LUTO

O tempo se arrastou de forma amarga na semana que se seguiu e a cada conversa com os médicos responsáveis, ouvir que o quadro estava “estável” trazia uma gota de esperança.

Aos poucos sinais de melhora foram aparecendo, surpreendendo a todos. Eram discretos, mas significativos, principalmente para Kurt. A preocupação só retornou quando, após a redução dos sedativos, Jane não recuperou a consciência. Os exames mostravam a redução do edema cerebral, mas era impossível detectar através deles os danos mais profundos que aquele traumatismo craniano poderia ter causado.

Nova espera e um esforço sobre-humano na busca por esperanças.

Kurt estava em casa, terminando de se aprontar para uma passada rápida pelo SIOC e, por fim, a visita cotidiana com os breves minutos que podia ficar junto de Jane. Repetia pra si mesmo que não desistiria dela e que saberia esperar sua recuperação pelo tempo que fosse necessário. Foi quando seu celular tocou sobre o balcão da cozinha exibindo na tela a palavra “hospital”.  Esperança e medo deixaram seus dedos trêmulos escorregarem na tecla ao atender:

— Weller.

— Bom dia, Sr. Weller. Sua esposa recobrou a consciência, mas está muito agitada. Precisamos da presença do senhor com urgência.

— Já estou saindo de casa. Em minutos estarei aí.

Kurt nunca antes tinha usado sua sirene para um assunto pessoal, mas o momento foi mais forte que ele. Ele precisava chegar, precisava mostrar que estava ali para ela, que não tinha desistido e olhar a vida fluindo daqueles olhos verdes que eram sua fonte de felicidade.

Se apresentou rapidamente na portaria. A recepcionista ficou admirada do quanto o sorriso que ele trazia no rosto o havia rejuvenescido.

Ao entrar na UTI, seus olhos a alcançaram instantaneamente . Cercada por enfermeiros, ela parecia confusa e irritada. Ele se aproximou rápido querendo transmitir-lhe segurança o quanto antes. Os enfermeiros abriram espaço para a aproximação. A agitação dela cessou imediatamente e seu olhar seu fundiu ao dele.

— Janie, bem vinda de volta. Está tudo bem agora. Eu sabia que você conseguiria._ o sorriso certificava a felicidade que ele sentia.

Ela não respondeu, continuou estagnada olhando pra ele. Havia algo diferente em seu olhar, parecia tentar sondá-lo como quem quer decifrar um código. Então, ele tentou levar a mão até o rosto dela para afastar aquela mecha que sempre insistia em cair sobre seus olhos enquanto dizia:

—Como você está se sentindo?

Num gesto rápido, ela segurou a mão dele antes de terminar seu caminho:

— Não encoste suas mãos em mim!

— Janie, está tudo bem.  O pior já passou...

— Quem é Jane? E quem é você?_ ela disse apertando o punho dele com violência.

Kurt ficou sem ação por alguns momentos e procurou explicações olhando para a equipe ao seu redor. Todos pareciam não compreender. Quando seu olhar voltou para Jane, ela estava novamente agitada, tentando se levantar e se livrar das ligações intra-venosas.

A equipe foi rápida ao aplicar um leve sedativo para contê-la. Quando a mão dela afroxou em seu punho, Kurt a segurou e beijou. Ele não entendia o que estava acontecendo, mas iria ajuda-la a superar mais essa.

Após o sono breve, ela reacordou lentamente. O instinto de auto-proteção logo a fez vasculhar tudo ao seu redor e novamente parou e se concentrou nele.

—OI. _ Kurt disse sem arriscar um nome._ Você está segura aqui no hospital. E está melhorando rápido.

Ela olhou para os próprios braços, verificando as tatuagens e se voltou para ele novamente. Então estreitou os olhos e disse:

— Weller?

Kurt sorriu .

— Sim. Você se machucou, bateu forte a cabeça. Se lembra de mim?

— Você é um agente do FBI..._ respondeu enquanto seus olhos voltavam a vasculhar o local.

— Você se lembra de seu nome?

Ela ficou paralisada por alguns segundos, depois voltou a observar as tatuagens em seus braços e disse relutante:

— Taylor?

Kurt respirou fundo.

— Você não é Taylor e sabe disso. Você se lembra quem você é?

Ela olhou para ele com confiança e sentiu que podia dizer a verdade.

—Remi Briggs.

Não era apenas um nome. As reações, a postura, o olhar. Definitivamente não era Jane ali.

Nos dias que passaram , novos exames foram realizados e o diagnóstico da equipe de médicos e psicólogos parecia certo:

— Foi detectada uma lesão no cérebro que está causando essa nova amnésia. Ela não se lembra de nada após o ZIP.  É preciso reintroduzir as informações com cautela, evitando aquelas que podem causar maiores impactos já que a trajetória dela foi tão anormal. No momento, você parece ser a única pessoa em quem ela demonstra confiança, apesar de parecer profissional. Quebrar isso pode romper o único vinculo que ela tem e desencadear algum processo pré-esquizofrênico. Ela está bem e poderá levar uma vida normal se não causarmos choques emocionais por agora. Infelizmente, o quadro amnésico parece irreversível.

Diante do prognóstico, Weller junto com os médicos, decidiram que algumas informações deveriam ser omitidas nesse momento: os meses no black site da CIA, o casamento dos dois, Avery e todos os problemas com Roman.

Kurt observava enquanto Remi terminava de arrumar suas coisas para que ele a levasse à sua nova casa segura. Era ela ali, a mesma mulher, os mesmos olhos, o mesmo fogo vindo do seu interior. Entretanto, não era ela. Não era mais a sua esposa. Não era mais sua Jane. E ele foi tomado por uma forte sensação de luto. Jane Doe estava morta.