Capuz Vermelho - 2ª Temporada escrita por L R Rodrigues


Capítulo 22
Cerimônia do despertar (Parte 1.1)


Notas iniciais do capítulo

Capítulo 2x11.

Eis o início da guerra para impedir a vinda de uma aguardada nova era...



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Notícias de última hora:

"Agora há pouco recebemos a urgente informação de que um incêndio está ocorrendo no Museu de História de Londres, cuja causa foi uma extrema explosão de altíssimo nível durante a missão prometida do Exército Britânico para invadi-lo. Nossas fontes mais seguras alegam que mais da metade dos soldados não sobreviveu ao impacto. Boa parte deles já se encontrava no interior do museu poucos minutos antes das bombas explodirem. As autoridades temem que as chamas possam se alastrar para a floresta vizinha ao prédio. Oficialmente, ainda não se sabe a quantidade de soldados mortos ou feridos na explosão, mas já sabe-se que a maioria do pelotão tiveram seus corpos carbonizados. Os bombeiros locais ainda tentam apagar o fogo que ameaça se propagar por toda a extensão do território ocupado pelo museu. 

O General Holt ainda não teve a oportunidade de conceder uma nova entrevista, mas é seguro afirmar que ele está ileso, embora completamente desnorteado pelo ocorrido. Ao que parece, o monstro ou lobisomem abandonou o museu e fugiu com seu exército. A prefeitura de Londres ainda estuda a possibilidade de organizar um plebiscito com relação ao problema da suposta "coexistência oculta" entre seres humanos e criaturas de origens sobrenaturais. 

A pergunta que o Exército mais quer responder ao povo é: Eles vivem entre nós? 

Estudiosos, professores de filosofia, historiadores e diversos formadores de opinião comentam e debatem incansavelmente este advento inesperado. Muitos deles temem que a humanidade pode estar em uma transição onde o único destino será a revelação do desconhecido em sua forma nua e crua. 

Que a humanidade deve se preparar para uma era onde o medo pelo que não entende deve ser posto à prova até o limite." 

                                                                              ***

Os olhos de Hector ardiam enquanto se abriam lentamente, como se a tímida claridade provinda do abajur da sala de estar fosse uma rajada de fogo lançada diretamente às suas pupilas. Gemera de dor ao tapar o rosto. Sentia pontadas contínuas no lado esquerdo do pescoço... onde jaziam dois pequenos furos de onde saíam estreitos filetes de sangue manchando um pouco a gola do sobretudo de couro marrom. Foi levantando-se com dificuldade, completamente tonto, ainda sentindo os efeitos colaterais do acidente. Apoiou um braço na perna do sofá virado para se ao menos poder se sentar. Espelhos quebrados, a parede próxima à estante quebrada e rachada, livros caídos, o carpete cor de vinho sujo de terra e amassado, a mesinha de centro da sala derrubada, sofás revirados... fora um completo rebuliço.

Pôs-se de pé, rapidamente pondo a mão no pescoço, ainda abatido pela dor aguda. Cambaleou ao dar alguns passos à frente, tentando reprocessar o que havia acontecido. "Meu deus, que dor!", pensou, cerrando os dentes com os olhos fechados ao pressionar a palma da mão na ferida. "Não me sinto bem... Onde está aquele lobisomem? Eleonor... Por que fez isso comigo? Se ainda estivesse aqui, eu iria esfregar na sua cara que você exagerou... O que pretendia? Me matar?". As dúvidas só cresciam à medida que a vertigem se amenizava.

Andou para um lado, quase perdendo o equilíbrio. "Preciso sentar... Meu corpo está bambo.".

Procurou uma cadeira ou a poltrona na qual antes estava sentado. Estava tudo revirado e sua indisposição alertava para não fazer nenhum esforço físico naquele momento. Sua visão foi desenturvando aos poucos, até que seu corpo readquiriu postura. A imagem da sala bagunçada ficou ainda mais clara... até não sobrar mais nenhum resquício de tontura.

Piscou os olhos, semi-cerrando-os. Os esfregou com as duas mãos para se certificar de algo. "Só posso estar sonhando.'.

Com nitidez, se viu sozinho naquele cômodo. Olhara ao redor, na esperança de não sentir mais a presença daquele monstro metade humano e metade lobo enfeitiçado. A dor sumira de repente. Para comprovar se estava certo, correu os dedos pelas marcas de presas no pescoço... a dor não surgira fisicamente, mas sim na mente. Uma vez seu pai lhe disse que quando vemos ou tocamos a cicatriz nós lembramos do que causou a ferida. Hector viu materializarem-se imagens de presas enormes e pontiagudas cravarem no seu pescoço. Fez uma cara de cansaço ao suspirar pesadamente.

Meta-simbiontes não costumavam ser exageradamente violentos em suas caças noturnas, mas suas mordidas eram potentes e contagiosas. Hector, ao lembrar desta informação, sentiu-se atingido por um raio. "Não... De alguma forma, talvez, o feitiço possa ter barrado os efeitos do vírus.", pensou ele, preocupando-se. "Lycans são difíceis de achar por essas redondezas... Meta-Simbiontes são acostumados a vida urbana, por isso conseguem se disfarçar melhor na cidade, diferentemente dos Lycans que normalmente percorrem regiões rurais e áreas florestais. Eleonor... ela sabia disso. A única característica que ambos compartilham... é a mordida contagiosa!", disse a si mesmo, adquirindo uma expressão decepcionada.

Olhou para as duas mãos para ver se alguma mudança estava ocorrendo. Nada. Porém, seus pensamentos foram cortados por um ruído... de passos lentamente se aproximando. Hector acabara por se lembrar de Rosie. "Oh, essa não! Esqueci que Rosie estava aqui, segundo Eleonor! Quem quer esteja vindo aí... pode ser ela ou aquele monstro!". Fitou a entrada do corredor com um olhar apreensivo, respirando com pressa.

Felizmente, uma silhueta feminina e voluptuosa apareceu. Seu semblante suavizou-se assim que viu duas botas rubras cruzarem a entrada para o corredor... e um par de olhos azuis pertencentes a um branco rosto o encararem surpresos.

— Hector!? - disse Rosie, franzindo as sobrancelhas.

O caçador estava sem fala. Gostaria de sorrir, mas algo ainda mais forte o impedia.

— Ro... Rosie. - disse ele, a olhando fixamente. - Fico feliz... que está aqui... viva. - afastou os cabelos pretos e suados da testa e deu um passo à frente. - Não imagina o quão preocupado fiq...

— Alto lá! - exclamou a jovem, o tom autoritário e raivoso. - Por que também está aqui? E por que está tudo revirado? Parece que passou um furação ou uma tempestade.

"Uma tempestade está acontecendo na minha mente, pode ter certeza.", pensou Hector.

— Rosie... me escute, por favor. - disse, erguendo uma mão, em um gesto para aclama-la. - Nós estávamos no templo de Abamanu, certo?

— Sim. - disse ela, o olhando friamente. - E simplesmente apareci no meu quarto de repente... Eu estava me sentindo bem... até eu ouvir você gritar. - manteve a expressão séria.

"Abamanu devolveu suas memórias. Ela somente se lembra do que ocorreu antes de ser levada. Ou seja, o que ela passou onde quer que estivesse simplesmente foi apagado. Maldito.".

Rosie se aproximou dele a passos largos.

— Quero que me fale o que houve aqui. Quem estava aqui com você?

— Agora não tenho tempo para explicar. - afirmou Hector, cabisbaixo. - Devo dizer que... se passou muito tempo desde que estivemos por lá. - tornou a olha-la. - Qual a última coisa de que se lembra, Rosie?

— Templo de Abamanu. - dizia ela, contando nos dedos, pensativa. - Você revelando o plano diabólico de Loub contra mim, você revelando ter me enganado esse tempo todo por simples medo e ter brincado com minha confiança, você tentando me convencer a lutar contra um inimigo que está lá fora, Michael querendo me matar, Michael me dando a última peça do talismã quando se deu por vencido... - fez uma pausa, encarando-o. - E um clarão ofuscante vindo da estátua de Abamanu.

Hector dera um suspiro, sem saber se de alívio ou de tristeza.

— Eu sinto muito, Rosie. - disse ele, balançando a cabeça de leve negativamente. - Posso jurar a você que, durante o tempo que você ficou longe, eu fiz o possível para me redimir. E eu consegui. Eu não sinto mais medo.

— O tempo que fiquei longe? - estranhou ela, franzindo o cenho. - Do que está falando?

— Obviamente, você não se lembra. Mas garanto que vou lhe contar tudo em detalhes. Abamanu fez algo com você. - relanceou a porta entreaberta. - Olha, não temos tempo a perder, precisamos ir agora.

— Pode esquecer. - disse Rosie, cruzando os braços. - Não vou a lugar nenhum com você. Se redimiu com o quê, afinal? Onde está Robert Loub e o que aconteceu com ele durante esse tempo?

— Percebo que está voltando a confiar em mim. - disse ele, dando um sorriso de canto de boca. -

— O que o faz pensar nisso?

— Você mencionou "tempo". - disse, gesticulando com os dedos referindo-se às aspas. - É óbvio que quer saber o que houve com Loub enquanto esteve sabe-se lá aonde. Mas já digo: Ele está morto.

Rosie descruzara os braços, sem esconder a súbita surpresa.

— Morto? - perguntou, cética. - Como ele morreu?

— Eu o matei. - afirmou Hector, sucinto e firme.

Rosie arqueara as sobrancelhas, novamente impressionada.

— E você pensou que ao fazer isso poderia reaver minha confiança como se nada tivesse acontecido? - perguntou ela, irredutível.

— Também não é assim. - retrucou Hector, a fala rápida. - Quisera eu poder arrancar estas memórias horríveis da minha cabeça... Eu só vou conseguir minha vingança definitiva quando eu matar o inimigo maior que devemos enfrentar. Rosie, eu não fiz isso só pelo meu pai. Fiz por nós dois. Pelo elo que construímos no tempo que passamos juntos. - disse ele, chegando mais perto de Rosie.

A jovem se vira em uma encruzilhada. Apoiar a causa de Hector reconsiderando a aliança contra a vontade de querer seguir um caminho incerto sozinha a fim de começar uma nova vida longe de monstros e caçadas. Ficara pensativa por vários minutos, mordendo os lábios em nervosismo. Tornou a voltar um olhar desconsolado para Hector, mas não decidido ainda.

— Eu... ainda não sei que caminho seguir. - disse ela, pouco à vontade. - É difícil superar uma traição... mesmo quando você enxerga a justificativa mas não quer assumir que ela realmente existe. Esse é o nosso caso, Hector. Sinto como se jamais conseguirei voltar a confiar em você. - involuntariamente, deixou uma lágrima escorrer pelo seu alvo rosto.

Hector, aparentemente, engolira em seco. Assentiu rapidamente com a cabeça, olhando para um lado. No entanto, sua insatisfação estava emanante ao passo em que a paciência já se esgotara por completo.

— Tudo bem, Rosie. - disse ele, aceitando o fato. - Se fosse ao contrário eu sentiria o mesmo. Não é obrigada a me seguir ou confiar em mim novamente. Mas saiba da promessa que fiz: Eu protegeria você, mesmo que soubesse se defender, não importaria, eu estaria ali do seu lado, lutando. - o olhar do caçador estava brilhante e incisivo. - Toda vez que me lembro daquela carta eu sinto como se tivesse que cumprir esta promessa como uma missão dada à mim, um propósito específico para minha vida. Seu pai me confiou esta missão. O mundo está correndo perigo com o iminente retorno de Abamanu... Se pensasse melhor, se juntaria à mim. E decidindo isso vai estar fazendo um favor à memória do seu pai. - virou as costas. - Se acha que não é boa o bastante para isso, então siga o caminho que bem entender.

O caçador fora andando vagarosamente em direção à porta. Rosie fechara os olhos, reprimindo mais lágrimas. Conteve sua ansiedade e tomara sua decisão antes que Hector cruzasse a soleira da porta.

— Está bem. - disse ela, secamente. - Está certo quando disse que não devo voltar a confiar em você por obrigação. Nem por vontade própria. Eu não farei isso. Você é filho de um Red Wolf, e não tenho certeza se posso ou não depositar toda minha confiança de novo. - ela chegara mais perto. - Mas se tem algo que me sinto obrigada a fazer... é lutar contra o mal que fez meu pai cair nas trevas. - estacou próxima à ele, determinada a fazer o que fosse preciso.

Hector se virara abruptamente, sem conseguir esconder um leve sorriso de satisfação.

— Então é isso. - disse ele, assentindo. - Vamos à luta contra Mollock.

— Argh, que nome mais careta para nosso vilão número 2. - reclamou Rosie em tom brincalhão, passando por ele e indo até a porta.

— Número 2? - indagou Hector, sem entender.

— É. Nosso inimigo número 1 é Abamanu. - parara antes que abrisse a porta . - Ahn... por falar em número 2... tem duas coisas que ainda quero te dizer, Hector.

O caçador se virou para ela totalmente, franzindo o cenho.

— E o que é?

Rosie virou-se para a sua frente, emanando um aspecto quase assustador em seu sorriso malicioso.

Uma reação inesperada por Hector quase o fez vomitar seu coração. Com um rápido soco no rosto do caçador, Rosie parecia ainda ferver de raiva.

— Isso é por ter se rendido ao blefe de Loub. - disse, vendo o caçador gemer de dor enquanto ele pressionava uma mão contra seu rosto. Saíra sangue de sua boca.

Ainda não satisfeita, a jovem erguera o pé esquerdo focando-se no bico de sua bota. Em um novo e veloz movimento, Rosie chutara as partes baixas de Hector... O caçador dera um rápido urro ao cair no chão, se contorcendo devido a dor lancinante nas áreas íntimas.

— E isso é por ter me enganado. - disse ela, sem dó.

— Ai... ai, ai! Por que fez isso? - perguntou o caçador, quase rolando pelo chão, gemendo ao comprimir suas mãos nas partes afetadas.

— Não tenho tempo para explicar, vamos logo. - disse Rosie, abrindo a porta e saindo.

Após alguns segundos, Hector decidira ignorar a dor insistente e se levantou rápido ao pensar que Rosie poderia estar seguindo sem ele já distante dali. Caminhou até a porta, trôpego, e saíra sem trancar.

Rosie o esperava a poucos metros da floresta.

— Estou bem ciente da urgência disso tudo, então é melhor me dizer para onde vamos.

— Charlie... - disse Hector, quase mancando até chegar à ela. - Devemos ir até a casa de Charlie. Sei onde fica.

— Quem é Charlie? - perguntou Rosie, enquanto Hector passava por ela indo na frente.

— Vou te contar tudo no caminho, inclusive o que Abamanu fez à você. - garantiu ele, voltando a andar com postura após a dor ter amenizado. - Vamos, depressa! Precisaremos pegar três bondes! - disse, começando a correr adentrando na floresta banhada pela luz do poderoso luar daquela noite.

                                                                                  ***

Ruínas Cinzas - 

Em meio a uma quase desértica paisagem, havia um exército de seres bestiais, lobos bípedes carregando lanças prateadas medievais, caminhando em fileiras organizadamente, como uma marcha para celebrar algum evento ou coroação deu um rei... sim, um rei já consolidado objetivava se coroar novamente... mas desta vez abraçando um acervo de relíquias roubadas e armazenadas numa parte subterrânea sob a superfície do pátio das Ruínas Cinzas. Os monumentais pilares, alguns caídos e rachados, estavam próximos de serem avistados, ao menos suas silhuetas enquanto percorria-se naquela distância. O solo era meio pedregoso e meio arejado, com pequenas áreas de vegetação em torno de morros ou planícies. O céu estrelado se estendia lindamente pelo céu noturno preto-azulado, com poucas nuvens em formações lentas, mas sem ofuscar a reluzente Superlua que se destacava pomposamente.

O pelo amarronzado escuro de Mollock era, em parte, cintilado de um azul sombrio enquanto andava esperançoso e ereto rumo à maior conquista que já tivera a sorte de obter e conduzindo seu horda de soldados como um maestro comanda a sua orquestra. A luz da lua o tornava imponente de certo modo. Sorria na maior parte das andanças pelos mais altos morros. Sentiu um fio de excitação crescer dentro de si assim que avistou um pilar erguido... ou pelo menos o que parecia ser metade dele.

— Ali está! - exclamou com ânimo, apontando para a frente, onde os pilares erguiam-se a cada vez que avançavam. - Basta subirmos aquele morro e tomaremos o caminho mais curto para enfim chegarmos!

Retomaram, por fim, a caminhada até o ponto onde poderia-se ver o que restou no desabado templo de adoração da civilização que ocupava o território outrora. A estrutura ficava na parte central da área, antes sustentada por colunas de mármore cinza. Reduzido a escombros por pelo menos 80% de seu material, o templo de adoração possuía semelhanças gritantes ao templo de Poseidon, localizado na Grécia. Uma estátua de Mitra se fazia presente bem na entrada, a alguns metros da principal abertura. Talvez fosse o único monumento que sobrevivera aos conflitos de guerra que tornaram a causar a verdadeira queda daquele ponto de encontro entre irmãos de mesma crença.

À medida que se aproximavam, Mollock enchia o peito de orgulho. "Esta noite ficará marcada pela minha ascensão como uma entidade suprema. Digam "Adeus" às suas regras obsoletas, humanos!", pensou ele, guardando, ao máximo, o sentimento de alegria pura. Ficara ligeiramente deslumbrado com as palavras finais da profecia que lera na cópia escrita e adaptada pelos Red Wolfs. "Meu pai... Sua morte serás vingada quando eu assumir o controle total deste mundo. O seu executor... aquele caçador miserável... será o primeiro a morrer", jurou ele a si mesmo. Porém, no exemplar original a argumentação era totalmente diferente comparada à versão adaptada da irmandade. Enquanto que no original dizia "e aquele que tornares o privilegiado da escuridão subirá ao cume da montanha realizando maravilhas e tomarás para si valiosas ostentações.", na versão adaptada com as traduções roubadas dizia "E o pupilo do Cavaleiro da Morte serás agraciado com imenso poder divino e alcunha superior ao tomar posse do montante de relíquias que jaz abaixo das ruínas de cor cinza.". 

Finalmente cruzaram a subida do último morro já a poucos quilômetros das ruínas. Atravessando o topo da pequena montanha de pedra, Mollock deixara seus olhos amarelos e penetrantes se encherem de brilho. Cerca de 92 pilares se apresentavam erguidos, mesmo com rachaduras e suas partes superiores em falta. Alguns estavam inclinados, outros tortos tal como a Torre de Piza, praticamente atolados pela metade nas densas áreas arejadas. Um chão com ladrilhos verdes meio claros podia-se ver ao longe, colocados circularmente em torno do Templo de Mitra.

Os olhos do rei estavam plenamente fixados naquelas estruturas decadentes e se perguntava onde poderia estar o principal motivo de sua vinda, o cobiçado tesouro que lhe conferiria poderes inimagináveis. Desceram uma ladeira íngreme, os passos de Mollock apressando-se e os soldados, atrás, adquirindo o mesmo ritmo.

No entanto, antes que pudessem ultrapassar o primeiro pilar, uma das quimeras, subitamente, proferira um alerta.

— Majestade! - apontou com a lança para uma direção, à esquerda de Mollock. - Ao que parece são os intrusos que haviam escapado! - disse, com orgulho.

Mollock deu alguns passos à frente, apertando os olhos para enxergar melhor aquela figura ligeiramente desconhecida por ele. Entreviu um fraco tom de vermelho na vestimenta do indivíduo mesmo com a forte luz da lua querendo ocultar esse detalhe. As vestes esvoaçavam pelo ressoante vento gélido da noite. O sujeito estava parado no morro do outro lado como um fantasma ou um ceifeiro da morte. Seu aspecto era tenebroso.

Sorrindo, Mollock suspirara com certo alívio.

— Não há o que temer, meus irmãos. - disse ele sem tirar os olhos do homem ao longe. - O homem distante nada mais é do que um companheiro da fraternidade da qual meu pai era membro anos atrás. Tendo isso em vista, devo constatar uma aliança iminente. - afirmou, deixando alguns soldados embasbacados.

Um deles se aproximou, intrigado.

— Mas mestre... - o soldado aparentava desconfortável. - Nunca cogitou firmar parcerias com humanos, o senhor sempre os desconsiderou como pragas e...

— Basta! - disse Mollock, interrompendo-o. - Posso sentir pela sua postura... está nos chamando. - deu alguns passos à frente. - Aparentemente, nos serão essencialmente úteis, embora seus destinos já estejam traçados.

— Há uma chance dos intrusos que fugiram do museu virem, majestade. O que tem a dizer a respeito? - perguntou um soldado.

— Dependendo do que proporem a nós, teremos uma vantagem que deveremos agarrar com unhas e dentes. - disse Mollock, cerrando um punho. - É óbvio que os intrusos irão voltar... mas não sozinhos. Aquele caçador insolente teve a chance de me matar... mas presumo que voltará com aliados, não tenho dúvidas. Se este homem veio acompanhado de seu exército, quem sabe, talvez esteja disposto a morrer pela nossa causa, se é que a conhece. - começou a andar vagarosamente na direção antes apontada. - Os humanos amam a vida por temerem a morte. Se ele espera que seus subordinados saiam ilesos, então eu defino isto como um verdadeiro ato de coragem. E quanto aos intrusos... dependendo dos métodos, definirei como um ato suicida.

O pupilo de Abamanu passara a andar mais depressa até o morro do outro lado, a postura devidamente erguida e as mãos para trás. O que percebera um pouco tarde foi em relação à sua visão. Descobriu uma mudança radicalmente inesperada. Por alguns instantes, sentiu enxergar o tal homem bem mais de perto, como se, de repente, seus olhos tornassem-se lentes de uma máquina fotográfica. Não lhe era nada comum o fato de estar sentindo uma estranha força percorrer em suas veias junto com seu sangue. Mas seu foco estava relacionado àquele homem, unicamente naquele momento.

Ao se aproximarem da subida do morro, o líder que ostentaria grande poder vindo de um tesouro escondido rapidamente fitou o indivíduo posicionado no topo, sorrindo levemente. O homem vestia uma túnica vermelha com um capuz - que, logo ao ver seu anfitrião, o tirara, exibindo seu rosto quadrado com uma barba por fazer e cabelos castanhos penteados que reluziam à luz lunar.

Olhou para Mollock, empertigado e sério. "Finalmente estou diante dele.".

— Olá, oh grande pupilo e privilegiado de nosso senhor. - disse Michael, a voz sombria ecoando pelo espaço. - Viemos com a nobre intenção de favorecer seus intentos através de nossos planos para barrar as investidas de nossos inimigos.

— Pelo modo como diz... - disse Mollock. - ... me parece que seus interesses são os mesmos que os nossos. São os Red Wolfs que acho que sejam?

— Mas é claro que sim - afirmou Michael, sucinto. - Somos uma geração ousada, que valoriza tudo que nossos pais construíram.

— O filho de meu pai está com você? - indagou Mollock ao lembrar-se de Max... o relutante filho de Robert Loub.

— Sim, bem aqui atrás. - disse Michael, gesticulando com o polegar. - Está pouco à vontade, mas nada que um incentivo maior não possa resolver essa hesitação. Sente saudades do pai.

— Certamente ele não irá querer ver meu rosto agora, adoraria vê-lo - disse Mollock, relanceando os olhos para um lado do topo do morro, como que querendo espiar o que havia abaixo.

— Por que quer vê-lo? - perguntou Michael.

— Gostaria de compartilhar meu luto. - afirmou Mollock, adquirindo um pesar na voz. - O incentivo que eu daria com certeza seria mais efetivo.

— É mesmo? - indagou Michael, com um ar irônico. - Insinua que Robert Loub... esteja morto?

— Ele está morto. - disse, baixando a cabeça por alguns instantes. - Um caçador chamado Hector o assassinou a sangue frio. A segunda coisa que mais desejo agora é que ele sinta uma dor ainda mais infernal do que a que sinto! - ergueu a cabeça, o tom de voz raivoso.

"Hector!", pensou Michael, não escondendo sua rápida surpresa. "Então ele se vingou. Não esperava que ele fosse conseguir isto tão cedo.".

— Oh... eu... sinto muito. - disse o Red Wolf, ainda surpreso. - Me parece que você tinha vínculos com Loub, certo? - quis saber Michael.

— Parece!? - indagou Mollock, franzindo o cenho, o tom da voz rude. - Ele era meu pai! Possuo todo o direito de me sentir abalado!

— Ei, espere, vamos com calma. - avisou Michael, erguendo um pouco as mãos ao tentar não tornar o clima tenso. - Eu gostaria de saber porque afirma que Robert Loub seja seu pai.

"A sede de poder o endoideceu?", se perguntou Michael, estranhando o argumento do rei. "Como uma besta-fera como esta pode se dizer filho de um ser humano? Inconcebível, é claro.".

— Hum. - Mollock dera um risadinha zombeteira. - Vejo que está curioso sobre minha história. Mas irei conta-la de modo breve: Eu sou aquilo que as escrituras no livro de Abamanu afirmam ser o esclarecido de Cavaleiro da Noite Eterna. Robert Loub foi o precursor da profecia narrada. Parte de mim provém da primeira de suas experiências.

"Agora entendi tudo.", pensou Michael, satisfeito, fitando Mollock. "A profecia afirma que a primeira parte do esclarecido se unificaria com um ser cuja bestialidade seria equivalente à sua. É ele mesmo. Reconhece a própria natureza. A primeira quimera unificada a um demônio vindo do Tártaro, como eu havia ordenado Dwayne a fazer. Concluindo: A primeira cobaia nutria sentimentos familiares com Loub passando a vê-lo como um pai e isto se manifestou com mais intensidade depois que a fusão foi concretizada.".

— Se lhe serve de consolo... eu também estou triste pelo meu pai. - comentou Michael, fingindo um semblante tristonho.

— Hum... - grunhiu Mollock, desconfiado. - Ele morreu?

— Não. - respondeu Michael, secamente. - Está confinado em um hospício, completamente insano. Uma disfunção no cérebro com um efeito que se prolonga a cada dia... Não fui visita-lo temendo que ele não me reconhecesse mais. - tornou a olhar bem nos olhos de Mollock. - Uma coisa é certa: Ele vai morrer. A loucura vai preceder a sua ruína.

Mollock ficara em silêncio, um tanto pensativo quanto a questão. Depois, voltou-se para Michael.

— Eu discordo. - disparou ele. - Mas o tempo a meu dispor está se esvaindo e não encontro um modo de discutir isso sem perde-lo completamente. Uma pena que meu irmão não esteja em condições de me ver.

"Irmão!?", pensou Michael, franzindo as sobrancelhas. "Se Max souber..."

— Tudo bem, então. - disse ele. - Minha horda armada já está posicionada para qualquer sinal de nossos inimigos. Qualquer coisa fora do normal vista no meio do deserto a permissão para atirar está concedida. O que acha?

Mollock expressou um semblante claramente entediado, retesando os músculos.

— Enfim uma oportunidade onde eu possa confiar em humanos e seus armamentos que, na minha opinião particular, não passam de lixo. - sorrira zombeteiramente para Michael, as presas brancas sendo mostradas.

Michael o encarou friamente, mas disfarçou a insatisfação para com o comentário maldoso com um falso sorriso de canto de boca e um olhar malicioso.

— Como Grão-Mestre e adorador incondicional espero que consiga o que tanto quer. - "E que nosso deus, Abamanu, tome conta de seu corpo logo, ao contrário de você ele pode ser bem mais agradável para se conversar.", pensou ele, não admitindo a arrogância de Mollock.

— Também desejo sucesso na missão de seus subordinados. - disse Mollock. - Apesar de armas humanas não terem nenhum efeito sobre mim, eu estou esperançoso de que consigam impedir que os vermes insolentes ultrapassem a passagem para as ruínas. - virara as costas, andando calmamente em direção aos primeiros pilares decadentes.

— Não há com o que se preocupar. - garantiu Michael, relanceando os olhos para o vasto exército do rei. - No caso de uma brecha ser aberta acidentalmente, seus soldados podem evitar novos prejuízos.

Mollock estacara repentinamente ao ouvir o Grão-Mestre com atenção.

— Meus soldados não gastarão energia com meros humanos invasores. - respondeu ele, o tom severo. - O que significa que é bom que os seus homens estejam capacitados suficientemente para fazerem o que devem. Faça bom proveito dos seus para que, assim, eu poupe os meus.

"Isto por acaso foi uma ordem?", pensou Michael, desconfiado. "Mal conseguiu se tornar o receptáculo de nosso deus e já está com o focinho empinado".

— Está bem. Boa sorte. - disse Michael, virando-se para descer o morro de onde viera. Pôs novamente o capuz sobre a cabeça, ocultando parte de seu rosto.

Mollock mal escutara o desejo de boa sorte do jovem Grão-Mestre. Na realidade ouvira as palavras, mas as ignorou por pura soberba. "Sorte... Humanos e suas crenças estúpidas.", pensou, enquanto andava à frente de seu exército, esbanjando uma confiança quase impenetrável. Parecia que à medida que se aproximava da parte central das ruínas a luz da lua tornava-se mais intensa.

                                                                                   ***

Os dois herdeiros que formavam, obrigatoriamente, o legado de seus pais participando ativamente da irmandade, observavam, atentos, o horizonte negrejante ao longe, fitando, em especial, as estrelas exibidas por trás das montanhas mais distantes. Max e Dwayne pareciam um tanto afastados um do outro, mas no mesmo local: Um dos morros altos que oferecia acesso às Ruínas Cinzas. O leve e arrepiante vento atravessava seus rostos encapuzados, fazendo farfalhar suas túnicas vermelhas. O ar esfriava consideravelmente a cada minuto. Ambos ouviram passos por trás... era Michael retornando. Dwayne virou-se para ele, enquanto Max permaneceu imóvel e nada à vontade no meio daquela loucura. O Grão-Mestre, no entanto, ignorou a presença de Nevill, passando por ele como se o tratasse como um fantasma. Foi direto à Max falar em particular com ele.

— Max. - chamou ele, quase aos sussurros. - Acabei de falar com ele.

O primogênito de Robert Loub se virou lentamente, ajeitando seus óculos e baixando o capuz da túnica. Seus cabelos castanhos semi-espetados se revelaram e seu rosto alvo e de aspecto leve também, sempre mantendo o arquétipo de gênio ou "garoto mais aplicado da classe, alvo de valentões e rejeitado pelas garotas". Não era nada difícil reparar na cicatriz próxima à sua têmpora esquerda, decorrente de um golpe dado por Mollock quando este invadiu a mansão de Robert Loub.

O rapaz não entendeu de início e fez cara de estranheza.

— Ele quem?

— Ora, não se faça de desentendido. - redarguiu Michael, a voz cada mais soturna. - Se estivesse prestando mais atenção na nossa missão saberia que eu estava falando com ninguém menos que o pupilo de nosso deus. - deixou um formar um sorriso sinistro. - Ou eu deveria dizer... seu irmão.

Max franziu ainda mais as sobrancelhas, novamente ajeitando os óculos de armação preta.

— Meu irmão!? - indagou, confuso. - Do que você...

— Tudo bem, Max, eu irei poupa-lo de histórias longas. - disse Michael, esquivando-se da pergunta.

— Nada disso. - o rapaz assumiu um tom desafiador e sério. - Me diga o que isso significa, agora.

Michael dera um suspiro pesado, o ar frio da noite saindo de seus pulmões. Devagar, aproximou-se de Max segurando-se para não se exaltar.

— Max, quantas vezes eu devo lembra-lo de quem tem a autoridade aqui? - inclinou-se para ele. - Hoje é um dia mais do que especial e não admito mais suas petulâncias.

— E eu estou cansado dessa loucura. - disse Max, fuzilando-o com os olhos. - Aquele monstro falou com você, então com certeza falaram do meu pai. - semi-cerrou os olhos. - Onde ele está?

Michael mordeu os lábios, assentindo levemente com a cabeça, tentando manter a calma.

— Seu pai... Max... infelizmente, morreu. - disse, sem rodeios. - Eu sinto muito.

— Não sente nada! - vociferou Max.

Em um rápido movimento, Michael sacou uma adaga reluzente saindo de uma das mangas de sua túnica. Posicionou, em uma fração de segundos, o objeto a pouquíssimos centímetros da garganta do rapaz, logo pressionando sua mão contra a boca dele. Max pôde ver os dilacerantes olhos do Grã-Mestre o fulminarem de raiva.

— Como ousa... Como ousa se dirigir assim a seu mestre!? - perguntou Michael, não parecendo hesitar em fazer um profundo corte na garganta de Max. - Guarde esta fúria para quando o grande momento chegar. Você terá bons motivos para liberar sua dor. Não é a mim quem deve odiar, mas sim ao assassino de seu pai!

Mesmo sem poder falar, Max aparentava não estar nem um pouco intimidado. "Vamos lá, me corte, seu covarde. Espero que morra com todos esses miseráveis!".

Michael prosseguiu:

— Só basta esperamos mais um pouco... até que eles cheguem e aí sim... aí você verá o rosto do assassino de seu pai. O mesmo homem que eu chamava de amigo. O mesmo homem que teve a família ameaçada por seu pai. O mesmo homem que seu pai chantageou para que o sacrifício da filha do herege se realizasse. O mesmo homem que deveria estar aqui... junto a nós, mas recusou seu legado e preferiu nos contrariar. É contra ele que você deve lutar, Max! Será que deu pra entender?

O jovem não teve outra saída a não ser assentir positivamente. Convencido, Michael retirou a suada palma de sua mão da boca de Max e afastou a lâmina da adaga do pescoço do irmão Red Wolf.

— Assim que se faz. - disse ele, guardando a arma na manga e prendendo-a numa espécie de fecho especial. Este fecho, por sinal, se rompia quando o usuário da túnica balançava levemente seu braço e o objeto que estava guardado caísse na mão. Ao contrário do que os recrutados pensavam, a fecho não se inutilizava, sendo sempre rompido e usado novamente.

Max limpou sua boca e cuspiu ao encarar Michael odiadamente.

— Vingar meu pai, à essa altura, é inútil! - disse ele, afastando-se do Grão-Mestre.

— Você não o fará. - afirmou Michael, categórico.

Max franziu o cenho novamente.

— O quê!?

Michael, adquirindo uma postura condescendente, andou em direção à ele tranquilamente. Pôs uma mão no ombro do jovem prodígio.

— Temos contas a acertar. - salientou. - Portanto, eu vingarei Loub... por você, Max. É inexperiente e imaturo demais para lidar com algo assim pela primeira vez. Quando eu conseguir sua vingança, me prometa que irá superar isso de modo que nós dois possamos construir um vínculo mais profundo. - deu uma piscadela para ele com um sorriso forçado. - E então? Confia em mim agora? Percebe que temos um inimigo em comum? Sim... consigo ver no seu olhar. - dizia ele, em claro tom manipulador.

Max permaneceu a encara-lo, enojado. Assentiu com um "não" levemente e forçou um sorriso irônico.

— O que você realmente quer Michael? Agir como se fosse meu pai enquanto age como um monstro?

Um silêncio pesado recaiu sobre os dois. Sem obter resposta de Michael, Max dera uma rápida risada e lhe deu as costas andando para uma parte do morro.

— Foi o que pensei. - disse ele, por fim, se afastando.

"Seu pai também era um monstro, seu filho de uma...!". O Grão-Mestre reprimiu um urro de fúria, canalizando todas as suas frustrações para seus punhos cerrados e trêmulos. O filho de Robert Loub acabara de cala-lo com uma questão que lhe atravessou como uma lança arremessada por um oponente julgado fraco.

Mais à frente, a alguns metros abaixo, escondidos em rochas enormes praticamente empilhadas, estavam eles... homens perversos e gananciosos capazes de matar visando um único bem material. Um deles até pensava: "Se eu for um dos poucos sobreviventes, pelo menos vai sobrar menos gente pra quando a grana for dividida. Se eu for o único... fico com tudo pra mim, he-he, fodam-se esses otários!".

Tal como felinos selvagens que espreitam furtivamente à espera de suas presas, assim estavam eles... quase invisíveis escondidos naquelas pedras, empunhando metralhadoras de alto poder destrutivo, espalhados por toda a extensão que cobria a passagem mais curta para se chegar às Ruínas Cinzas.

CONTINUA...


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