Todo o Espaço Entre Nós escrita por Tai Bluerose


Capítulo 9
Peter Kirk


Notas iniciais do capítulo

Desculpem qualquer erro.
Boa leitura e feliz Star Trek a todos.



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Capítulo 9: Peter Kirk

 

Jim percebeu que pegar Peter não seria uma tarefa muito tranquila no momento em que ele e Spock se materializaram na sala de teletransporte da nave médica.

Jim vinha, desde o dia anterior, sentindo aquela sensação estranha no estômago, um pressentimento ruim. Não era apenas ansiedade ou medo por encontrar o sobrinho e não saber o que dizer para consolá-lo. Jim não sabia muito bem como lidar com crianças ou como consolar alguém. Sua própria maneira de lidar com a morte do irmão era tentar não pensar ou falar no assunto, embora ele tenha se sentido imensamente grato a Spock por se oferecer duas vezes para ouvir, caso Jim quisesse conversar. Jim não queria. Ele não estava pronto. Conversar sobre Sam o levaria a chorar, e ele precisava estar bem, precisava ser o adulto estável para amparar o sobrinho.

Entretanto, todo o seu plano foi por água abaixo quando o feixe do teletransporte finalmente se dissipou, liberando seu corpo, e Jim viu a mulher loira esperando por ele.

Winona Kirk avançou para a plataforma e abraçou o filho. Jim demorou alguns segundos para retribuir o gesto.

― Mãe... Pensei que tínhamos combinado que eu levaria Peter até você em Riverside.

― Sim, mas eu não pude esperar. Ele é meu único sobrinho agora. A única coisa que me sobrou de Sam. E foi bom eu ter vindo, porque agora Peter... ele... ― Winona começou a chorar.

Jim se afastou da mãe, sentindo-se um pouco desconfortável, e a segurou pelos ombros. E naquele momento, Jim ignorou qualquer desavença ou assuntos inacabados com ela.

― O que aconteceu?

Winona não precisou explicar nada, o capitão da nave médica veio recebê-los e explicou a situação. Peter e os demais fugitivos de Deneva, já tinham sido infectados pelo parasita neural, por isso eles foram mantidos em quarentena por um tempo. Os médicos acreditaram ter finalmente encontrado uma substância capaz de eliminar o parasita, mas o que a substância fez foi deixar o parasita em estado latente por um período. Isso levou os médicos a achar que os pacientes estavam realmente curados, até o parasita voltar a dominar o corpo dos sobreviventes poucas horas antes dos familiares começarem a chegar para buscá-los. Infelizmente, um dos sobreviventes, o primeiro a receber “a cura” veio a óbito em um espaço muito curto de tempo.

Só então, Jim soube que Aurelean tinha embarcado na nave de transporte juntamente com Peter, mas morrera logo em seguida. Segundo o relato de Peter, Sam os ajudara a fugir, depois que ele mesmo foi infectado, depois da morte de Alexander e Julius. Quem era Alexander e Julius? Jim indagou ao capitão, mas foi sua mãe que respondeu, olhando para ele com reprovação ou pena, talvez uma mistura dos dois.

― Eram os filhos mais novos de Sam. Tinham três e dois anos respectivamente.

Jim sentiu-se enjoado. Sam tivera mais dois filhos e não apenas Peter. Fazia sentido, Jim não falara com Sam nos últimos três anos. Três anos sem falar com o irmão. Dois sobrinhos cuja existência ele ignorava. Mas por que Sam não lhe contara?

― Sinto muito pelo seu sobrinho, Capitão Kirk ― disse o Capitão Dousseau. ― Nossos médicos estão fazendo tudo o possível para contornar essa situação o quanto antes.

― Por favor, me chame de Jim. Não estou de serviço. Podemos vê-lo? Meu sobrinho.

― Sim, mas não podem chegar perto. Ele também não poderá falar, alguns pacientes estão sendo mantidos inconsciente, do contrário não resistiriam a dor. Sigam-me.

O capitão Dousseau guiou Jim, Winona e Spock até a enfermaria. Eles viram Peter atrás de uma parede de vidro. O menino, com seus 12 anos, parecia muito com Sam nessa idade, mas tinha os cabelos castanhos avermelhados de Aurelean. Peter estava desacordado, mas se contorcia e seu rosto tinha uma constante expressão de angustia e desconforto.

Spock observou o menino humano e, mesmo aquela distância, ele conseguiu enxergar as leituras no painel logo acima do garoto. Não eram boas. O menino estava piorando. Spock virou-se para os humanos ao seu lado. Winona Kirk tinha olhos lacrimejantes e preocupados, mas Jim... Jim parecia estranhamente quieto. Spock olhou para os olhos de Jim, mas não conseguiu perceber nada.

― Por que eles estão presos as camas? ― perguntou Jim ao notar as amarras.

― Quando o parasita toma conta do cérebro e de todo o sistema nervoso, os hospedeiros se tornam violentos e agem sob influência do parasita. Não parece muito correto amarrá-los assim, mas é para a segurança deles e do pessoal médico. Imagino que vão preferir esperar aqui na nave como os demais familiares. Por favor, sintam-se livres para aguardar no convés de observação ou no refeitório enquanto providenciamos alojamento para vocês.

Logo depois, estavam os três sentados à mesa no refeitório. Só então Jim se deu conta de que não tinha apresentado Spock a sua mãe e vice-versa.

― Não é necessário. Vocês dois estiveram em todos os jornais da Federação por um bom tempo. Eu sei quem ele é. ― Winona deu um sorriso triste. ―Ainda assim, é um prazer conhecê-lo pessoalmente, Comandante Spock.

Winona estendeu a mão sobre a mesa para apertar a de Spock. Spock relutou por um instante, mas reforçou seus escudos mentais e levou a mão para apertar a da mulher. No entanto, Jim segurou o pulso de Spock antes que ele tocasse Winona, puxando a mão do amigo para o lado. Spock e Winona o olharam sem compreender.

― Spock não aperta mãos ― Jim disse, soando um pouco ríspido. ―Ele é vulcano.

― Eu... ― Winona parou, puxando a própria mão de volta para pousá-la sobre o joelhos. Ela se sentiu um pouco constrangida. Ela sabia do protocolo de não tocar vulcanos, mas ela estava com a cabeça em outro lugar agora. ― Eu esqueci. Perdoe-me se o ofendi, comandante.

― Não estou ofendido ― Spock tentou deixar claro. ― E também estou honrado por finalmente conhecê-la, senhora Kirk.

Winona assentiu, dano um ínfimo sorriso. Spock voltou a observar Jim, que continuava muito fechado.

O PADD de Jim chilreou e ele o atendeu. A imagem de Selek, o velho Spock, surgiu na tela do aparelho.

― Saudações, Jim ― Selek erguia a mão na saudação vulcana. ― Pensei em convidar você e Spock para um chá hoje à tarde se estiverem livres.

E aquela foi a primeira vez desde que chegaram a nave que Spock viu seu amigo deixar transparecer uma emoção. Spock ficou incomodado. Jim não costumava fazer isso, ocultar completamente o que estava sentindo.

― É muito gentil da sua parte, velho amigo. Mas acho que não poderemos ir.

Selek parou para observar o humano. ― Algo errado, Jim?

― Desculpe. Eu não queria te contar sobre Deneva. Não queria preocupá-lo com meus problemas.

― Deneva?!―Selek indagou surpreso. ― Onde você está agora?

― Em uma nave médica orbitando o espaço vulcano.

― Estou a caminho.

― Não prec...― Jim não conseguiu terminar, Selek tinha encerrado a chamada.

― Quem era esse senhor? Amigo seu? ― Winona indagou curiosa. Jim olhou para Spock.

― Sim.

― Há quanto tempo você não falava com Sam?

― Não quero falar sobre isso agora.

― Você nunca quer conversar, Jim.

― E qual o problema com isso?

― O problema é você nunca me dizer onde você está, como você está. Eu sei que você não pode ser tão ocupado a ponto de não ter tempo para falar com sua própria mãe, seu próprio irmão. Cristo, você nem sabia sobre Alex e Julius.

Jim fechou as mãos em punhos.

― Não é como se Sam tivesse me enviado uma mensagem contando do nascimento dos dois. Ele poderia ter feito isso, mas não fez. Ele me contou do Peter.

― Talvez ele tenha tentado, mas você o ignorou, como ignora as minhas ligações.

― Sam não me ligou. Ele não me ligou, ok?

― E você também não tentou entrar em contato.

― Por que agora eu virei o irmão malvado? Talvez ignorar a família seja tradição da nossa família.

― Não diga isso, Jim. Você sabe que não é verdade.

― Não é? Você foi a primeira a ignorar todos nós.

Winona olhou para o filho com tristeza.

― Meu Deus, Jim, até quando você vai me culpar por Tarsus?

Jim ergueu os olhos arregalados para a mãe, a boca aberta, como se a mulher tivesse dito a ele o maior dos insultos. E Spock, que até então tentara não se intrometer na discussão entre mãe e filho, não conseguiu evitar a pergunta diante daquela informação.

― Você esteve em Tarsus IV?

Jim olhou para Spock, os olhos cheios de medo, dor e vergonha. Ele fechou os olhos e apertou ainda mais as mãos em punhos, sentindo as unhas machucar a carne.

― Ótimo! Não era para ele saber disso. Obrigado, mãe.― Jim falou alto, atraindo a atenção das demais pessoas no refeitório. ― Com licença.

Jim se levantou quase derrubando a cadeira e se afastou.

― Droga! ― Winona exclamou, afundando os dedos pelos cabelos dourados.

― Não se preocupe, eu vou atrás dele ― Spock a tranquilizou Winona.

.

.

― Jim? ― Spock encontrou Jim no convés de observação. Ele estava sozinho lá.

― Sim, eu estive no maldito Tarsus IV. Não quero falar mais nada sobre isso.

Spock observou as costas do humano. Jim parecia tão... vulnerável. Spock começava a entender o comportamento de Jim, não apenas ali, mas durante todo o tempo em que o conhecia. O valor que ele dava a vida de qualquer pessoa sob sua responsabilidade, a forma que ele sofria a cada morte. Sua desconfiança, sua raiva e a ferocidade com que lutava. Sua recusa em desistir do que quer que fosse. Até mesmo sua relação com a comida. Sua dificuldade para dormir e os pesadelos que o assombravam.

Sabe, Spock, Jim já passou por mais merda nessa vida do que você pode imaginar. Ele está cheio de cicatrizes invisíveis, essas são as piores”. Foi o que McCoy dissera. Provavelmente ele se referia a isso. Talvez ele se referisse a mais do que isso. Spock sentiu-se triste por Jim.

Spock ouvira falar sobre Tarsus IV, quem não ouvira? Uma das maiores tragédias da história da Federação. Uma mancha na história da Colonização Humana. Assim como Deneva, Tarsus IV era uma colônia terráquea até então bem sucedida. Mas Tarsus ficava em uma zona muito afastada dos demais planetas da Federação, e a comunicação entre os planetas e as colônias não eram tão rápidas e eficientes como hoje. Essa foi sua maior desvantagem.

A população já vinha sofrendo com rebeliões políticas quando um fungo alienígena destruiu todas as plantações, afetou todos os animais e contaminou metade do suprimento alimentar da colônia. Tudo isso em um tempo absurdamente rápido. Em pouco tempo, a população ficou sem comida e doente, e todos os horrores que a fome pode gerar começaram a acontecer. O pior veio depois. Tarsus pediu socorro e mantimento à Frota Estelar, mas logo perceberam que o socorro não conseguiria chegar a tempo. O Governador da colônia, Kodos, que mais tarde seria para sempre lembrado como O Executor, optou por uma solução extrema e desesperada: ordenou a execução de metade da população para que a outra sobrevivesse. Quatro mil pessoas selecionadas para morrer de acordo com as teorias pessoais de eugenia de Kodos.

A nave enviada pela Frota Estelar conseguiu chegar bem antes do que Kodo previra, um dia depois do grande massacre. Um dia depois. Se Kodos tivesse esperado apenas um dia... Temendo as consequências de seus atos, Kodos tirou a própria vida.

Os relatos dos sobreviventes de Tarsus IV eram os mais horríveis. E Jim esteve lá, em meio ao horror, sozinho, quando era apenas uma criança.

Spock não se lembrava de ter visto o nome de Jim na lista dos sobreviventes, e como essa informação tinha sido mantida fora de seu registro na Frota Estelar, Spock concluiu que Jim fazia parte dos apenas noves sobreviventes, cujos nomes foram mantidos em sigilo, que tinham visto o rosto de Kodos.

― Entendo. ― Spock disse. ― Então não vou perguntar.

Jim olhou para Spock com arrependimento e grato por Spock não insistir no assunto.

― Desculpe por gritar com você. Não estou zangado com você. ― Jim suspirou. E então perguntou com voz mais gentil: ― Como me achou?

― Você sempre ia para a sala de observação da Enterprise quando estava chateado. ― Spock disse enquanto se aproximava do banco em que Jim estava sentado. ―Também é o único outro lugar além do refeitório que o capitão Dousseau nos deu autorização para estar. Posso me sentar com você?

― É claro, Spock.

―Vejo que você tem um relacionamento conflituoso com sua mãe. Também percebi sua mudança quando falaram da morte dos seus outros dois sobrinhos. E entendo que isso o afeta. Você está sob muito estresse emocional, Jim. Acredito que o Dr. McCoy diria que não é saudável guardar isso tudo dentro de você. Você não é vulcano. Dito isto, se quiser conversar...

Jim ficou em silêncio por um bom tempo antes de finalmente falar.

― É sempre assim. Sempre que nos encontramos cara a cara, começamos a discutir por alguma razão estúpida. ― Jim fez uma pausa e continuou. ― Ela tem razão. Eu ainda a culpo por Tarsus. E agora a culpo pela morte de Sam. Não é lógico, eu sei. Mas eu sou um maldito humano idiota e não consigo evitar. Tenho raiva dela por ter abandonado Sam e eu aos “cuidados” do idiota do nosso padrasto quando éramos crianças. Se ela não tivesse nos deixado, eu nunca teria ido parar em Tarsus, e Sam não teria ido para Deneva. Sam ainda estaria vivo. E Peter estaria bem. Todos nós estaríamos bem. Eu a odeio por isso. E me odeio por ter me afastado dela e do Sam. Porque nunca consegui perdoá-los por me abandonarem. Depois que minha mãe foi embora, Sam era tudo o que eu tinha. Ele era tudo pra mim e eu o amava, mas depois que ele foi embora, nosso relacionamento nunca mais foi o mesmo. É culpa dela e é culpa minha.

― Não é lógico ficar se culpado por algo que poderia ter acontecido ou não. Você não tem como saber disso. Talvez, de uma forma ou de outra, Samuel teria ido para Deneva, mesmo que sua mãe tivesse ficado. Talvez ele ainda tivesse morrido, mesmo que você tivesse mantido contato com ele.

― Talvez. ― A voz de Jim saiu embargada.

― O que aconteceu não foi culpa de sua mãe. Nem sua culpa, Jim... Você realmente a odeia?

― Não. Ela é minha mãe, afinal. ― Jim olhou para Spock, depois voltou a fitar as estrelas e a forma circular de Novo Vulcano ao longe. ― Você acha que sou um péssimo filho ou um péssimo irmão?

― Eu não diria isso.

― Eu diria. ― Jim suspirou e deixou os ombros caírem. Seu cansaço era visível. ― Voltar a vê-los e falar com eles é como revisitar todos os fantasmas do meu passado. É relembrar tudo que de pior aconteceu comigo, porque eles não estavam lá comigo. Então eu passei a limitar meu contato com eles. Limitar, não ignorar como minha mãe disse. Mas Sam não tentou entrar em contato comigo, nem eu com ele. E agora eu me arrependo. Eu nem me lembrava quantos anos Peter tinha. Eu nem sabia que meu próprio irmão tinha mais dois filhos. Porque ele não me disse?  Duas crianças, dois bebês inocentes, mortos. E eu nunca cheguei a conhecê-los porque sou um idiota egoísta. Se eu soubesse que... Se eu soubesse...

Jim parou de falar, sentiu sua garganta arder e fechar, seus olhos ardiam.

Spock considerou a situação por um momento. Spock sabia bem o que era se arrepender de não ter feito algo. Ele se arrependia de não ter passado mais tempo com a mãe. Arrependia-se de não ter a visitado mais vezes em Vulcano. Arrependia-se de nunca ter dito a ela o quanto a amava. E mesmo que Spock repetisse para si mesmo que ela sabia disso, que ela compreendia as razões para ele nunca ter dito, nunca parecia ser uma desculpa aceitável. Por que era apenas isso: uma desculpa. E nada mais podia ser feito agora.

― Nem eu nem qualquer outra pessoa sabe tudo o que você sofreu ou tudo o que você teve de suportar, por isso não cabe a mim, nem a ninguém, julgar suas escolhas e ações. ― Spock começou. ― Se falar com eles lhe causava tristeza e angustia, então é justo que você se mantivesse afastado. Mas se realmente se sente arrependido... Quanto a Samuel, nada mais pode ser feito, mas acredito que sua mãe também possa se sentir culpada pelas consequências das escolhas dela. Seria lógico dar a ela a oportunidade para se redimir.

― Droga! ― Jim ficou envergonhado quando as lágrimas começaram a descer contra sua vontade.

―Jim... ― Spock ergueu a mão em direção ao rosto de Kirk, mas o humano recuou ao compreender o que Spock pretendia.

―Oh, não, Spock. Você não vai querer fundir comigo agora. Minha mente está um caos.

―Ainda assim, eu quero. Quero acalmá-lo. Vai me permitir entrar?

Jim considerou a oferta, observando o amigo por um momento. Jim pegou a mão de Spock e levou-a a seu próprio rosto.

―Não será uma fusão completa. Não se preocupe. ― Spock fechou os olhos e respirou fundo, soltando o ar lentamente em seguida. ― Minha serenidade para você. Sua dor para mim. Relaxe, Jim.

As palavras soaram doces, penetraram seus ouvidos, sua mente, sua pele. E ele sentiu uma sensação confortável e cálida de tranquilidade. As lágrimas continuaram a cair até cessar, e ele se sentia bem. Aliviado. A angustia ia se dissipando. Como se esvaísse de seu corpo. Minha serenidade para você. Sua dor para mim. Ele compreendeu o que Spock estava fazendo: trocando tranquilidade por dor. Não parecia uma troca justa para Spock, Jim teria protestado, mas ele gostava daquela sensação. Ter a mente de Spock em sua cabeça. Sentir como se fizesse parte dele.

―É essa a sensação que você sente sempre que faz isso? ― Jim indagou. ― Sempre que se conecta a mente de alguém?

―O que você está sentindo?― Spock o olhou com curiosidade, seus dedos ainda no rosto de Jim.

―Paz, contentamento e algo mais... pertencimento, talvez. Não sei exatamente. É simplesmente bom.

―Cada mente é distinta. Mas confesso estar surpreso com a sua receptividade. Espécies psi-nulas geralmente se sentem desconfortáveis com contato psíquico. De fato, sua mente é dinâmica e determinada, mas também é muito agradável para mim.

Jim sorriu e Spock sentiu aquilo. Sentiu a sensação do sorriso de Jim, da felicidade de Jim penetrar em seus neurônios. Era quase viciante.

Não sabia quanto tempo ficaram ali, mas quando se separaram as luzes da nave tinham mudado da ambientação de dia para noite.

.

.

Jim estava em seu alojamento, tentando ler, quando sua mãe chegou repentinamente. Jim deu um salto, quase derrubando seu PADD no chão.

― Jim. Peter está bem. Ele está bem. Todos foram curados!

― O quê? Como?

E logo em seguida, eles estavam indo para a Enfermaria enquanto uma oficial de ciências, muito empolgada com o desenrolar dos eventos, lhes dizia:

― Alguém nos enviou um arquivo com um estudo completo, nos dizendo para expor os parasitas e os hospedeiros a um determinado tipo de luz por uma quantidade de tempo específico. Funcionou. Os parasitas foram eliminados completamente. Tentamos localizar quem nos enviou o arquivo, mas estava criptografado. Só sabemos que veio de Novo Vulcano. Já tínhamos tentado de tudo, tínhamos exposto o espécime a vários tipos de radiação também, mas nunca nos ocorreu...

Jim se afastou um pouco para mandar uma mensagem de áudio para Selek.

― Foi você! Eu sei que foi você. Obrigado. Muito obrigado.

Todos tiveram que permanecer mais um dia na nave, só para ter certeza. Todos os pacientes foram liberados.

 Duas naves menores foram enviadas para Deneva e 210 satélites foram instalados na órbita do planeta para irradiar luz ultravioleta constantemente. Em pouco tempo, sobreviventes de toda a parte do planeta começaram a fazer contato. Havia esperança para os denevianos.

.

.

Estava de volta a Novo Vulcano. Todos tinham se retirado para dormir. Spock começou a se preparar para meditar. Percebendo a movimentação do lado de fora de seu quarto, Spock se levantou de seu tapete de meditação e foi abrir a porta.

― Precisa de alguma coisa, Jim?

― Ah, você estava dormindo? ― Jim olhava para a vestimenta de Spock, a qual parecia um tipo de pijama. ― Não queria incomodá-lo.

― Você não está. Eu estava apenas meditando. Quer entrar?

Jim olhou para dentro do quarto de Spock, relutou por um segundo, mas então entrou.

― Sempre fico intrigado com essa sua capacidade de meditar todos os dias.

― Ajuda a acalmar e a organizar a mente. Você deveria tentar.

Jim riu.

―Mas eu não sei como fazer isso. Digo, não sei se sou capaz. Não consigo ficar parado, você sabe.

―Eu posso te ensinar.

―Sério? Tem certeza?

―Não tenho certeza se você vai aprender, no entanto eu poderia tentar.

Jim riu novamente.

―Você é engraçado, Sr. Spock. E não tente dizer que não é.

Spock foi pegar um tapete extra para meditação e o posicionou em frente ao seu. Spock sentou-se sobre os joelhos, mantendo as costas perfeitamente retas. Jim sentou-se tentando imitar a posição do lótus, mas desistiu e ficou a vontade.

― Sua mãe e seu sobrinho estão bem?

― Ah, sim. Eles estão. Dormindo feito pedras. Tem certeza que seu pai disse que tudo bem eles ficarem aqui, porque quando ele chegar amanhã para o café...

―Não se preocupe, Jim. Meu pai está de acordo.

― Bom.

Jim pareceu muito interessado no movimento que a fumaça do incenso fazia. Eles ficaram em silêncio por três minutos.

―Você queria conversar comigo? ― Spock insistiu. Ele estava curioso quanto ao que levara Jim até lá.

― Sim. Queria te agradecer por ter ido comigo. E por ter ficado ao meu lado durante tudo isso. Eu sou imensamente grato. ― ele fez uma pausa novamente. ― Segui o seu conselho e conversei com minha mãe. Decidimos que já nos comportamos como pessoas estúpidas por tempo suficiente. Não posso dizer que curamos todas as feridas e superamos todos os traumas, eles ainda estão lá, mas demos o primeiro passo. Pelo bem de Peter.

― Essa é uma boa notícia.

― Sim. Obrigado por hospedar minha mãe e Peter. Eu sei como deve ser incômodo ter tantas pessoas estranhas invadindo seu espaço pessoal.

― De forma alguma sua família seria um incomodo, Jim. Estou... feliz por poder ajudar.

― Eu também estive pensando em algumas coisas sobre Sam, e sobre você. E percebi que a situação está se repetindo. Mas uma vez alguém muito querido vai embora.

― Não estou abandonando você, Jim. ― Spock se apressou em dizer.

― Eu sei que não. ― Jim o interrompeu, e voltou a repetir com voz doce. ― Eu sei que não. Já conversamos sobre isso antes, a sua partida. Eu já lhe disse que eu não gostaria que você fosse, mas que compreendo sua escolha. E é verdade. Mas eu não fui... totalmente claro sobre como isso me faz sentir. E eu acho, não, eu não quero simplesmente deixar você ir. Mas...  ― ele olhou para Spock. ― Você já quis muito uma coisa, mas teve medo de tentar conseguir porque poderia perder isso pra sempre?

― Não sei se entendi a questão.

― Eu tenho muito medo de estragar tudo entre nós, de colocar tudo a perder. Mas também não quero me sentir arrependido por não ter feito o que eu sabia que deveria fazer. Quem sabe o que pode acontecer amanhã?

― Jim. Eu não...

― Não quero que as coisas mudem entre nós, Spock. Não. Isso não está totalmente certo. Eu quero que mude, mas não dessa forma. Não para pior. ― Jim sorriu meio envergonhado. ― Olhe pra mim, eu, sempre tão confiante, decidido e corajoso. Mas quando se trata de você, quando se trata de dizer a você o que eu tenho de dizer, eu sou reduzido a um adolescente imaturo. Talvez seja porque você vale à pena.

―Eu? ― Spock pareceu surpreso.

―Sim, Spock. Sua amizade, sua companhia vale à pena o esforço de conquistar. Você nunca percebeu o quanto eu me esforcei pra conseguir sua aprovação, sua atenção, sua afeição? Você nunca percebeu o quanto eu gosto de estar com você, de conversar com você?

Spock não respondeu.

― Eu gosto do seu jeito de falar, adoro o seu humor seco e admiro a sua inteligência, sua curiosidade e sua humildade. Eu acho você uma pessoa incrível! E nós ficamos bem juntos, digo, formamos uma boa equipe. Eu... Deus, isso não devia ser tão difícil! Eu gosto muito de você, Spock.

Spock o fitou por exatos quatro segundos antes de dizer:

― Eu também, Jim. Pensei ter deixado claro que sua amizade para mim...

Jim engatinhou até Spock e se ajoelhou diante dele, muito próximo, nivelando seus olhos. Spock sentiu sua pulsação acelerar quando Jim colocou as mãos sobre seus ombros.

― Não, Spock. Você não entendeu. Eu gosto muito de você. ― Jim enfatizou as duas palavras e viu as pupilas de Spock se dilatarem. Jim deslizou a mão direita do ombro para a nuca de Spock, lentamente, testando até onde Spock permitia ser tocado. ― E não apenas como amigo; você entende? E isso me assusta, porque nunca senti nada assim por ninguém ― ele foi se aproximando, sua voz quase um sussurro ―, e nunca, em toda a minha vida, estive tão certo sobre algo quanto estou sobre isso: estou apaixonado por você, Spock.

Jim pressionou seus lábios contra os de Spock, com cuidado, como se temesse quebra-lo. Os lábios de Spock e sua pele eram mais quentes do que os de qualquer humano. Jim sentiu quando a respiração do vulcano engatou. Recuou os lábios por um instante, mantendo suas testas unidas, Spock não fez qualquer movimento para recuar, a respiração dele estava acelerada, e Jim voltou a beijá-lo. E então, Spock retribuiu. Uma onda de calor se infiltrou por seu corpo e sua mente. Um arrepio de prazer e contentamento eriçou os pelos de sua pele. Spock retribuiu. Spock retribuiu.


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