A escuridão era fria e impessoal, Hermione sabia que aquilo teria assustado qualquer outra pessoa e deveria assustá-la também, mas tudo o que ela sentia era raiva quente e cruel.

 Raiva de si mesmo na maior parte do tempo, deveria ter sido mais cuidadosa, deveria ter observado ao redor enquanto vivia sua vida “perfeita”, tinha tido tanta certeza que demoraria para se recuperarem e que começassem a busca por ela que se tornou descuidada.

Uma prova disso era o homem loiro que a espionava há dias.

Primeiro pensou que estivesse imaginando coisas, que estava com tanto medo de ser perseguida que via coisas onde não existiam, o homem era cuidadoso demais, por isso demorou algum tempo até ela ter certeza que ele realmente estava a espionando. Talvez ele até mesmo tivesse algo a ver com o que estava acontecendo agora.

 Tinha pensado que era um homem de seu pai, buscando seu paradeiro depois da fuga que fizera, mas agora estava claro que quem quer que tivesse invadido sua casa e conseguido levá-la não poderia trabalhar para Harold Granger. Seu pai deveria estar furioso depois de sua fuga, saber que fora enganado por sua própria filha deve ter sido um tiro certeiro no orgulho do homem, mas mesmo assim ele nunca seria capaz de machucá-la, não fisicamente pelo menos.

 A família era importante na máfia, era a segurança de que seu império continuaria erguido, porque você sempre teria alguém para te apoiar, a fidelidade da família era sagrada e fosse o que fosse Harold dava importância a isso.

 Infelizmente talvez não o suficiente para perceber como sua única filha estava desmoronando aos poucos enquanto continuava escondida em sua mansão, como uma princesa trancafiada em uma torre para sua própria proteção.

 Só que Hermione não precisava de proteção, depois do acidente terrível que levou a vida de sua mãe e que, por milagre, também não levou Hermione, o patriarca dos Granger fez questão que sua filha soubesse tudo o que o mais terrível dos seus homens sabia.

Hermione sabia usar uma arma, sabia os pontos certos em que esfaquear um homem tiraria a vida dele em segundos e também o lugar que faria sua morte lenta e dolorosa e com certeza sabia usar seu tamanho como vantagem em uma luta corpo a corpo, entretanto, mesmo sabendo tudo isso, seu pai ainda acreditava que a garota estava indefesa, que não poderia sair, não poderia ter uma vida normal, nem sequer ser apresentada a sociedade em que eles viviam como todas as outras filhas.

Seu pai quase parecia paranóico.

 Um barulho despertou Hermione dos pensamentos, continuando tão imóvel quanto poderia ela aguçou seus sentidos tentando captar qualquer coisa que lhe pudesse ser útil.

— Ela ainda está dormindo? — alguém perguntou da escuridão.

— Está — disse outro alguém. — Acho que a pancada na cabeça deve ter sido um pouco forte demais.

— Espero que não a tenha machucado permanentemente — disse a primeira voz — O chefe disse que a queria viva e inteira, acredito que danificada não esteja incluso no que ele queria.

— Ela vai acordar logo, tenho certeza disso.

 A escuridão tinha sido cortada, um pouco de luz surgiu pelas pálpebras da garota, mas não parecia o suficiente para que ela ou alguém conseguisse ver detalhes insignificantes, então Hermione se arriscou a abrir um pouco os olhos e tentar identificar pelo menos os arredores ou onde estava seus captores.

Realmente, apenas uma luminária tinha sido acesa em um canto não tão distante da sala, que mais parecia um depósito não utilizados há anos, nenhuma surpresa quanto a isso, havia dois homens sentados em frente a mesa em que a luminária estava, pareciam segurar cartas em suas mãos e Hermione não pôde acreditar.

 Aquilo era tão óbvio que ela se perguntou porque não tinha sido vendada ou simplesmente jogada em um porta malas e deixada lá. Até mesmo suas mãos estavam amarradas tão frouxamente que ela se perguntou se aqueles caras sabiam mesmo o que estavam fazendo, afinal ela esfaqueara um deles um pouco antes de ser pega.

Como se ouvindo os pensamentos dela, o primeiro cara perguntou: — E Roger? 

— Está na enfermaria, a menina deu uma bela facada nele, não sei como conseguiu.

— Ela deve ser alguém importante se o chefe queria tanto assim ela e considerando os negócios que ele faz… deve ter muito mais por trás desse rostinho bonito.

Então eles não faziam ideia de quem ela era e isso era ótimo. 

Hermione podia usar a falta de conhecimento deles a seu favor, se soubessem sua verdadeira identidade saberiam que provavelmente ela era muito mais preparada que os dois juntos e o elemento surpresa seria ótimo para sua fuga.

 Mas outra coisa chamou sua atenção também, o modo como o homem disse sobre os negócios do chefe… pareceu muito que não era exatamente público o que ele fazia e nem todos tinham conhecimento sobre isso. Com certeza não era seu pai, que deixava claro para todos no país o que realmente fazia, devia ser alguém importante, conhecido, entretanto alguém que não deixava que as pessoas soubessem do seu envolvimento com a máfia, que deveria ser muita se ele tinha considerado e sequestrado a única filha de um dos maiores chefões do Reino Unido.

 Tentou imaginar quem poderia ser, porém o fato de seu pai ter a deixado trancada na mansão Granger não a ajudou exatamente a conhecer todos os planos de negócios de seu pai, seus amigos e aliados ou inimigos, tudo o que Hermione sabia era uma coisa aqui outra ali, depois de anos se aperfeiçoando na arte de ouvir atrás da porta e mexer em algo que não devia.

 Nada veio a sua mente, era mais fácil descobrir quem participava abertamente da máfia, essas pessoas não tinham medo de se expor, do que pessoas de fora que tinham resolvido entrar, essas sim, tinham grande habilidade em esconder seus hábitos não convencionais.

— Considerando os negócios que ele faz, essa menina não é nada do que aparenta, melhor ficar de olho nela depois de acordar.

— Eu acho — começou a dizer Hermione enquanto se levantava — Que vocês deveria ter mantido o olho nela o tempo todo.