A Senhora do Lago escrita por Enypnium


Capítulo 8
Capítulo 7: FUGA.


Notas iniciais do capítulo

Praticamente seis meses... seis meses sem atualização. Já sei que você vai brigar comigo. E com toda a razão!!! Não tenho nenhuma desculpa, a não ser, que o meu Brasil é tão absurdo, que exaure minha criatividade. Vou tentar atualizar mais rápido daqui para frente.

Sem mais delongas....

Anteriormente em à Senhora do Lago (Capítulo 6 – Sonhos Verdes):
Hermione recebeu uma valiosa informação que renova suas esperanças de voltar para casa, já que, ao que tudo indica, é possível que exista magia ao Norte da poderosa Muralha de Gelo que divide o país. Mas, antes que Hermione tenha a chance de investigar a nova pista sobre a magia dos Filhos da Floresta, ela é submergida pelas notícias de uma guerra prestes a eclodir entre Starks e Lannisters, que mantem cativos, sob acusações de traição, Lorde Eddard Stark e suas filhas, Sansa e Arya. Para libertar o pai das garras do inimigo, Robb está prestes a partida com seus 12 mil vassalos em direção à Capital.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/771120/chapter/8

Capítulo 7: FUGA.

 Algumas horas depois do jantar de despedida de Robb Stark...

A volumosa saia do vestido de festa que ela ainda usava, rodopiava desconfortavelmente em volta de seus tornozelos, quando ela tentava andar mais rápido pelos corredores de Winterfell. A maldita coisa, não fora feita para ser usada em uma emergência.

Um novo grito, vindo do quarto de Bran, fez Hermione desistir da dignidade e suspender as saias para cima dos joelhos com as mãos, para facilitar seus passos acelerados em direção do som.

Com um frio na barriga, ela lembrou do dia em que fizera esse mesmo trajeto e encontrara um assassino no quarto do garoto.

Quando chegou no topo da torre, a porta do aposento já estava aberta e imediatamente ela pode ver Bran se debatendo debaixo dos cobertores, enquanto Osha o chacoalhava gentilmente, chamando-o pelo nome.

Um novo grito ecoou carregado de um terror genuíno, que arrepiou Hermione, mas logo esmoreceu, quando finalmente Osha conseguiu acorda-lo.

Bran olhou em volta assustado e demorou um minuto inteiro para reconhecer seu próprio quarto e as duas mulheres em volta de sua cama. Quando viu Hermione, ele se jogou em seus braços fazendo com que ela caísse sentada no colchão.

Ele tremia e estava encharcado de um suor gelado.

— Ei... ei... você está seguro – Hermione sussurrou com delicadeza, acomodando Bran melhor em seu colo - Foi apenas um pesadelo.

Longe de reconfortar, as palavras dela pareceram feri-lo ainda mais. Bran se desvencilhou dela e se encolheu contra a parede o mais longe possível que a cama permitia, lançando um olhar ofendido em sua direção.

Osha se afastou para acender algumas velas, sentando-se logo em seguida, do outro lado da cama. Só então, sob a fraca claridade, Hermione notou que Verão, o lobo de Bran, agora quase tão grande quanto um lobo adulto, estava estranhamente parado aos pés da cama. O Lobo com seus olhos amarelados e dentes ameaçadores, vigiava o menino atentamente, com as orelhas levantadas e a respiração tão acelerada quanto a do garoto.

Por algum motivo insondável, a visão deu calafrios à Hermione, e subitamente o quarto ficou agourento.

— Diga o que viu, garoto – Pediu Osha, quando finalmente a respiração de Bran se acalmou.

— Você não precisa reviver o pesadelo, Bran – Hermione advertiu, lançando um olhar indignado para Osha.

Bran não disse nada, ainda tremendo enquanto encarava a parede a sua frente com uma expressão perturbada.

Depois de um longo silencio, Hermione, ponderou se não seria melhor chamar o Meistre, por mais relutante que estivesse em tirar e velho Senhor da cama.

— Está tudo bem - Hermione se aproximou dele acariciando seus cabelos, com um tom de voz maternal. – Não importa quão ruim tenha sido, foi só um sonho.

Ele empurrou a mão de Hermione para longe.

— O que está acontecendo? – Ela perguntou, preocupada.

— O menino tem a visão verde de seus ancestrais – Respondeu Osha, soando enigmática.

Bran balançou a cabeça em aquiescência, mas permaneceu calado.

— Mas que diabos é essa coisa de visão verde, afinal? – Perguntou Hermione, exasperada.

— É um dom. O dom da visão profética, que vem através dos sonhos. Os mais habilidosos também podem ver o passado. – Osha explicou aos sussurros.

— O passado? Que útil. – Hermione revirou os olhos, sarcástica.

— É verdade, Sinhazinha – Continuou Osha, sem se deixar ofender – É um dom dado aos homens, pelos Filhos da Floresta. Mas isso não é tudo o que um Vidente Verde pode fazer. Eles podem olhar através dos olhos dos Represeiros, e de ver a verdade que está por trás do mundo e controlar os animais da floresta e as aves nas árvores, e até os peixes.

— Não deveria dizer essas coisas. As crianças são muito impressionáveis – Aborrecida, Hermione ralhou com a mulher, com sua própria imitação do Meistre Luwin.

Talvez, afinal, o velho Senhor tivesse razão. Essas histórias de magia estavam fazendo mal aos meninos Stark.

— Conte a ela o que viu – Pediu Osha novamente, ignorando Hermione.

Bran se remexeu em seu canto, e depois de um momento, voltou a se sentar ligeiramente mais calmo. Ao se acomodar melhor na cama, seu rosto ficou mais iluminado pelas velas acessas na cabeceira e Hermione se chocou com o que viu.

Ele havia chorado mais cedo no banquete, mas quando Hermione o colocou para dormir estava mais tranquilo e até confiante de que Robb traria o pai para casa, contudo, agora, sua imagem era assustadora. Ele parecia ter adoecido subitamente. Estava muito pálido e com olheiras que marcavam profundamente seus olhos opacos.

— Você não vai acreditar em mim – Bran falou para Hermione, com a voz despedaçada.

— Conte-me. – Hermione o encorajou, abalada com a mudança abrupta do pequeno Stark.

— As coisas que sonho acontecem – Ele começou arregalando os olhos para ela – Sonhei com o pai. Que ele estava em uma masmorra, sozinho, sujo e faminto, com a perna doendo, porque estava quebrada.

— Mas Bran, você sonhou com ele porque sabe que ele está preso. É apenas seu subconsciente. – Explicou Hermione, gentilmente.

— Não – Bran teimou, balançando a cabeça em negativa – Sonhei com o pai há semanas atrás.

Hermione se calou. Até essa noite, nem mesmo ela sabia que Lorde Stark fora preso. Era possível que Bran tivesse entreouvido a informação, dias antes? Contudo, a reação dele, ao saber das notícias hoje à noite, fora tão espontânea... e como ele sabia da perna ferida? Apenas coincidência?

— E com o que sonhou essa noite, rapaz? – Osha, instigou Bran a continuar.

— O mesmo sonho que venho tendo há dias – Bran estremeceu – Uma festa... um festim de corvos.

— Co.… como assim? – Foi a vez de Hermione estremecer.

— Sonho que estou voando, e ao meu lado voa um Corvo que tem três olhos. Ele me manda olhar para baixo em direção do Sul. Olho e vejo um Castelo imenso. Está silencioso lá em baixo, mas dá para ver que estava acontecendo uma festa. Tem muitas tendas armadas e enfeites coloridos, mas também, há muitas pessoas. Todos massacrados. Há cadáveres espalhados por cima de cadeiras viradas e mesas de montar estilhaçadas. Muitos corpos estatelados em poços de sangue coagulando. Alguns, sem membros, e outros, sem cabeças. Mãos cortadas que ainda seguram taças ensanguentadas, colheres de pau, aves assadas, nacos de pão. E os corvos festejam comendo suas carnes. – Bran fez uma pausa e estremeceu se encolhendo ainda mais - Sonho, o mesmo sonho, sempre e sempre.

Hermione ficou sem fôlego. Era bastante mórbido. Não parecia nada comum, normal. Especialmente para um garoto criado de um modo razoavelmente saudável.

— Precisa acreditar em mim, Hermione – Bran implorou, como se sua vida dependesse disso.

— Bran, eu... – Hermione não sabia o que dizer a ele. Fora pega de surpresa com o que ele lhe contara. Mesmo assim, tentou seguir a racionalidade: – Mas, e quanto os sonhos que você tem e que não acontecem? Certamente você tem sonhos assim, não tem?

Bran ficou calado por um momento, pensativo.

— Eu costumava ter esses sonhos, mas era antes. – Ele afirmou, categórico– Antes de cair da torre. Agora, os sonhos são diferentes.

Hermione balançou a cabeça em descrença.

— Você está com medo. É normal. Seus pais foram para o Sul e agora Robb está indo também, e você não sabe o que vai acontecer. Não é vidência, é só pesadelo. – Hermione explicou calmamente.

— Não. Não são, não! - Bran gritou enraivecido, apertando os cobertores entre as mãos com quanta força, que os nós de seus dedos estavam esbranquiçados. 

— Os sonhos verdes não funcionam assim, Sinhazinha – Assegurou Osha. – Não são respostas, são apenas metáforas. Presságios do que está por vir. Cabe ao Vidente interpreta-los.

— Muito conveniente – Hermione resmungou, mais para si do que para os outros dois.

Ela se levantou da cama e começou a andar pelo quarto em círculos.

Se os sonhos fossem realmente vidência, o que isso significava? Que Bran era um Bruxo? Sim, porque, apenas bruxos podiam ter esse tipo de “dom”!

Hermione sempre desconfiara, e muito, da Arte da Adivinhação. Principalmente porque, era impossível ter sua eficiência comprovada por qualquer estudo, sendo esse, o ramo magico mais incerto que existia.

Mas…, mas, fazia um certo sentido, que Bran pudesse estar manifestando os primeiros sinais da magia. Se por nada mais, pelo menos a idade era a correta... e ainda havia toda aquela coisa de povos mágicos e Filhos da Floresta...

Hermione suspirou, sentindo-se sobrecarregada com mais essa possibilidade surgindo no horizonte.

— Bran, alguma vez você fez alguma coisa que parecesse impossível, ou que não saberia explicar como aconteceu? – Ela perguntou de repente, buscando alguma confirmação para suas suspeitas.

— Não. Nunca – Respondeu Bran, com a testa franzida – A não ser os sonhos. Não sei explicar porque sonho com essas coisas. Por quê?

— Por nada – Hermione respondeu lentamente, considerando tardiamente que sua pergunta não fora de muita utilidade.

A inexistência de outros sinais mágicos não descartava totalmente a possibilidade de Bran ser um Bruxo, afinal, era comum que os poderes se apresentassem de modo fragmentado no início, especialmente para um nascido trouxa.

Mas porque a manifestação magica tinha que ser justamente sonhos e profecias, e não algo mais simples como, objetos que flutuam ou coisas que se quebram em uma explosão de raiva, qualquer coisa do tipo?

Teria ela, uma bruxa cuja existência era um feito sobrenatural em si, a coragem de ignorar um possível fenômeno mágico? Ela, entre todas as pessoas de Winterfell, tinha o direito de duvidar?

Hermione, nunca pensou que haveria um dia para se arrepender por ter abandonado seus estudos em Adivinhação. A ideia de ter ignorado um conhecimento relevante, a deixava enjoada.  

A cabeça dela martelou dando voltas com o assunto. Era difícil creditar em vidência, apesar disso, sua “aventura” pelo Departamento de Mistérios no Ministério da Magia, lhe trouxe uma lembrança que a arrepiou: fileiras e fileiras de estantes cobertas por esferas empoeiradas, e uma delas em especial, com o nome de seu melhor amigo.

Aquilo fora real, fora verdadeiro!

O silêncio que se fazia no quarto ficou ainda mais pesado, quase denso. Bran e Osha, apenas observavam Hermione caminhar em círculos. perdida em seus próprios pensamentos. Nenhum dos dois, ousou interrompe-la.

Se todas essas conjecturas passassem perto da verdade, então era muito provável que houvesse mesmo magia neste lugar, quem sabe os tais Filhos da Floresta fossem reais e Bran bem poderia ter alguma ligação com eles?

Talvez isso tudo significasse uma possibilidade de voltar para casa.... Não havia nada que ela quisesse mais no mundo... havia?!

Depois de minutos de reflexão, que pareceram intermináveis aos demais ocupantes do quarto, Hermione retornou para junto de Bran, voltando a se sentar ao lado dele.

— Está bem. – Ela concedeu a contragosto, continuando cautelosamente: – Vamos supor... que eu acredito que os sonhos sejam profecias...

— Obrigada – Bran se jogou em seus braços – Então você vai me ajudar?

— Espera... ajudar com o que? – Ela olhou perdida para o menino.

— Com Robb! Minha família vai morrer se forem todos para o Sul. Você precisa cuidar deles. – Bran implorou, subitamente com lagrimas nos olhos.

— Mas Bran... eu... – Hermione gaguejou confusa. – Robb não vai deixar de marchar por causa...

— Eu sei. Sei disso – Bran a cortou, frustrado – Já tentei conversar com ele mil vezes. Ele não me escuta.

— E tão pouco escutará a mim – Hermione afirmou, categórica.

— É por isso que você deve ir com ele para o Sul, para ajudá-lo com a guerra. Para trazer minha família de volta para casa – Bran implorou com urgência.

— Mas o que isso tem a ver com seus sonhos? – Hermione perguntou aturdida.

— Tudo. Você não percebe? Esses sonhos são um aviso de que minha família corre perigo no Sul – Bran explicou.

— Mas isso não faz nenhum sentido – Hermione argumentou passando a mãos pelos cabelos tentando clarear a mente – Além disso, não entendo nada sobre guerra. Não sei como poderia ajudá-lo?!

— Você sabe lutar. E também, sabe “outras coisas”... eu sei que sabe! – Bran afirmou, lançando a ela um olhar profundamente conhecedor.

O menino a encarou como se soubesse “o que” realmente era Hermione. Ela sustentou o olhar, apavorada com a possibilidade de ele saber seu segredo mágico, e como se tivesse lido seus pensamentos, ele assentiu para ela. Então, subitamente, a certeza que pairava entre os dois se dissipou, como se jamais tivesse existido, fazendo Hermione se indagar se não estava apenas imaginando coisas.

A Bruxa estremeceu, com o coração vindo palpitar bem próximo à boca.

— Robb não me deixará ir com ele – Hermione sussurrou.

— Você é a pessoa mais inteligente que conheço – Bran fez uma pausa, sorrindo timidamente num pedido de desculpas. – A segunda pessoa mais inteligente. Meistre Luwin e só um tiquinho a mais. Você vai encontrar um jeito.

— Bran, eu... – Hermione gaguejou, sem reação diante da abrupta mudança na conversa.

— Por favor, Hermione. Minha família precisa da sua ajuda. - Bran afirmou, fazendo beicinho, quase como o garotinho fofo que era.

 - Você sonhou com isso? – Ela não pode deixar de perguntar, temerosa com a resposta.

— Não. E não me pergunte como sei, porque não posso explicar, mas sei que você deve estar no Sul quando tudo acontecer. – Bran explicou, enigmático.

O silencio caiu entre os três. Hermione estava prestes a concordar com a coisa mais estupida que faria nesse lugar, até ali!

Absurdamente, um plano do que deveria fazer, já começava a se formar em sua mente, mesmo que ela ainda não estivesse racionalmente convencida.

— Vai ajudar? – Bran perguntou esperançoso.

— E você me deixa escolha? – Ela respondeu para o garoto que suspirou aliviado dando-lhe um abraço desajeitado.

Hermione e Osha apagaram as velas e saíram do quarto em silêncio, alguns minutos depois que Bran finalmente voltou a adormecer, dessa vez, tranquilamente.

— Não sei como Bran espera que eu ajude. Robb nem sequer vai permitir que eu o acompanhe para o Sul – Hermione afirmou para a semiescuridão do corredor.

— Não vai mesmo – Osha concordou com ela ao recostar a porta do quarto silenciosamente atrás de si. – Mas deve acreditar no que o pequeno diz, Sinhazinha. As coisas magicas são ignoradas pelos homens, às vezes por medo, outras vezes por conveniência, mas elas não se tornam menos reais somente porque são desconhecidas.

A mulher mais velha tinha razão, apesar de tudo. A varinha de Hermione, presa em seu antebraço direito, era a prova disso.

Osha se despediu e lhe deu as costas parta seguir seu caminho até as cozinhas do Castelo.

Hermione estava prestes a seguir o exemplo e retornar para seus aposentos, quando se lembrou de uma coisa que queria perguntar a mulher, há algum tempo.  

— Osha – Hermione chamou aos sussurros, para não despertar os Lordes hospedados nos cômodos adjacentes.  – O dia que nos encontramos na Mata dos Lobos, você parecia assustada, como se estivesse fugindo de algo...

— Está certa, Sinhazinha – Confirmou Osha, com os olhos escurecendo sobre as chamas das tochas. – Queria ir para o Sul, para o mais longe ao Sul da muralha que fosse possível. Pois, ao norte, os ventos frios estão se levantando, e homens afastam-se de seus fogos e nunca mais regressam… ou, quando regressam, já não são homens, são só criaturas, com olhos azuis e mãos frias e negras. Tentei dizer isso ao senhorzinho ontem mesmo, quando o encontrei no pátio. “Senhor Stark”, chamei, com todo o respeito, mas ele olhou através de mim, e aquele imbecil suado do Grande-Jon Umber afastou-me de seu caminho. Assim seja. Um homem que não quer escutar não pode ouvir. Talvez ele escute a Senhora… diz para ele que está decidido a marchar na direção errada. É para o norte que ele devia levar suas espadas. Para o norte, não para o sul. Está me ouvindo?

Quando Osha terminou, tinha a mesma expressão de medo do dia que fora capturada por Robb.

Hermione não achava que tivesse compreendido o que exatamente assustava tanto a Osha.

— Se realmente pretende seguir para o Sul, acredito que tenha preparativos para fazer agora – Lembrou –lhe Osha - Mas saiba que para onde está indo não terá ajuda. Os velhos deuses não têm poder no Sul. Lá, os Represeiros foram todos derrubados há milhares de anos. Como poderiam protegê-la se não tem olhos?

Com essas palavras sem sentido, Osha lhe deu as costas e continuou em direção de seu destino.

Hermione oscilou sobre os pés, por um momento, aturdida com que se passara a pouco. Mas Osha tinha razão, se ela pretendia cumprir com a palavra dada a Bran, tinha arranjos a fazer até que o novo dia trouxesse o caos da partida de Robb.

—----------------------

Vinte e sete dias depois: 

O céu se escondia por detrás das copas das árvores que se fechavam acima, fazendo da floresta sombria, uma prisão particular. Do solo coberto de musgo, as brumas se elevavam se espalhando por todos os cantos e recantos da mata, como nuvens de pura umidade.

Os volumosos e densos cabelos de Hermione não resistiram a nevoa, teimando em grudar em sua face, volta e meia, insistindo em entrar em seus olhos. As roupas dela, estavam igualmente molhadas, se agarrando ao seu corpo como uma segunda pele e enregelando-a até os ossos. Contudo, o frio estava longe de ser tão desconfortável quanto as fibras da corda que prendia seus pulsos com firmeza em frente ao corpo, e deixavam sua pele em carne viva.

Era realmente admirável que seu captor não parecesse tão exausto quanto ela se sentia, embora ele estivesse de péssimo humor. Talvez, ela ponderou, por causa dos sulcos que as unhas dela haviam aberto nos braços dele, ou quem sabe, fosse pelo corte no lábio inferior que insistia em sangrar apensar de não parecer tão profundo, mas pensando bem, poderia ser por causa do soco que ela lhe dera no olho direito. Era difícil determinar o motivo do mau-humor dele, diante de tantas possibilidades.

Era apenas irritante, que todos os seus esforços para se livrar do homem, tivessem sido em vão. Entretanto, ela admitia, agora que o furor da luta havia passado, que nunca houvera uma chance real, de derrota-lo fisicamente. O homem rivalizaria com qualquer meio gigante.

Embora não fosse muito mais velho do que ela, a aparência dele era rude, com quase dois metros de altura e cabelos castanhos escuros que chegavam abaixo dos ombros, seu captor tinha braços tão musculosos e grossos, quanto as coxas dela e a força de um touro. Ele usava um conjunto de vestes simples em tons escuros, com calças de couro marrons e túnica com um gibão de couro por cima. Não havia brasão em nenhum lugar de suas roupas, nem mesmo no escudo que ele carregava, que pudesse identifica-lo como amigo ou inimigo.

Ninguém no mundo da magia ficaria orgulhoso de Hermione, se soubessem que ela havia lutado como uma trouxa — especialmente depois de fracassar espetacularmente — mas estava decidida a usar magia apenas como último recurso.

Para dizer a verdade, o rapaz não a teria amarrado se ela não tivesse tentado ataca-lo. E “tentado” era certamente a palavra certa para descrever a bagunça de pernas e braços que ela ousava chamar de luta, e os ferimentos que ela causara a ele, eram mais resultado involuntário do que habilidade propriamente dita, e não o impediu de coloca-la sobre a sela do cavalo, que agora ele conduzia pelas rédeas a pé.

A montaria de Hermione, o belo garanhão que Robb lhe dera, trotava alegremente ao lado dela, também sendo conduzido pelo grandalhão, sem apresentar nenhuma resistência e completamente despreocupado com o destino de sua dona.

— Traidor – Ela sussurrou para o cavalo ainda sem um nome – Era para você me proteger do perigo.

— Disse alguma coisa? – Seu captor perguntou lá do chão, lançando um olhar carrancudo para ela.

Era a primeira vez que ele se dignava a lhe dirigir a palavra, depois de perder a paciência e amarar os pulsos dela com tanta força, que arrancou lagrimas de seus olhos.

— Você poderia me soltar agora? Não vou mais lhe atacar. Prometo – Hermione pediu, batendo os cílios na direção dele, com a melhor expressão de inocência que era capaz de evocar.

Ele a ignorou solenemente, com uma careta de dor ao passar a mão pelo lábio inchado.

Rapidamente eles se aproximavam da orla da floresta, cada vez mais perto de submergir no pântano que margeava a mata e se estendia quilômetros à frente, lúgubre e cinzento. Ela sabia o que encontraria em meio ao pântano. Conhecer o lugar para o qual seu captor a conduzia, esclarecia definitivamente, quais mãos haviam sido postas sobre ela, mas, o conhecimento não a tranquilizava em absoluto, pelo contrário.

As entranhas de Hermione deram um nó apertado quando uma verdadeira cidade de lonas, erguida em meio ao pântano, se revelou a sua frente.

O acampamento havia sido montado nas faixas de terra que circundavam os charcos. Às vezes, alguma barraca era vista a tremeluzir sozinha em um pequeno monte aqui e ali. Mas havia conjuntos maiores de pavilhões, ocupando extensões mais longas de terra firme, organizados de maneira mais ordeira e coesa.

O local não parecia ser o melhor para se armar um acampamento. Aqui e ali, ela podia ver cobras rastejando pela lama e crocodilos que bem poderiam ser confundidos com galhos secos por algum desavisado. Ela se encolheu ao imaginar aqueles animais vorazes tão perto dos homens.

Muitas fogueiras ardiam em todos os cantos, iluminando a noite, e os homens se reuniam em volta delas para se aquecer. A maioria deles se contorcia para dar uma boa olhava em Hermione e seu captor, conforme eles passavam entre as barrancas, no que pareceu a ela, um desfile a esmo pelo exército.

O nevoeiro dificultava a identificação com clareza das muitas bandeiras que demarcavam os pavilhões dos senhores. O terreno sob os cascos dos cavalos era mole e úmido. Cedia devagar enquanto iam passando por fumarentos fogos de turfa e filas de cavalos e carroças carregadas de biscoitos e carne de vaca salgada.

O estomago de Hermione roncou alto de fome com a visão de caldeirões borbulhando com cheirosos ensopados. Ela sobrevivera todos esses dias, comendo apenas as frutas que conseguira colher e bocados de pão seco que roubara das cozinhas de Winterfell.

Depois de alguns momentos, Hermione compreendeu que não cavalgavam a esmo, mas pelos caminhos tortuosos do que parecia ser uma trilha de terra seca ou tão firme quanto se poderia encontrar em um pântano.

Conforme se aprofundavam dentro do acampamento, era possível ver pavilhões mais luxuosos se erguendo em terrenos mais altos e rochosos, e mais próximos da fortaleza que se elevava por entre a névoa.

“Fortaleza”, era uma palavra forte para descrever o amontoado de pedras que se estendia por sobre um talude no centro do pântano. Havia muralhas ou pelos menos, o que restava delas. Imensos blocos de basalto negro, cada um deles tão grande como uma cabana de caseiro, jaziam espalhados e tombados como os blocos de montar de uma criança, meio enfiados no solo mole pantanoso. Nada mais restava, a não ser resquícios de uma muralha exterior.

Tudo o que sobrara do grande castro eram três torres e um pequeno pavilhão de construção mais recente, ligado a uma das torres. A torre que se erguia no que antes fora o portão da fortaleza, parecia em bom estado, e até podia se vangloriar de alguns metros de muralha de ambos os lados. A segunda torre onde outrora se encontravam as muralhas sul e oeste, inclinava-se como um homem empanturrado de vinho prestes a vomitar na sarjeta, e a última era alta e esguia, tinha perdido metade de sua coroa. Era como se algum grande animal tivesse dado uma dentada nas ameias ao longo do topo da torre e cuspido o cascalho para o pântano.

Às três torres estavam verdes de musgo. Uma árvore crescia entre as pedras do lado norte da Torre do Portão, com ramos retorcidos.

Quanto mais se aproximavam, mais visível a construção arruinada ficava, e ela já conseguia ver com clareza as bandeiras que tremeluziam em cada uma das três torres.

Embora nem todos os estandartes fossem conhecidos por Hermione, o símbolo estampado na bandeira fincada nas ameias da Torre do Portão, era muito sua conhecida. Hermione começou a tremer diante da visão. Era para lá que seu captor a conduzia.

Quando chegaram na torre, o lugar parecia uma ruína prestes a desmoronar, mas as paredes que ainda estavam de pé se provavam ser mais solidas do que seria possível supor. Das ameias, um guarda apontou uma besta na direção dos dois.

— Quem vem lá? – Ele berrou, lá do alto.

— O Sol de Inverno – Se limitou a responder o rapaz grandalhão.

O guarda demorou um minuto inteiro para se decidir, mas finalmente deixou a besta pender ao lado do corpo, em sinal de aquiescência com a passagem deles.

Os dois adentraram nas dependências que circundavam a Torre, que consistia no que outrora fora um pátio.

Havia uma pequena tropa de cavalos selados e amarrados em um poste destinado a esse fim. Os animais pareciam prontos para a partida iminente.

Seu captor prendeu o cavalo de Hermione e o dele junto com os demais animais, e sem cerimônias, puxou Hermione da sela. Ela tinha certeza de que estaria roxa pela manhã, se houvesse um amanhã…

O homem a conduziu para a torre. Ela tropeçou para dentro do ambiente escuro. Ali, a umidade era tão ruim quanto lá fora e ela começou a tremer descontroladamente, não necessariamente por causa do frio.

— Fique aqui. – Ordenou rudemente o grandalhão, passando por ela e se dirigindo aos fundos da torre onde havia outra porta que dava acesso ao pavilhão anexo – E não se atreva a fugir. Lhe capturei uma vez, posso fazer de novo.

Com a ameaça enchendo o ar, ele saiu do aposento batendo a porta atrás de si.

A sala arredondada em que ela se encontrava era ampla e cheia de correntes de ar, com um fogo de turfa fumegando em uma lareira negra, que não chegava a espantar totalmente o frio. No centro havia uma grande mesa de pedra coberta por pilhas de papéis e mapas.

Hermione caminhou vagarosamente ao redor da sala. Não considerava fugir com ameaça ou sem, pois, estava exatamente onde desejara chegar. De qualquer modo, sua varinha ainda estava firmemente presa em seu antebraço, caso as coisas fugissem ainda mais do controle.

Lá fora, o barulho de conversas ao redor das fogueiras e de cavalos relinchando, iam gradativamente diminuindo conforme a noite avançava.

Desejou que seu cavalo estivesse tendo um tratamento melhor do que aquele que ela recebia. O pobrezinho havia passado por dias difíceis.

Ela suspirou esgotada. Os livros não eram capazes de descrever com precisão, quão desgastante uma campanha medieval poderia ser. Suas coxas estavam esfoladas pelo tempo excessivo sobre uma sela e todos os seus músculos latejavam incansavelmente.

Poderia ter usado magia para aliviar a marcha, mas temia ser descoberta por aldeões ou caçadores que eram vistos com frequência pela mata.

Subitamente, a porta pela qual o grandalhão havia desaparecido se abriu. As sombras emolduraram um homem alto de ombros largos.

Ele adentrou no ressinto, a princípio, sem nota-la no canto da sala, mas assim que a viu, estacou no lugar. O choque se espalhou por suas feições, depois, virou fúria e seu maxilar se apertou em descontentamento.

Ele caminhou ao seu encontro marchando duramente enquanto puxava do cinto um punhal que reluziu sob a luz da lareira. A temperatura da sala despencou drasticamente em perfeita harmonia com o olhar gélido que ele lhe lançou.

Ele avançou furiosamente na direção dela, forçando-a retroceder até sentir a parede fria as costas, deixando-a encurralada entre os tijolos e seu tórax musculoso. Quando ele levantou a adaga, Hermione conseguiu resistir ao desejo de fechar os olhos diante do golpe iminente, mas não pode evitar se encolher quando a lamina desceu sobre ela com brusquidão, cortando o ar a sua frente.

As cordas que prendiam seus pulsos firmemente, se amontaram aos seus pés, libertando seus braços dormentes.

— Acaso havia necessidade de amara-la desse modo, Torrhen? – Robb Stark exigiu furioso, virando-se em direção do rapaz que capturara Hermione na floresta.

Apesar de ser alguns anos mais velho, e muitos pés mais alto, o rapaz se encolheu diante do olhar glacial que Robb lhe lançou.

— Ela tem um ótimo gancho de direita, meu Senhor – Defende-se Torrhen, que sustentava um olho roxo e lábios partidos para provar seu ponto.

— Isso ficará bem feio logo, logo meu rapaz – Rugiu Lorde Umber, que escolhera esse momento para adentrar na sala. Ele admirou os hematomas de Torrhen, em seguida lançando um olhar de interesse renovado em direção de Hermione.

A bruxa poderia sentir pena do rapaz, se seus pulsos não estivessem doendo barbaramente com as profundas valetas em carne viva que as cordas haviam provocado. Agora que o sangue voltava a circular livremente em suas extremidades, suas mãos estavam formigando. Concluiu que não havia nada de que se arrepender, estavam quites, ela e Torrhen.

— Pensei que fosse um Lannister – Hermione deu de ombros, sem remorso.

— Lhe dei permissão para falar? – Robb a cortou bruscamente.

As entranhas de Hermione viraram água diante da expressão furiosa do Stark. Havia em Robb algo de selvagem, uma rudeza inteiramente nova para ela, que combinava com a barba mais cumprida que ele estava usando. Apesar disso, ela podia ver um profundo cansaço nele, e uma visível perda de peso.

— O que devo fazer com você? – Ele continuou – Faz ideia de como fiquei, quando recebi uma carta de Meistre Luwin, informando que você havia desaparecido do Castelo?

Hermione tinha esperado que ele ficasse chateado, mas não imaginava essa recepção.

— É verdade. Lorde Stark tem perdido muito tempo preocupado com Milady – Repreendeu Lorde Grande-Jon Umber.

As palavras do Senhor, acertaram Hermione em cheio. Ela não havia considerado que poderia ser mais uma fonte de preocupação para Robb, não desejava adicionar esse peso em seus ombros.

— Viu os cavalos lá fora? Eu estava organizando uma equipe que partiria na primeira hora amanhã em direção a Winterfell, para ajudar na busca por Milady. E enquanto isso, onde estava?

Ela se encolheu dentro das vestes molhadas, desanimada. Parecia que seus planos estavam desmoronando lentamente.

— Não vai me responder? – Robb exigiu, quase cuspindo as palavras.

— Estive acompanhando a marcha de longe, pela orla da floresta - Ela respondeu timidamente, encarando suas botas sujas.

— É uma viagem longa e especialmente perigosa. – Afirmou Lorde Umber, assoviando assombrado.

Ela relanceou um olhar para Robb. A clemência dele era a única que importava para ela.

— Hermione… Passou pela sua cabeça as diversas coisas horríveis que poderiam ter lhe acontecido? Viajando por um país em guerra, sem escolta e sem qualquer ajuda? – Robb questionou furioso. Ele estremeceu – Ontem mesmo capturamos um espião Lannister. Não quero nem pensar o que poderia ter lhe acontecido, se eles tivessem chegado a você antes de nós.

Não era como se essas coisas não houvessem passado pela cabeça dela, só que os riscos valiam a pena. Ela precisava faze-lo entender isso.

Robb suspirou cansado, passando a mão pelo rosto. Ele lançou na direção dela um olhar avaliativo, e franzindo a testa diante do que viu.

— Torrhen, por favor, vá até meus aposentos e traga os unguentos que Meistre Luwin preparou para mim. E também vá às cozinhas e providencie uma refeição quente – Robb ordenou e o rapaz saiu da sala imediatamente.

— Lorde Umber, faria a gentileza de me deixar a sós com Lady Granger? – Robb pediu ao Senhor mais velho que o atendeu prontamente, concedendo uma piscadela solidaria à Hermione, antes de sair do aposento.

O silêncio perdurou entre os dois e Robb suspirou, descontente. Ele pegou duas cadeiras e as posicionou uma de frente para a outra, o mais próximo que era possível da lareira que ardia esfumaçando o ambiente.

— Sente-se – Ele ordenou, mal olhando para ela.

Hermione obedeceu agradecida pelo calor do fogo assim que o sentiu mais fortemente na pele. Ela estava rígida de frio.

— Quero uma resposta decente e de preferência que seja honesta – Robb exigiu, sentando-se na cadeira de frente para ela. – Porque fez uma coisa dessas?

Hermione estava cansada das mentiras, talvez se ela contasse a ele toda a verdade sobre quem e o que era, ele fosse capaz de compreender seus motivos. Contudo, ela tinha medo.

Era uma bruxa e estava completamente só. E se Robb a rechaçasse também? E se ele a temesse? Pior! E se ele a odiasse?

O pensamento fez seus olhos se encherem de lagrimas intrusas.

— E então? – Ele cobrou a resposta, dessa vez, suavemente. – Pode me dizer Hermione, seja o que for.

Robb diminuiu a distância entre os dois, se inclinando em sua direção, com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos cruzadas. Sua expressão zangada foi substituída por uma penalizada ao notar as lagrimas dela.

— Me desculpe. – Ela começou. De repente, os padrões do tapete puído estendido sobre o chão de pedra, eram muito interessantes – Precisei fazer isso. Você não me deixaria participar da marcha.

— É claro que não! – Esbravejou Robb – Estamos em uma guerra, isso é um acampamento de soldados, não estamos passeando pelo país. Porque quer estar no meio disso tudo, quando pode ficar segura e confortável em Winterfell?

Hermione engoliu em seco, buscando um modo racional de explicar o ilógico.

— Bran me contou sobre os sonhos...

— O que? – Robb a interrompeu, elevando a voz e endireitando a postura. – Você se arriscou desse modo, porque um menino teve pesadelos? Você foi inconsequente a este ponto?

Em outros tempos, ela teria se irritado com o tom que ele usava. Como se Hermione não passasse de uma criancinha que precisava ser posta de castigo, como se ela não fosse dona de si mesma. Contudo, ela tinha lhe causado preocupações... talvez merecesse a bronca.

— Nem tudo é o que parece, Robb. Às vezes a verdade é mais difícil de ser encontrada, é mais confusa. Está na zona cinzenta do que não parece ser real e do que não pode ser explicado. – Hermione falou, lembrando das palavras que um membro do Ministério usou para contar aos seus pais, que as coisas estranhas que ela fazia, eram magia.

— E o que exatamente isso quer dizer? – Robb perguntou, com uma careta confusa.

Hermione secou as lagrimas que molhavam seu rosto e levantou a cabeça para olha-lo nos olhos pela primeira vez na noite.

— Eu sei como isso vai soar estranho. Você terá que confiar em mim, apenas isso. – Ela começou novamente, disposta a contar o máximo de verdade que pensava que Robb fosse capaz de lidar diante de tudo o que já tinha nas mãos. - Acredito que o que Bran vê, não são apenas sonhos, são presságios.

Ela engoliu em seco, ansiosa pela reação dele. Robb se recostou na cadeira, e sua testa franziu em descrença, enquanto ele considerava as palavras dela. Ele permaneceu em silêncio e ela aproveitou para continuar:

— Gostaria de poder explicar melhor do que isso, mas não posso, pelo menos, não por hora. Mas tenho minhas razões, para considerar as palavras de Bran sobre uma perceptiva diferente da sua. Acredito, que de fato, você possa estar em perigo, como ele afirma que está.

— Hermione – Robb suspirou seu nome com incredulidade. – Estamos prestes a deflagra uma guerra, é claro que todos estamos em perigo! Os sonhos de Bran, são apenas isso, sonhos.

Ele continuava cético.

— Sonhos... sonhos normais, são combinações aleatórias de vivências novas e antigas, mas requerem que tenha havido experiências, que se tornaram memorias – Hermione explicou didaticamente. – Bran, por outro lado, vê lugares em que nunca esteve ou pessoas que jamais conheceu. Ele pode relatar cenas de morte e tortura com uma riqueza de detalhes assustadora. Como isso seria possível se ele não teve essas experiências?

— Já esteve presente nas aulas de Meistre Luwin, Hermione? – Robb perguntou com uma sobrancelha levantada para ela. Não esperando por uma resposta, continuou: – Ele é um professor excelente. Ensina, a ler e escrever, ensina geografia e história, contabilidade, e tudo o que puder sobre política e guerra. Qualquer filho de um nobre é capaz de descrever detalhes minuciosos sobre as principais famílias de Westeros, bem como, minúcias geográficas de qualquer um dos Sete Reinos. Não me espantaria se Bran replicasse com precisão, detalhes de uma Grande Casa, porque todos os meninos nascidos em um castelo, poderiam fazê-lo. Ele pensa que viu um lugar em que nunca esteve, mas é apenas um pouco de conhecimento com um bocado de imaginação.

— Ele havia sonhado comigo, antes de me conhecer – Hermione argumentou teimosamente, lembrando do Sonho que Bran tivera com ela quando ainda estava desacordado, e que há época, ela também descartou como coincidência.

Sem respostas para aquilo, Robb suspirou frustrado, passando as mãos pelo rosto.

— Tudo bem. Você não vai mudar de ideia, não é? Compreendo, mas considere o seguinte – Hermione tentou uma abordagem diferente – E se ele tiver razão? E se não forem apenas pesadelos infantis. Vale a pena arriscar? Céus, é seu pai que está lá, preso! Você deve agir. Mas isso não significa que não possa considerar o aviso que seu irmão está lhe fazendo.

— Do que me adianta os avisos, Hermione, se de qualquer modo preciso enfrentar os riscos? – Robb perguntou exasperado, perdendo a paciência. Sua voz se elevou retumbando pela sala.

Hermione permaneceu em silêncio por um momento. Um mal-estar a invadiu quando ela viu o medo que Robb tentava esconder por detrás da postura irredutível.

— Eu não sei, Robb. Não tenho resposta para isso, mas talvez possa ajudá-lo a encontrá-la. – Hermione sussurrou, repentinamente assustada com a verdade das palavras dele, pois, os sonhos não mostravam as soluções, apenas as consequências. Terríveis consequências.

Robb se levantou puxando a cadeira para trás. Ele caminhou pela sala a esmo sem realmente estar presente com ela.

Lá fora, a noite já caia alta. Era possível ver pelas estreitas janelas, que a quantidade de fogueiras acessas havia reduzido drasticamente e o frio aumentava consideravelmente.

Repentinamente, Robb retornou para junto de Hermione. Ele se ajoelhou na frente dela e tomou suas mãos frias e doloridas, entre as grandes e quentes dele.

— Sabe quão apavorado estive com seu sumiço? Passei noites insones, preocupado com seu bem-estar – Ele falou, com a voz carregada de angustia sem qualquer resquício a raiva anterior. - Não aguentaria saber que se feriu. Especialmente por uma ideia tão absurda quanto essa, de Bran ser uma espécie de vidente.

— E quanto a mim? Não tenho o direito de me preocupar com você? – Hermione, perguntou baixinho.

Robb a olhou surpreso, e seus olhos azuis antes gelados como o inverno, pareceram absorver todo o calor que refletia da lareira.

— Suas mãos estão muito frias – Robb murmurou, com a voz rouca.

Delicadamente, como se ela fosse feita do cristal mais precioso da terra, ele esfregou suas mãos carinhosamente, massageando os dedos e depois a palma até sentir o calor retornar. Os calos das mãos dele deixavam o toque áspero e traziam uma familiaridade reconfortante.

Hermione se perdeu completamente nas sensações, esquecendo como estava cansada, como havia aquele incomodo buraco de medo e ansiedade em seu peito, que a consumia sempre que ela pensava sobre os sonhos de Bran.

Enquanto o frio em suas mãos diminuía gradativamente, ela se pegou admirando como as linhas do maxilar dele eram fortes, e como isso lhe emprestava um ar másculo, voraz; apreciou como seus cílios longos repousavam sobre um conjunto de sardinhas minúsculas que se espalhavam por suas bochechas altas; e o quanto os lábios dele pareciam macios ao toque...

— Meu senhor.

— Senhor.

— Lorde Stark?

Uma voz muito longínqua arrancou Hermione de seus próprios sonhos. Ela se assustou ao notar que não estavam mais sozinhos na sala. Torrhen, retornara acompanhado de uma empregada e uma bandeja cheia de comida.

Robb soltou a mãos de Hermione como se tivesse tomado um choque e se levantou do chão apresado, dando-lhe as costas e indo se postar do outro lado da sala.

— Obrigada, pode deixar o jantar em cima da mesa. – Ele agradeceu, visivelmente envergonhado.

— Desculpe Senhor, mas como não temos um Meistre, trouxe Gilly para ajudar.

— Eu mesmo...  – Robb começou, mas emudeceu logo em seguida, parecendo mudar de ideia. – Não. Isso deve ser o melhor.

Mesmo ainda enregelada, Hermione sentiu suas bochechas esquentarem. Ela se remexeu sem jeito na cadeira.

Gilly se aproximou, depositando no chão uma bacia de pedra com água morna. Ela pegou os pulsos de Hermione entre as mãos, e puxou o ar entre os dentes ao ver as estrias que a corda havia aberto. Os cortes estavam tão profundos, que consumiram a pele deixando a carne exposta.

Gilly lavou os ferimentos com a água morna e aplicou os unguentos. Hermione não resistiu a dor que a assaltou, deixando um gemido escapar por entre seus lábios.

Do outro lado da sala, Robb estremeceu com o som, se virando apresado na direção de Hermione. Ele se encolheu diante da visão arruinada dos pulsos da moça, lançando um olhar zangado na direção de Torrhen.

— Por favor, coma Milady. Parece precisar desesperadamente de uma refeição quente. – Disse Robb, em um tom distante, quando Gilly acabou de tratar seus ferimentos, e enfaixou tudo com um tecido limpo.

Hermione se aproximou da mesa tremula de dor, com a forme renovada diante da visão convidativa da bandeja repleta de alimentos frescos. Ela mastigou apressadamente um pãozinho macio e quente e atacou em seguida a tigela de caldo de sopa de cevada e carne de cervo.

— Amanhã, depois que estiver descansada, irá retornar a Winterfell. Vou destacar os melhores homens para escolta-la – Informou Robb, retornando ao seu tom de voz senhorial.

— Não vou para Winterfell. Vou acompanha-lo. – Hermione o informou, decidida.

O cansaço da marcha dissolveu um pouco do disfarce da Lady que ela usava, deixando exposto um pouco da velha Hermione que corria atrás de Harry e Rony, ameaçando-os com seus deveres de casa atrasados.

— Vai sim. É uma ordem – Robb respondeu, autoritariamente.

— Sinto muito, mas não irei. – Ela insistiu – Sou Hermione Granger. Não devo vassalagem à Casa Stark e vou estar onde desejar ir.

Ela colocou de lado a tigela vazia e se levantando da mesa, ignorando a fome que ainda sentia.

— Pois bem! A marcha é minha e decido quem participa dela – Os olhos dele relampejaram irados em sua direção – E não a quero nessa guerra.

Hermione não havia se embrenhado na mata absolutamente sozinha, por dias e dias a fio; adormecido ao relento, recostada em troncos de árvores, coberta apenas por sua capa; feito suas necessidades em moitas; se alimentado apenas uma vez ao dia com nada mais do que nacos de pão duro: para desistir facilmente.

— Que seja! Continuarei seguindo o exército a distância, como fiz até agora. – Ela deu de ombro com displicência.

— Não foi muito bem-sucedida Milady, ou esqueceu que foi capturada? – Robb debochou.

— Apenas, porque eu permiti – Hermione respondeu com uma meia verdade. Ela bem poderia ter usado magia contra seu captor, e então, teria se livrado dele com mais facilidade do que piscar.

— Mas que atrevida – Disse Torrhen, indignado por ter seus esforços tão facilmente menosprezados.

— Calado, Torrhen – Disseram em uníssono Hermione e Robb.

O pobre rapaz, ficou aturdido por um momento, olhando entre os dois com a boca aberta.

— Robb, é bom que sabia de uma coisa. Posso me cuidar muito bem sozinha, se estiver disposta a tal coisa. Ninguém vai me impedir. Ninguém nunca consegue. – Hermione falou colocando as mãos nos quadris com um gesto teatral que lembrava muito a Sra. Weasley. – Se me mandar para Winterfell, saiba que sairei novamente, e estarei bem aqui novamente, tendo essa mesmíssima discussão. Posso fazer isso por quanto tempo você desejar.

— E tudo isso apenas por um pesadelo?! – Robb questionou indignado.

— E tudo isso, pelo que acredito. E nada me demove de acreditar em seu irmão. Por tanto, a escolha é sua. Ou você me deixar participar ao seu lado, ou participo à distância, mas ainda estarei aqui pela manhã.

— Você é a criatura mais teimosa que já conheci. – Robb concluiu, exasperado.

— Exatamente! Que bom que isso ficou bem claro.

— Vai deixar que ela o desobedeça desse modo, Senhor? – Perguntou Torrhen com a testa franzida e uma expressão de incredulidade.

— Sete Infernos – Esbravejou Robb, ignorando seu vassalo completamente - Que assim seja. Mas, se eu disser para ficar, você ficará. Se eu pedir para se esconda, se esconderá. Se eu mandar fugir, você fugirá. Ou eu juro que lhe amarro em meu cavalo, e a levo pessoalmente até Winterfell, e vou prende-la no quarto mais alto da torre mais alta que encontrar, até que a guerra acabe. Está ouvindo?

Sorrindo triunfalmente, Hermione balançou a cabeça em concordância com a ameaça, que ela sabia ser vazia.

— E não é que ela conseguiu? – Torrhen falou em choque.

E ao mesmo tempo:

— Calado, Torrhen – Disse uma Hermione, suspirando de alivio,

— Calado, Torrhen – Disse um Robb, vociferando amargurado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Notas do autor 1: Se você, assim como eu, está preocupado com o excesso com que essa história tem se apoiado em Bran Stark, saiba que esse foi o último capítulo em que isso ocorreu. Como você deve ter percebido, Hermione e Robb estarão sozinhos a partir de agora, ou tão sozinhos quanto se é possível ficar, com doze mil soldados em volta.


Notas do autor 2: Tenho me preocupado com a personagem de Hermione, cuja a personalidade pode estar se afastando demais da original, o que eu não desejo! Estou me esforçando para escreve-la com mais precisão, mas preciso da opinião de vocês para saber se estou sendo bem-sucedida. Essa é minha maior dificuldade com essa história no momento, e seus comentários poderiam me ajudar muito!