Eu não fui criado em nenhuma religião. E mesmo não tendo fé e vivendo em um país laico, eu fui submetido ao catolicismo, como a maioria das pessoas. Fico pensando se fui uma pessoa ruim, no fim da vida. Afinal, 66% das pessoas que se acidentam como eu ficam invalidadas para sempre ou morrem.

Sessenta e seis por cento. Mais que a metade.

Penso no julgamento do Percy astral. Há mesmo alguém no planeta que siga todos os mandamentos, todas as regras em uma religião? Há mesmo um ser humano digno do paraíso, afinal? Se ninguém cumpre isso, estamos todos destinados a perecer por pecados bobos como gula?

— Ah Percy... — Meus pensamentos cessaram completamente ao ouvir a voz de Sally e toda a reflexão sobre santidade humana cessou. Eu havia morrido? A lembrança da voz doce de minha mãe me atingiu e me aqueceu como uma caneca de chocolate quente, me deixando curioso para ouvir a voz das outras pessoas, meu melhor amigo, minha prima doida e... A melodiosa voz de Annabeth.

E ao o nome da loira passar pela minha mente nublada e sonolenta, pensei em inúmeras possibilidades. E se ela estivesse morta? Eu não consigo nem imaginar o mundo sem Annabeth Chase para o melhorar com seu sorriso. Ou deficiente, sem a mão direita e incapaz de seguir seu sonho de arquitetar belíssimos prédios. Isso me entristeceu completamente, esfriando todos os sentimentos bons que a voz de Sally causou.

Eu sempre comparava Annie com o verão na minha cabeça. Eu amava o verão, sentia que trazia uma vida diferente a qualquer ambiente, com seu calor, suas noites amenas e manhãs agradáveis. E assim era Annabeth. Mudava todos os lugares assim que chegava neles. E eu fui um desses lugares. Ela me mudou.

— Thalia...

— Não me pede calma, Luke. — Era bom poder ouvir a voz dos meus amigos, me livrando desses pensamentos tristes. — Percy está péssimo, mas Annabeth... Eu nunca pensei que veria minha melhor amiga assim.

A primeira coisa que vi ao abrir os olhos foi a cegante luz branca, em um quarto igualmente branco. Não vi Thalia, Luke ou Sally. A visita deles pode ter acontecido a dias ou semanas, pelo meu estado de inércia eu nunca saberia a passagem correta do tempo.

Após algum tempo, avistei um homem loiro entrar no quarto, com uma roupa branca, se aproximando.

— É muito gratificante que tenha acordado, Sr Jackson.

— Annabeth...

Ele me olhou confuso, mas logo a dúvida se dissipou.

— Deve estar falando da outra paciente acidentada que chegou com você há alguns meses. — Ele disse e eu absorvi suas palavras. Meses. Foram meses tirados de mim após o acidente. — Eu recomendo que não pense em terceiros Sr Jackson. Pense apenas na sua recuperação, que está mais perto do que nunca de acontecer.

Queria lhe dizer que Annabeth não era nenhum terceiro, mas minha boca parecia desobedecer os comandos cerebrais, se mantendo fechada.

— Vou ligar para Sally e informar que acordou. — O homem colocou algo na seringa e adicionou no meu organismo. — Remédio para dores de cabeça, você pode vim a sentir. A propósito, meu nome é Will Solace.

Ele saiu da sala e eu pensei nos meus ferimentos, não tinha nenhuma bandagem nos braços ou pernas, apenas uma pontada de dor nas costas e uma crescente dor na cabeça, que presumia que o remédio aplicado pelo médico logo amenizaria isso.

Meu estômago também me incomodava, sentia um grande enjoou por falta de comida sólida, mas apenas a ideia de ingerir algo me enjoava ainda mais. Simplesmente gostaria de que comer não fosse tão necessário para minha recuperação quanto realmente era.

Mas gostaria mais do que tudo de ver os olhos cinzentos na mulher que eu amo.