Família De Marttino Uma Segunda Chance(degustação) escrita por moni


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Oiieeeeeeee
Estão gostando? espero que sim. Eu queria muito contar sobre Kiara e Filippo.



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   Pov – Kiara

   Apago as luzes do quarto. Deixo uma luz pequena acesa ao lado da cama. Quem sabe Matteo acorda no meio da noite com medo de fantasmas como o tio Filippo. Sorrio com a ideia de um homem feito com medo de fantasmas.

   Meu sorriso se desfaz quando penso que meus fantasmas são muito reais. Existem e me assombram dia e noite. Não importa se esteja nessa velha mansão ou na casa nova. Não importa se é dia ou noite. Eles me acompanham e nada pode afasta-los.

   A lembrança sempre me afeta. Sinto um incomodo físico. Uma angustia. Abro a gaveta da cômoda e pego o cantil. É sempre um bom jeito de esquecer. Amortece na hora. Tem sido assim e nem penso em ser diferente. Abro e quando levo a boca Matteo se mexe na cama. Paro o cantil de prata no meio do caminho.

   Tampo e devolvo na gaveta. Só mesmo esse pequeno para me fazer desistir de amortecer a dor. Guardo o cantil de volta na gaveta.

   ― Não queremos que vovó descubra o roubo. – Me deito ao lado do pequeno. Ele está espalhado na cama de casal que vamos dividir essa noite. Tem um muro de travesseiros para o caso de se mexer. Toco os cabelos castanhos. – Você é mesmo a cópia do papai. – Sussurro, ele nem mesmo se move. Dorme profundamente. Foi um dia longo. Pena que não vai ter memórias desse dia que muda tanto sua vida. – Não ter lembranças as vezes é bom.

   Me ajeito ao seu lado. Fico olhando o rostinho bonito de traços delicados e infantis. Está seguro agora. Enzo e Bianca vão tentar. Vão conseguir. Eu sei que sim. Meu irmão não desistiu de tentar, não desistiu dela e não haver nada no mundo que os faça parar de tentar. Por isso ele está seguro.

   Está com os pais. Com quem o ama acima de todas as coisas e nenhum estranho vai invadir a vidinha dele e machuca-lo. Bianca vai proteger seu bebê. Enzo vai fazer o mesmo. Não vão desistir de ficar juntos. Os dias difíceis vão ser superados e ele vai ficar bem.

   ― Mas eu prometo ficar por perto bebê. Não se preocupe. – Beijo a testa do pequeno e seguro sua mão. De algum jeito estar perto dele me protege. Essa noite, mesmo sem um gole eu não vou ter medo. Não vou ter lembranças. Por que esse pequeno inocente está aqui. Cuidando de mim.

   O dia nem bem clareou e Matteo está me cutucando e resmungando. Demoro um minuto para colocar as ideias em ordem e me lembrar do que ele faz aqui.

   ― Oi pequeno. Bom dia.

   ―Cadê a mamãe?

   ―Ela está chegando. Quer tomar café?

   ―Bolo, leite, pão.

   ―Isso. Nada de mamadeira.

   ―Mamadeira não, não. – Ele balança a cabeça negando. Agora só toma uma mamadeira antes de dormir.

   ―Vamos buscar seu café e voltar para cama. Ainda é ontem.

   ―É. – Ele concorda. Me arrasto ainda com sono até a cozinha. A casa está mergulhada no silencio. Depois de uma longa festa como a de ontem é natural. Preparo um copo de leito com achocolatado, dois biscoitos e uma fatia de pão fresco com geleia. Matteo no meu colo atencioso e talvez faminto. Completo o desjejum com uma salada de frutas. – Meu tia?

   ―Seu. Vamos? – Olho para a bandeja e para ele. Filippo é um péssimo ajudante. Está dormindo e eu aqui. Nem consigo levar o menino e a bandeja. – Que acha de comer aqui mesmo? – Ele me olha sem entender direito. – Vem.

   Me sento com ele no colo e espero que do jeitinho dele vá comendo e bebendo o leito. Demora meia hora mastigando e tomando golinhos de leite.

   ― Gostoso. – Ele diz de boca cheia e tenho vontade de morder a bochecha. Anna surge na cozinha e leva um susto quando nos vê.

   ―Desculpe senhorita. Não sabia... quer que eu prepare seu café?

   ―Não Anna. Obrigada. Eu não como pela manhã e já dei um jeito.

   ― Achei que ninguém acordaria tão cedo. – Ela me conta um tanto tensa.

   ―Anna. Está tudo bem. Ele já vai voltar para a cama e eu também. Não é bebê.

   ―Desenho.

   ―Viu? – Matteo continua a comer e Anna começa a preparar o café da manhã. Uns minutos depois o pequeno afasta o resto do bolo que tem nas mãos. Está com a boca suja, tem pedacinhos de bolo pelo pijama e as mãos estão grudentas. – Melhor irmos dar um jeito nisso. Estamos indo Anna. Bom dia.

   ―Bom dia senhorita De Martino.

   ―Kiara, apenas Kiara. – Não custa tentar. Ela me chama assim desde que eu era uma garotinha. Me lembro dela gritar por mim pelos vinhedos. Senhorita Kiara. Acho que isso era coisa do meu pai. Não acho que vovó se importe com isso.

   Vamos direto para o banheiro. Lavo as mãos do pequeno. Depois é hora de escovar os dentinhos. Matteo adora isso. A pasta tem gosto de frutas e ele acha divertido criar espuma e tentar cuspir.

   ― Que nojo em pequeno? – Lavo sua boca, o rosto melado enquanto sentado no balcão da pia ele se diverte brincando com a água.

   ―Nojo! – A carinha de nojo que ele faz é tão bonitinha que procuro meu celular.

   ― De novo bebê. Nojo. – Ele repete e fotografo. – Mamãe vai amar essa carinha. Desenho?

   ―Sim.

   Volto com ele para cama. Matteo fica entretido com o programa e me deito ao seu lado. Ele é tão bonzinho. Uns minutos depois está dormindo e faço o mesmo. Adormeço segurando sua mão. Acordo antes dele. Aproveito que o pequeno está dormindo e vou para o banho.

   Tenho medo do pequeno acordar e sair da cama. Esse negócio de bebê dá muito trabalho. É realmente coisa para se fazer em dupla. Uma coisa é ficar umas poucas horas com ele enquanto a mãe vai fazer qualquer coisa. Outra bem diferente é ser responsável pela vida dele, segurança, alimentação.

   Me enrolo na toalha de saio do banheiro para me vestir no quarto. Assim fico de olho no pequeno.

   ―Ei pequeno. Sozinho aqui? – Abro a porta do banheiro ao mesmo tempo que escuto a voz de Filippo. Ele se volta e ficamos frente a frente.

   Cruzo os braços no peito me sentindo nua apesar da toalha. Filippo me olha espantado. Como se estivesse diante de outra pessoa. Não é constrangimento, parece mais surpresa. As gotas do cabelo molhado escorrem por minhas costas causando um arrepio.

   Fico sem saber se volto para o banheiro ou finjo indiferença. Acabo em silencio olhando para ele.

   ―Nossa! Quanto tempo. Eu tinha me esquecido. – Ele diz sem desgrudar os olhos do meu rosto.

   ―O que esqueceu? – Pergunto a ele. Não parece capaz de me desgrudar do chão.

   ― Como é linda. O rosto... – Ele mantém o ar de surpresa, ainda está me olhando e eu ainda estou paralisada. – A maquiagem esconde um pouco. Tinha... tinha esquecido como seu rosto é suave, como você é bonita. Quer dizer, é bonita com a maquiagem. É bonita de todo jeito, não é isso, mas assim... agora, pareceu de novo você. A cara de concha.

   ― Eu... isso é coisa da sua cabeça. – Meu coração bate tanto e sinto tanta raiva de ser ele, de ser assim. Odeio sentir isso por ele. – Preciso me vestir.

   ― Devia andar assim. A toalha esconde mais do que as roupas. Você sabe. Coxas e decotes. – Ele não parece muito normal. Ele não é muito normal, mas está tão atrapalhado quanto eu. – Você me mandou sair do quarto?

   ―Insinuei. A menos que... – Toco a ponta da toalha.

   ―Não. – Ele se apressa e engulo o riso. – Eu vou... deixou ele aqui sozinho.

   ― Dormindo. Aposto que você acordou ele entrando assim. Falando alto. Sua cara. Além de me largar sozinha com ele. – Esqueço que estou apenas de toalha e que tivemos um momento no mínimo estranho e caminho pelo quarto.

   ― Você mora com fantasmas do natal passado. O que queria? Eu que não ia ficar aqui.

   ―Quantos anos você tem Filippo?

   ― O bastante para saber que não se brinca com fantasmas. Quer parar de ficar andando de toalha? Essa coisa vai cair e eu estou aqui e vou ver e... te espero lá fora. – Ele ruma para a porta.

   ―Filippo! – Eu o chamo. Ele se volta. – Leva o Matteo. Ele está querendo você.

   O pequeno me estende os bracinhos de pé na cama. Volto até ele. Ergo o garotinho nos braços.

   ―Não demora, estou com fome.

   ―O que eu tenho com isso? – A pergunta é ignorada, ele deixa o quarto fechando a porta e faço careta.

   Capricho na sombra preta e no batom forte. Dane-se que são dez da manhã. Dane-se que estamos numa vila. Dane-se o que Filippo pensa. O que o mundo pensa.

   Subo o zíper da bota. Gosto delas. Me sinto protegida. Me sinto escondida, me sinto... nem sei, não quero pensar. Não quero sentir. Encaro a cômoda. O cantil está lá e vai continuar. Matteo precisa de mim por mais umas horas.

   Deixo o quarto. Filippo está sentado no chão do corredor. Encostado na parede de frente para minha porta com Matteo no colo. Cantando uma música dessas que cantamos no jardim de infância sobre a hora do lanche e eu tenho tanta raiva dele ser assim. Engraçado e gentil.

   ― Eu não tenho cara de concha e não sei o que faz sentado aí.

   ―Nem estava pensando na sua cara de concha, conchinha. – Ele me olha um momento percebe minha irritação. – Kiara. Vamos comer?

   ―Não como de manhã.

   ― Come sim. Vai comer. Estou cuidando de você. Meu amigo pediu.

   ― Eu quero que você e seu amigo vão para a ...

   ―Olha o menino! – Ele me impede de terminar a frase e faz bem. Eu ia mesmo dizer algo desagradável. A mesa do café ainda está posta, mas não tem ninguém. Vovó deve estar na sua sala íntima. Ela passa muito tempo lá e Vittorio correndo os vinhedos. Ao menos era assim com meu pai nas poucas vezes em que estive aqui na infância.

   Matteo pega um biscoito caseiro e se distrai. Filippo realmente se alimenta. Nunca vi tanto ânimo pela manhã. Ele toma café, come pão, queijo, frutas, iogurte. Tudo meio ao mesmo tempo e me dá até enjoo assistir.

   ― Toma pelo menos um copo de leite. – Ignoro seu pedido. Fico sentada na janela aberta assistindo a movimentação. – Isso sim é um café da manhã. Parece hotel. Lá na casa dos meus pais era uma decepção, nada muito elaborado, mamãe tenta, mas coitada. Não tem talento, meu pai muito menos. Agora que moro sozinho é ainda pior. Um dia vai me sobrar tempo e vou fazer um curso de culinária.

   ―Bom plano já que gosta tanto de comer.

   ―Eu malho. Não se preocupe. Não vou ficar obeso.

   ―Não estou preocupada. Isso é problema seu. – Ele ri. Sempre ri de mim, principalmente quando dou alguma resposta atravessada.

   ―Boxe. Devia se matricular comigo. Queima calorias e mal humor. Vamos?

   Até que gosto da ideia. Não respondo, me irrita dar razão a ele. Me irrita dar razão a qualquer um. Tem dias que existir me irrita.

   ―Tio eu quero. – Matteo aponta a xicara de café. Filippo e eu trocamos um olhar. Ele ri quando cuidadoso leva a xicara a boca do pequeno que dá um gole e faz careta. Empurra a xicara e rimos.

   ―Amargo. – Filippo avisa. – Tadinho, não resisti.

   ―Ruim. – Matteo reclama. – Bola tio.

   ―Estava demorando. – Filippo da um último gole no café e fica de pé. Depois me sorri. – Você vem? – Balanço a cabeça negando. Ele dá de ombros. – Vou indo então, mas depois vai lá. Ele cansa.

   ―Não é o tio querido? O melhor amigo do papai Enzo?

   ―Vai ficar me jogando na cara? – Ele me manda um beijo. Eu recebo, quase posso sentir e meu corpo reage. Reage a ele como não reage a ninguém nunca. Nenhuma vez, não importa o quanto me entregue, o quanto eu tente. Nunca sinto droga nenhuma.

   Minha mente viajar para todas as vezes que tentei e nada aconteceu, nada além do leve asco, do tédio, da dor interna.

   ―Bom dia. – A voz de Vittorio me desperta. Me dou conta que Filippo se foi e ainda estou sentada na janela olhando para lugar nenhum. Pisco voltando a realidade.

   ―Bom dia. – Vittorio se senta para o café. Fico muda. Não temos nada em comum. Não somos próximos, não temos nenhuma relação. Somos irmãos e não conseguimos criar uma relação. Com Enzo é diferente. Somos amigos, ou perto disso. Ele e Vittorio começam a se entender, mas eu, eu não sei como agir.

   ―Já tomou café? – Ele pergunta se servindo de uma xicara.

   ― Já. – Minto com preguiça de explicar que não sinto fome pela manhã.

   ―Cadê o menino?

   ―Matteo. O nome dele é Matteo. Não dizer o nome não torna ele mais distante. Ainda é seu sobrinho.

   ― Eu não estou me esquivando. – Vittorio avisa. – Sua honestidade é tocante. Pena não vir acompanhada de autocrítica.

   ―Deve ser DNA. – Ele sorri. Toma mais um gole de café preto. Se recosta na cadeira. A cabeceira da mesa, sempre sentado ali, onde um dia meu pai se sentou. A mesa vazia, ainda assim ele está na cabeceira e isso diz tanto sobre nós.

   ― Se quiser eu posso mandar o helicóptero trazer você de volta para ficar na Vila enquanto o Enzo viaja. Vovó ficaria feliz em ter você mais tempo aqui.

   ―Tenho planos. Não será possível.

   ― Claro. Bom. Acho que já fiquei aqui tempo o bastante para iludir a vovó. Ela sempre me recrimina por não comer de manhã. – Me espanta um pouco termos isso em comum. – Assim como você. Eu me lembro. – Vittorio afasta a cadeira e se coloca de pé. Sinto culpa por machuca-lo. Machucar pessoas e ser machucada por elas. Meu melhor talento.

   ―Eu posso vir um fim de semana desses. – Ele me observa. – Ficar com a vovó. Eu ligo. Você manda o helicóptero.

   ― Ela vai gostar. Tenho trabalho. É só ligar. – Ele caminha para longe e me obrigo a descer da janela. Evito minha avó. Dou a volta pela cozinha para não passar pela sala e ter que conversar e mais uma vez me desculpar por não querer ficar aqui.

   Filippo está deitado na grama. Matteo as gargalhadas sendo erguido e balançando as pernas. Os dois despreocupados e eu queria só um pouquinho disso. Só um pouquinho do riso leve e sem cobranças. Só um pouco do desinteresse dessa relação.

   ― Mais! Mais! – Ele pede quando Filippo o coloca deitado em seu peito e lá vai ele subindo as gargalhadas. Filippo senta Matteo em sua barriga.

   ― O que você acha de irmos andar por ai e achar aqueles cachorros grandões?

   ―Rosso. – Matteo se lembra.

   ―E baby. Titio Vittorio é um tutor sensível. – Filippo ri sozinho. – Vamos chamar eles? Rosso. Baby.

   Decido me aproximar. Chego quase ao mesmo tempo que os cachorros. Me sento no chão e fico olhando enquanto Matteo recebe lambidas e ri de olhos fechados.

   ―Vão com calma! – Filippo pede aos cachorros. Depois me sorri. Afago o cão amarelo de olhos chocolate. Ele tem um olhar doce e se deita ao meu lado. – Gostou de você.

   ―Eu gostei dele. É gentil.

   O rabo do cachorro acerta Matteo que resmunga.

   ― Ele tenta ao menos. – Filippo estica a mão e toca meus cabelos. – Uma folha. – Ele conta quando se afasta e por um minuto confundi com outra coisa. Tolice. Esse tipo de coisa não acontece comigo. Não sou o tipo de garota que os caras pensam em gastar gentilezas e delicadezas. – Acha que ele vai ficar bem durante a viagem? Pensei em brincar bastante para ele ir dormindo.

   ― Bom plano. Falou com o Enzo? – Ele nega. – Nem eu. Queria avisar que o Matteo está bem, mas fiquei com medo de interromper alguma coisa.

   ― É eu pensei o mesmo. Acho que agora já da. Vamos tirar uma foto e mandar. Assim eles têm certeza que tudo está bem e nem precisam responder.

   Filippo puxa o celular do bolso, ergue e enquadra todos nós. Parece foto publicitária. Eu, ele, Matteo e dois cachorros deitados na grama verde e bem cuidada sob um céu azul e um sol fraco. Quero fugir para longe. Dói. Estranhamente dói.

   ― Dá um sorriso conchinha. Seu irmão vai achar que está brava de cuidar do seu sobrinho. – Faço careta. Ele clica e se diverte com o resultado.

   ― Apaga Filippo.

   ―Já mandei. Nem adianta. Meu celular, minha foto. Não vou apagar. – Tento tomar o celular dele. Filippo se esquiva. Aponta de novo para mim.

   – Para, me dá isso. Não tira.

   ―Já tirei mais uma. Linda. Quer ver?

   ―Não. Quero que apague.

   ― Me deixa ter uma foto sua. Que chata.

   ―Chata.

   ― O papagaio fica repetindo tudo. Seu pai vai brigar com você. – Matteo faz bico.

   ―Papai.

   ―Olha o que fez. Me obrigou a falar papai.

   ― Eu obriguei? Você é ridículo. – Olhamos os dois para Matteo esperando ele repetir. Ele ri. Acho que não consegue, ou gosta da pressa com que nos viramos para olhar para ele.

   ― Estou começando a achar que o Vittorio tinha razão e esse menino é bipolar. – Filippo fica de pé. – Vamos todos caminhar um pouco. Gastar energias. ― Matteo estica os braços pedindo colo. – Que parte do gastar energias não entendeu pequeno? Vai andando.

   ―Parte nenhuma. Ele tem dois anos.

   ―Dois anos de puro sedentarismo. – Filippo pega a mão do pequeno. – Sorrio Kiara. Eu vi. Não adianta negar.

   ―Vamos caminhar? – Eu peço e ele me faz careta. Seguimos andando a passos de tartaruga, dez minutos de passo a passo pela grama. Daqui dois meses chegamos ao vinhedo. Em dois ou três anos talvez a gente consiga quem sabe chegar aos portões da Vila. – Ok. Isso irrita um pouco.

   ―Concordo. – Ele diz rápido. – Sua vez de ter uma ideia.

   ― Minha? Você é o publicitário.

   ― Verdade. Eu tinha me esquecido. Acha que está frio demais para a piscina?

   ―Acho.

   ― Já sei. Vamos deixa-lo com a vovó Pietra meia hora. Ela vai adorar.

   ―Bom plano. – Aceito imediatamente. Ele pega Matteo no colo.

   ―Que acha de jogarmos uma partida de gamão? – Ele convida para minha surpresa.

   ―Gamão Filippo? Você é o que? Uma tia velha? – Ele faz um ar de desdém. – Prefiro outros jogos.

   ―É espertinha? O joga por aí?

   ―Strep poker.

   ―Muito engraçado. – Ele reclama.

   ―Não estou brin...

   ―Eu não quero saber. Não quero pensar nisso. Você gosta de me irritar. Sabia que ninguém me irrita nunca? Só você tem esse talento nato de me deixar bravo? Bem bravo?

   ―Desculpe ofender sua moral. – Eu também me irrito. Só que me irritar não é privilégio dele provocar isso. Infelizmente. – Convida a vovó. Quem sabe não prefere jogar Bridge? Convida umas idosas da região a vovó tem uma mesa dele no clube da cidade. E podem tomar Xerez.

   ― Você lê romances. – Ele dispara risonho. – Admita. Isso ai que falou. Tudo. Bridge, Xerez e idosas elegantes, isso é coisa de clichê de romance. Eu sei.

   ―Não leio coisa nenhuma. – Não mais. Já li, amava, sonhava com os mocinhos dos romances, sonhava com o dia que o meu apareceria para me fazer o coração disparar e eu seria feliz para sempre nos braços do cara perfeito, mas ele não existe. Nem eu posso ser a garota delicada da capa. – Você que deve ler. Sabe tanto.

   ―Minha mãe adora. Até fiz um trabalho sobre isso na faculdade. É sim uma leitora secreta de romances.

   ―Ai, cala a boca Filippo. – Ele gargalha. Não disse que o deixo bravo, por que afinal já está rindo? Por que diabos fica me provocando essa vontade idiota de acompanhar sua risada mesmo sem saber qual a droga da piada?

   ―Fez igual seu irmão. Enzo sempre termina uma discussão assim.

   ― Da uma raiva quando ele faz isso, não é? Não sabe argumentar.

   ― Demais. Eu sempre reclamo. Enzo corre toda vez com esse cala a boca.

   ―Diz e sai andando. Quero morrer com isso. - Eu comento e ele balança a cabeça concordando. Chegamos a parte interna da casa. Seguimos lado a lado até a sala íntima da vovó. Fica ao lado do escritório de Vittorio. Tem até uma porta que liga as duas salas, mas que está sempre fechada. – Oi vovó.

   ― Já estava aqui pensando quando vinham ficar um pouco comigo. Sentem. Alguém quer uma xicara de chá? Vem com a vovó bebê.

   Matteo vai para seus braços e eu e Filippo nos sentamos. Ele no sofá de dois lugares, eu na mesinha de centro. Enquanto ele se distrai com o celular respondendo mensagens e vovó brinca com o netinho eu fico perdida em pensamentos. A verdade é que quando fico perto dele as coisas acabam ficando aos poucos mais leves e não sinto tanta raiva, tanto medo. Se eu sou a única a irrita-lo, ele é o único a me acalmar.


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Notas finais do capítulo

Beijossssssssssssss