Posso te pagar um sorvete? escrita por Lillac


Capítulo 3
Questionamentos recentes




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A vida de Percy não demorou para cair em uma rotina confortável nas duas semanas que se seguiram à — como ele apelidou — tragédia lamacenta. Todos os dias, tomava café da manhã com Grover, Juníper, Nico, Hazel e Frank em uma lanchonete próxima à faculdade (demorou alguns dias para que Hazel parasse de fita-lo com o olhar analítico de quem estava observando os movimentos de um animal selvagem para ter certeza de que Percy estava, de fato, se alimentando, mas ela enfim cessara), depois assistia às suas aulas. No horário de almoço, ele encontrava Jason e Thalia, que, quando não ocupados, o ajudavam com algum cálculo mais difícil. E, depois da aula, ele ia com Racchel para a biblioteca estudar — bem, ele estudava. Ela ficava apenas desenhando em seu bloco de notas.

Às vezes, ele esbarrava com Annabeth pelos corredores da faculdade. Seus cursos ficavam em prédios diferentes, mas, ele logo percebeu, seus círculos de amizade não diferiam muito entre si. Todos os amigos de Percy a conheciam até certa extensão. Mas era Luke, o rapaz loiro que andava com ela para cima e para baixo, que todos conheciam. Ele era extremamente popular, e, aparentemente, Percy deveria saber quem ele era.

Os encontros eram rápidos no início. Apenas um aceno de reconhecimento, quem sabe um sorriso pequeno. Mas então Luke começou a puxar assunto. A insistir que ele ficasse mais um pouco. Ele sorria para Percy como se fossem velhos amigos.

Logo, Percy encontrava-se arrastando os dois loiros consigo para os almoços com os Grace. Thalia e Annabeth pareceram se entender em apenas um olhar, e desde então não haviam mais se desgrudado. Percy ficou feliz por Annabeth — ela não parecia ter muitos outros amigos além do loiro e Reyna.

Por algum motivo, Racchel não andava muito com a namorada. Percy queria pergunta-la o motivo daquilo, mas achava que talvez a amiga fosse sensível com o assunto e decidia que nunca era o momento propício. Dessa forma, o assunto sempre era empurrado para trás.

Mas as coisas iam bem. Percy passou a ser capaz de resolver os exercícios sozinhos, e inflava-se de orgulho quando Reyna e Annabeth passavam os olhos por suas anotações e diziam que estavam corretas. De repente, sentia-se como se os dias e noites em claro estudando sem compreender nada houvessem sido apenas um borrão.

A única coisa da qual ele não conseguia se livrar era do que os olhares de Annabeth o faziam sentir. Percebeu que a beleza dela não era o tipo de beleza estonteante, que fazia as pessoas pararem e a encararem por alguns minutos, sem fôlego — com a da namorada de Jason. Ao invés disso, ela era linda nos mínimos detalhes: na forma como sorria quando era elogiada, na forma como seus olhos se iluminavam quando ela tinha uma ideia nova, e na forma como agradecia educadamente quando Percy lhe trazia um chocolate quente da lanchonete.

Era bonita a forma como ela amarrava o cabelo sem se importar com a estética, ocupada demais em fazê-lo não cair sobre os olhos. Como franzia o rosto de aborrecimento quando a ponta de grafite quebrava ou quando apagava um cálculo com força demais e acabava rasgando a folha.

Certa vez, quando a encontrou sozinha no refeitório quando os demais alunos haviam sido dispensados devido à uma queda de energia, com planilhas espalhadas pela mesa e expressão concentrada, Percy sentiu a respiração lhe faltando a boca subitamente seca.

Ele adicionou mais um à sua lista interminável de problemas acumulados:

Estar gradativa e irremediavelmente se apaixonando por Annabeth Chase.

 

 

Havia Luke.

E havia o problema de que Percy adorava o cara. Queria poder sentir de raiva de seu — suposto — rival, mas simplesmente não conseguia. Luke era incrivelmente educado e amigável, e tratava Percy como um irmão mais novo.

Luke, droga.

Percy não era capaz de dizer onde estava a linha que definia o relacionamento dele com Annabeth. Até a semana anterior, estivera certo que eles eram namorados, mas cada vez mais essa ideia parecia absurda. Luke não olhava para ela de nenhuma forma diferente ou especial, e não parecia haver nada mais do que carinho fraternal entre eles.

E, mesmo assim, havia o fato de que eles estavam sempre juntos.

Você e Racchel estão sempre juntos, ele pensou. É, e nós já namoramos, retrucou. Mas, não namoram mais, estúpido.

— Deuses, eu estou falando comigo mesmo... — murmurou.

Andava tão distraidamente, que acabou trombando em alguém.

— Ah, ei Percy — Reyna cumprimentou. — Eu estava mesmo querendo falar com você.

— Sério?

— Sim. Pode vir comigo bem rápido?

Percy a acompanhou até uma cafeteria não muito longe dali. Reyna caminhava com a postura perfeita, queixo erguido e olhar sempre sério, ao passo que ele caminhava desleixado e distraído. Não pôde evitar perguntar:

— Você já sabe o que quer fazer quando terminar a faculdade?

— Eu vou ser juíza — ela disse, escolhendo uma mesa.

Vou ser, não quero ser. Percy sorriu. Ficou feliz que Racchel tivesse alguém tão objetiva e decidida ao seu lado — os deuses sabiam o quão inconstante e aleatória a ruiva podia ser às vezes.

— O que eu queria falar com você... — Reyna começou, assim que o garçom foi embora com seus pedidos anotados.

— Sim?

— Eu vou direto ao ponto: você está interessado na minha amiga?

Percy ficou tão surpreendido que acabou batendo o joelho na mesa. Ao se inclinar em dor, bateu o torso também. Em meio às suas duas exclamações de dor, Reyna o observou, estupefata e impressionada com a capacidade dele de se machucar sozinho.

— Eu não sei dizer se isso foi um “sim” escandaloso ou um “não” surpreso, honestamente.

Percy engoliu em seco. Quando levantou o rosto novamente, os olhos de obsidiana da garota o encaravam de volta.

— Foi um sim — admitiu. — Eu realmente gosto dela. Mas...

— .... Mas?

— Ela tem namorado, e eu sei que é errado, então...

— Namorado? — Reyna interrompeu. — Que namorado? Eu acho que eu saberia se minha colega de apartamento estivesse namorando alguém.

Percy sentiu-se estúpido em responder:

— O... Luke?

Reyna ficou em silêncio por um momento tão longo que Percy achou que ela fosse apenas juntar suas coisas e ir embora. No entanto, ela parecia estar ponderando o que dizer. Por fim, decidiu por:

— Sua capacidade de suposição é ao mesmo tempo incrível e irritante. Eu entendo que outras pessoas os confundam por namorados, mas você vem convivendo com eles, e convivendo bastante, há semanas.

— Foi... mal?

Reyna suspirou.

— Tudo o que você precisa saber é que eles não são um casal. O resto, só um deles tem o direito de te contar. Mas, se você me permite um conselho....

— Qual é?

— Annabeth é uma pessoa incrível, Percy. Mas se você quer alguma chance com ela, não pode ser covarde.

Covarde.

Percy checou a própria roupa pelo que pareceu a centésima vez, o que fez sentir-se ao mesmo tempo estúpido e mais organizado do que nunca na vida. Ele não se importava com roupas. Por que ele estaria...

Annabeth.

Annabeth era a razão.

Percy achou que aquela estava sendo uma resposta bem recorrente aos seus mais recentes questionamentos.

Por que você está estudando tanto assim? Você já entendeu o assunto, só precisa passar.

Annabeth. Ele não queria só passar. Queria mostrar para ela que era capaz de fazer melhor. Queria deixa-la orgulhosa.

Por que você está acordado? Sempre dorme nessa aula.

Era botânica. Percy detestava botânica. Queria ser um biólogo marinho. Mas Annabeth havia deixado escapar que gostava de orquídeas, e se Annabeth gostava de orquídeas, Percy iria aprender tudo sobre aquelas flores — e as primas dela. E as primas de segundo grau também.

Desde quando você desenha?

Desde sempre. Percy só estava sendo muito mais óbvio sobre isso agora. Desenhava corujas — como as que enfeitavam os brincos de Annabeth — nas bordas das páginas de seus cadernos, nos espaços vagos de suas anotações, nos versos das capas dos livros.

Por que você está aqui?

Annabeth.

A porta foi aberta. Annabeth o olhou. O cabelo dela estava solto, desarrumado, e as roupas amassadas, mas Percy a achou tão bonita quanto sempre.

— O porteiro disse que você estava lá embaixo — ela falou. — A Reyna não está, desculpe. Mas você pode voltar mais tarde.

— Não. — Percy respirou fundo. — É com você que eu quero falar.


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Notas finais do capítulo

Como eu disse no primeiro capítulo, essa história é bem curtinha: o próximo capítulo é último.
Comentários são sempre apreciados, e obrigada por ler até aqui!



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