Questão de Sorte escrita por Hakiny


Capítulo 71
Enquanto Eu Olhar Para Você


Notas iniciais do capítulo

VOLTEMOS



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O silêncio envolto em escuridão, era tudo o que o cercava. Seu corpo estava pesado, seus braços dormentes, era tudo tão escuro que ele não sabia se estava realmente de olhos abertos.

— É TUDO SUA CULPA! — Uma voz ecoou pela imensidão.

De repente ele ouviu um barulho de vidro se quebrando e olhando para o chão ao lado de seus pés, pôde ver uma garrafa de bebida destruída. Um líquido quente escorreu do seu rosto e o cheiro de álcool estava impregnado no seu corpo.

— Você é uma maldição! — O homem bêbado continuava a berrar — Se você não tivesse nascido o mundo seria um lugar melhor! LIXO!

Com passos lentos o adolescente caminhou até a porta, não antes de ser atingido por mais um objeto, jogado pelo pai. Sem rumo e com o estômago roncando, o garoto caminhou por algumas horas.

— O que houve com você? — Um homem muito mais alto que ele se agachou até a sua altura — Acho que isso precisa de uns pontos.

“Ivan…”  Ao se lembrar da forma como ele havia sido executado, Ryu sentiu seu coração doer.

— Você já tem 15 anos, não é mesmo? — Ivan sorriu para o garoto — Posso conversar com o seu pai para que você more na fortaleza, talvez ajude com os estudos.

Ivan havia sido persuasivo com o velho, de um jeito um tanto incisivo. Ele se lembrava bem de como o seu pai havia ficado tremendo diante daquele enorme combatente ameaçando sua vida. 

— Esse garoto tem um futuro brilhante. Não é porque você desistiu de viver que tem o direito de levá-lo junto com você para o fundo do poço — Ivan dizia em alto e bom som enquanto o encarava firmemente.

Depois daquele dia, ele nunca mais voltou para casa.

Aos poucos o cenário ia se desfazendo e um novo era montado. Nele uma garota de cabelos longos e cacheados, assistia a aula no canto da sala.

— Façam grupos de 4 pessoas! — A professora ordenou.

A menina permaneceu no canto da sala.

— Catherine Gibran, não vai escolher um grupo? — A mulher se virou para a aluna.

Catherine se pôs de pé, e encarou a turma. Alguns a olhavam com desprezo, outros fingiam que não era com eles e tinham os que já reviravam os olhos.

— Se mexa criança! — A professora estava impaciente.

— Eu acho que posso fazer sozinha… — A menina disse quase com um sussurro.

— Nada disso! — A mulher tinha um tom irritado — Eu disse que seria em grupo! Entre naquele ali, só tem 3 mesmo!

— Por que a gente tem que ficar com ela? Essa menina é tão inútil e nem sabe magia… Duvido que saiba algo sobre A Guerra das Raças ou sobre a história da nossa cidade! — Uma garota se pronunciou.

— Na verdade eu sei muito sobre todos esses assuntos… — Catherine sussurrou — Eu estudei tudo sobre os nossos antepassados e…

— E quem te ajudou? — A garota a interrompeu bruscamente — Você nem tem pais! A não ser aquele humano que te abriga… O que um humano burro sabe sobre bruxas?

— Bom… Ele sabe como matá-las, se quer saber, eu aprendi um pouco sobre isso também — Catherine respondeu com uma voz irritada — Se ousar falar mal dele de novamente eu vou fazer você se arrepender...

A sala inteira ficou em silêncio.

Uma sirene anunciou o fim da aula e aquilo foi um alívio para todos.

Apesar da expressão impetuosa que havia posto em seu rosto, assim que saiu da sala, Catherine chorou no banheiro até se sentir melhor. Depois de lavar o rosto e conferir seu estado no espelho a garota saiu ao encontro de seu pai, que a aguardava do lado de fora.

— Como foi a aula? — Ivan perguntou com entusiasmo.

— Foi maravilhosa pai! — Catherine pôs um sorriso gigante em seu rosto — Na aula de história falamos sobre a Guerra das Raças e o Surgimento de Otium.

A conversa seguiu, enquanto aqueles dois caminhavam pelas ruas da cidade. Mas Ryu não se moveu, não os seguiu, não quis mais assistir aqueles momentos dolorosos.

— Então esse é o inferno? — Ryu sussurrou — Vê-la sofrer… Saber que ela sempre sofreu… Saber que eu nunca fui capaz de dar a ela um final feliz? Ela merecia um final feliz…

O cenário ao seu redor se desfez mais uma vez e a escuridão tomou todo o local. Sem rumo Ryu caminhava pelo breu, enquanto suas lembranças escapavam de sua mente e reluziam por todas as partes.

— Bruxas são todas iguais, esperam ser exaltadas assim que se apresentam. Mas é realmente estranho que você tenha se disposto a falar com um reles guardião, desses que vocês tanto desprezam.

— Não acho que eu tenha direito de desprezar ninguém…—  Catherine fazia círculos na sacada com a ponta do dedo.

— Não é questão de direito é a natureza de vocês. — Ryu mantinha os olhos fixos em um ponto qualquer evitando olhar para a estranha, enquanto recitava seu discurso de ódio.

— Generalizar é cruel.

— Escravizar também. — O garoto rebateu.

—  Eu nunca maltratei guardião nenhum.

— IDIOTA! — Ryu tentava acertar sua imagem com um soco mas aquilo era só uma miragem… apenas um delírio.

Sem mais forças para ficar de pé, ele apenas se ajoelhou e em seguida deitou no chão. Um frio intenso tomou o seu corpo e ele sentiu que estava afundando em água gélidas. Cada segundo que passava, mais do seu corpo ficava submerso naquela água turva.

“Eu queria… te ver sorrir uma última vez… Esse sorriso quente e confortável…”

A escuridão que antes apenas o cercava, agora o consumia.

“Você sempre sorria, não importando o quão nublado estivesse o dia… sem o seu sorriso, eu não tenho mais nada.”

Foi nesse momento, quando Ryu estava prestes a se entregar completamente ao vazio que ele sentiu uma mão o segurar.

— Eu tomei uma decisão que provavelmente vai te deixar muito bravo, mas você não pode

opinar sobre isso, ok?

— Catherine? — Ryu abriu os olhos rapidamente ao ouvir aquela voz longínqua.

— Você consegue ouví-la? — Era agora, Eveline quem falava com ele — Você precisa alcançá-la.

A pálida bruxa, flutuava na sua frente. Ela tinha uma expressão cansada em seu rosto, como se estivesse a ponto de perder sua consciência.

— O que está acontecendo, Eveline? — Ryu estava confuso — Isso foi uma ilusão?

— Não… — A voz de Eveline estava sussurrada — Esse é o destino… da bruxa do azar…

— Ela está morta? — Ryu sentia seu peito doer.

— Isso só depende de você… — A bruxa tinha um olhar triste — Esse lugar é a fronteira entre os destinos… você precisa escolher um.

— Eu não entendo….

— Alcançe-a — Eveline estava desaparecendo — Eu não posso mais ficar aqui…

Mais uma vez sozinho, Ryu voltou a afundar na escuridão.

— Eu queria te agradecer por ficar ao meu lado, mesmo não tendo bons motivos para isso.

— Eu tenho todos os motivos para estar ao seu lado Catherine… — Ryu respondia a voz da garota que ficava cada vez mais distante.

— Eu gosto de você, sabe? Não foi nada planejado... eu definitivamente

não planejaria algo tão… tão bonito.

— Eu quero ouvir mais… — Ryu se esforçava para se aproximar daquela voz.

Seus braços cansados se empenhavam cada vez mais em desbravar as profundezas da escuridão

— Obrigada por trazer cor a minha vida. Eu fui muito feliz durante todos os momentos que

estive ao seu lado

Aquelas palavras… Aquelas doces palavras enchiam o coração daquele guerreiro de força e cada vez mais motivado, ele nadou contra a morte, rumo a sua bruxa. Olhando para trás uma última vez, ele viu alguém afundando. Ele se viu afundando. Ele não sabia o que aquilo significava, mas ele não iria parar.

— Eu queria ter sido esperta o suficiente para te dizer isso antes, para dizer o quanto... eu te amo...

A voz de Catherine agora era alta e clara para ele, de olhos abertos ele via tudo ao seu redor. Por isso viu também a bruxa debruçada sobre o seu peito.

— Eu queria muito poder viver uma vida ao seu lado, mesmo que não tivéssemos filhos...

nós poderíamos adotar... adotar crianças né? — Catherine soluçava — Droga! — A bruxa

limpava o rosto mais uma vez — Por que isso é tão difícil?

— A ideia de adotar parece ótima para mim — Ryu respondeu com um sorriso no rosto.

Catherine o encarou de olhos arregalados.

O garoto segurou a mão dela e a puxou para um abraço.

— Garota boba… — Ryu tinha uma voz trêmula — Você é a melhor coisa que aconteceu na minha vida…

Catherine soluçava em seu peito.

— Cada segundo… cada sorriso… cada briga… — Ryu chorava cada vez mais intensamente — Meu deus… eu não trocaria isso por nada mundo. Eu te amo Catherine.

— Não podemos ficar juntos Ryu… Eu não suportaria te ver morrer por minha causa — Catherine se agarrava cada vez mais ao peito de guardião.

— Você não entende Catherine? — Ryu afastou a garota do seu peito e a encarou — A pior morte que você poderia me causar é me abandonar tentando me proteger.

Talvez pela emoção do momento, ou por simplesmente ceder a desejos ressentidos, Catherine se aproximou de Ryu e o beijou inesperadamente. No momento em que a garota se preparava para se desculpar pelo ato inapropriado, Ryu a beijou novamente. Dessa vez mais intenso e mais corajoso.

— Meu deus isso é tão embaraçoso… — Catherine sussurrava enquanto escondia o rosto no peito do garoto.

— Você acaba se acostumando — Ryu acariciava os cachinhos de Catherine.

— O que a gente faz agora? — A bruxa voltou a encarar o rapaz.

— Vamos para o santuário! — Ryu respondeu de forma firme.

— Catherine! — Josh entrou na sala — O que você está pensando em fazer?

— No momento… — Catherine enxugava os olhos — Eu não sei direito.

No instante em que Ryu viu a imagem de Josh, seu corpo inteiro reagiu com hostilidade. Instintivamente ele puxou Catherine para perto de si.

— Ryu… O que está acontecendo? — A garota se assustou com aquela atitude.

“Pense bem no que vai dizer.” Eveline sussurrou no ouvido do rapaz.

— Preciso tomar um ar… — Ryu se levantou com passos pesados, pegou Eveline e saiu do quarto em direção a sacada.

Pensando na possibilidade de ser seguido, ele fechou a porta que separava aquele lugar dos demais cômodos da casa.

— Me explica o que exatamente aconteceu? — Ryu iniciou sua conversa com Eveline.

— Tudo o que você viu realmente aconteceu, mas não acabou quando você morreu. Quando cheguei na floresta, eu encontrei o seu corpo no chão e a Catherine completamente desesperada...

— Viva? — Ryu estava confuso.

— Ela não só estava viva como foi quem me ajudou a te salvar — Eveline deu um longo suspiro — Eu usei uma magia de retrocesso temporal, focado no seu corpo, para tentar levar ele a melhor forma. Pedi a Catherine que me fornecesse energia para isso, mas a quantidade de magia que ela me deu foi tão absurda que eu consegui retroceder mais de um dia e a nível espacial.

— Então eu devo mais uma a Cat — Ryu tinha um tom sério — Mas isso não muda o quão perigoso o Josh é!

— Você não pode odiá-lo por algo que ele ainda não fez — Eveline protestou.

— Mas posso mantê-lo distante antes que ele faça! — Ryu retrucou de imediato.

— Você precisa dele… — Eveline argumentava — O Blanc deve estar preparando um exército para recepcionar a Catherine no caminho que leva ao santuário.

Um pouco desnorteado o garoto, se apoiou na parede.

— Eu não sei o que fazer… — Ryu sussurrou — Tenho vontade de fugir com ela para bem longe de tudo aqui… me esconder com ela em algum lugar onde nada pudesse alcançá-la…

Enquanto falava, o garoto assistia em sua mente todas as cenas que aquela visão havia lhe causado.

— O que eu ainda não fiz? — Josh entrou abruptamente na área da sacada.

De punhos cerrados, Ryu o encarava silenciosamente.

— Eu preciso que você seja claro comigo! — Josh insistiu, a aquela altura já estava irritado — Desde que você acordou está agindo estranho, o que está havendo?

— Olha Josh — Catherine se aproximou dos dois — Abaixa a bola! O Ryu acabou de se recuperar de uma condição de quase morte!

“... Quase?” Ryu pensava em silêncio.

Catherine não sabia, mas ele havia experimentado a verdadeira morte.

— Vamos acalmar os ânimos, tem muita pressão em cima dele — Ao terminar sua fala, Catherine se aproximou de Ryu e o abraçou — Em breve as coisas vão voltar para o lugar.

Ryu a envolveu em seus braços e a apertou contra o seu peito. Ela o compreendia mesmo quando não sabia o que passava em seu coração.

— Me desculpe — Josh suspirou — Eu acho que também tô um pouco nervoso com tudo isso.

No interior do laboratório do Minus, Hoffman e seu assistente especulavam uma maneira de conter a nova criatura.

— Essa coleira foi feita para conter híbridos defeituosos de até 5 metros! — O assistente defendia — O senhor realmente acha que não pode conter essa criatura de apenas 3 metros?

— Não seja tolo! — Hoffman resmungou — Não se trata da massa física, essa criatura tem um nível de alma que eu nunca vi antes!

O garoto encarava o velho como se não cresse em suas palavras.

— Eu deveria demiti-lo por ser tão burro — Hoffman estava especialmente mal humorado naquele dia.

Diante de contínuo silencio do garoto, ele cedeu em explicar:

— Diferente dos híbridos os quais você está habituado, o soro concentrado não foi a única alteração nesse espécime… — O velho caminhava em direção a imensa câmara que abrigava a criatura sedada — A alma de um humano se fundiu a alma de uma bruxa.

Com os olhos semi-abertos, o híbrido confinado observava tudo ao seu redor. Com um pouco de atenção viu sua imagem refletida no vidro em que estava confinado. Se perguntava confuso se aquilo era ele.

“Você se lembra do seu nome?”

A mente da criatura parecia dar voltas confusas, se perguntava se aquela em sua cabeça era a sua voz.

“Não deixe que eles destruam a sua humanidade”

A voz prosseguia. Mas a criatura não compreendia o que ela queria dizer. Não entendia porque aquela mulher continuava a falar em sua cabeça. Tomada por uma fúria inexplicável, começou a golpear incessantemente o vidro que a confinava. Cada um de seus golpes parecia pronto para pôr abaixo aquele laboratório inteiro.

— Pegue o controle da coleira! — Hoffman gritava desesperado — Se esse monstro escapar vai nos matar!

O jovem ajudante agiu com rapidez e acionou o dispositivo, resultando em uma descarga elétrica tão intensa que a criatura caiu quase desacordada. Atordoado, o híbrido tentava compreender algumas pequenas letras escritas no prontuário que o velho cientista portava.

“Projeto Gênesis…” Apertando mais os olhos, tentava ler as letras que se formavam a seguir “...Yuki Yamamoto”.


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Notas finais do capítulo

Vou terminar de postar a história até o dia 30 e ainda esse ano eu vou retirá-la do Nyah! Leiam enquanto há tempo.
Abraços.



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