Capuz Vermelho - 2ª Temporada escrita por L R Rodrigues


Capítulo 6
Arena dos Furiosos (Parte 2)


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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   ***

Através da janela de seu escritório, Dwayne Nevill reverberava à luz do sol que transpassava o vidro atrás dele, enquanto focadamente datilografava recibos e documentos. Seu loiro cabelo partido à esquerda reluzia. Abriu um largo sorriso ao lembrar da viagem que seu pai fizera. Longe dele sentia-se mais livre. Porém, tal fato o fez remoer o incidente em sua casa. Novamente, o arrependimento lhe forçou a digitar com mais velocidade. Lembrou-se de seu mestre, da ordem dada por ele. Imagens sufocantes vinham-lhe à mente.

Quando a porta abriu-se abruptamente, deixou errar uma palavra. Quando deu-se conta da falha, voltou à realidade. Distraiu-se muito facilmente para quem se gabava da credibilidade de seu trabalho. Voltou-se para a porta, o olhar esverdeado pulsando de raiva.

Hector e Eleonor estavam bem á sua frente, andando devagar e silenciosos. A porta ficou escancarada, denotando a brevidade com a qual Hector queria que a conversa tivesse.

— Quem permitiu a entrada de vocês? - levantou-se, não tirando o olho de ambos.

— Não importa. - disse Hector, áspero. - Dwayne Nevill, não é mesmo? - aproximou-se da mesa do rapaz.

— S-sim... Quem são vocês? O que querem comigo?

— Olha, não fica nervoso. - disse Eleonor, postando-se ao lado de Hector. - Somos generosos com crianças más. - sorriu cinicamente.

Dwayne deu uma risadinha escabrosa. Seu rosto largo e alvo ficara mais marcante.

— Isso não pode estar acontecendo...

— Ah sim, está sim... Red Wolf - disse Hector, com ar desafiador. - O que sabe sobre Mollock? - perguntou, indo direto ao ponto.

— O quê? - franziu as sobrancelhas, seguido de uma careta. - Olha, eu vou ser bem sincero com vocês. Eu sou um Red Wolf, mas não significa que a fraternidade esteja ligada a qualquer problema que vocês caçadores enfrentem. Para ser mais claro, nunca estivemos em seu encalço, até porque mancharia nossa honra além de ser uma perda de tempo.

— Onde está seu pai? - perguntou Eleonor, tornando sua face séria desta vez.

— Está viajando. Para onde? Não sei. Ele queria fugir comigo, mas o velho foi ainda mais esperto.

— O que ele fez? - Hector inclinara um pouco seu rosto para frente.

— Disse que havia sido selecionado para uma expedição no Ártico. Negócio sigiloso. - afirmou, limpando o suor de seu rosto. - Mas não sei do que está falando e nem onde quer chegar. Portanto, eu quero que saiam agora. Não devo a nada à vocês.

— Ah sim, deve. - o rosto de Hector endureceu, o suor prendendo seus lisos cabelos na testa. - Vai nos dizer a verdadeira jogada de vocês. Por que contrataram assassinos profissionais para se passarem por vocês?

— Espera... - Dwayne passou a analisar a face de Hector, tal como o tom da voz. - Acho que é você. - e apontou o indicador para ele, sorrindo.

— Do que está falando?

— Michael, seu velho amigo. Nosso atual Mestre de Cerimônias. Ele havia me feito um desenho seu, com todos os traços em perfeitos detalhes. Disse que era uma das pessoas que eu deveria tomar cuidado. Isto, aliás, antes de ordenar... uma coisa sinistra.

A fala rápida de Dwayne ao pronunciar o nome de Michael fez Hector prender a respiração por uns segundos. Estava, pouco a pouco, predizendo a si mesmo que as peças se encaixariam.

— Michael, não é? - assentiu com a cabeça, mordendo os lábios, quase não acreditando. - O que ele lhe ordenou?

— Dias antes do ataque à Londres, um de nós visitou a mansão do tio de Michael. Descobrimos que a bíblia de nosso senhor Abamanu havia sido roubada. E adivinha só qual é minha suspeita...

— Vá direto ao assunto! - vociferou Eleonor, visivelmente impaciente.

Dwayne a olhou com certo desprezo. Prosseguiu.

— Bem... Eu fiz para manter meu grau. Michael me obrigou a usar um livro de bruxaria e invocar um demônio-alfa provindo do Tártaro, baseado nas escrituras da bíblia de Abamanu.

— Espera. - interrompeu Eleonor. - Que história é essa de grau?

— Digamos que as regras mudaram um pouquinho. - disse, dando um sorriso misterioso.

— Continue. - exigiu Hector, a voz firme como um pilar.

— Tudo ocorreu para que a profecia fosse cumprida. E eu libertei aquele monstro... testemunhei o maior horror de toda a minha vida. - lembrou o par de olhos avermelhados do demônio o encarando por breves segundos.

— O pupilo de Abamanu, estou correto? - presumiu Hector, semi-cerrando os olhos.

— Sim. E com as notícias recentes, parece que ele já está reinando. - sorriu novamente, mantendo o ar de escárnio que rosto exalava.

— Mollock. - disse Hector, quase cerrando os dentes.

Eleonor não se segurava.

— Mas o que "pupilo" realmente quer dizer? Como tem tanta certeza se a profecia está se encaminhando para o rumo que vocês desejam?

— O primeiro herege. O sacrifício que não foi feito, mas houve a lua de sangue e o exército marchando sob a luz dela. Tudo isto está escrito na nossa bíblia. A última profecia diz respeito àquele servirá como receptáculo de nosso deus. - explicou Dwayne.

— Agora já entendi. - disse Eleonor, pensativa, fitando um canto da sala.

— Presume-se que a bíblia que era de vocês foi escrita por um dos Red Wolfs da geração anterior. - lembrou Hector, com um lampejo de certeza. - Provavelmente há um exemplar autêntico... e bem mais abrangente. - lançou para Dwayne um olhar penetrante.

— Hum. - riu baixinho. - "Para o que for a imagem, corpo e alma de nosso senhor, deverá construir seu império a partir dos restos das ruínas de outro." - disse, citando uma parte do capítulo da última profecia.

Hector dera um sorriso de canto de boca, apreciando uma aparente deixa.

— Isto é algum tipo de pista?

— Pense o que quiser. Não pode evitar. Ninguém pode.

— Cedo ou tarde vocês serão encontrados. Se houver tempo suficiente, faremos isso. - desafiou Hector, apoiando sua mão na mesa.

— Nunca acharão nosso esconderijo. Temos um exército a nosso favor. E sabem o que temos que fazer... ou você pensou que não estaríamos no lugar certo para ver a chegada de nosso deus? - Dwayne inclinou a cabeça, encarando Hector com seus olhos ardentes.

Silêncio na sala. Ambos se entreolhavam firmes e desafiantes, como se um quisesse adivinhar o pensamento do outro. O que seria o "lugar certo"? Tal informação levantou fortíssimas suspeitas, fazendo a mente de Hector adquirir uma avidez ainda mais ambiciosa. Eleonor observava, calada. Fizera de tudo para se portar como uma mulher comum ao chegar no local.

O clima fragmentou-se com a voz de Eleonor lançando-se como uma chicotada no ar.

— É! Talvez seja perda de tempo nos importarmos com uma ameaça desse tamanho. São descartáveis.

— Tão auto-confiante, mas tão insegura ao mesmo tempo. - zombou Dwayne. - Mas tão bonita...

— Tão novo, mas tão ludibriado... e triste. Não sabe com quem está lidando. - sorriu, provocando-o.

Dwayne a analisou dos pés à cabeça, lenta e calmamente. Uma excitação involuntária irrompeu de imediato. Já tinha uma resposta pronta, na ponta de sua língua de serpente venenosa.

— Pelo olhos, pela roupa, o decote... Só posso dizer que é uma...

Hector se viu obrigado a interromper. Quando o fez, sentiu-se mais seguro quanto à preservação de Eleonor e seu auto-domínio.

— Muito bem! - se pôs no meio de ambos. - Acho que estamos conversados. Iremos ignora-los, por enquanto.

— Ótimo. Agora saiam do meu escritório, ainda tenho muito trabalho a fazer.

O caçador puxou levemente sua companheira pelo braço, acompanhando-a até a porta.

— Sabe que inevitavelmente vamos estar no caminho de vocês de novo. Nós vamos vencer esta guerra, caçador tolo! - exclamou, convicto. - Você e sua mãe, sozinhos, não tem a menor chance contra o poder da fraternidade.

Os dois fizeram uma parada brusca, logo quando estavam prestes a sair. Viraram-se franzindo as sobrancelhas, claramente desconfortáveis com a declaração.

— O quê? Ela não é a minha mãe.

— Ele não é o meu filho.

Dwayne deu de ombros, não se importando com tal detalhe.

— Que seja.

Hector saíra na frente, a passos largos, emanando uma aura aborrecida. Porém, Eleonor, por sua vez, insistira em esclarecer algo. O fez dando meia-volta e reabrindo a porta.

— Sim, você estava certo. Eu sou uma bruxa.

E fechou a porta em um estrondo ecoante.

Dwayne encarou a porta por alguns segundos, simultaneamente feliz pela certeza e preocupado com o futuro. O seu futuro, para ser mais preciso. Arrancou a folha da máquina de escrever em um rasgo violento e a amassou forte como se quisesse faze-la encolher em suas mãos. Sentiu ojeriza pelo comportamento de Hector... mas sentira ainda mais mágoa pelo profundo olhar de Eleonor.

— Um reles caçador... e uma bruxa vadia. - disse, continuando a amassar a bola de papel.

Enveredando-se para a saída do corredor do prédio, Hector destacara um detalhe que aparentemente fora esquecido. Entretanto, a preocupação de Eleonor com seu estado cortou sua linha de raciocínio perfeitamente concentrada.

— E então, o que planeja fazer de agora em diante? - alcançou-o, pondo-se ao lado dele.

— Hoje à noite. As dez e meia. Mollock e seu exército que se prepare. - disse, com uma empolgação assustadora até para ele.

— Iremos invadir o museu!? Furtivamente, claro. - concordou Eleonor.

— Exato. Loub está lá, deve estar em cativeiro. Minha vingança liga-se aos dois. O que acha de preparar uma lista de feitiços? - voltou-se para sua parceira, com ar confiante.

— Não preciso de uma lista. Qualquer feitiço que caiba à situação já será válido. - afirmou, afastando uma mecha do cabelo.

— Parece que Michael já havia se dado conta de que eu seria um estorvo, se caso eu aceitasse me juntar à eles. - o caçador apressara mais seu passo.

Eleonor voltou-se para ele, o olhar acompanhando a estática expressão corajosa de Hector.

— Espera... Que história é essa de "me juntar à eles"?

— Eu sou filho de um Red Wolf. - disse, sem medo de sua concisão. - Por essa razão, Rosie se sentiu traída. E agora sinto-me culpado.

A revelação caíra como uma bomba em extremo perigo de proximidade para Eleonor. Encolheu os ombros, enquanto caminhava para a porta do corredor com um semblante desnorteado.

— Venha. - apressou-se mais. - O que acha de um belo café da manhã num dos melhores restaurantes do bairro?

Apenas fez que sim com a cabeça. Procurou não expor seu choque. Mas ela disfarçaria sua surpresa com uma excitação arrepiante, igualmente genuína.

                                                                          ***

A plateia fizera um silêncio aterrador, como se todos, de alguma forma, perdessem suas vozes. Na arquibancada onde Rosie estava, os dedos indicadores achatados daquelas criaturas apontavam para ela, os rostos demoníacos e nojentos expressando decisão ao escolhe-la. A jovem deixou cair os ombros, olhava para aqueles dedos como se não acreditasse.

— Só pode ser brincadeira. - fitava, estarrecida, os torcedores.

— Desça! - berrou o gigante, olhando diretamente para Rosie.

Ela recuou alguns passos. Seu instinto lhe dizia para fugir dali o mais rápido que pudesse. Deu-se conta, em reflexão mais profunda, que se o fizesse talvez seria caçada. Tentou ver alternativas para contornar seu medo. Não viu sequer uma vantagem sobre aquele ser de 2 metros e meio. Pensou no Guia. Ele apoiaria sua fuga? Não. Estava desconfiada demais para recorrer àquela escolha, levando-a a achar que ele a impediria de qualquer modo.

Era um desafio, afinal. Tinha obrigatoriedade de cumpri-lo, já que estava envolvida em um engenhoso plano divino. Arriscar era a única opção.

— Vamos, Rosie. Você deve ir à arena. Você foi escolhida. - disse o Guia, autoritário, sem voltar-se para ela.

Não questionou. Nenhuma palavra foi necessária. Apenas desceu a mureta e as escadas, sem vislumbrar as faces horrendas que a encaravam, que lhe davam passagem. Olhava fixamente para o gigante, em uma lenta análise de sua fisionomia, objetivava enxergar um ponto fraco. Sua concentração enquanto descia a mal-feita escadaria da arquibancada era impenetrável de modo que nem a fez ouvir uma cusparada dada por um dos torcedores em seus pés, em claro sinal de repulsa e intolerância.

Sussurros ardilosos. Cochichos infames. Risadas baixas querendo tomar escárnio. Não havia mais nada no campo de visão de Rosie além da circular arena e o gigante no centro dela, manejando seu machado. Para a surpresa do Guia, a jovem, ao terminar de descer a escada, desprotegeu a cabeça removendo o capuz. O preto de seus cabelos reluzia forte por meio do sol, cada vez mais ardente.

Por fim, entrou na arena em um pulo. Uma cortina de poeira levantou com o impacto dos pés da jovem ao chão. Da poeira que se dissipava rápido, surgia ela. A capa vermelha balançando ao vento para um lado. Manteve o olhar frio e intenso para o gigante.

— Vamos! - exclamou ela. - Ria de mim! Faça chacota! Afinal, eu sou apenas uma reles e fraca humana!

O gigante inclinou a cabeça, mas pareceu segurar uma gargalhada.

— Não. - disse, fazendo que não com a cabeça. - Meus adoradores fazem isso por mim! - e apontou para a plateia, que, em questão de segundos, voltou a vibrar.

Rosie nem movera a cabeça. Ficou a escutar os gritos de "Perdedora!", "Morra!", "Acaba com ela!", entre outros. O gigante julgara-a cedo demais.

— Tsc Tsc - balançou a cabeça, em desaprovação. Um sorriso amarelo e repugnante pôde ser visto, escondido na volumosa barba ruiva do gigante.

— Acho que devia ter afiado a lâmina do seu machado. - afirmou Rosie, andando para um lado, sacando discretamente sua adaga.

— Você não é ninguém para falar do meu machado! - irritou-se. - Vai ser tão rápido acabar com você... é só uma criança ingênua.

Rosie não tolerara o comentário. Mostrou sua adaga, em posição de ataque.

— Muito bem... - ela sorriu, emanando uma confiança repentina. - Pelo visto, vou ser uma criança muito má.

O gigante, sem esperar um segundo a mais, balançou seu machado, a lâmina cortando o ar em um som rápido, visando uma flexibilidade. Erguera a arma, fazendo-a reluzir à luz solar juntamente ao capacete, estando pronto para um golpe certeiro. Rosie o encarou como uma montanha prestes a desmoronar. O som sibilante do machado caindo em sua direção veio como uma avalanche de neve.

Em um pulo rápido, Rosie esquivara-se do golpe, caindo para a frente após dar uma cambalhota. Seus pés firmaram-se no chão abruptamente. Vislumbrou o chão rachado do ponto em que estava ao olhar para trás. De instantâneo, ouvira a voz do Guia, em tom orientador.

— Cuidado, Rosie! Na sua frente! - avisou ele.

Sem esboçar surpresa alguma pela voz cavernosa na sua mente, a jovem vira a lâmina ensanguentada vindo em alta velocidade na sua direção. Deu novamente um pulo, desta vez para cima. O som cortante do machado atravessou seus tímpanos enquanto pairava no ar por poucos segundos. O gigante jogara a arma, mirando na face de Rosie com evidente precisão. Sorte a dela não ser um bumerangue laminado. O machado cravou-se no solo infértil e de aspecto bege, rachando-o. Enquanto descia de cabeça para baixo, em rapidíssimo ato, lançou uma adaga contra o peito da armadura. Novamente, um impacto forte entre o chão e seus pés fora dado.

Deixando dissipar-se a poeira que se formara em torno de si com a capa, Rosie, agachada e de costas para seu adversário, presenciou um esperado momento de dor. Voltou seus olhos para o gigante, fulminante, a face frígida como a morte. O gladiador arrogante andava na direção dela, cambaleando, os dentes rangendo de raiva. Raiva esta compartilhada com a plateia, que se enfurecia em um único tom. O Guia, imóvel e pairante, refletiu sobre o momento.

"Ela possui uma desenvoltura única. Certamente, Lorde Abamanu não errou na escolha, o que não é de se espantar. Se continuar a não baixar a guarda, ela conseguirá o prêmio e passaremos para o desafio extra.", pensou ele.

Rosie se levantou, sacando mais uma de suas adagas. O ruído da lâmina soou seco e agudo, para o esterrecimento de todos que assistiam. O formato era mais grosso e largo, com a ponta de mesma tangibilidade que uma agulha. Posicionou-se, de novo, mostrando uma aura imponente, seus negros cabelos balançando com o vento.

O sangue gorgolejava do peito do gigante, cada vez mais cambaleante. A adaga caíra, suja.

— O que foi? Vem! - disse Rosie, contente por ver o ar prepotente do adversário evaporar com um só golpe. - Está com medo por que sou uma garota? - provocou.

O gigante, andando até ela, rosnara, seus passos cantando barulhos pesados. Pondo sua mão no peito esquerdo para estancar a hemorragia incessante, ele deixou se formar uma trilha de sangue no centro da arena. Com rapidez incrível, Rosie lançou a adaga, a mesma girando horizontalmente. Fora barrada por um movimento do gigante, tendo ele protegido-se com o bracelete dourado. A arma cortante, em segundos, foi de encontro ao chão.

— Você me pegou desprevenido, sua pequena vadia insolente! - reclamou, pressionando a ferida - É bom ter adversários como você por perto.

— O que quer dizer? Se vai me elogiar, fale logo, não seja tímido. - teve de recuar alguns passos, já que estava de mãos vazias.

— Mais de 50 vitórias! - disse, cada vez mais próximo dela. - Mais de 50 fracotes derrotados por mim! Eu, Tharbor, não serei abatido por um inseto como você!

— Meus reflexos foram aprimorados naturalmente. - salientou ela, recuando ainda mais. - Ainda dá tempo de desistir, sabia? Sua armadura não é resistente o bastante, qualquer golpe, qualquer impacto contra ela é uma chance a menos de vencer. O seu ferreiro era um estagiário?

Em um lampejo de fúria absoluta em seu interior, o gigante entoou uma voz calma antes de dar sua cartada final.

— Que tal eu responder com isto!?

Rosie fitou dois pontos brilhantes e vermelhos nos olhos do gigante. Os orifícios negros do capacete, que não possibilitavam ver suas pupilas, de repente iluminaram-se. Sem perceber precisamente, Rosie foi alvejada com duas e surpreendentes rajadas de raios vermelhos saindo pelos olhos do gladiador.

Correu. Uma corrida que ganhara da que fizera na floresta desabitada. A plateia, impressionada, alardeou com gritos o poder oculto do campeão do torneio. Os raios perseguiam Rosie como um maremoto arrasando com tudo. Um imenso rastro de destruição podia ser visto se formando ao redor da arena. O gigante manifestava sua raiva através daquele poder, algo que fazia questão de esconder nos campeonatos em que participava. Usara como último recurso para casos em que o oponente era habilidoso demais, talvez com uma agilidade equivalente à sua. Enfim, encontrara o que se encaixava neste perfil. Lutar de igual para igual lhe era inadmissível.

Telepaticamente conversando com o Guia enquanto corria freneticamente pela arena, Rosie mostrara-se indignada com a falta de informações.

— Seu idiota! Por que não me avisou que ele tinha uma habilidade dessas?

— Pensei que estivesse aberta à surpresas. - disse ele, calmo como uma folha voando devagar ao vento.

Os raios aumentavam de tamanho, em linha reta, cada vez mais próximos de Rosie. O gigante era um trem desgovernado. Pulverizar aquela petulante alma humana seria uma conquista e tanto.

Viu todo o ambiente ao seu redor tomar um tom de vermelho intenso. Sem saída, jogou seu corpo para o lado direito, quicando naquele solo arejado. O gigante abaixara a cabeça, conduzindo os raios para a direção de Rosie, aproveitando que a mesma estava caída.

Virando seu rosto depressa, a jovem dera um pulo, comprimindo seu corpo para que passasse na abertura entre um raio e outro. O risco, no fim, valera a pena. Percebeu mais claramente que a gravidade do lugar era favorável às suas características. Jogou seu corpo mais para o alto, com a intenção de passar por cima do gigante, girando lentamente. A consequência evidente era de que os raios mirariam diretamente na plateia. E assim ocorreu. Uma vasta fileira de torcedores foi pulverizada verticalmente. Parte da arquibancada tornou-se pó junto com os ocupantes.

Assim que "desligou sua máquina mortífera", o gigante não percebeu o estrago que fizera. Estava aguardando sua presa, mas seus olhos ardiam e a claridade vermelha ocultava. Teria de esperar alguns segundos até que recuperasse a visão para lançar os raios novamente, logo quando avistasse Rosie.

— Ah, sua menina desprezível! Tem sorte que essa minha habilidade especial me deixa cego temporariamente! Se não fosse por isso, eu te fritaria inteira!

Voltando ao chão, Rosie ficara estática ao ouvir a palavra "cego". Seu coração ritmava batimentos acelerados, mas não de desespero. Mas sim de esperança. A vantagem estava à suas costas. A deixa perfeita.

O gigante gemia de dor. Mesmo de pé, qualquer um percebia suas pernas bambearem trêmulas.

— 20 segundos, Rosie, - avisou o Guia, por telepatia.

Virara-se para o adversário, encarando-o com certa pena. Duas adagas foram sacadas ao mesmo tempo. Girou-as, em demonstração de poder sobre a luta, até pega-las firmemente. Sabia exatamente o que fazer logo em seguida.

Calculou a distância olhando-o de baixo para cima. Guardou as adagas, já sabendo como proceder com elas no final.

O Guia, impaciente, não deixou de alertar mais uma vez.

— 8 segundos! Faça alguma coisa!

O tempo bem estava ao seu lado. Em uma furiosa e arriscada escalada, Rosie subira, através de um pulo, o corpo do gigante. Escalou as costas segurando as saliências da armadura, com extrema velocidade.

4 segundos.

3 segundos.

2... 1... Com os braços erguidos, postando-se em sua nuca, Rosie segurou fortemente as duas adagas e as cravou profundamente nos olhos do gigante. Respingos de sangue lançarem-se em linha reta no ar, o líquido puro e quente cintilando à luz da estrela de fogo.

— Isto é pelo guerreiro que você matou. - disse, satisfeita com a vingança.

O estridente urro de dor do gigante calou a multidão que assistia atônita à queda do campeão. Pressentindo um desatino vindo do maior lutador do torneio, Rosie pulou do corpo, realizando uma descida vertiginosa. Viu o Guia, parado, mas parecendo estar convencido de sua performance.

A jovem estava exausta. E faminta. O Guia materializou-se ao lado dela, logo apontando para o alto de uma torre localizada atrás de uma parte de arquibancada. Semi-cerrando os olhos, Rosie avistara uma manopla cuja cor não era facilmente distinguível. Sanou a dúvida quando o Guia, agindo rápido, pegara o prêmio em um teleporte, desafiando a percepção de Rosie.

— Como você pegou tão ráp...

— Esqueça. Este é o prêmio do campeão. - e mostrou a manopla, folheada à ouro autêntico.

— Não seria justo... - hesitou ela, recobrando a calma. - Afinal, ele venceu a maior parte das lutas. - voltou seu olhar para o gigante, se queixando da dor aguda em seus olhos em gritos imparáveis.

— Deixe-o sofrer. - declarou o Guia. - Pelos menos por enquanto...

O gigante, com uma mão, tentava agarrar algo, e com a outra tapava os visores do capacete com o sangue escorrendo por entre seus dedos.

— O troféu é seu, Rosie. Aquele que consegue a proeza de derrotar o campeão de mais de 50 lutas é considerado o vencedor de todo o torneio. - revelou o Guia, entregando a manopla nas mãos dela. - Repare na palma da mão.

Rosie viu a peça do talismã atraída a palma do artefato. Franziu o cenho, estranhando.

— Que estranho... Como pode estar presa à manopla se não tem encaixe? - ficou a girar o objeto.

— Ela tem a incrível função de atrair magneticamente qualquer coisa de valor equivalente à ela. - explicou o Guia. - Agora devemos ir. Há um desafio-extra à sua espera. - e saiu, flutuando para uma alta abertura quadrada, provavelmente dando em um corredor.

Por fim, foram envolvidos pela escuridão quando adentraram.

— Espera! Que história é essa de "desafio-extra"? - a voz de Rosie ecoava por todo o espaço sombrio.

Um portão secreto, praticamente invisível quando está fechado, fora aberto nos arredores da arena, inclinando-se para cima. Era revestido com os mesmos tijolos que formavam o "Coliseu" no meio do deserto, sendo a linha que o contorna dando a impressão de que o mesmo não existe. O gigante ainda berrava de dor, com uma frustração ainda maior por não sentir mais a presença de Rosie.

Do portão, surgira um enorme leão, avançando loucamente contra o gigante, amassando seu capacete metálico. Toda a plateia se alvoroçou com a cena que se seguiu. Após dar um imenso rugido, a fera derrubou o gigante em uma mordida certeira na sua cabeça.

Na arquibancada, os torcedores discutiam aos gritos em uma linguagem totalmente desconhecida. Enquanto o leão saboreava vorazmente a carne do gigante perdedor, os espectadores culminavam no limiar da loucura e violência, dando término ao show rústico em um confronto com pedras, paus e garras.

                                                                         ***

Num universo não tão distante, mais precisamente em uma casa simples e pequena, iluminada apenas por poucas velas vermelhas, havia um homem... trabalhando em um conserto de um relógio de ouro do século XIX. Apenas uma pilha de relógios quebrados ficava à penumbra.

Sua silhueta denotava uma idade avançada. Relógios tiquetaqueando faziam ser o único som predominante.

Interrompeu seu trabalho só para reclamar consigo mesmo.

— Ah... como eu odeio a sensação de que vou ter visitas.


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