para Fenrir e Renato — Isso acontece com todo mundo, não se preocupe Jonas.

A luz retornou aos olhos de Jonas que conseguiu ver Bernardo à sua frente, o jovem loiro sorria, em sua mão, a máscara do Aracnídeo.

— Não se preocupe, eu encerrei aquela sua transmissão idiota, não gostaria de expor sua identidade civil para todo mundo, não ainda.

— Bernardo... — Jonas gemeu de dor ao tentar se levantar, a adrenalina do momento da luta fez parecer que os golpes de Fenrir machucavam menos do que realmente o faziam, porém naquele momento, sem a adrenalina e a influência do seu lado aracnídeo podia enxergar o estrago em sua perna esquerda, um pedaço de sua carne estava exposta, muito sangue era perdido, ele não poderia ficar de pé nem se quisesse.

— Bem, devo admitir que você tem muita garra — olhou para a perna de Jonas, ele conhecia a força que Fenrir tinha naquelas mandíbulas, já havia visto muitas pessoas morrerem ou perderem membros por conta dele — Muitos já teriam morrido no seu lugar.

— O que você quer? Veio se vangloriar sobre mim? — Uma péssima memória retornava à mente de Jonas, ele já esteve em situação parecida meses antes contra um homem que odiava corrompidos. À sua frente naquele momento um homem que odiava humanos comuns, parecia um ciclo infinito.

— Não — O influenciador deu um tapa nas costas de Jonas — Vim aqui tentar te fazer enxergar qual é o lado certo — sentou-se ao lado do Aracnídeo enquanto observava os corpos de inúmeros homens mortos, todos caçadores de corrompidos financiados pela mesma empresa que havia financiado os negócios de John Soares— a Andressa já entendeu. — Seu último comentário irradiou uma reação esperada por Bernardo em Jonas — A revolução é o melhor caminho Jonas — Ele olhou fixamente para o garoto ensanguentado ao seu lado — Na verdade, é o único caminho para a paz que os corrompidos tanto almejam.

— Paz? — A cabeça de Jonas doía — Você fala de paz... — Seus sentidos já haviam se recuperado o suficiente para Jonas ter consciência de onde estava e do que tinha à seu redor, aquele era o terraço de uma famosa empresa, a Phoenix Labs, ao seu redor ele via homens mortos, uma chacina havia ocorrido enquanto Jonas estava inconsciente — …enquanto admira isso à sua frente? Como você pode chamar isso de paz?

Bernardo deu ombros.

— Fala desses homens? Eu chamo de justiça, eles mataram muitos de nós em nome do preconceito e de dinheiro, eles mereceram.

— Isso não é justiça, é vingança.
Bernardo sorriu.

— Você tem uma visão muito limitada Jonas, olha apenas para um pequeno pedaço da imensidão do mundo, da complexidade humana.

— Você é fanático.

Bernardo balançou a cabeça negativamente, não era a resposta que ele buscava ouvir.

— Eu não sou um fanático, sou só alguém que decidiu fazer algo a respeito do preconceito e ódio que o meu povo sofre diariamente. Eles estão à margem da sociedade, excluídos, passando fome, sofrendo maus-tratos, vivendo uma vida miserável, muitos deles perdendo a vida para caçadores ou até mesmo pessoas que nos odeiam tanto a ponto de nos matar. Faço algo a respeito enquanto você está por aí, desfilando numa fantasia ridícula com seus super amigos.

— Eu sei que eles sofrem.... — Jonas lutava contra a dor em todo o seu corpo, principalmente a dor na perna que parecia mais intensa à cada segundo — Mas isso não é motivo para fazer o que você faz, não é a razão para matar pessoas e levar pessoas a fazerem o mesmo que você — Jonas se virou para Bernardo com bastante esforço — eu quero saber o motivo pelo qual você quer fazer tudo isso, eu sei que você tem algo por trás.

Bernardo sorriu.

— Você me perguntou o motivo para isso tudo? — Ele se levantou, ficou à frente de Jonas e logo após se agachou, quase encostando seus joelhos no chão do terraço — Tudo bem, talvez assim você entenda o porquê está do lado errado. — fitou Jonas nos olhos, conseguia ver um pouco de azul naqueles olhos castanhos, uma reminiscência do seu lado instintivo — Como disse antes, através da justiça eu trarei a paz e o equilíbrio aos corrompidos...

— Justiça? Não me venha com essa merda, você é apenas alguém querendo vingança, uma semente de ódio —Jonas gritou ignorando a dor.

— Uma semente de ódio? É isso que você acha que sou? — Ele ponderou — De certa forma não posso discordar, sou como uma semente, originada de uma árvore de ódio e preconceito, fruto desse mundo injusto e deplorável, mas não sou aquele que vai dar continuidade à esse ciclo, ele acaba comigo.

Jonas tentou contra-argumentar, porém a dor o fez tossir por alguns segundos.

— Você só está causando mais ódio, não solucionando o problema.

Bernardo voltou a ficar de pé.

— Qual o seu plano então, Jonas? — Andou através do terraço — Lutar pelos humanos comuns na esperança de que eles mudem sua opinião? — Bernardo gargalhou — O que você quer é que não faz sentido, deixar tudo igual na esperança de que as coisas mudem é mesma coisa de um cientista repetir o mesmo processo repetidas vezes em busca de novos resultados, eu chamaria isso de burrice. — Parou de frente à seu oponente ideológico — Você me odeia agora não é, você quer me parar, quer me surrar, pelo que eu mandei fazerem com você e por ter te tirado a Andressa, quer me levar à justiça por isso não é? O que faz a sua justiça ser melhor do que a minha? — Bernardo jogou a máscara do Aracnídeo sobre o corpo do vigilante caído. — Me responda, se atacassem sua família, o que você faria? Ficaria parado e teria esperança de que tudo desse certo, ou iria atrás de trazer justiça ao agressor?

Jonas fechou os olhos, não sabia se era Bernardo o influenciando de certa forma ou se era ele mesmo que começava a vacilar. Repassava imagens de amigos e familiares sendo atacados, tentava imaginar como ele reagiria, como seguraria seu lado instintivo e nas possibilidades do que ele faria mesmo se não perdesse o controle.

— Eu não sei... — Ficou cabisbaixo.

— Era isso o que eu queria ouvir.

 

 

 

Hoje

 

O treino de basquete chegava ao fim e Jonas assistia tudo da arquibancada, ele ainda estava publicamente incapacitado de treinar.

— Oi — Beatriz sentava-se ao seu lado, sua pele clara se tornava cada vez mais rosada a medida em que Jonas olhava para ela que discretamente ajeitou o cabelo.

— Bia — Todas as vezes em que conversava com ela Jonas reafirmava o motivo de ter se revelado para ela, mesmo tímida com aqueles à qual ela não possuía intimidade. Bia era alguém com enorme alto astral, sendo sempre a esperança da qual Jonas precisava, sempre lhe apoiando em momentos difíceis como o que ele vivia naquele momento — Cortou o cabelo? — Ele reparou nos fios castanhos de Beatriz

— Não, só cortei as pontas, mas isso já faz uns três dias.

— Três dias? — Fez um olhar de assustado — Foi mal não reparar antes

— Relaxa, você tem outras preocupações, como por exemplo encontrar uma forma de vencer aquele cara.

Jonas deu um fraco sorriso, desde seu encontro com Bernardo ele começara a se questionar se ele estava fazendo o certo, ele não tinha passado pelo sofrimento que o restante dos corrompidos passam e muito menos sabia como era a vida deles. Como então ele poderia dizer que poderia ser aquele que os entenderia melhor a ponto de saber o que eles deveriam, ou não deveriam fazer?

— Ultimamente eu nem sei se o que faço é o certo — suspirou.

Beatriz o fitou por alguns segundos.

— Se o que você faz não for o certo — Bia fez uma pausa para tentar imitar uma voz robótica na última frase — As definições de certo foram redefinidas.

 Jonas deu uma pequena gargalhada.

— É sério — Beatriz continuou — Lembra do que eu te falei quando você se revelou para mim?

— O papo da esperança?

Beatriz assentiu com a cabeça.

— Eu ainda tenho esperança em você, porque não se levanta daí e a recompensa?

— Por que eu não à mereço.

Beatriz deu um abraço em Jonas e em seguida voltou seu olhar para a quadra onde os atletas do colégio se encontravam reunidos em torno do professor que passava algumas últimas instruções.

— Para alguém que costumava se achar o dono do mundo e conhecedor da verdade, você está bem depressivo e negativo agora — Ela suspirou — É você que se faz merecedor de algo, não se esqueça disso, você é o único que pode dizer, eu sou eu e lutarei para ser digno daquilo até o fim.

Jonas assentiu e recostou a cabeça no ombro de sua amiga enquanto assistia seus companheiros de equipe se dispersando.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo é de suma importância para a jornada de Jonas, espero que tenham gostado.
Deixa a sua opinião aí pra mim saber.



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