Batman contra a Águia Vermelha escrita por Junko


Capítulo 3
Passeridae




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Gotham County High School

No dia seguinte | 15:30

6 de Outubro

O sinal que anunciava a liberdade dos alunos soou pelo campus, fazendo com que os muitos alunos se levantassem e cruzassem os pátios correndo e gritando. Na sala 1–B, do segundo andar, que é o andar dos alunos do primeiro ano, a garota de cabelos negros ergueu-se de sua cadeira e começou a guardar os materiais. A pressa estava visível em seu rosto. O professor McCarthy, que ensinava física I, e ainda falava com os alunos sobre algum dever de casa. Mas Clara não estava se importando; naquele dia iria tinha treinamento de ginástica, e não podia se atrasar. Para falar a verdade, de todos os treinamentos, ginástica era o seu favorito — e ela nunca perdera uma aula sequer. Tentou se afastar da mesa, mas o professor se colocou no caminho entre a saída e ela. A menina moveu a mochila desconfortavelmente no ombro esquerdo. Observou que todos estavam indo para casa, e a única que estava sendo impedida era ela.

— Eu preciso falar com a senhorita. — ele disse com aquele sotaque irlandês enjoado, depositando sobre a carteira da garota uma prova com um “D-” estampado.

— Professor, eu vou me atrasar para o treinamento. — contestou, tentando contorna-lo. A negativa veio em forma de um braço a lhe bloquear o caminho.

— Preste atenção, é apenas uma conversa rápida. Suas notas têm que melhorar, Snicket. Ou eu terei que comunicar sua guardiã. — o homem falou, ajeitando os óculos na ponte do nariz. — Está acontecendo alguma coisa? Você tem estado… distraída. Estou ciente do seu treinamento junto à Polícia de Gotham, e admiro muito o seu esforço, mas… terei que pedir seu desligamento temporário do programa caso você não consiga acompanhar minhas aulas. Você sabe das regras.

A garota suspirou pesadamente. O treinamento com a polícia era o que mantinha seus pensamentos longe de toda a confusão que era sua vida pessoal. Era tudo que ela tinha em Gotham, para falar a verdade. Após os problemas com seus responsáveis, a namorada de seu irmão havia sido elencada como sua guardiã temporária, desde que – e esses eram os termos do júri – ela continuasse com seu trabalho junto à polícia. Caso desligada do programa, mesmo que temporariamente, sua guarda seria transferida para o parente mais próximo – e essa era sua avó, que morava na Inglaterra.

— Eu prometo que vou melhorar. Peço desculpas por ter me distraído — suas palavras saíram de forma insincera. Foi isso que concluiu ao perscrutar o rosto do professor, analisando suas reações. O homem retirou seus óculos quadrados, esfregou os olhos, e, ao coloca-los de volta, a encarou.

— Snicket, você é uma ótima aluna — esclareceu o professor, juntando as mãos na frente do corpo — Só quero ver você ser o que costumava ser antes. Aqui. — o homem virou-se e andou em direção a sua mesa, onde tinha um livro de capa vermelho vinho e letras garrafais e douradas na capa. Dizia algo como “Os Princípios da Física”. Ele voltou com o livro em mãos e entregou para Clara — Este livro vai te ajudar bastante, eu prometo. Não precisa me devolver, é um presente.

A morena segurou o livro por alguns segundos. Sentiu seu peso, e com os dígitos, alisou a capa. Tornou a encarar o homem, e ele assentiu com a cabeça, como se a incentivasse. Com curiosidade, a menina o abriu, e deu uma espiada no conteúdo. O livro era cheio de fórmulas, imagens de exemplo e diversas outras coisas que falavam sobre física. O esperado.

— Ah… obrigada, mas…

— Sei o que vai dizer, senhorita Snicket. Mas eu vejo potencial em você. Acho que é algo extremamente necessário para seu crescimento pessoal. Eu também já fui aluno! Sei como é, com essas coisas da vida a gente acaba por negligenciar nossos estudos. Mas eu tive um professor que não desistiu de mim. Acho que às vezes, tudo que precisamos é isso: alguém que não desista de nós, mesmo quando nós mesmos já jogamos a toalha há muito tempo... Agora vá. Não quero o Comissário Gordon me ligando e questionando sobre seu paradeiro.

A menina tentou sorrir, e então enfiou o livro na mochila. Apertou a mão do professor amigavelmente, e o agradeceu muitas vezes. Logo em seguida, juntou-se à massa de alunos que corria para fora da escola. Quando estava quase do lado de fora, sentiu um feixe de luz dourada em seu rosto, lhe atrapalhando a visão. Por reflexo, colocou a mão à frente do rosto.

No espaço entre um prédio e outro, numa parede que estava dourada por causa da luz do sol que vinha por trás, tinha um rapaz. Vez ou outra, notava que o mesmo feixe de luz que quase lhe cegara tornava a aparecer — ele segurava um pequeno objeto refletor em mãos, e parecia girá-lo sob a luz deliberadamente. Estava vestido em roupas comuns de um adolescente rebelde, como calças rasgadas, camisa de banda, e uma jaqueta jeans surrada. Quando ele notou que ela o encarava, enfiou o objeto no bolso da blusa, e logo passou a fazer um sinal familiar com as mãos.

Olhando para os lados, tendo certeza de que ninguém estava particularmente prestando atenção nela, sinalizou ao rapaz de volta, e ele começou a andar em uma determinada direção em passo lento. A menina meteu as mãos no bolso de seu blazer do colégio e o seguiu. A passos apressados, logo o alcançou.

Por mais que a calçada estivesse lotada, as pessoas estavam mais preocupadas com suas próprias ligações e conversas, então, era o local perfeito para ocorrer uma troca. Diferente do ambiente silencioso das noites, as tardes em Gotham eram uma mistura de sons — buzinas, gritos de vendedores ambulantes, pessoas ao telefone, risadas de adolescentes que andavam em bando, música alta, entre outros.  Andando lado a lado com o homem, olhando para frente, e nunca para ele, questionou em voz alta o suficiente:

— Como vai o céu hoje?

— Cheio de pardais. — respondeu, sem muita cerimônia.
Aquele rapaz era um dos pardais, um grupo de pessoas que passeavam por Gotham levando e trazendo informação — os olhos e ouvidos daquela cidade, por assim dizer. De tudo sabiam, a todos conheciam. Clara havia se deparado com eles durante suas investigações privadas sobre seu irmão, mas não havia os visto nem recebido notícias desde que começou a residir na casa de Jim, mesmo ela tendo requisitado informações a alguns de seus informantes.

— Algo para mim?

— Pedimos desculpa pela demora em te chamar, mas a gente demorou um pouco para achar algo quente — pausou um tempo, ao notar que um casal vinha na direção oposta — Fora que é muito difícil te achar cara a cara, já que tu tá morando com aquele cara...    

As diretrizes dos pardais eram claras: o contato seria apenas em locais seguros, que não podem ser rastreados. Meios limpos, eles diriam. A menina tentou não suspirar de frustração. No meio dos informantes, tempo é uma das maiores commodities. Uma informação era apenas válida e relevante se fosse nova. Com sua visão periférica, o pardal fisgou frustração no semblante da menor.  

— Mas essa é a parada, gatinha: tem peixe grande de olho em você. Esses caras tão metido com tráfico de tecnologia militar, e umas paradas erradas aí de biotecnologia, cê tá me entendendo? Sei lá que diabo que você arrumou com esses caras, mas o bicho tá ficando feio pro teu lado. É melhor tu esquecer essa brisa ruim aí do seu irmão, aceitar que ele morreu, e rezar pro morcegão estar de olho nas suas costas. — ele fez mais uma pausa, ao notar que se exaltava — O chefe tá puto contigo porque um dos nossos foi atrás dessa sua história aí, e voltou morto, com uma moeda e um bilhete que vou te entregar assim que virarmos a esquina. — então, olhou ao redor, analisando o ambiente — Ele tá pulando fora desse seu b.o aí, disse que é pra você dar seus corre! O chefe te mandou hoje um último arquivo com as coisas que a gente sabe, e depois é entre você e Deus, e boa sorte nesse bagulho aí. Diz ele que esse serviço é de graça, mas só se tu nunca mais ir atrás da gente.    

O homem falou um tanto quanto exasperado, enquanto viravam juntos a esquina. A cortou rapidamente, passando na frente dela – assim, em vez de continuar ao longo da calçada, rumou em direção à faixa de pedestres, assim tendo uma oportunidade de discretamente colocar os objetos da troca em uma de suas mãos e encerrar a conversa. Clara continuou o caminho como se nada tivesse acontecido, ainda que estivesse visivelmente perturbada.    

Não sabia o que fazer com aquela informação que recebera. Durante sua investigação sobre o caso do irmão, sempre notou que os denominadores comuns eram o Pinguim e as docas. Estaria o homem relacionado com o desaparecimento do seu irmão? Fosse um gangster qualquer, talvez pudesse resolver a situação com um ou dois socos, talvez até uma arma se pudesse roubar uma da delegacia. Mas... ele? E tecnologia militar? Biotecnologia? A coincidência lhe fez arrepiar – essas eram as áreas de pesquisa de seu pai. Estariam os dois trabalhando juntos? Isso tudo estava relacionado à águia vermelha também, que pareciam ser um tanto quanto violentos. Por um instante, sentiu-se sufocada. Apressou o passo em direção ao metrô. Era um alvo ambulante, e de repente não se sentia nem um pouco segura.

Sentiu algo esquentar em seu punho fechado — havia se esquecido de guardar as coisas no bolso. Abrindo a palma de sua mão, primeiramente notou a moeda – era dourada e lisa, sem nada em sua superfície. E então, notou um bilhete. Movida pela curiosidade, guardou a moeda e logo desdobrou o bilhete. Parou nas escadas do metrô e encostou as costas em uma das paredes, buscando não bloquear o trânsito de pessoas.

“Um dia, um pequeno e inocente pardal quis brincar de perseguir uma águia. Você consegue adivinhar o resultado, Clarinha? Não se preocupe em vir atrás de mim – eu já estou atrás de você” 

A Snicket arregalou os olhos. Uma sensação terrível se apoderou do seu peito. Seu coração acelerou, e, por um instante, não soube dizer se estava no meio de um ataque de pânico, ou se no próximo instante morreria de infarto. Conseguia ouvir seus próprios batimentos cardíacos zunindo em seu ouvido. Logo, notou que aquela Gotham barulhenta se tornou completamente silenciosa. Nesse segundo, que pareceu durar uma eternidade, um som de disparo no lado de fora cortou o ar. Com os olhos arregalados e as pernas trêmulas, e contra todo e qualquer bom-senso que podia lhe restar, girou sobre o próprio eixo e correu em direção às ruas.  

Avistou um aglomerado de pessoas havia se formado na entrada de uma viela, e as pessoas pareciam cochichar entre si. Alguém ligava para a polícia. Pediram por uma ambulância. O mundo parecia ocorrer em duas superposições diferentes – uma realidade em que tudo se movia mais rápido e seus sentidos estavam aguçados, e outra em que o mundo era lento, e seus sentidos estavam anuviados. Se enfiou entre as pessoas, torcendo para que fosse qualquer pessoa, menos o informante.    

Teve de reconhecer o pardal pelas roupas, pois seu rosto havia sido desfigurado pelo tiro.  

Forçando-se a sair da cena, a menina aninhou-se contra um poste, e sentiu suas forças lhe abandonarem. Um grito surdo escapou de seus lábios. A águia vermelha não era apenas uma ameaça hipotética, uma brincadeira de mal gosto – era real, concreta, e vigiava cada um de seus passos.    

Conseguia sentir olhos sanguinolentos – tão reais – em suas costas.    

Assustada, fugiu.  

 

Casa dos Gordon

No mesmo dia | 15:10

Havia chegado em casa mais cedo naquele dia. Tivera uma prova assustadora de química, e só de pensar nela, sentia arrepios. Vendo que estava sozinha em casa, e que todos os outros habitantes demorariam a chegar, jogou a mochila no chão e largou-se na maciez do sofá, cruzando os braços por trás da cabeça. Bárbara Gordon os olhos por um instante, pensando em como aquelas preciosas horas de solidão lhe eram preciosas e fariam falta.

Não que odiasse seu pai, ou até mesmo Clara, sua nova colega de casa. Apenas era extremamente cansativo ser uma babá em tempo integral – e, poxa, como a outra era uma menina problema! Nos últimos tempos, havia sempre uma ou duas viaturas no fim da rua, o que tornava o trabalho de escapar de sua casa para trabalhar com Batman um desafio um tanto quanto penoso. E também, vez ou outra precisava checar se a menina ainda dormia em seu quarto, ou havia escapado silenciosamente no meio da noite. Nos dias que tinha sorte, conseguia segui-la noite adentro. E como havia descoberto coisas interessantes sobre ela.

Não, não sobre ela... sobre a família dela.

Mais especificamente, sobre Ethan Snicket.

"Pobre garota". Após se permitir alguns minutos de preguiça, levantou-se morosamente do sofá. Precisava trabalhar. De dois em dois degraus, subiu as escadas que levavam ao segundo andar. Verificou os quartos, e então, ao concluir que era seguro, caminhou para o quarto de Clara. Desde que se mudara definitivamente, a morena não havia feito muitas mudanças. A única diferença notável era a nova escrivaninha em um dos cantos do quarto, e, sobre ela, havia colocado seu notebook e alguns de seus pertences. Sentando-se na cadeira, e abrindo o notebook, Bárbara se permitiu estalar os dedos.

Após esperar o computador iniciar, logo digitou a senha, e o acesso ao sistema lhe foi garantido. Quando os rumores de que a Águia Vermelha estava de olho na menina, logo Batman solicitou a Robin que preparasse um kit para ser implantado no computador da menina. Como a morena era muito esperta para cair em truques baratos de invasão, foi decidido que o backdoor seria criado com o acesso físico à máquina. A senha estava escrita em um dos muitos papéis que Clara tinha no quarto, então não fora trabalhoso de descobrir. O problema foi principalmente achar uma situação em que ela não estivesse em casa para que o notebook pudesse ser usado livremente por Bárbara. E, bom, aquele era o momento perfeito.

Graças à genialidade de Dick Grayson, não demorou para implementar as ferramentas de exploit (para acesso remoto) e coletar os dados que precisava, inclusive um email do líder dos Pardais. Após verificar se os arquivos estavam limpos, fez uma cópia para si, e outra para Robin. O trabalho havia sido feito com rapidez e eficiência. Rapidamente fechou todos os programas e limpou toda e qualquer evidência de que estivera ali. Ao sair do quarto, demorou para fechar a porta atrás de si. Com o canto dos olhos, observou o ambiente escuro e melancólico. Era, de certa forma, um reflexo do humor cotidiano da menina. Isso lhe deixava um gosto amargo na boca.

Como Clara reagiria se soubesse que seu irmão estava morto?


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