A dor de cabeça era exorbitante. Não conseguia abrir os olhos. A claridade também era muita, o que dificultava ainda mais esta tarefa.

—Rose. – ouvi ao fundo.

A voz parecia tão longe. Parecia quase um sonho.

—Rose. – voltei a ouvir.

Não era um sonho. Alguém estava realmente a chamar-me.

Por mais que a claridade fosse forte, eu sabia que tinha de conseguir abrir os olhos. Eu sabia que precisava de confirmar que o que estava a viver era real e não nenhum sonho. Ou pesadelo.

A claridade que eu sentia não era o sol. Aquela claridade era propositada.

Um grande holofote estava apontado na minha direção. O objetivo? Não fazia a mínima ideia.

À minha frente, consegui ver alguém. Possivelmente a pessoa que me estava a chamar.

Finalmente, consegui abrir os olhos na totalidade. A claridade continuava a incomodar-me mas, aos poucos, conseguia ambientar-me a ela.

Os cabelos loiros começaram a sobressair-se. Aqueles olhos cinzentos no meio do seu rosto pálido que eu tanto conhecia. Que eu tantas vezes olhara. Que eu amara. Que eu ainda a…

—Rose. – chamou mais uma vez.

E naquele momento eu tinha percebido. Scorpius estava a sussurrar.

Tentei levantar-me. Mas não consegui. Eu estava amarrada.     

Encarei Scorpius. Também ele estava amarrado. Estávamos frente a frente. Próximos um do outro. Sem nos conseguirmos tocar.

Lembranças do que tinha acontecido mais cedo atingiram-me por completo. O jogo de Quidditch. A minha ida à casa de banho. Liam…Liam tinha-me levado para ali!

—O que é que se está a passar? – perguntei, tentando libertar-me das cordas. Eu estava sem a minha varinha e não fazia a mínima ideia de como sair dali – Scorpius…

—Foi ela, Rose. – respondeu Scorpius, baixando a cabeça.

Scorpius não precisou de dizer nenhum nome. Eu sabia perfeitamente bem quem era essa ela. Alicia Nott.

—Não sei como, mas ela descobriu…Rose, eu não te consegui proteger. – sussurrou Scorpius, cabisbaixo.

—Tu não tens culpa, Scorp. – falei, tentando tirar-lhe toda aquela culpa de cima. Ele estava completamente destruído. Ele sabia tudo o que estava em jogo. Tantos anos a proteger-me para agora acabarmos aqui os dois, indefesos. Já para não falar da Lyra. Uma pobre criança que não tinha culpa de nada. Que não tinha culpa da mãe que tinha. A filha que Scorpius não conseguia proteger, naquele momento – Scorp olha para mim. – pedi, mas de nada adiantou. Scorpius manteve-se cabisbaixo – Por favor.

Uma lágrima descia pelo seu rosto. E foi aí que eu percebi. Ele tentava ser forte. Ele tentava não mostrar fraqueza à minha frente. Ele continuava a tentar proteger-me.

—Tu não tens culpa, Scorp. A Nott apenas não soube aceitar que tu amavas outra pessoa sem ser ela. Scorp, tu não tens culpa de me amares e de tentares de tudo para ficar comigo. Porque tu lutaste. Porque tu lutas todos os dias por nós. Pela Lyra. E é desse Scorpius que eu preciso aqui comigo. Para lutarmos juntos. Por nós. Pelos nossos filhos.

Começo a ouvir palmas. Olho em volta, em busca do barulho.

Percebo que à minha esquerda está a única saída que eu e Scorpius temos. E, percebo também, que a Nott está lá.

—Quase que me emocionei. Foi um bom discurso, Weasley. – disse Nott, aproximando-se – É pena que nada desse discurso emocional vá funcionar. E sabes porquê? Porque eu vou destruir o Scorpius, pedaço a pedaço. Eu vou fazer aquilo que ele mais temeu durante os últimos oito anos.

—NÃO! – gritou Scorpius – Por favor, Alicia. Eu faço tudo o que tu quiseres.

—Isso já não resulta, Scorpius. – respondeu Nott – Tu tiveste a tua oportunidade. Eu fui muito meiga contigo. Eu cumpri a minha promessa. E sabes o que tu fizeste? Desprezaste-me durante todos estes anos!

—Pode ser diferente agora, Alicia. – pronunciou Scorpius, deixando-me surpresa – Vamos embora. Vamos para longe. Nós e a Lyra. Vamos deixar tudo para trás. Não precisamos de voltar.

Mesmo que eu quisesse, eu não conseguia pronunciar uma única palavra. Eu simplesmente não conseguia. Scorpius estava a dizer que queria voltar a desaparecer. Mas, desta vez, era para sempre.

Por mais que eu soubesse que ele apenas estava a fazer isto para me proteger, aquelas afirmações tinham-me magoado. Ele iria embora…outra vez.

Nott ponderava seriamente nas afirmações de Scorpius. Scorpius tinha-lhe oferecido tudo o que ela sempre quis. Ele estava completamente subjugado aos seus pés.

—Não me parece, Scorpius. – respondeu Nott, surpreendendo-me e a Scorpius – Enquanto ela estiver viva, nós não conseguiremos ser felizes.

—Se a matas, nunca me terás.

E foi ali que eu percebi concretamente as palavras da Nott. O que Scorpius mais temeu, nos últimos oito anos, foi que ela me matasse. Aliás, ele tinha abandonado toda a sua vida por minha causa.

—E é por isso que ela é um empecilho, Scorpius. – disse Nott, friamente – Só quando ela morrer é que tu serás totalmente meu. Não entendes, Scorpius? Nós só conseguiremos ser felizes quando ela morrer.

—Tu és completamente louca. – gritou Scorpius, completamente desesperado. Desde que conhecia Scorpius, eu nunca o tinha visto assim. Tão indefeso. Tão destruído.

            -Eu até posso ser louca, mas estive sempre um passo à vossa frente. Vocês achavam mesmo que me conseguiam enganar? Vocês foram tão inocentes.

Permaneci calada. Por mais que me custasse, eu tinha de concordar com ela. De alguma forma, nós fomos imprudentes. Agora, eu não conseguia perceber onde.

Era verdade que ela tinha colocado a Astoria sobre a Maldição Imperius. Foi assim que ela descobriu que eu estava grávida. Mas eu nunca contei à Astoria toda a verdade sobre o grande segredo do Scorpius.

—Nenhum dos dois vai perguntar como é que eu descobri todo o vosso plano idiota? – perguntou Nott, fingindo um tom dececionado – Não me digam que estão demasiado envergonhados por terem sido ultrapassados pela louca? Weasley diz alguma coisa. Estavas tão faladora antes de eu chegar.

Permaneci calada. Por mais zonza, por mais mal-disposta, por mais amedrontada que estivesse, eu não lhe iria dar o prazer de responder. Porque era exatamente isso que ela queria. Apenas para humilhar.

Nott, vendo que nenhum de nós pronunciava uma única palavra, aproximou-se de mim.

—Scorpius tens a certeza que não queres dizer nada? – perguntou Nott encostando a sua varinha ao meu pescoço e agarrando o meu cabelo. Foi impossível não soltar um grunhido.

Scorpius encarou-me. Mais uma vez, vi o seu lado mais frágil. O seu lado completamente destruído.

A minha vontade era abraçá-lo, acarinha-lo e dizer que tudo ficaria bem. Dizer-lhe também que ele não precisava de se preocupar comigo e que agora era a minha vez de o proteger de tudo.

—Como é que…como é que descobriste o nosso plano? – perguntou Scorpius atropelando-se nas palavras. Ele estava a um fio de ir completamente abaixo. Eu conseguia ver o quanto ele se estava a esforçar para não ir à frente da Nott – Como é que conseguiste estar um passo à nossa frente?

—Fico feliz que tenhas perguntado, Scorpius. – respondeu Nott, largando-me e começando a andar de um lado para o outro – Desde que voltamos que eu sabia que não conseguirias ficar muito longe dela, Scorpius. Eu vivi contigo durante oito anos. Eu conheço-te melhor que ninguém. Durante esses oito anos, tu trataste-me como uma estranha. Não me tocavas. Não fazias nada. Pensas que não me magoaste com isso tudo? Pensas que não me magoaste ao continuares a pensar nesta sonsa? Magoaste muito. Até que apareceste uma noite, completamente bêbado em casa. Tu não conseguias distinguir nada. E foi ali que eu vi a nossa oportunidade. Nós continuamos a encaixar perfeitamente um no outro. Tu é que não viste isso, Scorpius. Mantemo-nos toda a noite acordados. Tu não querias parar…

Eu tentava, mas não conseguia deixar de ouvir aquilo. Mesmo antes de Scorpius começar a namorar comigo, eu sabia perfeitamente que ele tinha estado com outras raparigas antes. Eu sabia que, ao contrário de mim, ele não era virgem. E também sabia que uma dessas raparigas tinha sido a Nott. Mas, estar ali a ouvir a Nott a descrever a intensa noite de sexo com o Scorpius, dava nojo. Ela era completamente nojenta.

—Mas no dia seguinte voltou tudo ao normal. O Scorpius da Weasley tinha voltado. Eu apenas tive o vislumbre do Scorpius da Alicia. Até que fiquei grávida da nossa querida Lyra. Pensei que tudo ia mudar. Mas não. O máximo que tive foi tu fingires em frente à nossa filha que eramos um casal feliz. E tudo isto por causa desta cabra. – disse Nott apontando para mim – Tu foste a causa de toda a minha infelicidade.

—Ela não tem culpa de nada. – disse Scorpius, defendendo-me – Ela não tem culpa de ser a mulher da minha vida!

—Está calado. – gritou Nott dando um estalo a Scorpius. Remexi-me – Eu ainda não descobri qual feitiço ela usou em ti para tu estares assim.

—Chama-se amor, Alicia. É algo que tu não conheces. – atirou Scorpius.

—Eu conheço perfeitamente esse sentimento. Tudo o que está a acontecer é por causa do meu amor a ti! Mas tu nem pensas num segundo nisso. Tiveste que colocar logo a nossa filha a ser tratada por ela quando tinhas a tua mãe com exatamente a mesma profissão. Essa foi a minha primeira desconfiança para saber que estavas a tramar alguma coisa. Eu sabia! Mas depois a tua mãe começou a levar a Lyra às consultas. A Weasley tinha-te rejeitado. Pela primeira vez na vida dela, ela tinha feito alguma coisa de jeito. Mas as coisas voltaram a descontrolar-se outra vez. Por mais que ela te desse para trás, tu continuavas como um cãozinho atrás dela. Eu ainda não consigo perceber de onde vem tanta obsessão. – disse a Nott parando de repente e encarando-me – Eu sabia que o Potter sabia toda a história. Eu ouvi ele e tu a falar sobre isso. Mas eu sabia também que ele não tinha contado nada à sua priminha. Porque havia algo que tornava o meu plano perfeito. A única pessoa, para além de nós, que sabia a verdade, tinha tanto a proteger quanto tu.

A porta ao meu lado abriu-se. Liam entrou. Ele não me conseguia encarar.

—E chegou o outro protagonista da história. Mais alguém que Rose Weasley conseguiu enfeitiçar. – anunciou Nott como se estivesse num espetáculo – Por mais que ele tentasse, Weasley, ele não conseguia esquecer-te. Foi ele que descobriu as tuas idas a casa do Potter. As mesmas que coincidiram com as idas do Scorpius. Já para não falar na fatídica noite em que o Scorpius adormeceu em tua casa. Um descuido fatal. Daí até ter descoberto a tua gravidez foi um passo. Este momento ia saber-me ainda melhor. – concluiu com um sorriso perverso no rosto.

Se eu pensava que não conseguia ficar mais assustada, estava completamente enganada. Agora, eu estava completamente aterrorizada. Era do meu filho que estávamos a falar.

—Desde a vossa noite que tudo o que vocês fizeram foi porque eu deixei. Eu deixei que vocês chegassem a um plano para me destruir. Eu deixei que vocês tivessem essa esperança. Eu deixei que vocês acreditassem realmente que tinham uma hipótese contra mim. E vocês realmente acreditaram.

—Liam, por favor, ajuda-me. – implorei. Ele era a minha melhor hipótese – Liam, por favor, volta à razão. Ela está apenas a usar-te para me destruíres.

—Eu sei perfeitamente o que ela está a fazer, Rose. Ao contrário de ti, ela não é mentirosa. – respondeu Liam, num tom completamente gelado. Ela tinha conseguido manipulá-lo.

—Ela vai matar-me. – contei tentando mostrar o quão louca ela estava.

—Não vai nada. Tu ficarás comigo para sempre.

A Nott tinha-o enganado. Ele acreditava seriamente nas palavras que dizia. Naquele momento, a minha melhor hipótese era fazê-lo ver que estava a ser manipulado.

—Está na hora, Liam. – disse Nott.

Liam aproximou-se de mim. Na sua mão esquerda tinha um lenço.

Eu sabia o que era aquilo. Quantas vezes não tinha visto aquilo nas series muggles que via. Ele ia adormecer-me.

Comecei a remexer-me. A tentar evitar o lenço. Mas estava a ser demasiado difícil.

—Pára Alicia, por favor. – ouvi Scorpius implorar – Eu faço tudo o que quiseres.

—Aqui começa o início do fim, Scorpius. – foi a última coisa que ouvi antes de adormecer.