Entre estrelas e engrenagens escrita por Nanahoshi


Capítulo 2
Fato 256


Notas iniciais do capítulo

Bom, por forças maiores do que eu, infelizmente não consegui seguir as datas certinhas de postagem (eu nem vou contar minha novela lá em brasília se não eu vou morrer de desgosto de novo). Entretanto, como essa fanfic é uma coisa que eu SEEEEMPRE quis escrever, vou continuar seguindo o formato do desafio e, se possível, irei postar todos os caps até o fim de junho. Eu irei concluir as duas fanfics que estou escrevendo para o desafio independente se vai haver penalidade por estourar os prazos pq eu QUERO MUITO ESCREVÊ-LAS AAAAAAAAAAAA
Eu pessoalmente morri de fofura ao escrever esse capítulo, e ESSA É A HORA DE SHIPPAR LOUCAMENTE PRA QUEM NÃO CONSEGUIU NO PRIMEIRO CAP AAAAAAAA Então atenção: vocês correm um sério risco de contrair diabetes ao ler esse cap *u*
No mais, boa leitura!
— Tema do segundo capítulo: a primeira vez que saímos juntos -



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/761779/chapter/2

Arion sequer ousara trocar mais do que dez palavras com Minerva naquele dia. Entrara bufando no laboratório e fora direto resmungar com o protótipo no qual estivera trabalhando junto com ele. Elevara a voz várias vezes, batendo com as ferramentas na lataria dos mísseis, até bagunçar os cabelos e ir sentar-se em frente ao computador. Não demorou mais do que cinco minutos para que ela começasse a gritar com o monitor. E Arion se limitou a ficar encolhido atrás da mesa na qual trabalhava em um novo hardware para as Indústrias Stark. Entretanto, percebendo que seu dia não seria nada produtivo se não fizesse nada em relação ao estado de Minerva, o engenheiro deslizou discretamente sobre a mesa do seu caderninho de anotações. Folheou-o até que encontrasse o início do maço de páginas dedicado a Minerva. Já fizera tantas anotações naqueles meses que estava começando a considerar comprar um caderno apenas para ela. Virou as páginas com uma agilidade que só quem vivia folheando aqueles caderninhos todos os dias teria, e seus olhos atenciosos engoliram as anotações em frações de segundo.

De acordo com o que andara anotando e o que aprendera com Len, seu colega de apartamento que estava naquele planeta há mais de dez anos, a maior parte dos seres humanos se estressava facilmente. Ele havia dito alguma coisa sobre super expressão de receptores de cortisol, mas Arion não era muito bom em biologia celular. Portanto, para sobreviver ali, era imperativo dominar as informações para, no mínimo, acalmar pessoas. E isso especialmente no caso de Arion, que vivera entre povos que não sofriam muito com ânimos exageradamente alterados. E desde que chegara, Minerva havia sido, de longe, a humana menos resistente ao estresse que encontrara. Pelo visto teria que se engajar em conhece-la mais ainda para mantê-la no ânimo certo para ensiná-lo se quisesse concluir logo aquele treinamento. Ele até se surpreendera pela complexidade das informações que Minerva estivera lhe ensinando. Havia subjugado completamente a tecnologia terráquea.

Por fim, uma informação lhe pareceu útil. Arion folheou mais algumas páginas, mas aquela era, de fato, a melhor que tinha. Havia aprendido que três coisas eram infalíveis para acalmar um humano: comida, bebidas alcoólicas e certos tipos de entorpecentes. A ação poderia ser potencializada se você soubesse o favorito da pessoa. E eis o que ele havia anotado:

Fato #256: Sobremesa favorita – Milkshake de morango do Cruger’s

Conseguira a informação enquanto Minerva batia papo com uma outra engenheira que vez ou outra utilizava o laboratório. Confiando no que aprendera até ali, entre anotações, longas aulas com Len e horas consumindo conteúdos didáticos (leia-se audiovisuais e livros sobre humanos), Arion traçou um plano simples em sua cabeça. Esperou que Minerva entrasse num intervalo entre seus protestos e resmungos e se aproximou devagar. Prostrou-se atrás dela e colocou delicadamente a mão sobre seu ombro esquerdo, dando um aperto reconfortante.

— O serviço anda pesado pra você, Minerva – disse com sinceridade. – Vem, vamos fazer uma pausa.

A adolescente virou a cabeça para encarar Arion com os olhos arregalados.

— Você está doente? Nunca vi você querendo fazer uma pausa. E você trabalha mais que o diabo. Um autêntico workaholic.

Arion franziu as sobrancelhas e inconscientemente coçou uma bochecha com o indicador.

— Não sou eu que está precisando de uma pausa. Você anda estressada, e se não desestressar, não vamos fazer avanço nenhum... E, a propósito, o diabo não é uma entidade ruim que faz coisas ruins? Trabalhar não é uma coisa ruim. E se eu trabalho mais que o diabo... O que isso significa?

Minerva encarou-o inexpressiva e, logo depois, soltou um longo suspiro.

— Céus, você ainda tem um longo caminho linguístico a percorrer. Cadê o seu caderninho?

Arion sacou-o do bolso num gesto automático. Minerva apertou os lábios para não rir. Ele era tão literal que chegava a ser... fofo? Quando a palavra brotou em sua mente, a garota sacudiu a cabeça.

“Ei, ei, ei! Alto lá! Que besteiras você está pensando agora, Minerva?!, repreendeu-se silenciosamente. “Foco no dever”.

Redirecionando sua atenção, a engenheira apontou para o caderninho, que já estava aberto entre os dedos de Arion com um lápis suspenso sobre uma das folhas.

— Anota aí. – instruiu ela. – Quando usamos a expressão “como o diabo” depois de alguma ação que a pessoa realiza ou alguma característica dela, isso funciona como um intensificador. É a mesma coisa que dizer que a pessoa é muito ou faz muito alguma coisa. Você trabalha como o diabo. Isso significa que você trabalha muito.

Arion rabiscou rapidamente a definição e guardou seu Moleskine no bolso.

— Obrigado – disse, sempre sincero. – Agora vamos lá.

Minerva esquecera-se completamente do que ele dissera antes de perguntar o que significava “como o diabo”. Ao lembra-se, sua expressão voltou a assumir um ar incrédulo e desconfiado.

— Por que isso agora?

— Porque sim – respondeu Arion tentando deixar o mínimo de espaço para protestos. Marchou decidido na direção da saída do laboratório, já pegando a chave de seu carro da bancada onde deixavam seus pertences pessoais. – Vem logo.

Ainda desconfiada, Minerva seguiu-o hesitante. Vigiava-o com um olhar torto, mas não resistiu. Estava curiosa para saber onde aquilo ia dar. Arion era de longe o engenheiro mais eficiente que as Indústrias Stark já tinham visto. Conseguia manter a concentração por horas seguidas e nunca parava para bater papo por vontade própria. Quando tentavam conversar com ele, dava respostas curtas e diretas que minavam qualquer chance de estabelecimento de diálogo. Era muito bom em memorizar instruções, fórmulas matemáticas e plantas, e mais ainda em aperfeiçoá-las. Nos primeiros três meses, resolvera de cara o problema de um dos protótipos de sniper que nem Stark conseguira resolver. Era mais que 100% eficiente no trabalho, mas fora isso, não parecia fazer nem ter interesse em mais nada. Entretanto, de alguns meses para cá, Arion tivera pequenos espasmos de humanidade, por mais que Minerva já soubesse que ele não o era. E a cada uma dessas inspirações espontâneas, Minerva se divertia muito e, principalmente, podia enfim tirar alguma informação mais pessoal de Arion. Até então descobria que ele gostava muito de música (inclusive gostava muito ouvir enquanto trabalhava), desenvolvera um pequeno vício por corridas de Fórmula 1 e programas de stand-up (era onde estava aprendendo a reconhecer ironias, piadas e sarcasmo), estava adorando a culinária terráquea e gostava de discutir sobre; e estava descobrindo os videogames. Porém, o melhor dia fora quando Arion entendera sozinho pela primeira vez uma piada. Tinha sido apenas mais um trocadilho idiota de Tony, mas ele rira por cinco minutos sem parar. E a risada de Arion era daquelas dadas com tanta sinceridade que contagiavam qualquer pessoa que o escutasse. Depois disso, de forma inconsciente, Minerva começou a trabalhar em estratégias para fazê-lo rir, mas falhara miseravelmente em todas.

Entretanto, colocando de lado as piadas, Minerva tinha outra situação interessante diante de si: Arion preocupado com o nível de estresse que ela andara demonstrando ultimamente. Parecia ser uma questão simples: de fato, não haviam avançado em nada nos últimos cinco dias, e isso poderia estar deixando Arion agoniado. Mas em um canto bastante remoto de seu inconsciente, a engenheira desejou que houvesse algo além disso.

Em silêncio, ela o seguiu até a garagem e só parou quando viu que estavam próximos ao seu Pegeout 306 prata esverdeado. Minerva fez uma careta de desprezo.

— Eu já te disse que eu odiei esse carro? Tony te deu dinheiro suficiente pra que você comprasse uma Ferrari, mas aí você comprou essa... coisa.

Arion abriu a porta do motorista e encarou Minerva.

— O carro é seu ou meu?

A engenheira ergueu os braços num gesto de rendição e depois espalmou as coxas.

— Tudo bem, você venceu.

A contragosto, arrastou os pés até a porta do carona e se jogou no banco. Uma sensação estranha a fez remexer-se, inquieta. Os únicos dois momentos em que entrava num carro sem estar no banco do motorista era quando seu pai dirigia ou quando tinha de acompanhar Stark ou alguma equipe das I. S. para algum lugar numa limusine (que por sinal, eram alvo do seu mais puro e sincero ódio). Vigiou os movimentos de Arion pelo canto do olho sentindo a inquietação aumentar. Era muito estranho estar no banco do carona, ainda mais quando... bem, um homem que não fosse seu pai estava dirigindo. Sim, ela já tinha aceitado. Sabia que Arion não era humano, mas continuava sendo um dos machos da espécie. Então era um homem. Ponto final. Antes de dar a partida, Arion tirou um pequeno aparelho quadrado que lembrava um pager. Entretanto, Minerva sabia que aquilo era um GPS. A tela verde com pontinhos pretos desenhou um croqui das ruas de Nova York e quando Arion digitou alguma coisa no teclado, setinhas piscando apareceram no centro das ruas, indicando o caminho. Realmente, aquela fora a regalia mais útil que Stark dera para Arion desde que ele entrara nas I.S.

— Posso perguntar para onde estamos indo?

Arion franziu o cenho.

— Você está pedindo permissão para fazer a pergunta ao mesmo tempo em que já fez a pergunta?

— Ai, Deus do céu! – praguejou Minerva. – Tem horas que dá vontade de estrangular você. Vou ser mais direta: aonde estamos indo?

Arion deu um sorrisinho. Era estranhamento divertido ver uma super expressão de emoções em Minerva. Estava começando a aprender qual ação sua causava determinava reação nela, e logo, logo, poderia induzir nela as reações que quisesse observar.

— Espere que você vai ver.

Minerva trincou os dentes e quase avançou no pescoço do ruivo. O frustrante das restrições linguísticas de Arion era que ele facilmente ganhava discussões pelo cansaço do interlocutor, já que perdia-se mais tempo explicando o significado de algumas expressões do que, de fato, discutindo. O carro serpeou pelas ruas até finalmente Arion fazer a manobra para encostar o carro. Desligou-o e saiu, sendo imitado por Minerva, que voltara a vigia-lo desconfiada. Ao sair, olhou em volta, e assim que seus olhos cruzaram a rua, a engenheira arregalou os olhos. Estática, ela permaneceu encarando o enorme letreiro em tons de rosa e roxo do outro lado da rua até que conseguiu forçar sua cabeça a virar-se gradativamente para Arion. Ele também encarava o estabelecimento com os olhos espremidos devido ao sol que batia em seu rosto. Quando ele percebeu o olhar de Minerva sobre ele, virou-se para ela e disse casualmente:

— Você gosta não é? Milk-shake. Do Cruger’s.

Minerva abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu. Todas pareciam ter se embolado no fundo de sua garganta, recusando-se a sair. Sentindo o nervosismo se espalhando por seu peito, ela assentiu. Arion deu um sorrisinho.

— Então vamos – disse ele avançando para atravessar a rua. Minerva permaneceu alguns segundos parada encarando a cabeleira ruiva que se agitou ao vento como uma tocha. Como? Como ele sabia daquilo? Ele? Ela tinha certeza que não tinha conversado sobre milk-shakes com ele. Muito menos do que mais gostava. Sentindo uma mistura de desconfiança e uma sensação que ela não conhecia, mas que esboçava-se como algo agradável, ela seguiu Arion até o outro lado da rua, alcançando-o bem na hora que ele puxou a porta para entrar. Os dois avançaram para o balcão, onde havia uma pequena fila de três pessoas. Minerva calou-se, incapaz de continuar o interrogatório depois disso. Ficou lançando olhares furtivos para Arion, que observava tudo com uma curiosidade quase infantil. Ele ficou um tempo lendo o cardápio que estava pregado atrás do balcão, e quando chegou sua vez, foi bastante direto com a atendente:

— Dois milk-shakes, por favor: um de menta e um de morango.

Minerva arregalou os olhos e grudou-os no rosto de Arion. Seu espanto cresceu quando ele puxou a carteira negando que queria mais alguma coisa. Houve uma pequena pausa, na qual a atendente possivelmente esperou que Minerva acrescentasse um pedido, mas ela estava chocada demais para isso. Ela disse o preço e Arion sacou prontamente algumas notas da carteira, colocando-as sobre o balcão. Ainda paralisada, ela viu-o receber o troco, pegar o cupom e virar-se para o outro balcão onde receberiam os milk-shakes. Foi nesse instante que ela despertou.

— Ei, ei! – ela disse esticando-se para segurar o antebraço de Arion. Ele estacou e olhou para ela, curioso.

Aquela expressão inocente em seu rosto fez com que sua mente tivesse um pequeno delay para montar a frase que ela queria. Ficou dois segundos a mais encarando aqueles olhos alaranjados que ela achara tão intrigantes desde o começo. Quando percebeu o que estava fazendo, piscou várias vezes, abriu a boca e balançou a cabeça com força. Para disfarçar seu embaraço, desandou a falar:

— Uou, você está me assustando! Vocês, cristáliens, tem algum tipo de poder de leitura de mentes ou algo do tipo? Como você sabia que eu ia pedir o de morango?

Arion negou com a cabeça com uma expressão séria.

— Nós não lemos mentes. Só temos a habilidade da qual eu te falei aquela vez. Eu só ouvi você dizer isso.

— Dizer? – perguntou ela, confusa e chocada. – Arion, eu não disse nada.

— Não! – ele fez um gesto de dispensa com a mão. – Outro dia. Você estava conversando com a Claire no laboratório, e eu ouvi você falando que sua sobremesa favorita era milk-shake. Ela perguntou o seu favorito e você disse que amava o de morango do Cruger’s. E acrescentou que, inclusive, todas as vezes que vinha aqui, só pedia esse.

Minerva piscou para Arion, pasmada.

— Você... Você guardou essa informação?

— Sim, eu anotei. – respondeu ele com uma franqueza recheada de uma confusão óbvia. Não estava entendendo por que Minerva estava falando daquilo como se fosse algo anormal.

Anotou? – a pergunta saiu quase num grito, mas ela se lembrou de baixar a voz antes que a segunda sílaba saísse.

Nesse instante, uma outra atendente chegou com os milk-shakes. Como eram artesanais, tinham sido colocados em copos de vidro e enfeitados com pedaços de doces, chocolates e castanhas. Arion recebeu-os, entregando o cupom para que a atendente o rasgasse num cantinho. Depois, ofereceu o de morango a Minerva, que o pegou num gesto automático.

— Vamos sentar ali – disse Arion apontando para uma mesa num canto afastado da loja.

Minerva o seguiu inconscientemente enquanto digeria as últimas falas do engenheiro. Sentou-se sem ver, e apenas a voz de Arion foi capaz de trazê-la de volta a Terra:

— Isso aqui até que é interessante. Até hoje não tinha visto bebidas ornamentadas dessa forma por aqui.

Minerva piscou e balançou a cabeça de leve, depois fechou os olhos por alguns segundos e abriu-os olhando direto para o ruivo sentado à sua frente.

— O que você quis dizer com anotou?

Arion ergueu os olhos, que antes estavam grudados na mesa enquanto ele lutava para puxar o milk-shake através do canudinho. Ele estalou os lábios e enfiou a mão no bolso, tirando- de lá seu inseparável Moleskine. Abriu-o e folheou-o até encontrar a anotação sobre o milk-shake de morango. Arrastou-o sobre o tampo da mesa até Minerva, que recolheu-o desconfiada. Entretanto, quando seus olhos baixaram, suas sobrancelhas se arquearam ao ler os diversos tópicos numerados... Todos sobre ela. Quase no final da página, encontrou a dita anotação:

Fato #256: Sobremesa favorita – Milkshake de morango do Cruger’s

Ela ergueu os olhos para Arion.

— Por quê... Por que você anota essas coisas?

— Porque são úteis. – ele respondeu largando o canudinho apenas por um segundo.

— Úteis?

— Sim. – Arion remexeu a pasta esverdeada com um pedaço de chocolate. – Eu convivo com você. E de acordo com o que o Len me disse, quanto mais você entende um ser humano, melhor consegue conviver com ele. E isso independe se ele é seu vizinho, seu colega de trabalho ou atendente da loja que você gosta de frequentar.

Minerva espremeu os olhos e inclinou a cabeça, indicando que não entendera muito bem o ponto.

— Nós, cristáliens, não vemos tanta necessidade disso – continuou Arion. – Só nos aprofundamos sobre uma pessoa quando é de interesse pessoal, o que raramente acontece. Somos bastante práticos: não precisamos gostar de uma pessoa para nos sentirmos bem em sua presença e trabalhar bem em equipe com ela. Fazemos isso porque é o nosso trabalho e acabou. Então, todos os laços sociais são meio gritantes: sabemos quem gosta de quem, quem é amigo de quem, e quem odeia alguém. E na verdade é bem raro acontecer de um cristálien odiar outro. Não é comum fazer coisas para prejudicar os outros.

Minerva se reclinou na cadeira enquanto processava as informações. Sentimentos confusos e completamente novos pipocaram aqui e ali. Algo na fala de Arion a incomodara. Mas... o quê? Repassou as informações e escolheu as palavras com cuidado:

— Isso é... interessante, mas... Isso realmente te ajuda?

— O quê?

— Anotar informações. – Ela fez uma pausa. – Sobre mim.

— Claro que sim. – Ele arregalou os olhos numa expressão incrédula. – Você é minha professora, não é? E é humana. Te conhecer vai ser importante pra mim.

A frase pegou Minerva de guarda baixa. Um canto de sua mente sabia o real significado que Arion atribuíra a ela, mas a maior parte dela acionou todos os seus mecanismos de alerta. O coração disparou e ela sentiu suas bochechas esquentando e doendo. Não era todo dia que se ouvia uma frase daquela de um cara... um cara legal. Inteligente. Extremamente franco. E um cara vindo de outro planeta. E mesmo sendo um alienígena, era inegável dizer que ele era, sim, bonito. O rumo de seus pensamentos fez tudo piorar, e Minerva cedeu ao impulso de balançar a cabeça com força na esperança que a força centrífuga os expulsasse.

— Você está bem? – perguntou Arion, preocupado, trazendo Minerva de novo de volta ao presente.

— Hã? Ah... Sim, sim. Só... Senti uma leve vertigem. Acho que bebi o milk-shake rápido demais.

O engenheiro soltou um “ah” e voltou a atentar-se para seu milk-shake, que por sinal ele parecia ter gostado muito. Minerva remexeu o seu com o canudo, nervosa.

— Ahm... – fez ela depois de quase dois minutos em completo silêncio. – Você... quer que eu acrescente algumas informações no seu caderno sobre mim para te ajudar?

Arion fez que não com a cabeça com mais energia do que Minerva julgou ser necessário.

— Eu preciso anotar por mim mesmo. Preciso encontrar a informação sozinho, julgá-la se vai ser útil ou não e aí anotar. Só assim eu vou conseguir memoriza-las e, por fim, aprendê-las.

Sentindo as bochechas queimando, Minerva tentou assumir um tom despreocupado e perguntou:

— E você... Já conseguiu memorizar alguma coisa?

Arion fez uma expressão pensativa olhando para cima.

— Não muitas. Sei que você odeia o Stark, e que adora ficar resmungando um monte de insultos quando está fazendo algum serviço pra ele. Ah, e você também tem baixa tolerância ao estresse. Fica brava muito rápido.

Minerva teve que se segurar para não dar um tapa em Arion ou, no mínimo, suspirar decepcionada. Então essa era a impressão que passava?

— Também já sei decor que você gosta de comida árabe – continuou o ruivo, pegando a garota de surpresa. – Seu preferido é... quibe assado? É, quibe assado. Lembro disso. Eu anotei. E você trabalha melhor escutando música, principalmente se for soul, disco ou funk. Você escuta bastante aquela... banda é a palavra... Aaaah, o nome são três palavras... Ah! Earth, Wind & Fire. Ah, e todas às vezes que você fica frustrada, você automaticamente abaixa as sobrancelhas. Fica bem franzido no meio delas. Sempre dá saber. Você não passou uma vez sem fazer isso. Ao contrário de outros humanos, achei fácil aprender a manifestação de emoções em você. Você é bem franca. E eu, pessoalmente, agradeço. Prefiro pessoas assim.

Minerva baixou os olhos para a mesa e fixou o caderninho de notações, agora fechado, à sua frente. Ela sequer sabia como que Arion não estava escutando as batidas de seu coração, que esmurravam suas costelas desesperadamente. Nunca sentira aquilo na vida. Como podia estar tão nervosa com aquilo? E aquilo... era nervosismo mesmo? Minerva não sabia mais de nada. Era tudo novo. Desde sua pré-adolescência soubera de casos pontuais de meninos, e depois caras, interessados nela, mas nenhum nunca lhe interessara. Relacionamentos lhe pareciam mais distrações do que realmente importava: o estudo e o trabalho.

Mas pensando melhor, nenhum havia se aproximado dela o suficiente. Minerva tinha nome, fora sempre uma excelente aluna, e corria o burburinho de sua associação com os Stark. Estar com ela era beber de seu status social e, quem sabe, financeiro. Nenhum deles se interessara por Minerva Bandele. Haviam se interessado por Minerva, a garota prodígio. A garota que trabalho pros Stark. A garota do corpo bonito. A garota da cor do pecado. Já ouvira todos esses absurdos. Nenhum cara havia se importado em descobrir sua comida favorita. Nenhum cara anotara que ela gostava de milk-shake de morango. Nenhum cara lhe dissera que havia memorizado que toda vez que ela fica frustrada ela fazia a mesma expressão.

E de todos os caras, justo o que tinha vindo de outro planeta fora o único a fazer isso?

Minerva se encolheu um pouco e deu um risinho. Sua vida estava mesmo repleta de bizarrices. Mas aquela bizarrice... De algum modo, ela gostava dela.

Minerva fixou seu milk-shake e, de súbito, lhe ocorreu que Arion que tinha pagado o seu. Ela levou a mão a um dos inúmeros bolsos de sua calça e tirou de lá sua carteira. Separou uma nota de dez dólares e colocou sobre o caderninho, empurrando-o para Arion em seguida.

— Aqui. Minha parte.

Arion balançou avidamente a cabeça ao ver o dinheiro, pegou- e estendeu para Minerva.

— Nada disso. Eu que trouxe você aqui. Então eu pago.

— Ficou doido? Não! Isso não faz sentido!

Ele estalou a mão na mesa, deixando a nota ali.

— Não vou aceitar que pague. A ideia foi minha. Você nem sabia que íamos gastar.

— Arion!

Ele fez que “não” com a cabeça com o canudo na boca, o que o fez parecer mais fofo do que já era normalmente com aquele olhar infantil e ingênuo.

— Eu não vou pegar esses dez dólares de volta. – ameaçou Minerva.

— Então ele vai ficar aí. Eu não vou aceitar.

A engenheira bufou.

— Céus! Vou começar a fazer um caderninho pra você também, e a primeira coisa que vou anotar é que você é muito teimoso.

— No geral, nós, cristáliens, somos determinados.

— Determinação é uma palavra bonita pra teimosia.

— Então tudo bem, você pode anotar que eu sou teimoso.

Minerva encarou-o, brava, por alguns instantes e, de súbito, desatou a rir. E, inesperadamente, ela viu os lábios de Arion se abrindo numa risada. Uma risada. Contida e curta, mas uma risada.

— Do que você tá rindo?

Minerva cobriu a boca com uma mão e negou com a cabeça.

— Nada.

— Como nada? Você tem que estar rindo de alguma coisa.

Ela voltou a ter um acesso de risadas, mas assim que conseguiu respirar, disse:

— Eu tô rindo de você, sua besta.

Arion abriu os braços, inconformado.

— O que foi que eu fiz de engraçado?

Isso só fez com que Minerva desandasse a rir novamente. Arion a observou confuso, mas ao mesmo tempo encantado. Cumprira sua missão. Conseguira inverter o estado de espírito de Minerva, e usando uma informação que anotara em seu caderno. O método realmente funcionava. Mas Arion sentiu algo mais. Ele sentiu uma satisfação estranha. Uma satisfação sutil, mas com uma origem mais profunda da que sentia quando concluía um trabalho bem feito. E ele estava feliz. Estava feliz... Porque Minerva estava rindo.

***

Arion e Minerva estavam parados diante do Cruger’s vigiando a rua para atravessarem. A engenheira ergueu os olhos e encarou seu pupilo por um instante. Depois, desviou-os de volta para a rua e deu uma risadinha. Aquele cara...

— Se sentindo melhor? – perguntou ele de súbito.

Minerva demorou alguns segundos para processar a pergunta. Esquecera-se completamente que estivera possessa da vida antes de sair com Arion.

— Ah, sim. – disse ela com uma risadinha. – Estou me sentindo bem melhor.

— Viu? – devolveu Arion.

Minerva olhou para ele, confusa.

— Vi o quê?

— Viu como as informações que anoto sobre você são úteis? – Arion deu um sorrisinho para ela.

Minerva intensificou a confusão em seu rosto estreitando os olhos.

— Se eu não tivesse anotado, não teria aprendido que você gosta de milk-shake de morango do Cruger’s. Eu não teria te trazido aqui e você estaria tendo um acesso de ódio no laboratório até agora.

Minerva sorriu e sentiu suas bochechas esquentando. De fato, Arion se preocupara com ela. Ela ergueu o rosto e encarou-o por alguns segundos. Alargando o sorriso, ela respondeu espelhando a sinceridade pura e usual do engenheiro:

— Isso é verdade. – ela fez uma pausa. – Obrigada mesmo.

Aquele tom franco pegou Arion de surpresa. Não ouvira Minerva se dirigindo a ninguém daquela forma até então. E ouvi-la falar naquele tom fez com que ele quisesse ouvi-la mais. Queria que ela fosse cada vez mais sincera com ele.

— Isso foi legal – disse ele sem pensar.

— O quê?

— Isso. Que você acabou de falar. Você foi sincera. Gostei de ouvir você falar assim.

Minerva desviou os olhos para a rua rapidamente, o rosto fervendo.

— Caramba, você não sente nem um pinguin... pouquinho de vergonha em falar essas coisas? – ralhou ela torcendo para que ele não notasse seu embaraço.

— Não, por que eu teria?

Nesse instante, houve uma brecha grande suficiente entre um carro e outro para que eles atravessassem. Arion disparou para o outro lado da rua, mas Minerva permaneceu onde estava, fitando sua silhueta encabeçada pela sua cabeleira chamuscante.

Como alguém podia ser tão sincero daquela forma?

E inteligente?

E talentoso?

E... diferente?

E... fofo?

E... tão incrível?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

QUEM AÍ TÁ COOM DIABETES? QUEM TÁ SHIPPANDO ARIERVA DOIDAMENTE?
Lembrando que esses dois personagens já foram mostradoos em outra fanfic: Charging Ranger, minha longfic da Marvel. Eles são os pais da protagonista, Cendi Danugam. Vendo o amor lindíssimo e foférrimo desses dois vocês entender 100% pq a Cendi é aquela preciosidade doidinha *u*
Corram lá pra conferir YEY
https://fanfiction.com.br/historia/757871/Charging_Ranger/
Muito, muito obrigada a quem está acompanhando esse pedacinho de marshmallow e espero que tenha dado fofura suficiente pra vocês! Mas CALMA Q TEM MAAAIS!
Beijos da Nana-chan e até o proximo cap!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Entre estrelas e engrenagens" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.