Questão de Sorte escrita por Hakiny


Capítulo 55
Recomeços Dolorosos


Notas iniciais do capítulo

Recomeços são dolorosos porque começam com despedidas.


Cheguei mais cedo porque... Porque eu tava afim aushaushuhas



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Em uma sala a parte da biblioteca, Trevor caminhou até um belo gato rajado que repousava sobre a mesa de centro.

— Olá Bastet — Trevor acariciou o animal — Está cuidando bem de tudo por aqui?

— Que bebê mais lindinho — Catherine agarrou o felino com força e o abraçou — Tão lindinho!

— Catherine, Bastet é a protetora desse acervo — Trevor tentava conter riso diante da reação mal humorada da gata — Tenha mais respeito.

— Uh… — Catherine pôs a gata no chão e em seguida fez carinho em sua cabeça — Desculpa nenem fofinho guardião.

— Humana insolente — A gata tinha um tom arrogante.

Catherine quase caiu de costas.

— Você é uma bruxa? — A garota estava envergonhada — Me desculpe.

— Não, Bastet não é uma bruxa — Trevor respondeu — Ela é uma gato como outro qualquer.

— Ela não parece um gato como outro qualquer…

— Por causa disso — Trevor retirou a coleira que a gata usava, mesmo com muita resistência por parte da mesma — É uma relíquia de energia concentrada.

— Uau! — Catherine observava o objeto com muita atenção — Como se faz uma dessas?

— Não é tão fácil, dependendo da quantidade energia que uma bruxa pode gerar, ela pode levar anos, décadas ou até séculos… — Trevor respondeu de forma simplória — Essa aqui foi feita pela minha irmã mais velha, ela deixou como herança para Bastet, que era a sua gata de estimação. Bastet já tem mais de 80 anos.

— Não seja indelicado — A gata falou após finalmente conseguir se apossar da sua preciosa coleira — E parem de me incomodar!

— Tudo isso para fazer esse animalzinho falar? — A bruxa se mostrava confusa.

Ofendida com a fala da garota, Bastet tomou a forma de um tigre e rugiu tão violentamente contra Catherine que a bruxa acabou tropeçando e só não caiu, pois se segurou nas prateleiras.

— BASTET! — Trevor gritou autoritariamente — Recomponha-se.

O animal tomou novamente sua forma de gato e se retirou do local, claramente irritada.

— Mal educada! — Catherine resmungou.

Bastet rosnou.

— Sozinha, Bastet pode falar e fazer algumas magias fracas, normalmente só o suficiente para ajudá-la com a caça — Trevor arregaçou a manga e mostrou um pequeno sinal tatuado em seu pulso — Mas com a ligação mágica que temos, ela pode usar a minha magia para fazer coisas como as que fez aqui.

— Sério? — Catherine estava empolgada — Então eu posso transformar o Tommy em um unicórnio? Ou talvez fazê-lo ter asas como o Pegasus!

— Você precisaria de uns 30 anos de treinamento para isso — Trevor dizia com certo desdém — Talvez 50.

A feição de Catherine se abateu.

— No entanto… — O bruxo sorriu e entregou uma joia semelhante a que estava em Bastet, mas um pouco maior— A  relíquia de energia, pode ajudá-la a direcionar sua magia. Como você não teve nenhum treinamento, ela pode auxiliá-la a elaborar feitiços que você tenha em suas lembranças. Quase como copiar magias, mesmo sem compreender sua mecânica.

— Tá brincando? — Catherine estava incrédula enquanto observava o objeto — Quem precisa de santuário com uma coisa dessas?

— Quem quer fazer magia de qualidade — Trevor se mostrava impaciente — Olha, isso aqui não vai fazer de você uma bruxa centenária, mas vai ajudá-la a melhorar sua magia. Você ainda é um bebê em parâmetros de magia, mas tem um potencial inigualável. No desconhecido, você deve fugir de todo e qualquer perigo, lute apenas quando não houver outra alternativa. Lá existe um dos grupos de bruxas mais poderosas que existem, as bruxas impuras.

Catherine encarava Trevor, assustada.

— Tema a noite, pois é nesse momento que elas se tornam mais poderosas — O bruxo respirou fundo — Elas não são más… mas o confinamento naquele lugar as tornaram agressivas.

— Você fala como se conhecesse… — Catherine estava confusa — Mas nenhum bruxo que pisou lá pôde voltar… certo?

— Eu sou um tipo diferente de bruxo. O desconhecido não está há alguns metros de distância do sétimo reino, como muitos acham. Aquela barreira é a porta de entrada para outra dimensão. — Trevor aqueceu as mãos nos bolsos de seu casaco — E portais para outras dimensões é a especialidade da minha família. Por esse motivo eles foram queimados, afinal, não havia prisões que os limitavam. Eu fugi para lá por um tempo, até esquecerem um pouco o meu rastro.

— A vida não foi muito gentil com você — Catherine pôs a mão sobre o ombro do companheiro, na tentativa de confortá-lo.

— Não foi, mas não vamos falar de mim — Trevor coçou a garganta — Está aí o meu presente de despedida! Boa sorte!

— Obrigada! — Catherine abraçou o bruxo — Você é um bom amigo.

— Não confunda as coisas pirralha — Trevor afastou Catherine com um potente peteleco em sua testa — Só fiquei com pena de você.

Catherine sorriu para ele e em seguida saiu da sala.

Trevor também sorriu, estava feliz em ter um novo amigo depois de tanto tempo, mas fez isso só depois que a garota saiu, afinal, precisava manter a sua respeitável postura de Lorde das Trevas.

Após descer as escadas, Catherine conferiu se estava sozinha naquela área da casa, no entanto foi surpreendida pela presença de Marcos.

— Vai se despedir dele? — O bruxo a encarou.

A garota apenas acenou positivamente com a cabeça e seguiu em direção ao quarto onde seu guardião estava. Marcos saiu em direção as escadas, escolheu deixá-la sozinha.

— Olá… — Catherine se sentou de frente para a cama em que Ryu descansava.

O garoto parecia dormir tranquilamente, sem que nada o trouxesse incômodo, aquilo fazia Catherine se sentir aliviada.

— Eu tomei uma decisão que provavelmente vai te deixar muito bravo, mas você não pode opinar sobre isso, ok? — Catherine sentiu um nó na garganta — Você não entende o quanto é doloroso para mim arriscar a vida das pessoas que eu amo… Acho que é o momento de eu arriscar a minha própria vida!

A bruxa olhou indignada para Ryu, como se esperasse uma resposta mal criada, mas o garoto continuava a dormir profundamente.

— Eu vou para o desconhecido — Ela respirou fundo — Eu nunca mais vou poder voltar, entende? Dizem que lá é perigoso, então por favor não apareça para me ver, não vai ser bom para nenhum de nós.

Catherine segurou o choro, ela sentiu que se havia um momento em que poderia mostrar que era forte, com certeza seria aquele.

— Eu queria te agradecer por ficar ao meu lado, mesmo não tendo bons motivos para isso — A garota tomou fôlego, mas não pôde impedir que as lágrimas escapassem, elas pareciam pesadas demais naquele momento — Me desculpe por te dar tanto trabalho e causar tanta confusão… eu juro que não fiz nada daquilo de propósito.

Ela segurou a mão de Ryu e continuou:

— Eu não pude dizer ontem, por conta da louca da Claire e… todo o resto… — A bruxa enxugava o rosto — Eu gosto de você, sabe? Não foi nada planejado… eu definitivamente não planejaria algo tão…

Catherine cessou suas palavras, ela pensou em dizer o quanto aquilo era errado ou incompatível, mas entendeu que não havia mais motivos para tentar justificar seus sentimentos.

— Eu definitivamente não planejaria algo tão bonito… — A bruxa sorriu de forma nostálgica — Obrigada por trazer cor a minha vida. Eu fui muito feliz durante todos os momentos que estive ao seu lado — Catherine tentava conter as lágrimas — Eu queria ter sido esperta o suficiente para te dizer isso antes, para dizer o quanto… eu te amo…

A garota debruçou-se sobre o peito de Ryu e chorou ainda mais. Dessa vez sem interrupções, sem se conter. Se havia uma oportunidade de se sentir consolada pelo homem que amava uma última vez, ela a aproveitaria.

— Eu queria muito poder viver uma vida ao seu lado, mesmo que não tivéssemos filhos… nós poderíamos adotar… adotar crianças né? — Catherine soluçava — Droga! — A bruxa limpava o rosto mais uma vez — Por que isso é tão difícil?

Sem nenhuma resposta, a garota permaneceu em silêncio por alguns segundos.

— Eu não vou ser tão egoísta — Catherine sorriu — Te desejo felicidade, espero que encontre uma garota… uma humana… com quem você possa ser feliz e construir uma família. Você merece tudo de melhor nesse mundo.

A bruxa se levantou e ajeitou o vestido.

— Eu também vou ver se arranjo um bruxo trevoso e malvadão — ela deu um sorriso travesso — Espero que tenha bruxos bonitos no desconhecido.

Depois de respirar e se recompor, Catherine se agachou e beijou suavemente o rosto de Ryu:

— Adeus, espero que tenha uma boa sorte na vida!

— Não faça essa tolice Catherine! — Eveline cercou os passos da jovem bruxa.

— Sua opinião não foi solicitada medonha — Catherine sorriu e continuou.

— Ela tem razão — Josh a esperava na porta.

— Fico feliz que tenham se reunido para a despedida — Catherine continuou seus passos sem interrupções — Adeus amigos.

— Cat… — Josh segurou o braço da garota.

— Nada do que você tem a me dizer vai mudar a minha decisão — Catherine se libertou facilmente — É a minha vida no fim das contas, e eu posso fazer dela o que bem entender.

— Eu vou te levar até o sétimo reino — O caçador a encarou — Mesmo com a rota completamente diferente, o Minus ainda pode te encontrar e eu quero garantir que você chegue lá em segurança.

Os olhos de Catherine, antes firmes, agora encaravam Josh com receio. Ela estava muito emocionada com aquela situação.

— Muito obrigada — A garota coçou os olhos marejados — Muito obrigada mesmo.

Nos estábulos, a bruxa se preparava para sua última, mas não menos importante, despedida.

— Ei meu neném — Catherine se aproximou vagarosamente de Tommy — Cuide bem do meu pai.

O animal se aproximou do ombro da garota e se aconchegou em um abraço.

— Eu te amo — Ela sussurrou bem próximo ao ouvido do cavalo.

Nas instalações do Minus, Agnes batia incessantemente na porta do escritório de Blanc.

— Em que posso ajudar? — O general tinha uma expressão descontente em seu rosto.

— Catherine está viva e acaba de sair da floresta negra! — Agnes foi direta.

Ao contrário do que a bruxa esperava, a feição de Blanc estava tranquila, como se já esperasse por aquela notícia.

— Muito obrigada pelas informações, sacerdotisa — Blanc sorriu amigavelmente — Vou me preparar para sair com meu pelotão.

— Você também vai? — A bruxa estava surpresa.

— Existe um ditado que diz que quando se quer algo bem feito, precisa fazer você mesmo — Blanc disse de forma tranquila, em seguida entrou em seu escritório e fechou a porta.

Agnes nunca foi do tipo que temesse caçadores, a sua condição social facilitava essa confiança, no entanto, Blanc era diferente. Ele tinha uma voz pacífica e um sorriso gentil, o que não condizia com a sua postura firme e sua fama sanguinária. Aquela expressão gentil, parecia ser uma espécie de máscara que ele havia congelado em seu rosto, para esconder o quanto tudo ali era vazio.

Na estação de Montis, Catherine e Josh aguardavam o trem que os levariam até o sétimo reino.

O que a pé seria uma viagem de semanas, de trem era feito em poucas horas.

— Tem certeza disso? — Josh tinha um tom de voz apreensivo.

— Faltam apenas algumas horas para fecharem o portão… — Catherine estava melancólica — Acho que isso é minha certeza.

— Queria poder fazer algo mais por você — O caçador tinha uma expressão abatida.

— Você fez mais do que eu merecia — Catherine sorriu — Esse é o nosso trem!

A bruxa correu em direção a área de embarque. Era preciso mais do que uma passagem só de ida para o inferno para tirar a vitalidade daquela garota, pelo menos era assim que Josh a enxergava.

— Josh, como você acha que é o desconhecido? — Já acomodada no trem, Catherine iniciava uma conversa enquanto comia tudo o que era oferecido gratuitamente naquele vagão.

— É escuro, frio e silencioso — Josh respondeu de forma simplória.

— Que específico… — Catherine não havia gostado da resposta — Já esteve lá?

— Quando eu tinha 8 anos meu pai me jogou lá para se certificar de que eu valia todo o investimento que ele havia feito e pretendia fazer — Josh se recostou na poltrona.

— O Blanc é um monstro — Catherine sentiu um frio na espinha — Quando eu tinha 3 anos ele queria me queimar! Quem em sã consciência queimaria uma criança?

— Esse é o problema, o Blanc nunca esteve em sã consciência.

— Deve ter sido terrível para você né? — Catherine tocou os ombros de Josh, tentando passar consolo — Como você conseguiu sair desse lugar? As bruxas de lá são muito assustadoras?

Josh respirou fundo, se lembrou da época em que tudo aconteceu. Foram 3 dias naquele inferno, já havia se passado quase 20 anos mas ele tinha memórias vívidas.

Fome, sede, frio e medo era tudo o que ele sentia. Mas Blanc sabia exatamente o que acontecia quando um híbrido chegava no seu extremo e ele havia lançado o pequeno Josh no local perfeito para treinar os seus extremos. Afinal, as condições desesperadoras estavam acompanhadas de todo o suprimento necessário para que ele ficasse mais forte.

— Minha irmã foi me buscar — Josh respondeu ainda um pouco disperso — Mas se quer saber, as bruxas é que me temiam.

— Você é muito convencido! — Catherine levou como uma brincadeira, não sabendo que Josh estava sendo o mais sincero que conseguia.

A bruxa não falou mais sobre o assunto, não queria mais pensar sobre o desconhecido, isso viria a ela de qualquer forma, que ela ao menos não apressasse mais.

A enorme janela de vidro era o que mantinha distraída naquele momento. Aquelas paisagens passando rápido, era algo que ela não via há muito tempo. Com Ryu tudo passava tão devagar, ela podia aproveitar cada segundo, cada imagem, cada momento.

Catherine suspirou, aquelas lembranças floresciam dentro dela de forma tão espontânea. Ela não se sentia triste, não queria cultivar aqueles sentimentos. Sentia-se feliz por tudo o que havia vivido.

“Obrigada Ryu. Obrigada pai. Vocês fizeram a minha vida valer a pena”

— Tenha um bom dia querida! — Uma senhora se aproximou de Catherine e estendeu uma bela rosa para ela.

— Muito obrigada — A bruxa recebeu o presente inesperado — A senhora acaba de torná-lo muito melhor.

Era assim que deveria ser, enquanto ela acreditasse que tudo daria certo, as coisas seriam boas para ela. Enquanto ela sorrisse, a sorte sorriria para ela.

O dia estava bonito, o clima estava bom e Catherine estava pronta para o que estava por vir. Pelo menos era o que ela acreditava antes de ouvir uma explosão estrondosa seguida de  solavanco que a fez ser lançada para longe do seu assento.

Por mais que ela tentasse se segurar em algo, o trem continuava se movendo violentamente sem pausa.

Depois de alguns segundos, que mais pareceram horas, tudo parou. Com exceção dos gritos, que estavam cada vez mais desesperados.

Catherine sentiu seu corpo inteiro latejar, tentou se mexer, mas algo pesado limitava seus movimentos. Com muita dificuldade a garota conseguiu empurrar o estorvo e depois de uma boa olhada reconheceu o corpo ensanguentado da mulher que havia lhe presenteado com a rosa.

A jovem bruxa levou a mão ao rosto, tomada por total desespero. Os gritos continuavam, os corpos estavam espalhados pelo vagão e o chão estava lavado de sangue.

— J-Josh… — Catherine forçava a sua voz trêmula — JOSH!

Não houve resposta.

A garota se arrastou até onde seria sua poltrona, mas a janela ao lado de Josh estava completamente estilhaçada e o seu assento vazio. Era certeza de que ele havia sido arremessado para fora do trem.

Completamente em pânico, Catherine se arrastou para a janela, até despencar sobre a grama. Ainda de joelhos, e completamente ensanguentada a bruxa se viu diante do cenário de destruição.

— Catherine Gibran! — Uma voz familiar fez a garota tremer — Seus dias espalhando o caos chegaram ao fim. Você finalmente será punida pelos seus crimes.

Os olhos da bruxa estavam paralisados diante daquele velho conhecido, que por muito tempo aterrorizou seus pesadelos: Blanc Lagunov.


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Notas finais do capítulo

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