Florescer escrita por Bruninhazinha


Capítulo 19
O jantar




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O jantar

Era mais ou menos dezenove horas quando Perséfone assentou-se ao tocador, pronta para se arrumar. É claro que não esperava nada de extraordinário para aquela noite, por isso acabou optando por uma roupa mais simples – um vestido preto de alças que escorria até seus pés.  

Com a escova em mãos, a deusa penteou os cachos habilmente e, embora os orbes fitassem o próprio reflexo no espelho, os pensamentos permaneciam longes, vagando para o pedido que Hades fizera na noite anterior.

Será um jantar nosso. Só eu e você.

Certo. Apenas os dois, jantando juntos, absolutamente sozinhos. Não tinha nada de errado nisso. Eles quase sempre comiam juntos – praticamente todas as refeições, quando Hades não estava excepcionalmente ocupado com o trabalho – e geralmente estavam sempre sozinhos, caminhando pelo castelo e tagarelando sobre qualquer bobagem.

Nada de novo. Nada de anormal.

Então por que raios não conseguia parar de sentir aquele frio insuportável no estômago? Por que não parava de pensar nisso como se fosse algo extraordinário?

Havia uma sensação nova no peito de Perséfone, uma sensação de expectativa.

De ansiedade.

Era perturbador, porque parecia que, no fundo, queria que algo acontecesse.

Mas o que?

Não soube quanto minutos passou ali parada, atônita, movendo a escova pelos fios sedosos – provavelmente muito tempo, porque só saiu do transe quando batidas ecoaram pelo cômodo. E ela não estava nem perto de estar pronta para o encontro— se é que aquilo era um encontro.

Preferia pensar que não. 

— Querida? — a voz de Hades soou abafada pelas paredes que os separavam, seguida de mais três batidas na porta. — Terminou?

— Aguarde só mais um minutinho!

Ela se ergueu em um pulo, decidindo deixar o cabelo solto. Se resolvesse, de fato, arrumá-lo provavelmente o coitado do deus teria que fazer um plantão de cem anos em frente ao seu quarto. Em uma velocidade inimaginável, passou um batom rosado e tirou do guarda-roupa o primeiro par de sandálias que viu pela frente, tentando inutilmente calçá-lo enquanto dava pulinhos até a entrada do quarto.

Antes de definitivamente abrir a porta, deu uma última espiada no espelho, avaliando-se. Não havia nada de extraordinário em sua aparência. Mesmo com todos os esforços, continuava bochechuda e com o mesmo toque infantil no olhar.  

O cabelo não era tão sedoso quanto o de Hécate e ela não esbanjava nenhuma sensualidade quanto a ex de Hades – Menta, se não lhe falhava a memória. Mesmo que só a tivesse visto em uma pintura, Menta e até mesmo a própria Hécate possuíam uma aparência exuberante, madura, esguia e pomposa, com aquele toque coquete que certamente a deusa menor não tinha. Ambas cheias de curvas lindas, com olhares ferozes e ares de fidalga.

Perséfone não era assim. Era só uma garota ingênua e boba, excessivamente simples.

Odiava se comparar – no fundo sabia que era errado –, mas não podia controlar. Os pensamentos só vinham em algum momento e, antes que se desse conta, estavam lá, pairando em algum canto obscuro de sua mente conturbada, deixando-a deprimida.

Forçou um sorriso, dirigindo-se a porta e suspirou, tentando preparar o psicológico para o que viria a seguir.

Hades, como sempre, estava impecável. As vestes escuras mantinham-se bem alinhadas e não havia um fio de cabelo fora do lugar. A mesma postura esguia, imponente.

Os mesmos olhos profundos que tiravam o fôlego da pobre moça.

Ela precisou piscar algumas vezes para se acostumar com a visão. Se Hades já era bonito antes, agora estava majestoso, trajando peças muito elegantes que salientavam cada músculo e ainda mais os olhos de pirata.

Ela tentou, inutilmente, se recompor, pigarreando levemente antes de quebrar o silêncio.

— Gostei. — Olhou-o de cima a baixo, com uma expressão analítica. — Você fica ótimo de vermelho.

— Sério? — ela fez que sim com a cabeça e ele sorriu em agradecimento. — Obrigado. Já faz algum tempo que não me aventuro por outras cores, então ainda estou tentando me acostumar. Queria impressionar.

— Bom, — alargou o sorriso um pouco mais. — você conseguiu.

Ele sorriu em retribuição, em seguida ofereceu o braço, pondo-se a caminhar ao lado dela pelos extensos corredores do castelo gótico.

Aquela era uma noite atipicamente quente e as janelas estavam abertas, permitindo com que a brisa veraneia adentrasse a propriedade. Perséfone aspirou o ar puro, sentindo-se revigorada, vez ou outra desviando o olhar para a figura masculina ao lado, que parecia tão perdida em pensamentos quanto ela.

No céu, a lua brilhava em todo seu esplendor, em fase cheia, destacando-se na imensidão estrelada. Era tão impressionante que parecia que o céu de repente resolveu tornar aquela noite ainda mais especial.

O que Perséfone não sabia é que Hades foi tão meticuloso com os detalhes que nem o céu escapou de seus planejamentos. Ele conversou com Nyx e a deusa da noite – muito animada com a perspectiva do avanço que ele dera, por sinal – resolveu dar uma ajudinha. Ela passou horas a finco pensando no que seria o céu perfeito para um encontro e voilá.

Nyx realmente não brincava em serviço. Aquela era a noite estrelada mais linda que ele já vira desde que fora encarregado de cuidar do Submundo – e os esforços não poderiam ter sido mais recompensadores.

Sua amada Perséfone estava absolutamente encantada e não tirava os olhos das janelas. Ele nem se atreveu a falar um a que fosse enquanto não mostrasse, de fato, a verdadeira surpresa.

— Está me levando ao jardim?

Ele soltou uma risada anasalada, acompanhando-a escada abaixo, apertando o braço dela firmemente para evitar qualquer desastre que fosse. Perséfone era um pouco avoada, e dada a pequenos acidentes como tropeços. Melhor prevenir do que remediar.

— Aprendeu o caminho rápido. — respondeu. — E sim, estou te levando aos jardins. Acho que você vai gostar.

— Disso tenho certeza. — respondeu, subitamente feliz com a perspectiva de estar em meio as plantas. — Eu estou tão...

— Animada?

— Eu ia dizer ansiosa, mas isso também serve.

Ele sorriu, continuando a guiá-la pelos corredores. Não demorou para alcançarem o exterior. Se do lado de dentro Perséfone tinha uma vista inebriante do céu, a visão do lado de fora era de tirar o fôlego. A noite se abriu grandiosamente, estendendo-se pelo horizonte, revelando tantas estrelas que todo aquele brilho a deixou zonza.  

Havia também o cheiro primaveril das plantas, que perfurou seus pulmões. O gazebo estava lindamente decorado com lanternas de papel flutuantes – e havia também os vagalumes. Muitos e muitos vagalumes, voando de um lado a outro, por cima dos narcisos, que iluminavam praticamente todo o jardim com sua luz dourada e quente.  

E, para finalizar, no meio de toda essa maravilha – digna de um conto de fadas –, achava-se a pequena e simplória mesa, ostentando um delicioso jantar a luz de velas. O cardápio ia desde pãezinhos a tortilhas de cordeiro. O cheiro estava incrível.

Enquanto Perséfone tinha um mini surto de felicidade, Hades, por outro lado, observava atentamente as reações dela com um meio sorriso, satisfeito consigo mesmo.  

— Se continuar com a boca aberta vai acabar babando, querida. — Gargalhou e ela rolou os olhos, dando um beliscão no braço dele. — Credo, não sabia que você era tão vingativa assim. — fez uma careta de dor, embora não tivesse doído nada. Perséfone tinha a força de uma pluma.

— Muito engraçado.

Ele voltou a rir.

— Venha, vamos comer algo. Você deve estar faminta.

— Eu sempre estou faminta. — Eles riram, e ela deixou-se ser guiada até a pequena mesa. — Francamente, Hades, você é mesmo uma pessoa criativa. — Observou os arredores, ainda encantada. — Essa é de longe a decoração mais linda que já vi na vida.

— Agradeço os elogios. — A deusa sorriu, observando-o puxar a cadeira para que ela se sentasse. Ele afundou na cadeira oposta, de frente para ela, com as mãos sobre a superfície amadeirada. Ela estava na mesma posição e seus dedos quase se tocavam. — Confesso que não foi muito fácil, mas no fim das contas valeu a pena.  

— Ficou lindo.

— Ah, sim, claro, — gesticulou com a mão. — ficou realmente lindo de se apreciar. Mas não estou falando disso.

Ela arqueou uma das sobrancelhas, confusa. Ele continuou.

— Valeu a pena porque pude te fazer sorrir.

Pega de surpresa com tais palavras, Perséfone abriu e fechou a boca, tentando dizer algo em resposta, mas nada saía. O rosto repentinamente esquentou e as mãos suaram.

Era a primeira vez que sentia o coração bater tão forte, como se fosse atravessar o tórax. Dentro dela, havia uma sensação estranha, um frio na barriga repentino.

Estava sem ar. Talvez fosse o calor. Talvez fosse a umidade.

Ou talvez fossem só aqueles olhos que sempre a deixavam sem jeito. Aqueles olhos que a fitavam como se ela fosse a criatura mais linda do universo.

As palavras de Hypnos ressoaram mais uma vez em sua mente, como um fantasma. “Claramente existe uma química entre vocês, isso é inegável. Não seria surpresa para ninguém se você de repente, sei lá, começasse a gostar dele de outra forma.”

Então esse era o nome dessa eletricidade inexplicável, que apenas existia, como se ambos se atraíssem um para o outro? Das trocas de olhares, dos toques corriqueiros, dos arrepios?

Química?

— Quer que eu sirva? — ele apontou para os deliciosos aperitivos e, antes que pudesse obter uma resposta, encheu o prato dela com frutas e tortas.

— Obrigada.

Eles comeram em silencio, vez ou outra trocando olhares rápidos e envergonhados. Perséfone continuava trêmula e Hades se deu conta de que nunca havia jantado a sós com uma mulher na vida.

Ainda mais uma mulher tão linda.

Ele realmente não sabia o que dizer. Ela também não.

E tudo o que sobrou foi o longo e constrangedor silencio.

Que ótimo começo, Hades, ele disse a si mesmo com deboche e amargor. Pense em alguma coisa para dizer, pense, pense...

— Hades. — A voz melodiosa cortou o silencio sepulcral, e ela depositou os talheres no prato, fitando-o longamente.

— Sim, querida? — questionou, escondendo toda a tensão que sentia.

— O que significa tudo isso?

Ele arqueou uma das sobrancelhas, recostando-se ao corpo da cadeira.

— Como assim?

— Digo, — ela olhou para outro lado, um lado qualquer que não fosse os olhos dele. As bochechas novamente esquentaram e ela apertou a saia do vestido por debaixo da mesa, nervosa. — não estou reclamando, a decoração e todo o jantar está lindo e impecável. Eu só não entendo o porquê. O que é isso tudo? É um jantar entre amigos? É um encontro?

O silencio reinou mais uma vez, ambos fitando-se de forma analítica. Hades, respirou profundamente, tentando não surtar, e Perséfone indagou-se de onde tirara coragem para perguntar aquilo.

— O que você quer que seja, Perséfone? E o que você acha que possa ser?  

Ela piscou sequencialmente, sendo pega de surpresa. Abriu e fechou a boca novamente, mas preferiu não responder.

Mais silencio.

Hades soube que agora não tinha para onde correr. O primeiro passo foi dado, e Nyx estava certa. A abordagem teria que ser diferente.

Perséfone precisava saber ao menos parte – uma parte pequena que fosse – do que ele sentia.

Só assim ela ia perceber suas reais intensões.

Ele não acreditava no que estava prestes a fazer.

— Acho que nós dois sabemos o que está acontecendo aqui. — A voz masculina soou melódica e calma e os olhos dele, antes ferozes e profundos, agora brilhavam em ternura. — No fundo, sabemos. E acho que não da para esconder por mais tempo. Me empenhei nesse jantar porque queria te ver feliz. Eu gosto de você, Perséfone, e quando digo que gosto, quero dizer que gosto de verdade, mais do que eu deveria realmente gostar. Bem mais do que seria apropriado entre amigos. — Evidentemente, gostar era uma palavra muito supérflua para o que sentia. Talvez amar ou estar apaixonado se encaixassem melhor, mas não diria isso agora. Ela provavelmente ficaria assustada.  

— Eu... — a voz falhou. O coração estava a mil. As mãos formigavam. O estomago dava voltas. Tantas sensações em um espaço de tempo tão curto acabou por deixar a deusa zonza e especialmente confusa. — Desculpe, Hades, mas eu não sei se sinto a mesma coisa que você. Isso não daria certo... Eu...

— Perséfone. — Esticou a mão, agarrando os dedos dela com firmeza, fazendo-a desviar os olhos para os seus. Havia insegurança, medo e um brilho a mais que ele não soube identificar. — Não estou te cobrando nada. Você não precisa gostar de mim dessa forma, eu realmente não me importo. Eu só quero que você saiba que eu gosto de você, muito e de verdade, e que quero ver você feliz. É só isso. Você não precisa gostar de mim. Mas eu quero te pedir algo.

— O que? — questionou em um fio de voz, desviando os orbes esverdeados para a mão máscula entrelaçada a sua. Era quente, macia, confortável. E seus dedos encaixavam-se perfeitamente, como se as mãos dele fossem feitas apenas para segurar as mãos dela.

— Me dê a chance de tentar te conquistar. Apenas uma chance.

Ela o encarou, ofegante, mas não se afastou.

As palavras apenas atravessaram os lábios sem que sequer percebesse.

Apenas saíram.

E já não tinha mais volta.

— Tudo bem.

 


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Notas finais do capítulo

GENTE, EU TENHO EXPLICAÇÕES PLAUSÍVEIS PARA A DEMORA DESSA VEZ, JURO!!! Meu notebook basicamente estragou em junho, desde então levei em várias pessoas e até mesmo na assistência técnica, mas ninguém conseguiu arrumar. No fim das contas, fiquei meses e meses nisso e só consegui comprar um bom notebook agora mais pro fim de novembro. Enfim, galera, mil perdões pela demora, de verdade! Espero que ainda existam pessoas acompanhando essa história >.<
Assim, gente, vocês sabem que eu demoro, mas que eu sempre acabo retornando.
E É ISSO GALERA
E aí? O que acharam?



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