Perdas e Ganhos escrita por Lucca, alegrayson


Capítulo 24
Feridas Silenciosas


Notas iniciais do capítulo

Roman está se recuperando no hospital junto à Patterson, mas o diálogo entre eles pode reabrir antigas feridas. Enquanto isso, Kurt luta para livrar Remi da prisão.

Boa leitura.



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Relembrando o final do capítulo anterior:
O casal estava deixando o hospital quando se viu rodeado por agentes da CIA e da ASN.
— Jane Doe? Precisamos levá-la sob custódia para averiguações.
Weller se colocou imediatamente à frente da esposa enquanto ela olhava desesperada para ele.
— Ela não vai a lugar algum.”


Kurt deu sequência a uma oposição ferrenha aos agentes da CIA e ASN. Verificou os mandatos, argumentou de forma nada gentil. Remi permaneceu calada. Ela sabia que qualquer coisa que dissesse poderia piorar sua situação. Felizmente, Reade e Zapata apareceram reforçando a oposição de Weller:
— O caso Jane Doe e tudo que se refere a ele está sob jurisdição do FBI. Apesar de termos organizado uma força tarefa conjunta, Jane especificamente, é uma agente do FBI agora. Então, se averiguações sobre as suspeitas são necessárias, isso será feito por nossa agência. Ela vai conosco. – Reade foi enfático.
Chegando ao SIOC, foram direto para o escritório de Reade para verificar detalhadamente as acusações. Assim que entraram, todos se preocuparam em acomodar Remi em uma das poltronas e pediram para Brianna trazer água. Ela garantiu que estava bem, mas continuou calada, apenas ouvindo o que a equipe tinha a dizer. Reade enumerou:
— “Suspeita de envolvimento recente com forças terroristas; suspeitas de planos para libertar Roman e Shepherd; ataque a agentes da ASN; suspeita de assassinato de Blake Crawford.” É uma lista extensa.
— Tem algo muito errado nisso tudo. Sabemos que Remi não fez nada disso. Precisamos esclarecer tudo logo e acabar com essa palhaçada. – Weller parecia focado, mas Reade sabia que, mais que nunca, as emoções o impediam de enxergar todas as facetas daquelas acusações.
— Eu e Patterson estávamos lá. Combinamos de dizer que eu estava com ela quando tudo aconteceu. Mas sequer me chamaram para depoimento. E nem preenchemos os relatórios. É um absurdo a acusação sobre a morte de Blake está nesse rol! – Zapata estava enfurecida. – Liguei para o Keaton. Ele está vindo para cá.
— Ótimo. Precisamos de aliados. Eu estou tentando falar com Nas, mas ela está fora de área. Já deve estar sabendo e tentando se articular com seus superiores para desfazer esse mal entendido.
— Melhor não esperar nada dela. Eles estão todos juntos quando o assunto é fazer minha cabeça rolar.
Reade e Tasha se entreolharam percebendo que havia algo ali que Remi não tinha compartilhado com a equipe. Weller disse:
— Nas é nossa aliada, Remi. Tenho certeza que ela vai nos ajudar. Por favor, só tente manter a calma.
— Você age como um idiota quando o assunto é essa mulher.
— Ei, esperem um pouco. Ciúmes de casal a parte, tenho que perguntar uma coisa: Remi, você teve algum contato com Nas fora daqui ou com outros agentes da ASN?
Remi revirou os olhos e virou a cabeça no sentido oposto aos olhares dos amigos sem dizer nada.
— Precisamos saber de tudo para podermos te ajudar, Remi. Somos uma equipe. – Reade argumentou, mas ela permaneceu imóvel e calada.
Weller passou a mão pelos cabelos e esfregou a nuca. Respirou fundo e deu dois passos para se colocar na sua linha de visão:
— Remi, você escondeu algo de mim? Alguma dessas suspeitas tem qualquer fundamento? – ele tentou dizer num tom calmo, mas seu coração pulsava com batidas violentas no seu peito antecipando respostas desagradáveis.
Remi respirou fundo e se ajeitou na cadeira:
— Nas foi até minha casa segura e convidou para acompanhá-la para uma “conversa” que esclareceria algumas coisas. Ela sabia que eu era Remi. Chegando lá, propôs um interrogatório. Mas não era um polígrafo comum. Mudei de ideia. Ela não aceitou. Acabei precisando forçar minha saída de lá.
Todos na sala bufaram decepcionados por ela esconder isso deles.
— Quando foi isso? - Tasha questionou.
— No dia em que descobri a gravidez. Eu disse a vocês que tinha sido um assalto.
— E as outras acusações, Remi? – Reade insistiu.
Ela explodiu:
— Eu acordei e não sabia quem vocês realmente eram. Meu irmão estava preso lá embaixo e se a CIA o levasse... – ela precisou parar para puxar o ar. – Shepherd poderia me levar a Avery. Eu precisava deles.
— O exatamente você fez? – o tom de Kurt já estava tomado de tensão e dor agora.
— Eu fiz alguns contatos, só isso. Meu principal objetivo e soltar Roman. Shepherd seria um plano B se necessário. Consultei pessoas. Projetei recursos humanos e financeiros. Era tudo que eu podia fazer no momento. Não passou disso, eu juro. – e olhou diretamente para os olhos de Kurt - Então fui conhecendo melhor você, e deixei tudo isso de lado.
Kurt fechou os olhos por alguns instantes tentando recuperar sua racionalidade, mas parecia inútil.
— Pena que você continuou não confiando em mim para me contar tudo isso.
Remi voltou a se fechar diante disso. A única estratégia que ela conhecia para se proteger da dor era o ataque:
— Eu não fui a única a ocultar a verdade nessa história, Weller. Você não contou que éramos casados, não contou sobre nossa trajetória juntos, sequer me contou sobre Avery!
— Eu só estava tentando te proteger...
— E eu também! Estava tentando me proteger e conseguir de volta a minha família! – Remi disse seca e áspera.
— Ei, calma gente! – Tasha entrou na discussão tentando acalmar o casal – Vocês dois tiveram seus motivos para fazerem o que fizeram. Agora temos que pensar em como contornar tudo isso aqui.
Reade saiu da sala para falar com Weitz por telefone. Voltando pouco depois.
— Weitz não está feliz com tudo isso. – Reade passou a mão pela testa. – Ele insiste em manter Remi sob custódia durante as investigações... Mas concordou em deixa-la aqui mesmo no SIOC, na cela de Roman.
Weller socou a parede ao seu lado. Remi se afundou na cadeira.
No hospital – quarto de Roman
Já fazia algumas horas que Roman havia dado entrada no hospital. O tiro dado por Blake, a mulher que um dia ele amou, provocou feridas profundas em seu corpo e alma. Contrariando os laudos médicos, a cirurgia para a extração da bala foi um sucesso. Pena não ser capaz de arrancarem a dor de seu coração.
Patterson sabia de tudo isso e o observava de longe, enquando ele repousava, ainda sedado. Parecia tão forte e também tão vulnerável naquela cama. Ela sabia que as sequelas emocionais exigiriam tempo e amor para serem superadas. Desejava que ele acordasse logo e que seu olhar demonstrasse que ele daria espaço a ela para ajudá-lo nessa superação. Estava disposta a oferecer tudo que tinha: de palavras amiga a entregar-se física e emocionalmente a ele.
O tempo parecia não passar e a angústia dela acompanhava o longo trajeto que percorria em sua mente. Querendo ou não, a conversa não seria muito agradável, era inevitável.
A ociosidade a levou por lembranças e reflexões. Como as coisas ficaram tão sentimentais para ela? Ela não conseguia identificar o ponto de ruptura que a levou a essa paixão.
Os seus pensamentos foram interrompidos com aquela voz ao fundo:
— Patterson? Como é bom te ver aqui...
Ela se vira e o encontra a olhando fixamente.
— Estou aqui desde o final da cirurgia, mas você ainda estava dormindo. Como está se sentindo? Alguma dor?
— É, dá pra sentir o quando a cirurgia foi intensa. Achei que nada podia doer mais que uma traição. - ele desabafa se acomodando devagar na cama.
— A pior parte é se sentir assim.. O vazio, a culpa e sem saber onde foi que erramos. Sei bem como é. Já passei por isso uma vez... Mas acho que você sabe.
Roman se ajeita mais uma vez antes de a olhar fixamente mais uma vez, dessa vez de um jeito mais sério:
— Borden...
Patterson se aproxima e se senta na beira da cama. Falar sobre aquilo nunca era confortável, era uma tortura. O tempo não foi suficiente para sarar aquela dor ao relembrar a traição do passado vindo da pessoa em quem ela mais confiava.
— Sim, Borden. Eu demorei...- a voz dela falhava com as lembranças. - Eu realmente demorei a superar. Uma traição vindo de quem a gente ama e confia é um soco no coração, ás vezes parece que nunca vai passar.
O tempo parecia que havia parado naquele momento no hospital para aquela conversa. Ouvir Patterson se abrindo, expondo sua dor, para consolá-lo, tocou fundo o coração de Roman. Ela era corajosa e tão solidária por estar ali por ele, justo ele, um dos mentores do plano que dilacerou o coração dela. A cada palavra trocada, a cada olhar compartilhado, a relação deles foi se fortalecendo. Os dois tinham tanta coisa em comum agora e tornava tudo tão mais admirável e coeso.
— Por muito tempo, senti como se essa dor não fosse passar... as cicatrizes me lembravam dia a dia de tudo. Eu mudei de casa várias vezes. Deixei o FBI, comecei uma carreira nova no Vale do Silício. Mas a dor me acompanhava. - Patterson segurava sua mão ainda com os acessos de medicamento.
— Ela falava que me amava. E eu acreditei e sonhei uma vida para nós. Cheguei a me iludir achando que ela não era a realmente a mentora de tudo aquilo. Que escolheria ser feliz ao meu lado. Era tudo mentira. Blake só queria me usar. É tão difícil admitir que é fácil demais ser enganado quando se ama. – E olhou suplicante para ela – Shepherd sempre nos dizia que o amor enfraquecia as pessoas. É verdade, então?
— Não, não é verdade! Roman, eu sei exatamente como se sente. Não posso te garantir que em pouco tempo isso vai passar, porque não vai. É um processo longo e contínuo, demorado.
As lágrimas escorrendo do rosto dele falavam por si só. Ele estava emocionalmente machucado. Ela estendeu a mão e acariciou seu rosto:
— Existe algum jeito de tornar isso mais fácil? – ele perguntou.
— Talvez. Se você encontrar alguém que valha realmente a pena...
De repente, ela se sentiu exposta e insegura. Num súbito, decidiu se levantar e se afastar um pouco. Mas se desequilibrou e acabou se apoiando nele que soltou um gemido de dor:
— Ai, meu Deus, me desculpe. Eu não queria... – disse constrangida.
A fisionomia dele estava contraída pela dor mas ele também sorria pela primeira vez desde o começo da conversa.
— Acho que pessoa certa é capaz de me fazer sorrir mesmo com muita dor física e emocional... – ele disse entre gemidos.
Ela sorriu também e disse:
— Roman, eu estou aqui por você, sempre estarei. Mesmo que você só me queira como amiga agora.
O olhar dos dois se cruzou. Por instantes era só o que importava. Nada mais precisava ser dito quando o coração falava.
Finalmente ele estava entendendo o que fez Remi escolher essa equipe. Ele se sentia amado verdadeiramente quando estava com ela.
Patterson se aproximou da cama e levou suas mãos aos rosto dele:
— Eu preciso mesmo ir. E você precisa descansar.
— Eu já dormi muito... você precisa mesmo ir? Eu odiaria pensar que você ainda tem medo de mim...
— Tenho que fazer muitos relatórios sobre tudo que aconteceu. Mas eu volto no horário de visita. Eu prometo. Não vou fugir.
— Eu espero contando os minutos.
Eles se separaram, mas nunca se sentiram tão unidos. Aquela conversa serviu para plantar neles definitivamente a esperança no amor. Desta vez, um de verdade.
Cela do SIOC
Enquanto isso, Remi era deixada em sua nova “acomodação”. Weitz vetou qualquer tipo de adequação na cela. Ela teria o mesmo tratamento que qualquer outro prisioneiro. Como sempre, ela parecia fria e inatingível. Reade e Tasha deixaram a antessala da cela para dar ao casal um pouco de privacidade.
Weller procurou por palavras, mas não as encontrou. Remi sondava o restrito espeço da cela com os olhos sem se mover. Identificou as duas câmeras de monitoramento e decidiu não dar a ninguém motivos para vê-la como fraca.
— Então, é isso. – Kurt disse, visivelmente abalado por tudo aquilo. – Eu vou fazer tudo que puder para provar sua inocência.
Ela só assentiu com a cabeça.
— Eu vou indo... – ele disse – preciso trabalhar nisso. – e deu as costas para sair da sala.
— Kurt...
Ele parou quase não acreditando no tom suplicante e desesperado da voz dela. Se virou imediatamente apesar de saber que não estava preparado para nada que ela dissesse:
— Eu... eu sinto muito. – ela disse com a postura firme, mas a voz embargada pela emoção. – Eu devia ter confiado em você e te contado tudo. O erro foi meu e só meu. E tudo que fiz estava errado: o plano de Shepherd, a forma como manipulei você. Você é a melhor pessoa que já conheci. Se eu pudesse mudar o passado...
Ele se aproximou do vidro e colocou sua mão lá desesperado para poder tocá-la. Tantas vezes, desde que Remi voltou, ele disse a si mesmo que se fosse possível fazê-la ver além da doutrinação de Shepherd, nunca seria possível fazê-la entender a extensão de seus erros. E agora ali estava ela: impávida e colossal por fora, mas quebrando-se por ele, demonstrando um amor que só Jane parecia sentir.
— Nós vamos consertar tudo isso, eu prometo.
Ela se aproximou do vidro também e colocou a mão junto a dele.
— Eu sei que você fará muito mais que o possível. – havia tanto amor no olhar dela, tanta empatia. – Só não se culpe por nada, por favor. – e sussurrou – Eu te amo.
Instintivamente, os dois recostaram suas testas no vidro e ficaram ali, sentindo o calor de um sentimento que não se intimidava pelo frio do vidro que os separava.
As próximas 3 semanas foram difíceis demais para o casal. Manter Remi presa no SIOC se tornava cada vez mais insustentável. Nas não respondia às inúmeras mensagens de Kurt. Keaton alegava que as provas os deixavam de mãos atadas. Weitz argumentava que todos os acordos do FBI foram com Jane e não com Remi. Zapata manteve-se firme no seu depoimento.
A estratégia do team era insistir no óbvio: Remi é Jane. Nos interrogatórios, Reade focava em questões em torno das lembranças que sabia que ela tinha ou então de acontecimentos que ela, apesar de não lembrar, sabia de cor e salteado a sequência de eventos. Com isso, iam arrastando o impasse entre as agências no tempo. Um interrogatório na CIA ou na ASN seriam muito mais violentos, então também usaram a gravidez a seu favor.
Roman deixou o hospital em dez dias. Recebeu sua liberdade e novos documentos com sua identidade original Ian Krugger para dissocia-lo do grupo terrorista Sandstorm. Como ainda estava em recuperação, Patterson o acolheu em seu apartamento para mantê-lo ao alcance de seus olhos. Ela disponibilizou todos os seus sobre o caso Jane Doe para ele auxiliá-los na busca por uma forma de inocentar Remi.
Remi foi totalmente colaborativa com a equipe. Mas era visível seu desconforto na cela. Com a gestação já avançando no terceiro trimestre, era difícil descansar naquela cama fria e dura. O único lugar para sentar era o chão. Os amigos trouxeram alimentos escondidos como frutas, sopas, pães. Ela agradecia e realmente se esforçava para se alimentar adequadamente, mas após poucos bocados era obrigada a parar para não vomitar. Dia a dia foram percebendo que seu quadro se agravava. Os exames mostraram a anemia crescente e outras alterações mais leves. Entretanto, nada parecia sensibilizar as agências concedendo prisão domiciliar.
Kurt a visitava quatro vezes ao dia. E dizer “até mais” se tornava pior a cada encontro. Troca de toques e carinho só foram possíveis durante às visitas ao médico. Nesses momentos, ele procurava demonstrar tudo que sentia e que suas meninas não estava sozinhas.
A trigésima primeira semana de gestação estava na metade naquela manhã de terça-feira. Ele apertou o botão liberando a fechadura da antessala da cela de Remi desejando de todo coração que ela estivesse melhor que na noite anterior quando a deixou.
Assim que a porta se abriu, pode vê-la. Ela estava com uma mão apoiada na parede de vidro da cela e a outra nas costas. Seu rosto estava muito pálido e coberto de suor. Seu olhar apavorado e suplicante esperando por qualquer pessoa que entrasse naquele momento. Kurt não precisava de palavras pra entender o que estava acontecendo.


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Notas finais do capítulo

Estamos entrando na reta final dessa história. Continuamos abertas à sugestões e críticas. É só nos contar com um comentário.
Obrigada pela leitura.



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