Casa da Marlene, verão de 1975.

Lily Evans

Já era noite e ainda estávamos na sala discutindo O plano. (Sim, O plano, James acha que é um plano bom demais pra ser só mais um então estamos chamando de O plano pra ver se ele se aquieta) que parecia cada vez mais absurdo, mas era nossa única saída.

—Lily, se eles não se resolverem depois da gente armar isso tudo a Lene mata a gente! - Dorcas me olhou preocupada mexendo em seu rabo de cavalo cheio de fitas.

—Mas se eles se resolverem vão ser eternamente gratos! - James disse entrelaçando os braços atrás da cabeça. - Para de ser negativa, Dorcas!

—A Doe tem razão, Pontas, precisamos pensar em todas as possibilidades e não só na que nos agrada.

—E você nem está concordando com ela só porque ela é sua namorada. - James disse revirando os olhos e resolvi me meter antes que eles saíssem do foco.

—Não comecem. - Eu disse séria. - Temos uma idéia para amadurecer aqui! Quer dizer, não podemos simplesmente jogá-los dentro de um quarto e esperar que eles se resolvam.

—Isso, Lils, é exatamente o que podemos fazer. - O James disse maroto.

—Eles vão se matar e não vai resolver nada! - A Dorcas disse enquanto Rem a abraçava. Eles estavam juntos no sofá enquanto eu e James estávamos no chão com um balde de pipoca (James se recusou a discutir O plano sem comida, ele alegou que suas atividades cerebrais diminuiam quando ele ficava com fome).  

—Vamos fazer o seguinte, eu e James conversamos com Sirius e vocês duas com a Lene, vemos como eles estão e então juntamos a informação hoje a noite, ai amanhã pegamos as varinhas deles e dizemos ao Sirius que a Lene está chamando ele, quando ele entrar no quarto dela trancamos a porta e corremos pro quarto do James para escutar tudo e impedir que eles se matem.

—Primeira vez que o Aluado organiza um plano - O James disse com voz de choro. - Mesmo que tenha sido minha ideia, queria que o Sirius estivesse aqui pra ver como nosso lobinho cresceu rápido. - O Remus revirou os olhos pra ele e começamos a rir.

Eu estava meio incomodada com o plano porque não queria manipular minha melhor amiga, mas eu a conhecia bem demais e sabia que ela não ia ouvir a não ser que a obrigassem a isso. Ela era tão teimosa que passou o dia trancada no quarto e não desceu nem pra comer.

—Um doce por seus pensamentos. - James disse baixinho enquanto me olhava intensamente.

—Estou pensando se esse plano é uma boa ideia, não gosto de manipular ninguém, principalmente minha melhor amiga. - Eu falei apoiando o queixo nas mãos e encarando ele de volta. Sorri um pouco ao ver que ele realmente tirou um chocolate do bolso e me deu.

—Eles são bastante orgulhosos e não vão querer resolver isso sem ajuda. - Ele disse enquanto eu abria o chocolate. - Mas nós sabemos que eles estão apaixonados. A prova disso é que nenhum dos dois saiu do quarto hoje.

—Realmente… - Eu disse mastigando e imaginando que se não fizéssemos nada eles iriam passar as férias inteiras desse jeito.

—Precisamos ajudá-los, Lils, porque senão eles passam as férias todas enfurnados no quarto. - Ele disse abrindo um chocolate. Como ele pensou exatamente a mesma coisa que eu?

—De onde você tira tantos chocolates? - Eu perguntei tentando me convencer que pensamos iguais porque era óbvio pensar aquilo.

—Ora, um homem deve estar sempre preparado. - Ele disse tentando soar misterioso mas como estava com todo melecado de chocolate, não dava para levar a sério. Comecei a rir. - EI! Não era essa a reação que eu esperava! - Ele disse fazendo bico.

—Você que não sabe comer e se sujou todo! - Eu disse sem parar de rir enquanto ele tentava desesperadamente limpar o rosto. -É aqui que está sujo, James. - Eu disse limpando o canto da boca dele e percebi que ele ficou estático e me olhou, o que me fez corar até o último fio de cabelo.

—Obrigado, Lily. - Ele disse ainda me olhando e eu não consegui desviar o olhar. Acabei sorrindo um pouco e me virando rápido.

Era melhor nem ter virado, já que a Doe e o Rem nos olhávamos com sorrisos gigantes.

—O que foi, gente? - Eu perguntei tentando ignorar o sorriso de maníaca da Dorcas.

—Nada não. - O Remus disse, mas vi ele fazendo um joinha pro James por baixo da almofada. Corei mais ainda.

—Dorcas, vamos falar com a Lene. Meninos, vão falar com o Sirius. - Eu disse me levantando e saindo rapidamente da sala, sentindo meu coração bater acelerado. Dorcas demorou um pouco a sair e vi que ela queria conversar então subi as escadas rapidamente.

—Lily, você não pode fugir. - Ela disse atrás de mim.

—Me observe. - Eu disse e entrei no quarto. - Lene, precisamos conversar.

Eu esperava que a Lene estivesse sentada na cama chorando enquanto olhava a carta e as fotos dela com o Sirius, mas não havia nem sinal dela no quarto.

—Lene? - Eu chamei sem esperança. - Talvez ela esteja no banheiro. - Eu disse pra Doe mas já sabia que não estava. Abrimos a porta pro banheiro luxuoso de Lene mas este estava igualmente vazio.

—Onde será que a Lene foi? - Dorcas perguntou nervosa atrás de mim.

—Calma, Doe, a Lene não é uma criança e ela cresceu por aqui, deve estar bem. - Eu disse demonstrando mais confiança do que sentia. A Lene não estava bem e eu tava sentindo que ia fazer algo errado. - Vamos descer e chamar os meninos. - Saímos do quarto e apagamos a luz, a cada segundo o sentimento ruim aumentava. Onde você está, Lene?

Quando chegamos na sala vimos que os meninos já estavam lá, com caras nada boas por sinal.

—O Almofadinhas não quis conversar de jeito nenhum. Ele nem abriu a porta. - James disse e pareceu magoado. Me sentei ao lado dele no sofá preocupada.

—A Lene sumiu! - A Dorcas disse sentando no colo do Remus, que estava na poltrona.

—Como assim sumiu? - Rem perguntou olhando atentamente a namorada.

—Fomos no quarto e ela não estava lá. - Eu disse resumindo.  

—Estávamos na sala, ela não poderia ter saído sem que nós víssemos. - Remus disse fazendo carinho em Dorcas que parecia que ia chorar.

—Calma gente, Lene foge de casa pela janela desde sempre. - James disse e segurou minha mão por baixo da almofada. Olhei pra ele e apertei sua mão, então ele sorriu e apertou a minha de volta. - A Lene está bem, só deve estar dando uma volta por aí.

—Ela fazia isso quando era pequena? - A Dorcas perguntou se acalmando.

—Sim, sempre que os pais dela brigavam com ela e a deixavam de castigo. - James disse dando de ombros.

—Lene nunca lidou bem com castigos. - Eu falei rindo. - Uma vez ela pegou detenção e botou fogo nas plantas que precisava aguar. Claro que isso rendeu mais duas semanas de detenção, mas ela não se arrependeu.

—Tá vendo, Doe, a Lene está bem. - O Rem aninhou a Dorcas que parecia muito bem e super confortável agora. Senti inveja deles. Se entendiam tão bem, se completavam tanto. Tudo bem que demoraram mil vidas pra ficarem juntos, mas agora olhando pra eles parece que foi no momento certo. Senti um aperto na minha mão e olhei pro James.

—Eu sei onde ela pode ter ido. - Ele disse baixinho perto do meu ouvido e eu me arrepiei toda. Controle-se, Lily Evans!

—Aonde? - Respondi igualmente baixo.

—Vamos. - Ele me puxou pela mão. - Bom casal, estava ótimo aqui com vocês mas as pessoas solteiras da casa tem coisas divertidas pra fazer. Até mais! - Só deu tempo de dar um tchauzinho e ver as caras confusas dos meus amigos antes que o James me arrastasse porta à fora.

—Aonde você está me levando, James? - Eu disse desconfiada quando saímos da casa.

—Eu era o melhor amigo da Lene quando éramos pequenos. - Ele disse atravessando a rua. Percebi que nossas mãos ainda estavam entrelaçadas mas decidi deixar e fingir que não percebia. A mão dele é tão macia! — Não que tivéssemos escolha, éramos dois filhos únicos e não havia nenhuma outra criança por perto. Mas enfim, um dia os pais da Lene voltaram mais cedo de viagem e a viram jogando quadribol comigo, o que deixou os velhos bastante irritados sabe? Eles não acham que meninas devam jogar quadribol. De qualquer forma, o pai da Lene brigou muito com ela e a proibiu de me ver.

—Sério? Por causa do quadribol? - Eu disse surpresa enquanto continuávamos andando em direção ao nada, íamos na direção contrária à da cidade. - Achei que as famílias bruxas amassem quadribol.

—E amam, mesmo os McKinnon não sendo uma família sangue-puro, o pai dela é extremamente machista e tradicional. Ele acredita que meninas deviam viver para o marido e tudo mais.

—Nossa, eu sabia que a Lene tinha uma família tradicional e ausente. - Eu disse pausadamente, estava ofegante porque estávamos subindo uma ladeira de terra horrível. - Mas isso explica porque ela é tão rebelde e contra castigos, deve ser uma forma de se rebelar contra isso.

—De certa forma, sim, mas Lene amava quadribol, então quando os pais dela viajaram de novo…

—Nós viemos jogar aqui. - Lene disse, interrompendo a fala de James, mas não conseguia vê-la.

Finalmente acabamos de subir a ladeira e apesar de não haver nenhuma luz no lugar, pude perceber que era uma clareira florida. Lene estava sentada na ponta, voltada para cidade, e como era um lugar alto, só víamos os focos de luz das casas e dos postes. Que vista linda!

Me soltei do James e acelerei meu passo. Assim que cheguei ao lado da Lene vi que ela estava com um pijama e um casaco grande, que reconheci como o de Sirius, ela parecia muito cansada. James se sentou do outro lado dela e esticou os braços para se apoiar melhor.

—Não é educado interromper as pessoas, McKinnon. - Ele disse levantando a sobrancelha pra ela. Era tão quieto que qualquer ruído parecia alto, finalmente entendi como a Lene nos escutou de longe.

—Não é educado interromper os momentos de paz e solitude das pessoas, Potter, mas aqui está você. - Ri por dentro e passei meu braço pelos ombros da Lene.

—Como você está, Bananinha? - Eu perguntei preocupada e senti que ela sorriu. Esse foi o apelido que a Doe deu a ela no primeiro ano quando a Lene era viciada em bananas.

—Estou bem, Lils, mas a gente sabe que não consigo passar muito tempo no mesmo canto, as paredes do meu quarto estavam me deixando louca. - Ela disse suspirando e eu a apertei mais forte.

—Aqui é um bom lugar pra escapar. - Eu disse olhando a cidade. 

—É o meu lugar seguro. - Ela disse sorrindo e vi que James sorriu também. Fiquei feliz por eles.

—Bom, estou feliz em ser incluída no lugar seguro de vocês. - Eu disse.

—Estou feliz por isso também. - James disse e piscou pra mim.

Lene se soltou do meu abraço e deitou no chão, apoiando a cabeça no meu colo.

—Folgada! - James disse enquanto ela colocava as pernas no colo dele.

—Estou cansada! Estava nessa posição a um tempão! - Ela se defendeu enquanto ajeitava as vestes embaixo dela. - Lils, cante aquela música pra mim.

—Hey Jude? - Eu perguntei. Era a que eu cantava pra ela quando ela tinha medo do escuro no primeiro ano, mas como Beatles era a banda preferida do Sirius, não sabia se era uma boa ideia.

—Eu sei o que está pensando, mas não vou deixar com que ele estrague uma coisa nossa.

Respirei fundo e olhei pra James que parecia confuso.

—”Hey, Jude, don't make it bad

Take a sad song and make it better

Remember to let her into your heart

Then you can start to make it better”

Lene estava de olhos fechados e eu fazia carinho na cabeça dela. Senti o olhar do James e levantei a cabeça para encará-lo.

—”Hey, Jude, don't be afraid

You were made to go out and get her

The minute you let her under your skin

Then you begin to make it better”

Continuei cantando e fazendo carinho nela enquanto sorria e olhava pra James. Queria entendê-lo.

—"And anytime you feel the pain

Hey, Jude, refrain

Don't carry the world

Upon your shoulders"

Será que ele ia ser assim em Hogwarts? Ou voltaria a ser o galinha de sempre?

—"Well you know that it's a fool

Who plays it cool

By making his world a little colder

Na na na na na na na na na"

Olhei pro sorriso dele e não achei justo que alguém tivesse um sorriso tão lindo.

—"Hey, Jude, don't let me down

You have found her now go and get her

Remember to let her into your heart

Then you can start to make it better"

O problema era que eu queria confiar nele, queria tentar algo com ele, mas estava com medo de ser só mais uma.

—"So let it out and let it in

Hey, Jude, begin

You're waiting for someone to perform with

And don't you know that is just you?"

Vi tantas meninas chorando por ele, porque eu seria diferente? Era só mais um desafio pra ele.

—"Hey, Jude, you'll do

The movement you need

Is on your shoulder

Na na na na na na na na na"

O mundo parecia rodar com tantos “e se” e eu senti que uma lágrima estava escorrendo pelo meu rosto.

—"Hey, Jude, don't make it bad

Take a sad song and make it better

Remember to let her under your skin

Then you begin to make it better

Better, better, better, better, better

Na, na, na, na na na na, na na na na, hey Jude

Na, na, na, na na na na, na na na na, hey Jude"

Acabei a música e vi que a Lene estava dormindo no colo enquanto James me olhava preocupado, vendo as lágrimas descendo pelo meu rosto mas eu não consegui falar nada, só continuei chorando.

Ele tirou os pés de Lene do colo e se sentou ao meu lado.

—O que aconteceu? - Ele disse só mexendo a boca, sem fazer som nenhum.

—Eu… - Lembrei de tudo que estava acontecendo ultimamente. James e eu brigando na rua, depois fazendo as pazes, do nosso karaokê, dele me dando chocolates, da risada dele e dos sorrisos marotos. - Não quero ser mais uma menina chorando no banheiro porque levou um fora de James Potter. - Falei baixinho e olhei pra Lene, vi que algumas lágrimas caíram nela e limpei devagar. Senti James levantar minha cabeça e quando meu olhar encontrou com o dele, vi que os olhos dele brilhavam através dos óculos.

—Eu não vou te magoar, Lily.

—O meu medo é que você me ache só um desafio e no momento que a gente ficar ou voltar para hogwarts, tudo isso acabe.

—Lily, eu estou apaixonado por você. E não porque você não queria sair comigo. Eu me apaixonei por você porque você é leal, porque você sempre ajuda qualquer um, porque você me fazia rir até de longe, porque você ronca engraçado, porque você soube do segredo do Remus e nunca fez nada além de se preocupar com ele. - Como ele sabia que eu roncava? E que eu me preocupava com o Remus? - Sim, eu sei de tudo isso. E sei porque eu te observo muito. Eu estou sempre olhando pra você. Você não é só mais uma porque eu só ficava com elas pra ver se sentia um pouquinho do que eu sinto por você. E não consegui. Você é única pra mim, Lily Evans, e eu prometo que vou me esforçar ao máximo pra nunca magoar você.

Eu estava chorando de verdade agora e ele limpou minhas lágrimas. Me aproximei dele e ele me beijou. Foi um beijo molhado, com uma garota no colo e tudo mais, mas foi o melhor beijo da minha vida.