Redenção escrita por truthbullet


Capítulo 2
Capítulo 2 — Gentil singularismo;


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo! Yay!

As palavras foram:
SINGULARISMO - Originalidade; qualidade do que não é comum.

PRIVAÇÃO - ato ou efeito de privar.



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Quando chegou à vila, seus olhos finalmente enxergaram.

 

A figura pequena de sua madrinha a recebeu, pouco incomodada com o sangue parcialmente molhado de suas roupas. Normalmente, em menos de cinco minutos, as mãos dela estariam em tudo — cabelo, roupas, espada, pele, procurando de forma ávida por ferimentos, sem ser afastada pela assassina —, mas dessa vez, ela compreendeu a gravidade da situação em uma troca de olhares.

 

Minutos depois, Akagane estava sentada, em agura¹, no assoalho de madeira do seu próprio quarto, observando a parede em silêncio.

 

— Aka-chan. — a voz da criada chamou sua atenção. Ergueu os olhos, apática, na direção do apelido que tanto detestava. Na porta, Meiko tinha a expressão apreensiva, acentuada pela idade, de quem já viu o suficiente para entender a situação. — A moça continua desacordada, mas a pressão sanguínea se tornou estável e os pulmões funcionam bem. Farei mais exames quando ela despertar.

 

Akagane assentiu. Meiko continuou esperando e, por alguns instantes, ela não entendeu o porquê.

 

— Dispensada. — murmurou. A criada curvou-se em sinal de respeito, mantendo os dedos sujos de sangue a centímetros de seu quimono florido.

 

— Os preparativos para seu retorno já estão feitos. A imperatriz a chamará em breve. — avisou, antes de sair. Ela soava tão distante quanto uma estranha.

 

Era como se o killing game tivesse quebrado algo entre as duas.

 

— — — — — —

 

À farta mesa de jantar, Akagane não se importava com os modos.

 

A mãe a encarava sem muita emoção, comendo de seu próprio prato do outro lado da mesa. Nos dias em que a princesa voltava de alguma missão, formava-se um jantar envolvendo as figuras mais importantes do império, sob o objetivo de discutir a conclusão do encargo e comemorar seu retorno.

 

Certamente, ele não falhava com a premissa de ser um banquete digno da realeza. Costela de porco, takoyaki, sopa de renkon, cauda de atum, omelete de arroz, enguia grelhada, rolinhos de ovos fritos, gyudon… A lista continuava, rolando pela mente da assassina enquanto observava a mesa.

 

Ao lado da imperatriz, estava a cereja do bolo; gyoza, bolinhos chineses recheados de vegetais. Ver justamente aquele alimento, naquela posição, fez seu estômago revirar.

 

Notando o encarar da filha, Chaku estendeu seus hashis até a tigela de bolinhos e puxou um para si, colocando-o parcialmente na boca. O olhar de Akagane seguiu o trajeto, observando em um ódio dormente, que era externalizado como nada mais que inexpressão.

 

— Meiko comunicou-me sobre o sucesso de sua missão. — a voz fria da governante cortou seus pensamentos. Apesar de manter a postura perfeita de uma dama, a fala veio entre a mastigação. Encarou o que ainda sobrava do bolinho até que engolisse o que já comera, então olhou para o rapaz à sua direita. — Tem uma noção do número de mortos?

 

— Duzentos, mortos em poucos minutos. Akagane fez um trabalho impecável. — o mesmo respondeu. Kimigiku Akio, o mestre de armas. Dizia-se que, do nariz para cima, rosto foi tão severamente queimado, que até os dias atuais, usava uma máscara para cobrir as cicatrizes.

 

— Duzentos e um. — ela corrigiu, logo em seguida, encarando o próprio prato. Silêncio pairou sobre a mesa. A mirada da imperatriz ao servo que antes se pronunciou não lhe passou despercebida. De longe, o medo que irradiou pelos seus poros lhe trouxe um calafrio agradável e novo.

 

— Apesar de certos erros, foi de fato, um sucesso. — Suzuko Machi, estrategista, partia a atmosfera pesada em meio a sashimis. Alta e bem vestida, tinha pouco dos traços que a maior parte daquela mesa compartilhava; não era atlética como a assassina, Kimigiku ou qualquer outro funcionário de trabalho braçal, nem miúda e delicada como as criadas, e muito menos possuía a elegância brutal de Chaku. Seu singularismo a fazia uma garça em meio a cisnes e tigres. — Os ishiyako certamente vão parar de fazer barulho, depois de um dano tão grande. Devo elogiar a performance do time de rastreamento! Sem suas informações valiosas, bolar uma estratégia seria impossível.

 

Mais uma vez, Akagane ergueu a voz. Ainda se recusava a fitar qualquer um, focada no caule de lótus cozido que boiava em sua sopa.

 

—… Houve mais um erro.

 

Ao canto da mesa, um superior engasgou com a própria comida, e Machi disparou veneno pelos olhos quando se virou em sua direção.

 

Como?

 

As íris geladas da mãe a acompanharam. De repente, o ar ao seu redor pareceu muito suave. Mortalmente suave. Paciente, dizia-lhe com o silêncio que estava esperando-a falar.

 

— Lá dentro, encontrei uma garota. — respondeu, abocanhando um pedaço do renkon, como quem não quer nada. A cada palavra, a voz adquiria um tom maior de desgosto. — Nua, com sinais de desnutrição, coberta de ferimentos. Violada, sabe-se lá quantas vezes. Nunca me informaram disso, então imagino que sequer tivessem ciência de que ela existia.

 

Mais silêncio. Machi estava pálida. Akagane manteve contato visual por alguns segundos, e então arrastou a própria cadeira para trás.

 

— Perdi o apetite. — murmurou. — Com sua permissão, majestade, me retiro desse banquete.

 

Chaku apenas assentiu. A assassina fez uma reverência e se retirou, captando vozes exaltadas na saída. Nenhuma pertencia à imperatriz.

 

— — — — — —

Na saída, procurou por Meiko.

 

Não tão surpreendentemente assim, foi Meiko quem a encontrou.

 

Enquanto andava pelo vasto campo de treinamento para arco-e-flecha, alguém cutucou seu ombro. Virou-se, avistando a pequena e dócil figura, segurando uma cesta coberta. Pelo cheiro, deviam ser restos do banquete.

 

Ela não devia estar no melhor humor, pensou, lembrando-se do fato de que surrupiar rebotalhos de qualquer refeição da realeza era punível com privação de comida. Para não ter notado algo assim, Chaku devia estar ocupada.

 

Meiko interrompeu seu raciocínio.

 

"Ela está acordada."

 

De súbito, Akagane sentiu-se alarmada, o que lhe trouxe o sentimento estranho de auto-repreensão. Seu corpo a censurava por ter uma recaída em algo que não entendia.

 

— Qual seu estado? — soou mais firme do que realmente estava, puxando uma flecha para longe do alvo.

 

— Bem, mas se recusa a comer. Ela… — pausou, incerta.

 

 

"Ela deseja vê-la."


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