Questão de Sorte escrita por Hakiny


Capítulo 67
Um Dever Divino




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/759767/chapter/67

De dentro de um rio com fortes correntezas, Lya se arrastou em direção a um leito rochoso. Havia ferimentos por todo o seu corpo, alguns inclusive com ossos expostos. Aquilo tinha sido uma queda feia.

Deitada sobre o chão enlameado, a bruxa buscava soluções para aquela sua precária condição.

Enquanto relaxava, uma aura púrpura envolvia o seu corpo e ela usava sua magia para paliar seus ferimentos. Aquilo era algo como primeiros socorros, mas ela não era tão boa com magias de cura. O Kai certamente cuidaria melhor daquilo, assim como sempre cuidou de tudo. Lya suspirou. Era estranho para ela estar sozinha. Desde que Kai entrou em sua vida, ela nunca mais esteve sozinha, nunca mais precisou ter medo.

— Não precisa mais ficar assustada — Um adolescente cobria os ombros de uma garota pouco mais nova que ele — Eles vão cuidar de você a partir de agora.

A jovem Lya estava feliz por ouvir aquilo, mas olhando para as cicatrizes que cobriam as mãos daquele garoto, ela entendia que ninguém cuidaria dele.

Três anos depois a maior igreja de Otium, pegou fogo. Todos os membros de lá foram mortos, menos o jovem monge que ali também residia.

O garoto que na época tinha acabado de completar 18 anos, foi acusado do crime, mas misteriosamente, no dia do seu julgamento foi unânime a opinião dos júris sobre sua inocência. Por fim, ele acabou ficando sob os cuidados da fortaleza de Otium, servindo com o corpo de professores. Ninguém, além de Lya, sabia que Kai havia decretado sua própria inocência. A magia do garoto da igreja, era ainda maior do que todos ali acreditavam. Nem mesmo aqueles que estavam sob seu feitiço, foram capazes de compreender que haviam sido manipulados e induzidos ao veredicto.

Dois toques na porta foram suficientes para que Lya fosse atendida.

— O que está fazendo aqui? — Agnes encarava o estado deplorável da garota.

— Preciso da sua ajuda — Lya se esforçava para se manter de pé.

— Muitos precisam querida — Agnes dizia com certo desdém enquanto se preparava para fechar a porta — Deixe suas orações com o responsável pela capela e espere na fila.

— O Kai… — Lya impediu que a porta fosse fechada — O Blanc pegou ele.

Os olhos de Agnes se arregalaram, mas ela não teve trabalho para voltar a sua expressão cínica de costume.

— Eu não posso me envolver com esse garoto, ou serei excomungada, assim como ele — A sacerdotisa respondeu de forma simplista.

— Ele é seu filho, merda! — Lya socou a porta com força — Será que você pode colocar ele acima do seu dever "divino" uma única vez?

— Ele matou o próprio pai — Agnes cerrou os punhos — Se laços de família não importam para ele, porque deveriam importar para mim?

— Está falando do homem que abusava dele com ordens cruéis e surras infindáveis? — Lya estava cada vez mais irritada — Ele obrigou uma criança a assistir torturas, assassinatos… tudo em nome da igreja! Para ele Kai nunca foi um filho, foi uma ferramenta! E você nunca fez absolutamente nada!

— Que droga, Lya! O que você acha que eu poderia fazer? Antes mesmo daquele garoto aprender a andar, um cardeal bateu na minha porta e me disse que aquela criança não era minha e sim da igreja — Agnes estava fragilizada — É o que acontece quando se tem um bom potencial. É o que aconteceu comigo, com o pai dele e com ele também.

— Agnes, eu não estou pedindo que você conserte seu passado — Lya havia se acalmado — Quero que me ajude a salvar a vida dele agora!

As duas bruxas ficaram se encarando por alguns minutos, até o momento em que uma delas cedeu.

— Entre aqui um momento — Agnes suspirou — Vou cuidar desses ferimentos.

Nas instalações do Minus, Ryu e Josh não encontraram Catherine, mesmo seguindo as informações de Safira.

— O que ela ganharia mentindo para nós? — Ryu estava pensativo.

— Não acho que ela estava mentindo — Josh caminhou para fora do pavilhão — Blanc queria muito Catherine para enfiá-la em lugar qualquer…

— Catherine não está nessa instalação — Anabel fez sua voz audível aos dois rapazes — Não consigo sentir a presença dela em nenhum lugar daqui.

— Droga! — Ryu praguejava — Não consigo pensar em nenhuma alternativa.

— Existe um espaço vazio logo abaixo dos nossos pés — Anabel informou.

— Catherine está lá? — Ryu perguntou.

— Não — Anabel respondeu de forma simplista.

— Isso ajuda em que?

— Um laboratório no subsolo… — Josh caminhava de um lado para o outro — CLARO! Como não pensei nisso antes?

Antes que Ryu pudesse perguntar qualquer coisa, foi surpreendido por um barulho estrondoso.

Josh havia dado um pisão tão poderoso no chão, que o solo cedeu. O caçador saltou para o buraco e Ryu, sem muitas alternativas, fez o mesmo.

Depois de atravessar algumas portas e seguir um corredor escuro. Catherine e Masumi haviam finalmente encontrado a luz do sol.

— Seguimos caminhos diferentes a partir de agora — Masumi soltou a mão da bruxa — Preciso ir a Shima comunicar minhas novas descobertas e você deve seguir a oeste para chegar até Montis. Lá você pode pedir por ajuda.

— Muito obrigada — Catherine assentiu com a cabeça — Vou ligar para o meu pai.

— Bom… — Masumi remexeu em seus bolsos e jogou o telefone para Catherine — Não precisa chegar a Montis para isso.

A bruxa agarrou o aparelho e sorriu. Aquele certamente era o melhor momento daquele dia terrível que estava tendo.

Assim que a bruxa digitou o número que precisava e iniciou a ligação, ouviu o toque familiar de seu pai. O som esganiçado de uma ópera antiga se fundia com o barulho do corpo de Masumi caindo no chão. Os olhos arregalados de Catherine ora encaravam o corpo caído, ora tremiam diante da aproximação de Blanc.

— F-fuja… — Masumi sussurrava enquanto sentia o efeito da raiz de laranjeira fluindo pelo seu corpo.

Mas ela não podia, como poderia? Por que Blanc estava com o celular de seu pai? O coração de Catherine estava tão acelerado que ela temia que ele pulasse de seu peito.

Blanc caminhou calmamente até Masumi e arrancou a adaga que havia sido cravada em suas costas de longe. Um lance certeiro, de uma lâmina banhada de veneno de bruxa.

— Entre no carro! — O general disse de forma autoritária.

Mesmo com o corpo inteiro tremendo, Catherine caminhou até o veículo.

No momento em que Blanc ergueu sua adaga para apunhalar definitivamente seu inimigo, Catherine saltou sobre o corpo caído de Masumi.

— Por favor, você não precisa matá-lo — Catherine murmurou — Seu problema é comigo.

Um ar de desprezo tomou o rosto do caçador e ele puxou Catherine pelo braço violentamente, a jogando no chão.

— Eu tenho problemas com muitas pessoas — Blanc disse de forma séria e em seguida pisou na cabeça de Masumi com tanta força que a esmagou — Mas eu costumo resolver eles definitivamente.

Enquanto o corpo de Masumi ainda tremia em agonia, Blanc revirou os bolsos do rapaz e encontrou a relíquia que ele tanto prezava.

O sangue do bruxo havia espirrado sobre o rosto de Catherine e a garota foi tomada por um pânico tão intenso, que foi incapaz de se mover, por isso Blanc a arrastou até o carro e em seguida dirigiu rumo ao alto de um enorme morro que cercava aquela instalação.

Uma chuva intensa caiu sobre os planaltos de Montis.

Não muito distante dali, Lya e Agnes se infiltravam sorrateiramente na instalação do Minus. A magia de Agnes havia concedido invisibilidade as duas bruxas e isso facilitava a transição tranquila pelo local.

— Tudo está tão destruído — Lya sussurrou — Talvez ele já tenha se libertado.

— Não… — Agnes estava distante.

— O que você está vendo? — Lya havia notado a enorme quantidade de magia vinda da bruxa.

“ — Vamos! — Hoffman berrava com seus ajudante — Arrumem tudo e convoquem um pelotão de elite! Essa instalação está em ruínas e eu não vou perder o meu trabalho!”

As visões se formavam na cabeça de Agnes.

— O porto… — Agnes parecia um pouco tonta — Vão fugir pelo mar com o Kai!

— Isso não fica longe daqui! — Lya elevou o tom de voz — Vamos agora!

A agitação da bruxa chamou a atenção de alguns soldados que transitavam pelo local. Enquanto Lya se preparava para batalhar, Agnes sussurrou um pequeno feitiço e todos caíram desacordados.

— Vamos provocar o menor número de mortes possíveis  — Agnes caminhava à frente — Assim teremos menos pecados em nossas costas e menos crimes em nossos nomes.

Lya assentiu com a cabeça e juntas seguiram rumo ao porto.

No interior do laboratório secreto da instalação, Josh e Ryu investigavam o local.

— Tem o cheiro da Catherine aqui — Josh sussurrava — Está fresco.

— Para onde eles podem ter ido? — Ryu tentava pensar em uma boa resposta.

— A parede atrás daquele painel está oca — Anabel informou.

— Uma passagem secreta? — Ryu especulou.

— Diante das atrocidades que acontece por aqui — Josh chutou o painel de ferro com força o suficiente para que ele desabasse no chão — Parece mais do que necessário para uma fuga emergencial.

No túnel recém encontrado, os dois se depararam com um pequeno veículo de transporte.

— Tem três direções a seguir — Josh observava o mapa do local — Eu não sei onde nenhuma vai parar.

— Vamos na segunda — Ryu disse com precisão.

— O que te faz estar tão confiante nessa escolha? — Josh estava curioso.

— Sorte — Ryu sorriu para o companheiro e puxou uma alavanca que iniciou a viagem.

Não demorou muito para que ambos chegassem ao fim da linha. Após descerem do vagão se depararam com uma porta e de trás dessa porta, alguns lances de escada. No final do trajeto, ambos se viram do lado de fora daquele local.

— Acho que a minha sorte não está muito boa — Ryu contemplava a imensidão vazia que os cercava.

— Eu duvido muito — Josh se afastou do rapaz e se aproximou do corpo de Masumi.

— Quem é esse? — Ryu estava confuso.

— Não o conheço bem, mas mesmo sem conseguir identificar o seu rosto, essas roupas… — Josh tinha um tom nostálgico — É um bruxo que ajudou o Blanc na captura de Catherine. Ele tinha uma magia capaz de repelir os poderes dela.

— Ele não parece ter acabado muito bem — Ryu tinha uma expressão confusa — Não acho que a Catherine tenha feito algo com ele… principalmente algo tão brutal.

— Se conheço bem o meu pai, algo nesse garoto pôs em xeque os interesses dele.

Ryu permaneceu em silêncio. Foi nesse momento que um grupo de carros do Minus passou pelo local. Eles subiam apressadamente rumo a um morro ali por perto. De repente um dos carros parou, deixou um passageiro para trás e seguiu novamente seu caminho.

O passageiro deixado para trás, era Ryan que se aproximou do local onde estava Josh e Ryu a passos rápidos.

Os dois rapazes não tiveram tempo de perguntar ao garoto qual sua intenção parando ali, pois ele voltou todas as suas atenções para o cadáver.

— Vocês fizeram isso com ele? — Ryan se dirigiu a Josh e Ryu.

— Encontramos ele assim — Josh respondeu de imediato — Também estamos confusos já que teoricamente ele está do lado mais numeroso.

— Como eu posso saber se vocês não estão mentindo? — Ryan parecia fora de si.

— Nós não ganhamos nada mentindo para você — Ryu se irritou — E nem temos obrigação de te dar satisfações!

Apesar do tom grosseiro e nem um pouco acolhedor, Ryu transmitia uma sinceridade que nem mesmo a rivalidade de Ryan era capaz de contestar.

— Vamos para lá! — Josh apontou para o morro — Algum motivo para essa movimentação deve haver.

— Catherine Gibran está lá — Ryan respondeu um pouco apático — O Blanc mandou um comunicado pedindo reforço na segurança do local.

Nem Josh, nem Ryu sabiam o motivo de Ryan estar dando essa informação tão facilmente, mas não tinham tempo para perguntar.

Sem mais nada a acrescentar os dois rapazes seguiram para a direção indicada.

No alto do morro, Blanc se preparava para o que parecia ser um evento de grande porte.

— Onde está Hoffman? — Blanc se incomodou com a ausência do cientista.

— Ele disse que precisava cuidar da pesquisa senhor — Um dos assistentes de Hoffman havia aparecido para substituí-lo — Mas ele pediu para que lhe entregasse isso.

O rapaz entregou para Blanc o que parecia ser uma adaga, mas havia um furo em sua ponta e um compartimento de armazenamento na empunhadura.

— Ao menos o velho fez o seu trabalho — Blanc sorria enquanto observava o objeto.

— Precisa ser inserido no coração, senhor — O rapaz instruía — O compartimento serve para armazenar o soro.

— Irma! — Blanc convocou seu tesouro celestial — Crie uma barreira ao redor do morro, essa festa é só para os convidados.

— Senhor, eu não sei se tenho tanto poder para…

— Use isso! — Blanc jogou a relíquia de Masumi para a bruxa — Acho que será de grande ajuda.

— Com o nível dessa jóia, nem mesmo o mais poderoso papa poderia passar pela minha barreira! — A bruxa se animava como uma criança.

— Senhor… — O assistente estava receoso — Como pretende elevar os níveis de magia de Catherine nesse local? Sem a aparelhagem necessária, um estímulo físico poderia matá-la.

— Não trabalharei com estímulos físicos meu bom rapaz — Blanc sorriu.

— O senhor tem algum soro recém criado? — O garoto continuava curioso — Foi obra do Hoffman ou o senhor está trabalhando com outros cientistas?

— Tragam a bruxa! — Blanc ordenou, ignorando as perguntas insistentes do assistente — É hora de iniciarmos o maior show que vocês já imaginaram.

Enquanto Blanc discursava, Catherine era trazida por dois soldados até o local. Uma expressão apática tomava o rosto da bruxa, e ela nem ao menos resistia. Depois de tudo o que havia passado naquele dia, não havia mais forças em seu corpo, ou em sua mente para continuar tentando. Por todos esses motivos, aquela guerra parecia completamente perdida para ela.

— Hoje, depois de 500 anos, o jogo irá mudar e a humanidade irá novamente tomar as rédeas desse mundo! — Blanc declamava com emoção — Não haverá uma nova guerra entre humanos e bruxas — Um sorriso macabro brotou no rosto do general — Haverá um massacre de bruxas! O fim dessas criaturas amaldiçoadas!

Um grupo de soldados trouxeram um homem encapuzado até o local. Blanc caminhou até ele e com um golpe de espada em suas pernas, o fez cair de joelhos.

Enquanto seus olhos encaravam a expressão confusa e assustada de Catherine, com um movimento rápido, ele retirou o capuz do desconhecido.

O rosto do prisioneiro estava quase irreconhecível devido aos múltiplos cortes e hematomas, mas Catherine não precisou de muito esforço para entender que aquele era o seu pai.

— P-por que? — A bruxa estava em choque — Por que você machucou ele? O que você quer com ele? — Catherine agora se debatia com todas as suas forças, dificultando a ação dos soldados que a prendiam — Deixe ele em paz! BLANC! NÃO TOQUE NELE!

— Isso só depende de você — Blanc caminhou lentamente até Catherine — Você só precisa me dar o que eu quero.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Não esqueçam de deixar um comentário ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Questão de Sorte" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.