A Aurora de Castelobruxo - A Harry Potter Story escrita por ThaylonP


Capítulo 17
Detenções de Setembro




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O mês passou a milhão, e não parou quando a noite do dia trinta e um virou.

Começou no dia depois da Caça às Bruxas. O café da manhã foi empesteado de boatos, que escalaram para cochichos e se transformaram numa gritaria de afirmações sobre o que acontecera e o que não. E dentre elas, algumas certezas foram afirmadas. A primeira, que Luka Braz estava suspenso de ambos os times agora, pelo restante do ano letivo; a segunda que outros dois membros de Guaraci haviam sido expulsos; a terceira, mais importante para ela, que Aurora era responsável pelas duas primeiras.

Anhangá alucinou-se quando a menina acenou uma confirmação, a ponto de ser aplaudida quando chegou ao café da manhã, acompanhada de Inara. Kevin avançou na intimidade arriscando um abraço, Maria a convidou para perto dela na mesa. Sem contar que antes que Dourado anunciasse o almoço daquele mesmo dia, o capitão de Quadribol puxou uma salva de vivas que só parou quando Ruína berrou a quantidade de pontos que seria descontada da casa.

As mesas de Jaci e Guaraci tinham comportamentos diferentes. Os gaviões estavam empolgados com a notícia recente, e apesar de não fazerem um coro a Aurora, às vezes agradeciam-na quando a cruzavam nos corredores. A casa dos lobos-guarás, por outro lado, não a perdoara, afinal três membros dos times haviam sido retirados. Diversas vezes cochichavam alguma coisa maldosa ou enviavam Berradores às mesas, porém os monitores sempre evitavam que as mensagens chegassem a ela ou preveniam a algazarra das cartas explodindo-as antes que pousassem.

Embora a fama não fosse repentina, já que era conhecida pelo evento com os Pilares, isso a animava o bastante para esquecer coisas que seus superiores faziam questão de lembrar.

Os testes para recuperação estavam chegando, e a menina tinha que estudar as matérias que falhara nas primeiras provas. Agora, de cabeça limpa por ter salvo o amigo, poderia concentrar-se melhor no que tinha perdido, quando, é claro, não estava arrancando Musgreca da base da pirâmide do castelo principal, como parte de sua detenção. Pensava que o maior asco que podia sentir era das serpentes dos outros alunos na sala de Transfiguração, porém alcançara um novo nível quando Seu Francisco lhe apresentou as criaturinhas pegajosas que se encrostavam nas superfícies de muita umidade. Pretas com aparência gosmenta, com rastro esverdeado que se assemelhava a pus, cheiro nauseabundo e um péssimo hábito de escalar seu braço sempre que os cutucava com a espátula. Mesmo com as luvas, não conseguia segurar a ânsia sempre que era levada até eles.

Entretanto, como prometido, a detenção não foi a pior coisa que aconteceu a ela nas semanas seguintes. Ruína estava determinada. Pensou que voltaria ao ar livre para continuar trabalhando os feitiços, o que fora uma mudança boa desde as masmorras apertadas debaixo do castelo, porém, como se para negar uma pouca felicidade que a menina tinha, a professora decidiu que retornariam para lá. E os treinos, além de cansativos, passaram a ser excruciantes. Pois além de tudo que já acontecia, a mulher passou a fazer discursos depreciativos, colocando a garota num patamar abaixo do que já nem acreditava sobre si mesma.

Um deles foi particularmente terrível.

Aurora estava suada, com a camisa branca colada sobre os braços e  a barriga, depois de um intensivo de duas horas. O quimono fora posto de lado, pois sabia que a roupa se tornaria um caos de fedor depois de tudo, assim como seus cabelos, que perderam compostura após os primeiros gritos da mulher.

— Está fazendo errado, de novo. Não tem concentração, não tem foco – disse, quando a mulher teve que refazer o boneco mais uma vez . – O cajado apenas te respeitará quando você se respeitar. Sei que é difícil no seu caso – alfinetou – mas é o que precisa fazer. Quando controlar a si mesma, controlará a sua ferramenta.

— Ele é temperamental – justificou, lançando uma outra descarga que desintegrou o boneco. A mulher conjurou o Feitiço de Reparação, e o bruxo se reconstruiu.

— Não se acha capaz de controlar os nervos de um pedaço de madeira? – questionou, aguda demais. – Entendo. Bom, como ando vendo desde que começamos, sou obrigada a concordar – pontuou Ruína, circundando a menina, como um abutre na carniça.

— É só que... – ofegou, formulando algo.

— Só que nada! Nada do que disser pode justificar sua incompetência.

Aurora protestou com um berro que acompanhou o feitiço. Mais uma vez, os raios sacudiram, acertando os arredores. Ruína chocou seu cajado contra o chão, e a menina sentiu o efeito do encantamento de emoções regulá-la de uma vez só. Com o impacto da magia, despencou de joelhos, deixando a ferramenta quicar no chão. Respirou pesado, recuperando fôlego, enquanto o coração voltava aos poucos às batidas normais.

Atrás de si, a mulher disparava um som bufante, em conjunto de um dos gemidos detestáveis de voz azeda. Os ouvidos de Aurora chiaram, e o músculo dentro do peito se agitou outra vez.

— Tive alguns alunos com aptidões extraordinárias. Outros, com capacidades tão ínfimas quanto um aborto – a mulher tomou a frente, como se sua classe começasse. Se pudesse, usaria o cajado como giz para riscar num quadro que não existia ali. – Estes do segundo exemplo, são sempre esforçados. Lutam, desgastam-se, ferem-se, apenas para alcançar algo que outras pessoas têm de graça, por uma condição que não podem escolher. Apenas são beneficiados com essas vantagens, enquanto o restante tem, e deve, correr atrás. Sobre o outro exemplo, demorei até entender o que acontecia a grande parte deles. Até que, finalmente descobri uma coisa. Sabe o que é, srta. Magalhães?

Caminhou perto dela, a barra do vestido tocou o braço da garota. Cada vez que as palavras refletiam no eco do ambiente, a menina sentia que os tímpanos estavam prestes a explodir. Quase sem entender a pergunta, respondeu:

— O quê?

— Percebi que o pior tipo de estudioso é aquele que tem potencial – a moça arrebitou ainda mais o nariz. – A partir do momento que alguém parte de um lugar de vantagem, pode se notar que uma prepotência se instaura. Aquele fica desleixado, aquela fica letárgica, apenas porque de antemão, são capazes do que querem. E caso não forem, com passos simples, chegam aonde lhes é preciso que cheguem. É claro, existem aqueles que se destacam, e usam essa força inicial como um empurrão para coisas grandiosas. Contudo, muitas vezes essa grandeza se detém ao próprio indivíduo, o que acaba criando um outro ciclo onde mais desses são beneficiados antes mesmo de poderem conquistar algo. Porque, primariamente, aquilo foi conquistado para eles.

Aurora ergueu-se de sua posição, limpou os joelhos que levantaram marcados pela pedra fria.

— O quê quer dizer com isso? – perguntou, empunhando o cajado.

— Quero apenas te propor uma reflexão. Me diga: o que é esse potencial nas suas mãos?

A pergunta foi fria, e a resposta intuitiva da menina foi pensar na metáfora por trás daquilo. Porém, algo a puxou em direção a Orabutã, que respondeu-lhe o olhar com sua calada forma de relevos avermelhados. Então, Aurora não soube responder.

— Se me permite, posso dizer o que é – a mulher se aproximou com sua postura esguia, voltando a sua posição mais relaxada; as mãos dentro das mangas. – Nas suas mãos, esse potencial não é nada – declarou. Depois apertou o rosto, numa dúvida. – Por algum motivo, que não sabemos, ele está aí, e você não tem o mínimo de respeito de usá-lo da maneira correta. Não consegue ser digna do poder que tem. Não honra nada disso.

A garota apertou o cabo do objeto. A madeira vibrou, e a ponta fitou o peito de Ruína.

— Me pergunto, srta. Magalhães – fez uma pausa, a boca fina enrugando os preparativos para uma ofensa. Ela conhecia. – O quê mais deixa de honrar?

— E-eu... – Aurora se encurvou, sentindo como se o estômago chutasse. – Como assim?

— Bom, as aulas começaram há quase três meses inteiros e não vi carta alguma chegar de seus familiares – o olhar pesou ainda mais. No peito, o coração já tão excitado quanto antes de explodir o boneco. – Isso seria incomum, já que me parece tão amada – existia uma ironia ali que fez Aurora quase estourar a madeira que segurava. – Diga-me, você os honra como deveria?

As pernas da menina tremeram. Sentiu o rosto aquecer, ficando vermelho. Agora, não só os ouvidos protestavam, a sua cabeça inteira parecia estar enfurecida. As orelhas sacudiam, o nariz se retorcia, e sua respiração cadenciava-se pronta para guerra. Contudo, apesar do estado em que estava, a menina não tinha energia o bastante para aquilo. Talvez por causa do estado. De qualquer forma, fosse o que fosse, afetada ou não, Aurora não sabia a resposta daquela pergunta.

— O... o quê... – balbuciou.

— Eles devem sentir orgulho, não devem? Então, por que não estão presentes para lhe dizer isso? – Ruína perguntou outra vez.

A bruxa sentiu como se fosse esfaqueada, e não aguentou a reação. Os olhos foram os próximos a protestar. Segurando-se para não debulhá-los, ouviu-se dizer:

— Cala... a boca – falou, com a mesma voz de quando Aquino desafiara-a na direção.

— Devo me calar por lhe fazer uma pergunta? Se é algo tão facilmente respondível, por que não me dizer os motivos? – fitou-a o mais fundo que podia. Aurora sentia como se ela tocasse sua alma. – Estão ocupados, é isso?

— Cala boca – disse mais uma vez, rinhando os dentes.

— Bom – a mulher seguiu, ajeitando os óculos –, se não estão ocupados, talvez... você não os honre como pensa.

— Cala boca! – berrou, e o cajado se ergueu para o rosto da professora.

A madeira tremeu, tal qual o epicentro de um terremoto, sendo que a área de impacto era o restante do corpo de Aurora. A mão pareceu esquentar, e ela não soube se por raiva ou pelo fluxo mágico que estava a centímetros de alcançar a professora. E naquele descontrole, um disparo seria letal.

— Ora – Ruína começou sem se abalar com o instrumento apontado para seu rosto. – Essa é a mais clara evidência de sua incapacidade, srta. Os covardes, diante da verdade, pensam que a melhor alternativa é destruir o porta-voz dessa.

Ela não vacilou. Manteve a postura de ataque, sem, em nenhum momento, repensar se deveria baixar a arma.

— Pois dispare – pediu. – Se é a forma que quer usar esse poder, dispare.

Foi então que o cajado começou a tremer ainda mais, dessa vez, com ela como epicentro. Considerara a possibilidade do que aconteceria depois que efetuasse o feitiço. Não podia.

— Dispare – insistiu.

— Não posso – a boca disse, sem que a mente estivesse concluído a resolução ainda.

Ela agradeceu por dizer isso, mas o braço seguiu erguido, chacoalhando.

— Sei que me odeia – afirmou, sem remorso – não seria bom concluir o que pensa que pode fazer comigo? O que considera cada vez que grito que é incapaz? Não seria satisfatório me ver estourar diante dos olhos e finalmente terminar seu tormento? Faça de uma vez. Dispare! – a voz foi um grito que recheou o calabouço.

— Não posso! – lançou de volta a ela.

O braço caiu, sem que ela pedisse. A testa foi a próxima, fitando o chão com vergonha. Ela não sabia se por não ter disparado ou por ter recuado. Ainda salpicando o ponto que desejava alcançar, Ruína comentou:

— O problema não é o potencial que carrega – a voz perdeu a acidez, caminhando para a elegância que portava em seu tom comum –, é o medo que tem de usá-lo. Para qualquer fim que seja – disse, deixando a sala em seguida.

Irritada, a menina seguiu ali, se recostando na parede para pensar se aquele abuso a levaria para algum lugar. Porém, quando sentiu a sensação de apodrecer no meio daquela pedra úmida, subiu, quase ignorando o que deveria ser aquele ensinamento.

As melhores partes da semana eram as visitas até a Casa de Doentes e Feridos, mesmo que o caminho até lá fosse repleto de reclamações sobre a instrutora do Clube de Duelos à amiga. Inara sabia do assunto, e vez ou outra unia-se a algum apelido que arranjavam, porém essa revolta terminava quando encontravam os rapazes. Não porque as preocupações passavam, mas porque os amigos não mereciam ser acolhidos nela.

Demorou até o início de Setembro até que Nino voltasse a falar, mas continuou usando faixas mesmo depois da série de tônicos, elixires e feitiços que foram usados, só porque queria parecer um coitado quando o pai viesse vê-lo naquele mês, já que algumas cartas muito insatisfeitas com a quantidade de pontos em sua ficha foram enviadas até ele. O curioso é que Nino dissera aquilo em tom de piada, abandonando as bandagens assim que o mês atingiu a segunda semana. Por algum motivo que Aurora não sabia, parecia estranhamente disposto a ter uma discussão com o auror do Ministério de Magia Brasileiro.

Matheus teve uma recuperação mais rápida, largando as muletas depois de duas semanas, mas o grupo apenas confirmou que estava bem de verdade quando, depois de comer aos montes num jantar, pediu uma sobremesa incomum; uma lasanha à bolonhesa. Ainda assim, foi guloso, e não conseguiu comê-la por inteiro, oferecendo as sobras que o grupo sentiu-se feliz em dividir, com exceção de Nino que abocanhou pouco para não sujar o paletó. Até Aurora partiu um pedaço grande, e graças ao seu estômago de passarinho, deixou boa parte no prato.

— Por isso que está magra assim – disse Matheus quando o toque de recolher foi anunciado, com o mesmo sorriso largo que a menina sentira tanta falta.

Quando a semana das provas de recuperação começou, Aurora montara o seu plano de estudos com muita precisão para qualquer falha. No almoço do dia dezessete, apontou onde cada um poderia ajudar.

— O negócio é o seguinte – falou, assim que limpou a boca com guardanapo.

— Lá vem – Nino apertou os olhos.

— Não, não é nada de errado, não, juro. Até porque não consigo nem pensar em ter que recolher mais daqueles bichos nojentos – explicou, com um tremelique, depois voltou ao assunto. – Preciso que me ajudem a estudar. Matheus, você vai me ajudar com aquela bendita planta de Adão – comentou, e o menino fez que sim. – Nino, Poções, faço algumas boas, mas preciso de um extra.

— Ah – abriu a boca para questionar, mas desistiu no meio. – Tudo bem.

— Inara, Magizoologia – pediu, por último.

A garota estranhou, erguendo as sobrancelhas. Ainda estava um pouco estranha desde a Caça às Bruxas. Não estranha como fora antes de se tornarem próximas, um novo tipo de estranheza que Aurora não tinha tempo para descobrir, e acabou ignorando. Por fim, menina também concordou.

Nino apontou o boletim exposto na mesa e apontou duas matérias.

— Faltou DCADT e Feitiços, Aurora – a voz mudou. – Caso necessite, estarei à disposição...

— Nino, essas não dá pra tentar nada prático, por enquanto – lembrou, fechando o pergaminho e devolvendo-o para bolsa. – Combinados?

Todos fizeram que sim, e seguiram para uma semana esclarecedora de estudos intensivos.

Ao transitarem entre as salas, classes, detenções e treinamentos, algumas coisas pareciam ter mudado desde o começo do mês. Havia mais silêncio nos corredores, menos reuniões nas escadas, mais responsabilidade com material inflamável, menos causos estranhos de azarações nos dormitórios e mais detentos devido a feitiços irregulares. Apenas entendeu o que houve, quando naquela mesma semana, viu um Seu Franscisco exausto ser acompanhado para fora da área da escola. O homem, que já era curvado quando chegara, parecia ainda mais velho quando partira. E naquela mesma despedida, também viu um recém-chegado descer dos botes que flutuavam depois da queda d'água. Quase não reconheceu a figura, pois o sr. Barden estava renovado. Os cabelos estavam brilhosos, suas feições haviam perdido a magreza, e as roupas estavam impecáveis, assim como vira no início do ano letivo quando encontra-o no porto, com exceção das olheiras.

Pela pressa, não teve tempo de cumprimentá-lo, mas viu alguns alunos o fazerem, assim como outros lamentarem o seu retorno. Quando tivesse a oportunidade, e se pegasse a raridade de vê-lo andando pela escola, perguntaria sobre o mau funcionamento do seu presente. Antes, precisava dar prioridade ao aprendizado das matérias que havia deixado para trás.

Aurora e Matheus entraram na estufa no sábado, já que Joana Dourado havia liberado-a para o aluno de Jaci apenas pela confiança que tinha no rapaz. Impressionou-se com a quantidade de moral que o menino carregava, mas não estranhou nenhum pouco, já que ele adotara a posição de maior nota do primeiro trimestre de Herbologia.

O verde ao redor era pontuado por eventuais traços coloridos, e o garoto lhe explicou que eram flores que faziam parte da coleção favorita da professora. Cada uma tinha uma propriedade, servindo tanto para a área botânica quanto para a feitura de bebidas e poções, mesmo assim, a mulher preferia mantê-las como peças únicas, inutilizadas para todo o resto.

Os dois, assim que calçaram suas luvas, prepararam o broto; um pequeno ponto branco de onde cresciam diversas ramificações paralelas surgindo de um mesmo ramo principal, assemelhando-se a uma espinha dorsal e a caixa torácica que vinha em seguida. O amigo plantou-a com cuidado, afundando a terra ao redor.

— São frágeis que nem vidro – as mãos fofas tinham tato para o movimento. – Geralmente, a gente deixa crescer sozinha, e atiça com adubo durante o processo. Mas tem um jeito mais rápido – sussurrou, como um segrego, sacando seu cajado. – Germinium — anunciou, fazendo as vértices da planta se esticarem, abrindo devagar até começarem a cultivar verde entre suas vértebras. – Só até aqui, tá bom, se usar demais elas quebram. Não são feitas pra crescerem rápido assim.

— Isso foi demais! – comentou, impressionada, e o menino corou. – Onde aprendeu isso?

Matheus fechou o rosto, adquirindo as mesmas feições entristecidas que lhe cortavam o peito. Os dois entenderam o porquê.

— Desculpa – anunciou, entredentes.

— Tá tudo bem – ele respondeu, mesmo que não estivesse.

Os dois ficaram em silêncio por um instante demorado. Aurora pegou seu próprio broto, arranjou um vaso de fundo grande como Matheus ensinara e apertou-o contra a terra úmida.

— Ela tenta falar comigo, sabia? – começou, acariciando a nova folha crescida. – Parece que quer pedir desculpas.

Aurora franziu o cenho, quase esquecendo que a planta que sua mão apertava era frágil. Matheus tomou a frente, enfeitiçando a outra muda, e esta cresceu com uma falha num dos ossos, não formando a costela perfeita como a anterior.

— E você não está pensando em aceitar, não, né? – perguntou, sem prestar atenção no aprendizado.

O garoto não respondeu, direcionando a fala às partes que faltavam na planta da menina.

— Faltam algumas vértebras – notou, óbvio.

— Matheus! – chamou-lhe a atenção, tocando-o no ombro para que ele se virasse para ela. – Tá pensando em perdoar ela?

— Não... – o menino vacilou na sua expressão, incerto – quer dizer, não tenho certeza.

— Como não tem certeza? Você se quebrou inteiro! – rebateu.

— Eu sei, Aurora, eu sei – estava dizendo a verdade, sabia melhor do que ninguém. – Mas é que... sei lá, ela parece triste. Quero dizer, de verdade – tentou.

— Claro que está! O namorado terminou com ela na nossa frente, minha e da Inara – justificou, abrindo os braços. As luvas jogaram terra pros lados.

— Terminou, é? – perguntou, sem saber.

— A-ham, fez ela passar o maior vexame – Aurora confirmou. – Matheus, não dá pra confiar nela. Vai saber o que ela quer se aproximando de novo. Depois que terminou, é mais provável que seja ainda mais cruel contigo só pra ter o Luka de volta – argumentou.

Mal tinha parado para pensar no quanto aquilo fazia sentido até dizer. Matheus, contudo, ainda parecia receoso, além de afundado na mesma tristeza da situação passada, pesando ao se lembrar.

— Não sei – Matheus devolveu, meio abatido, meio cansado. – Minha mãe fala pra sempre fazer às pessoas o que querem que façam a você. E... se eu errasse, gostaria de ser perdoado – disse, com orgulho em citar a mãe, mas duvidoso quanto ao ensinamento.

Aurora tentou não gritar como gostaria.

— Olha, Matheus, sua mãe pode ser uma pessoa muito legal, mas isso que ela disse não é. A menina te usou pra fazer você apanhar, você não pode perdoar ela assim, sem mais nem menos. 

— Eu sei – disse, mais uma vez, e mesmo que afirmasse que sabia, Aurora duvidava que sim.

— Não parece! – dessa vez deixou escapar o tom, aceso. – Me promete que não... não vai voltar a falar com ela.

— O quê? Aurora, eu não sei se talvez, algum di...

— Me promete, Matheus, por favor.

A menina ofereceu um dedo mindinho. O menino refreou a própria mão. Depois, encarou-a nos olhos, lembrando-se que era a mesma pessoa que havia lhe avisado de algo que viera a acontecer e a feri-lo muito. Então, aceitando o que a amiga tinha a dizer, ofereceu o dedo.

— Tá bom, eu prometo – disse, com uma concordância de cabeça. – E sim – aliviou a situação –, minha mãe é muito legal.

Aurora agradeceu numa risada, e ainda complementou-lhe mais motivos do porque estava certa. O garoto pareceu lidar melhor com os conselhos, e acabou que, ao fim do estudo, deu todas as dicas que podia para que a Costela-de-Adão dela fosse a melhor possível.

Da estufa, rumou para as masmorras da torre, em direção à sala de Poções. Nino combinara com ela ali, e não esperava que o menino conseguisse mesmo destrancar a sala com o feitiço que afirmara que sabia. E no fim, quando abriu a porta, confirmando o que dissera, viu dois caldeirões de latão preparados para as misturas.

O garoto aproveitou o momento a sós para utilizar a voz elegante que sempre portava na presença de Aurora, e mesmo isso não a incomodou. Estava muito dedicada na tarefa para prestar atenção ou mesmo ligar para aquilo, contudo, enquanto aguardava o ponto de fervura exato para acrescentar uma língua de rã, percebeu uma coisa no caldeirão ao lado. Nino fervilhava a poção ao mesmo tempo que contava os minutos, aumentava suas chamas e adicionava um elemento que faltava; tudo isso com uma maestria, que ela reconheceu como profissional, já que até para adicionar cada pitada ou punhado, o menino portava os mesmos trejeitos de sua mãe, Morgana.

Quando concluíram, Nino elogiou a composição malcheirosa da garota, pelo qual ela agradeceu, para em seguida, retribuir o cumprimento. O rapaz corou, numa vermelhidão tímida, mas pareceu um camarão quando Aurora lhe pediu um exemplar da poção dele para usar de referência em seus estudos. Depois que Aurora guardou o pote na bolsa, e o menino abandonou o tom carmesim, deixaram a sala para retornar a Torre de Anhangá. Contudo, atravessando a base, viram uma figura subindo as escadas, que os impediu de descer.

Um sujeito largo, fraque roxo impecável sobrepondo um colete, chapéu coco, e cabelo engomado assim como o do amigo, com exceção que não havia nenhuma mecha fora do lugar. Até o bigode, que enrolava formando um caracol, estava brilhoso. O moço encarou a garota, fitou-a de cima a baixo, e depois cultivou um demorado olhar ao amigo. Imediatamente, os bigodes ficaram pontiagudos.

A menina olhou para cima naquele momento. Podia jurar que assim que a expressão mudara, o céu se fechara junto, prestes a disparar ruídos de trovão e estampidos de raios.

— Pai? – perguntou o menino, incrédulo, para em seguida fechar as pálpebras com força, lembrando dos avisos berradores que recebera.

Aurora permitiu-se uma segunda olhada. O sujeito se aproximou, segurando uma bengala de ponta curva, que a menina teve quase certeza que era seu cajado.

— Aurora, eu... – balbuciou Nino, buscando rejeitá-la com educação, mas em seguida, remendando seus modos. – Este é meu pai, O.M. Victor Stradivarius – apresentou.

— Om? – perguntou sem querer, pensando alto.

— Ordem de Merlin – cochichou Nino. – Segunda classe.

— Prazer, querida – comentou ao passar por Aurora, puxando o chapéu para cima, devolvendo-o ao lugar logo em seguida. A figura cresceu em relação aos dois, tapando a vista.

Por fim, como se para arrancá-la dali, o sr. Stradivarius enviou-lhe um único olhar. Aurora entendeu, e assim que um trovão – dessa vez, de verdade – estourou no céu, agradeceu por não ter de presenciar o que ia acontecer. Olhou o amigo, com caridade, mas Nino devolveu uma determinação por trás dos olhos cinzentos. Não sabia pelo quê estava determinado, porém sentiu-se feliz por ele, de qualquer forma.

A visita, entretanto, a puxara de volta para a fala de Ruína. Aquela sensação de vazio na boca do estômago retornou, mais forte do que nunca, e demorou até que conseguisse engoli-la. Evitou o jantar, indo direto para seu quarto, direto para o Projector. Esfregou com o quanto podia das mãos, das cobertas e dos travesseiros. Nada. Aquilo não ajudou nenhum pouco a queimação na barriga. Lembrou-a de quando portara todos os cajados na loja, aguardando que fizessem algo e quando nenhum a respondeu.

É isso que eu mais quero ver, pensou.

Talvez, castigou-se, o outro lado tivesse que querer vê-la de volta. Começou como uma hipótese, que formou-se numa teoria e, no fim, se tornou uma possibilidade. A possibilidade parecia real demais. Tão real, que resolveu deixá-la de lado, até descobrir uma outra. Uma que fosse mais confortável.

 


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