Perdas e Ganhos escrita por Lucca, alegrayson


Capítulo 11
Conexões decisivas


Notas iniciais do capítulo

Como nosso casal reagiu à notícia sobre seu pequeno pacote de felicidade? Bem, terei que usar a frase de Weller: é complicado...
Boa leitura.



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Remi recebeu a “feliz notícia” do médico da forma fria que marcava sua reação costumeira a tudo que se referia a sua vida pessoa e profissional. Acompanhou da mesma forma a ultrassonografia e o prognóstico otimista que se seguiu.  Segurou a foto do ultrassom sem olhar objetivamente para ela, agradeceu a atenção da equipe médica também sem demonstrar real gratidão. Na saída do hospital, seus instintos a empurraram para as escadas. Ficar confinada no pequeno espaço de um elevador não era uma opção naquele momento. Ela precisava pensar.

A cada degrau ecoava em sua cabeça sons que ela não era capaz de organizar cronologicamente: o coraçãozinho batendo, o choro. Ela devia ficar feliz ou então sistematizar um plano para lidar com isso agora, mas só o que sentia era uma bagunça em seus pensamentos e sentimentos.

Ao alcançar o andar do SIOC, ela se deteve na porta de acesso, levou a mão até a barriga. Lembranças vívidas do momento em que despertou e viu o berço de Avery vazio vieram fortes, causando uma leve tontura. Ela se recostou na parede lateral e encheu os pulmões de ar buscando o autocontrole. Com as duas mãos sobre a barriga agora, sussurrou:

— Hei, vai ficar tudo bem. Eu prometo. _ ela acariciou a própria barriga com o polegar e sorriu sentindo um certo alívio. A sensação durou pouco e uma nova inquietação a tomou: _ Avery!

Ela tinha que colocar seu mundo em ordem e faria de tudo por seus filhos. Sim, ela não tinha só esse bebê. Ela tinha Avery também! No turbilhão dos acontecimentos daquele dia, Remi tinha deixado escapar essa necessidade urgente: procurar sua filha. Então, retomou a descida das escadas rumo à garagem.

Lance após lance de escada, Remi relembrou as conversas da noite anterior com a garota. Todo o diálogo fazia muito mais sentido agora. Sua filha era uma garota corajosa e determinada. Teimosa e ousada também. Isso a encheu de orgulho. Uma euforia foi tomando conta dela.

“Kurt... ele cuidou dela esse tempo todo!” A gratidão foi crescendo em sua alma, resgatando parte da confiança perdida desde a conversa com Nas.

Já na garagem, antes que alcançasse seu carro, se deparou com Avery chegando ao prédio. A forma como a garota bateu a porta do veículo mostrava sua irritação. Remi se aproximou pela lateral:

— Avery. Olá...

A garota se assustou. Não era exatemente ali na garagem que pretendia encontrar Remi.

— Oi. Eu vim falar com Weller._ disse assumindo uma postura altiva._ Você está saindo?

— Não... ou sim. Eu acho que nem sei... Weller está no SIOC. Mas será que você teria um tempo para uma conversa comigo?

—  E você quer conversar sobre o que?

Remi colocou o cabelo atrás da orelha procurando uma forma de introduzir o assunto, então olhou para a foto do ultrassom que estava em sua outra mão. Tentou usar toda uma carga de docilidade que ela desconhecia ser capaz de colocar na voz:

— Família..._ e estendeu a foto para a filha.

Avery se aproximou e pegou a imagem.

— De quando é isso? _ perguntou um pouco confusa, buscando informações.

— É de hoje. Eu acabei de sair de lá. Ainda estou assimilando tudo isso...

— Você já contou sobre isso para Weller?

— A... ainda não. Eu só peguei o exame e desci as escadas. Queria pensar...

— Pensar o que? Você não pretende interromper essa gestação, né?

— Não! Não é isso...

— Quem é o pai, Remi?

A chuva de perguntas que Avery despejou fez o estômago de Remi revirar novamente. Mesmo assim, ela se esforçou em responder de forma gentil, tentando alcançar a filha pela empatia:

— Bem, eu não sei...

— Meu Deus! Como você pode fazer isso? Sequer sabe o nome do cara... ou é uma questão sobre a quantidade de caras que você dormiu?

Avery empurrou a foto de volta na mão de Remi.

— Você não pode sair por aí fazendo filhos e depois os abandonando, sabia?_ a garota explodiu. _ Weller está preocupado com você. Ele deixou a própria vida de lado por você. Você só me decepciona.

No andar do hospital

A porta do elevador se abriu e Weller saiu numa busca desesperada por Remi.  Assim que soube que ela já havia saído, concluiu que as escadas seriam seu destino obvio. Ele optou por voltar ao elevador como uma forma mais rápida de alcançar o SIOC.

Em sua cabeça, as estratégias se organizavam de forma totalmente emocional.  Ele admitiria seus sentimentos, contaria sobre os dois, diria que os dois haviam sonhado com aquele bebê.

Após uma procura rápida que mostrou que Remi não estava ali, foi para as escadas. Subiu e nada. Iniciou a descida. Três lances de escada depois sua estratégia já não parecia tão boa. Tanta coisa tinha acontecido desde quando fizeram planos para aquele bebê. Tanta coisa tinha acontecido só no dia de hoje... Talvez fosse melhor uma abordagem menos emotiva, mas determinada em mostrar seu apoio incondicional.

Ele continuou descendo. Mais alguns lances da escada e se questionava se deveria dar espaço a ela. Se Remi estava tentando sair do prédio é porque queria um tempo sozinha... Talvez fosse melhor só ligar pra ela e se disponibilizar para uma conversa deixando que ela decidisse qual o momento mais oportuno.

“Não. Eu preciso vê-la pra confirmar se ela está bem.”_ A lembrança dos acontecimentos mal esclarecidos daquela manhã foi fundamental para retomar sua decisão de encontrá-la.

Ao abrir a porta de acesso à garagem, ele se deparou com Jane e Avery. A garota já parecia bem exaltada:

— Avery, você não me conhece pra tecer esse tipo de comentário.

No SIOC

— Reade, o que aconteceu com nossa equipe?

— Olha, Tasha, temos que sentar e conversar seriamente sobre a função de cada um aqui. Eu também estou um pouco perdido com o novo rumo das coisas após a volta de Remi.

A latina revirou os olhos.

— Eu não estou falando no sentido organizacional, Gênio. Estou perguntando sobre ausência de todos eles aqui no escritório nesse momento. Patterson saiu pra resolver um assunto pessoal, Weller evaporou e Rich simplesmente não responde minhas mensagens.

— Weller foi chamado no hospital, mas me garantiu que Remi estava bem. Rich não responder suas mensagens não é uma novidade. Você sabe que ele gosta de te provocar. Mas Patterson se ausentar do laboratório para resolver um assunto pessoal realmente me preocupou. Você sabe onde ela está?

— Não faço ideia. Disse apenas que voltava logo. Mas já excedemos até o tempo de referência pra quando ela diz que vai demorar. Se Rich assumisse o laboratório, eu poderia verificar se está tudo bem com ela.

— Então, faça isso.

— Estou tentando, Senhor Assistente de Diretor, mas nosso consultor só me ignora, tá lembrado? Talvez se você exigir a presença dele, Rich entenda que o FBI não é uma brincadeira como seus casos sexuais.

— Vou fazer isso agora. E, Tasha, quanto mais você bate de frente com Rich, pior a situação fica. Tente relaxar e ser mais receptiva a ele.

— Você está tirando uma com a minha cara, né? Pode esquecer.

Nesse momento, outro agente se aproxima avisando que um atirador estava causando pânico num parque do Queens.

—Vamos, Tasha.

— Não, eu vou com os outros agentes. Você fica aqui e tenta localizar o resto da equipe. Preciso de backup nos comunicadores, convença o Sr. DotCom a assumir sua função!

— Tasha, tome cuidado.

Ela respondeu com uma piscadinha e saiu. Reade chamou o número de Rich enquanto ria por pensar que Tasha tinha uma séria dificuldade em aceitar a a hierarquia entre eles.

De volta à garagem

Kurt parou ao ver a discussão entre Remi e Avery.

— Avery, você não me conhece pra tecer esse tipo de comentário.

— E nem quero te conhecer, Remi. Você vem me contando isso com um sorriso no rosto! Eu te achei fria ontem, mas agora tenho a certeza que isso foi eufemismo. Você não é capaz de amar ou se importar ninguém! Coitada dessa criança...

O sangue de Remi ferveu. Mesmo querendo fazer de tudo para se reaproximar de Avery, ela não permitiria a garota falar dessa forma com ela.

— Você não me conhece. Você não sabe da minha vida ou sobre todos os acontecimentos que orientaram cada uma das minhas decisões. Eu posso não me comportar da maneira como você espera, mas você também não tem o direito de falar assim comigo. _ perdendo parte de seu autocontrole, os anos de treinamento de Shepherd que a ensinaram a canalizar todos os seus sentimentos apenas através da raiva, sua voz se tornou muito mais fria e cortante_ enquanto você pode passar a infância com sua família feliz e com seus brinquedos caros, eu tive que sobreviver num orfanato onde matar era a principal brincadeira. Enquanto você viajava pelo mundo com sua mãe, a minha me transformava numa arma perfeita para executar seus planos. Enquanto você se preocupava com qual das suas muitas roupas deveria ir à escola, eu tive que lutar com a minha mãe pelo direito de te trazer ao mundo.

— Só pra me abandonar depois... Já pensou que eu poderia ter preferido morrer do que nascer de você?

— Eu não abandonei você! Eu fui fraca... foi um parto difícil, eu lutei o mais que pude contra o cansaço por horas e horas depois que você nasceu pra não adormecer, pra não te tirar dos meus braços porque eu sabia o que poderia acontecer. Mas eles me doparam e, quando acordei, já tinham te levado. Eu continuei lutando e exigindo você de volta por anos. Entrei pra marinha buscando uma forma de ter acesso à informações que me levassem até você. Shepherd sempre me garantia que você estava bem, que estava feliz e com uma vida normal, mas eu não desistia. Até que um dia, ela me mostrou um vídeo: o rosto de seus pais estava desfocado, mas eu pude ver você os abrançando e dizendo que os amava. Então ela me disse: “Se ela te conhecer, Remi, vai preferir não ter nascido. Quer realmente trazê-la para seu doce inferno?”. Fui obrigada a admitir que ela tinha razão. Não seria bom pra você fazer parte da minha vida. Eu não queria te afastar das pessoas que você amava como aconteceu comigo!

Kurt estava a poucos passos das duas. Nenhuma delas tinha percebido sua presença. A força do relato de Remi o deixou completamente sem ação, permanecendo paralisado enquanto pensava em como intervir para oferecer apoio as duas.

As lágrimas corriam pelo rosto de Avery, mas ela também estava paralisada pelo relato da mãe.

Remi estava com os olhos fechados ao terminar, punhos cerrados amassando parte da foto do ultrassom. Ela recuou um pouco, buscando se encostar no carro porque estava zonza novamente.

Foi o que bastou para levar Kurt a alcança-la rapidamente. Mas antes que ele pudesse tocá-la, Remi voltou a falar:

— Mas mesmo assim, nunca desisti de saber onde e como você estava para estar lá caso você precisasse...

Avery criou coragem e se jogou nos braços da mãe. Remi a envolveu de forma tão maternal que parecia ter cuidado da filha a vida toda. Kurt secou suas próprias lágrimas e aguardou que as duas desfrutassem daquele momento que era tão delas.

— Eu sinto muito, Avery, muito mesmo._ Remi disse baixo e com um tom novamente doce.

Kurt levou a mão até as costas de Remi. Ela olhou rapidamente para ele, buscando qualquer forma de aprovação e encontrou isso no sorriso que ele lhe retribuiu. Assim que as duas se afastaram um pouco, ele perguntou:

— Você está bem?

Ela riu e balançou a cabeça, levando sua mão até a dele. Estava trêmula:

— Não. Acho que preciso comer alguma coisa.

— Você não comeu? Você precisa se alimentar direito pelo bem do bebê._ Avery disse e já olhou assustada para Kurt.

Remi voltou a rir da inconsequência da filha. Até aquele momento sequer tinha passado por sua cabeça contar a ele sobre o bebê. Como a revelação já estava feita, mostrou a foto para Kurt. Por alguns instantes, ele ficou imóvel olhando para a foto. Foi tão diferente do momento em que viu a primeira imagem de Bethany. A felicidade parecia que ia explodir em seu peito.

Remi respirou fundo. Ela queria desfrutar de um pouco de paz, mas sabia que precisava abrir o jogo logo com Kurt:

— Espero que você não fique totalmente decepcionado comigo...

— Como eu poderia ficar decepcionado com você por isso?

— Kurt, eu preciso de sua ajuda. Tenho que descobrir quem é o pai desse bebê. Qualquer informação, qualquer suspeita que você tiver...

— Remi, esse bebê é nosso.

Ela apertou a mão dele. Por um momento, ela temeu estar sonhando:

— Nosso? Você tem certeza?

— Absoluta. Remi, você é minha esposa. Jane e eu somos casados.

Avery acompanhava a cena intrigada com tudo. Um forte sentimento de culpa foi tomando conta dela por ter julgado que a gravidez de Remi era mais recente e não anterior ao acidente que fez sua mãe perder novamente a mémoria.

— Mas como assim? Por que você não me disse?_ Remi estava ainda mais confusa.

— É uma longa história. Longa e complicada. Assim como o dia de hoje. Eu prometo que vou te contar, mas por favor, me deixa alimentar vocês primeiro antes que no desfecho desse dia voltemos ao hospital.

Novamente no SIOC

Assim que a porta do elevador se abriu, Remi puxou a mão que estava segura por Weller. Reade veio recepcioná-los:

— Que bom que voltaram. Está tudo bem?

— Sim, tudo bem. Remi só não conseguiu comer ainda.

Percebendo o clima razoavelmente tenso entre eles e a forma como Remi parecia em posição defensiva, Reade achou melhor não questioná-los ali.

— Então você pode levá-las para comer algo. _ e passou a mão pelo cabelo aflito.

— Aconteceu alguma coisa?

— Tasha está em campo com uma equipe tentando deter um atirador num parque. Patterson saiu e ainda não voltou, então fui obrigado a deixar Rich no comando dos comunicadores.

Kurt respirou fundo e se virou para Remi e Avery:

— É melhor vocês duas irem pra casa. Já é tarde. Assim vocês podem jantar juntas. Vou ficar por aqui e ver no que posso ajudar.

—  Eu não vou pra casa com tudo isso acontecendo, Weller, pode esquecer. Posso comer algo aqui mesmo antes de ir me juntar a Tasha.

Kurt respirou fundo tentando buscar uma forma de convencê-la do contrário.

— Remi, você teve um dia muito difícil. Enfrentar um atirador em campo não é uma boa ideia.

— Quem decide isso sou eu, Weller.

Kurt dirigiu um olhar pedindo o apoio de Reade que respondeu:

— Eu não vou me colocar no meio de uma disputa de vocês dois. Tenho um incidente para gerenciar aqui. Remi, sem se alimentar você está proibida de exercer qualquer função junto à equipe. Se quiser ficar, tem que se alimentar primeiro.

Remi bufou. Kurt sabia que precisava mudar de estratégia porque seria impossível contê-la se ela permanecesse no SIOC. Então tentou se conectar com o olhar dela para dizer:

— Remi, eu já passei por isso uma vez com Allie. Ela foi a campo e foi baleada. Se você não estivesse lá, eu teria perdido ela e Bethany. Por favor...

Por um breve instante, Remi se sentiu tocada pelo olhar e tom de voz dele, mas a voz de Reade quebrou o aquele momento:

— Ela está grávida?

Isso bastou para Remi fortalecer sua determinação de que, como um soldado, ela não podia se esquivar de sua missão.

— Golpe baixo, Weller! Você não tem que revelar isso para os quatro cantos da terra. Gravidez não é doença. O médico garantiu que estou bem. Então não venha você me impor restrições.

Mas foi Reade quem continuou:

— Remi Briggs, se você quiser continuar como consultora dessa equipe a partir de amanhã, terá que acatar minha dispensa por hoje. Vá pra casa, alimente-se  e descanse.

Foi a vez de Remi buscar o olhar de Weller tentando demonstrar sua ira:

— Muito obrigada, Weller.

Aproveitando a conexão, ele decidiu insistir em fazê-la compreender que ele só queria seu bem, mesmo que isso a irritasse profundamente:

— Remi, por favor, tente entender...Eu jamais tentaria te levar pra casa contra sua vontade. Sei o quanto é importante pra você ajudar a equipe. Mas o dia te hoje te sobrecarregou de todas as formas. Por favor, permita-se usar esse tempo para você e Avery. Vocês têm muito que conversar.

E aconteceu novamente. O olhar e a voz dele somados aquela argumentação faziam-na se sentir tão diferente, tão querida... e ao mesmo tempo faziam ele tão especial para ela. Quando ele arqueou a sobrancelha reforçando seu olhar de súplica ela quase ... sorriu para responder? Então ela fechou os olhos, balançou a cabeça antes de voltar a enrijecer sua postura e dizer:

— Ok. _ disse de forma já não tão fria e voltou para o interior do elevador pisando duro  seguida por Avery que acenou um adeus.

Weller respirou aliviado. Reade deu um tapinha nas costas do amigo antes que se dirigissem à sala de equipamentos para se prepararem para ir a campo.

No elevador

Remi se recostou uma das laterais e respirou fundo. Avery arriscou:

— Hei, me desculpe pelas acusações que fiz. Acho que eu estava assustada com a ideia de não ter minha família de volta. Sabe, você e Weller...

Remi sorriu de forma compreensiva:

— Tudo bem. Sei que não tem sido fácil pra você também. Um tio que te usa e sequestra, um padrasto que atira em você, uma mãe desmemoriada que tem dupla personalidade... É um pouco fora do convencional. _ o rosto de Remi voltou a ficar obscuro.

— Você nunca fica feliz em voltar pra casa?

Ela sorriu com uma pegada de ironia.

— Acho que aquele lugar não é bem uma casa...

— É, já fiquei numa casa segura. Realmente não é uma casa. Hum... Então, que tal irmos ao apartamento do Weller? Talvez lá você se sinta mais confortável.

— Você tem a chave?

— Tenho. Eu morei um tempo lá com vocês.

A sugestão de Avery encheu Remi de ânimo. A oportunidade de poder vasculhar pelo apartamento de Kurt podia trazer descobertas interessantes sobre tudo que escondiam dela e ela ainda poderia confrontar essas provas com a versão dada por Nas.

— Eu aceito. Vamos para o apartamento de Weller, então.

No apartamento

 _ Então, o que vamos comer?_ Remi perguntou enquanto Avery inspecionava a geladeira.

— Normalmente eu sugeriria hambúrgueres veganos...

— Hambúrgueres veganos, que porcaria é essa? _ Remi fez uma careta diante da sugestão.

— Você gostava bastante, mas acho que hoje é melhor pensarmos em algo mais saudável.

Avery encontrou as sobras do jantar da noite anterior na geladeira e começou a colocar os potes sobre a pia. Ao ver a comida, Remi percebeu o quanto estava com fome. As duas estavam montando seus pratos para aquecê-los no micro-ondas quando Remi perguntou:

—Avery, você acredita em hipnose?

— Claro que não.

— E Weller, ele acredita?

Avery não segurou a risada.

— Com certeza não. Por quê?

— Eu também não acredito... ou não acreditava, mas é que uma coisa estranha acontece quando Weller fala comigo. Não é como uma atração normal. A voz e o olhar dele me prendem, é algo forte... eu não sei explicar...

Avery não foi totalmente capaz de conter a risada por perceber que Remi ainda não tinha se dado conta de seus sentimentos por Kurt. Enchendo os pulmões de ar para responder com seriedade, disse:

— Vocês dois tinham uma conexão muito forte. Era realmente especial. Talvez isso esteja voltando agora que estão mais próximos.

Remi arqueou a sobrancelha num “talvez” e começou a devorar sua refeição enquanto pensava: “Não está voltando. Está aí desde que acordei e o vi no hospital. Nunca foi embora...”

Após o jantar, as duas se sentaram no sofá. Remi desistiu de seu plano de vasculhar o apartamento porque estava realmente exausta. Adormeceu ali, em meio às conversas com a filha. Avery buscou uma manta e cuidadosamente acomodou-a sobre a mãe.

Horas depois, Weller chegou. Assim que adentrou no apartamento, se surpreendeu com a presença das duas. Avery se levantou e veio ao seu encontro pedindo silêncio com o indicador sobre a boca. Depois sussurrou:

— Eu preciso ir. Tenho aula amanhã cedo. Sabe, quando a gente quebra as primeiras barreiras, tem muito de Jane nela.

— É, tem sim. Muito obrigada por tudo.

— Vou voltar assim que puder. Por favor, cuide dela.

— Com minha vida.

Assim que a garota saiu, Kurt trancou a porta e foi até a sala. A vontade de tocá-la era imensa. Num passado que agora parecia tão distante, ele a teria beijado e pegado nos braço para levá-la pra cama. Mas agora tudo que ele podia fazer era se sentar na poltrona em frente e observá-la dormir. Mesmo assim, um sentimento de gratidão por ela estar ali cresceu dentro dele.

Minutos depois, ela começou a se contorcer num pesadelo. Ele se aproximou para segurar sua mão. A forma como ela parecia aterrorizada durante o sonho só aumentou ainda mais sua certeza de que algo muito errado havia acontecido na manhã anterior. Ele precisava descobrir exatamente o que foi. Ele também devia toda a verdade à ela, mas ainda não sabia como chegar à isso.

Remi despertou assustada com o lugar e com Weller que ainda segurava sua mão:

— Está tudo bem. Foi só um pesadelo_ ele tentou confortá-la_ Você quer um pouco de água?

Assim que se deu conta de onde estava, ela procurou demonstrar segurança e controle:

— Não, obrigada. Já é tarde, eu preciso ir...

— Você pode ficar se quiser. Posso dormir no quarto de hospedes...

— É melhor eu ir... As coisas não estão bem entre nós.

— Eu sei... Remi, eu sei que te devo muitas explicações. Não, eu te devo mais que isso, te devo toda a verdade. Também sei o quanto você precisa poder confiar em alguém agora._ os dedos dele deslizavam sobre os dela de forma tão carinhosa que ela foi incapaz de desfazer esse contato.

— Weller, eu vou embora. Estou muito cansada pra ter essa conversa agora...

— Eu só preciso te dizer que não foi simplesmente uma decisão minha. Tudo que a equipe, Avery, eu e Roman não te contamos foi aconselhamento médico.

— Os médicos pediram isso? Nossa... finalmente ter essas informações parece que vai ser “mágico”._ ela ironizou.

— Me desculpe, só estou piorando sua situação. _ ele abaixou a cabeça, mas manteve o olhar nela de forma acolhedora_ Nada foi tão horrível assim. Era só zelo. Os médicos queriam que você estivesse mais adaptada à nova rotina antes de saber alguns detalhes para evitarmos consequências ruins. Amanhã vou falar com eles. Sei que você é capaz de lidar com tudo. Mas agora também temos que nos preocupar com o bebê.

Ela assentiu. Quando Kurt soltou sua mão, ela teve que conter seu ímpeto de retomar o contato imediatamente. O que estaria acontecendo com ela?

Ao se levantar do sofá, ele fez uma expressão de dor. Remi reagiu instantaneamente, se colocando em pé ao seu lado:

— O que foi? Você está bem?

— Estou, vou só uma bala que me pegou de raspão.

Remi foi até o interruptor e acendeu a luz. Voltando a se aproximar de Weller, ergueu sua camisa para uma inspeção no ferimento:

— Você passou pelo médico?

— Não. É só um arranhão.

— Você precisa limpar isso e descansar._ disse inspecionando o ferimento e tocando suavemente na pele dele.

A reação dela, o tom da sua voz e aquele olhar carregado de preocupação com ele, era tudo tão familiar, tão Jane. De repente, ele se sentiu um tolo. Ela não parecia Jane, ela era Jane. E ele sabia bem como agir numa situação daquelas. Acentuou a expressão de dor e soltou outro leve gemido sufocado.

— Você tem razão, melhor eu passar a noite aqui. Você pode precisar de ajuda._ ela disse.

— Obrigado. Eu estou bem. Não precisa se preocupar comigo._ Kurt sabia que sua contraposição iria acertar Remi em cheio.

— Então, só você pode se preocupar comigo?_ o comentário foi frio, numa camuflagem perfeita dos sentimentos que ele continha.

Ele deu um sorriso tímido e admitiu seu erro:

— Você está certa: nós dois nos preocupamos um com o outro. _ seu olhar encontrou o ela de forma profunda_ Muitas vezes, em excesso. Sabe tudo que eu queria hoje?

Assustada com a força dessa conexão entre ele, Remi reagiu:

— Se você disser qualquer coisa relacionada a sexo, pode sua ultima chance de me convencer a ficar.

Kurt riu da sinceridade dela.

— Não. Eu estou exausto. Tudo que eu queria era dormir abraçado com você na nossa cama, fingindo por algumas horas que todos os problemas não existem e que somos apenas um casal normal.

Ela não conseguiu conter o riso.

— Proposta tentadora...

Ele usou seu olhar de súplica sentindo-se verdadeiramente diante de sua esposa. Ela pegou a mão dele e o puxou para o quarto.

Antes de saírem da sala, ele pegou a fotografia do ultrassom e levou consigo. No quarto, os dois vestiram roupas mais confortáveis. Antes de se deitarem, Kurt abriu a gaveta da cômoda e retirou os porta-retratos para dispô-los sobre o móvel. O primeiro tinha Jane com Bethany no colo. O segundo, Kurt e Avery fazendo caretas. O terceiro era uma foto dos dois no casamento. Remi se aproximou e observou as cenas desejando do fundo de seu coração que qualquer recordação brotasse... Por fim, Kurt pegou a pequena foto da ultrassonografia e acomodou na parte inferior do porta-retrato que mostrava o casal.

Eles se deitaram. Remi rolou para os braços dele sem a menor inibição. Ele a recebeu e beijou suavemente o topo de sua cabeça.

— Boa noite, Kurt.

— Boa noite, Remi.


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Notas finais do capítulo

Hum... onde estará Patterson? Nossa nerd favorita nunca se ausentou por tanto tempo assim. Vocês têm alguma ideia sobre o paradeiro dela? Tenho que minha coautora sabe bem melhor que eu.
Grata pela leitura.



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