Todo o Espaço Entre Nós escrita por Tai Bluerose


Capítulo 8
Companheirismo




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Capítulo 8: Companheirismo

Eles se reuniram para um jogo de xadrez após o jantar. Jim jogou primeiramente contra Sarek, que ficou inegavelmente confuso quando Jim declarou seu Xeque Mate.

Sarek olhava para o tabuleiro ainda sem entender como tinha perdido para aquele humano. Jim olhava para Spock com um sorriso contido, e Spock retribuía a diversão de Jim. Spock admitia que havia um prazer inexplicável e ilógico em ver seu pai ser derrotado por Jim.

Sarek levantou uma sobrancelha de um jeito muito Spock, fazendo Jim rir. O embaixador olhou do filho para o humano e soltou um pequeno e quase inaudível som, que Jim interpretou como a versão vulcana de um resmungo. Algo que o fez Jim lembrar de Leonard resmungando sempre que perdia.

― Seu método, Capitão, é bastante... ― Sarek fez uma pausa tentando encontrar a palavra apropriada. ― Peculiar.

― Sim, Spock também ficou bastante perturbado quando o derrotei pela primeira vez. Embora ele goste de descrever minha técnica como “errática e sem qualquer lógica”.

― Admito ser um fato curioso que seus métodos pouco ortodoxos atinjam um resultado positivo em 60% das vezes em que jogamos. ― Spock falou com aquela pitada de sarcasmo que Jim conhecia tão bem.

― Sessenta por cento, Spock? Sério? Nenhuma fração, nenhum número depois da vírgula? Refaça seus cálculos, pois tenho certeza de que já o derrotei bem mais que isso. Talvez oitenta por cento.

― Pouco provável, Jim.

― Ah, é mesmo? Muito bem, senhor sabichão, uma partida, nós dois. ― e Jim olhou para Sarek sentado à sua frente. ― Você se importa, Embaixador?

Reconhecendo a derrota, Sarek se levantou e anunciou que iria se retirar para a noite. Ele ainda estava um tanto perplexo por ter perdido para um humano com técnicas tão inusuais. Spock tomou o lugar do pai no jogo de xadrez contra Jim.

O jantar não foi tenso como Jim tinha imaginado. Foi até tranqüilo. Ele não ficou rodeado de vulcanos. Excluindo Spock e Sarek, apenas mais três vulcanos compareceram, um dos quais se chama Sorvek, com quem Jim teve a oportunidade de conversar. Os outros convidados eram constituídos por dois cientistas humanos ― que por uma grande ironia, foram as pessoas com quem Jim sentiu menos afinidade―, um diplomata andoriano e sua filha, Nahmink, e uma cientista cardassiana, J’leyn, muito simpática.

― Obrigado por me ajudar com a Nahmink. ― Jim disse depois de algumas jogadas em silêncio.

 Jim não teve qualquer problema durante o jantar, mesmo assim, Spock não quebrou sua promessa de auxiliá-lo. O ponto alto desse auxílio foi quando Spock livrou Jim das investidas da filha do diplomata andoriano. Não que Jim fosse de recusar as atenções de uma mulher bonita, e Jim realmente tinha uma queda pelas anteninhas azuis, mas ele realmente não estava motivado para flerte ou qualquer outra coisa com outra pessoa no momento, nem queria que Sarek pensasse que ele estava assediando a filha de seu convidado. Mas a garota não parecia ter essa mesma noção de educação.

― Tive a impressão de que ela o estava incomodando. O comportamento inadequado dela provavelmente deve ser por sua falta de maturidade, eu suponho. ― Spock respondeu sem emoção. Seus olhos fixos no jogo, planejando o próximo movimento. ― Ou talvez seja efeito da sua fama que o precede, Jim.

Jim franziu a testa.

― Você também acha que sou mulherengo? ― Jim falou com um fio de desapontamento.

Spock olhou para ele com uma sobrancelha erguida e a sombra de um sorriso no canto dos lábios.

― Na verdade, eu me referia ao fato de você ser considerado um herói, assim como o mais jovem e brilhante capitão da Frota estelar. Imagino que isso possa chamar a atenção de uma filha de embaixador de qualquer planeta.

― Oh.

Jim sorriu meio envergonhado e voltou sua atenção para o jogo. Ele arriscou mais algumas olhadas para o vulcano, que continuava muito atento ao tabuleiro quadriculado.

― Por que você disse a ela que eu já estava romanticamente envolvido com outra pessoa? ― a pergunta estava esperando para ser feita desde o momento em que Spock dissera aquilo da maneira mais fria possível. Era uma simples declaração, mas conseguiu fazer a filha do embaixador se afastar como se tivesse levado uma bronca por mau comportamento.

― Porque é a verdade. ― Spock respondeu simplesmente, ainda sem olhar para Jim.

― Como assim? A quem você estava se referindo?

― Doutora Marcus, obviamente.

Jim ficou paralisado olhando para Spock.

― Você sabia sobre Carol e eu?

Depois de alguns segundos, Spock levantou os olhos para encará-lo.

― Afirmativo.

― Magro te contou isso também?

― Não. Não foi necessário.

Como Jim ainda parecia confuso ou espantado, Spock não tinha certeza de qual dos dois, Spock resolveu explicar:

― Jim, sou eu quem faz-fazia a programação de licenças em terra para todos na nave. Em todos os anos em que trabalhamos juntos, você evitou essas licenças o máximo que pôde, por mais que eu e o Doutor as tenha recomendado. Algum tempo depois que a Dra. Marcus tinha se juntado à equipe, você começou a tirar suas licenças regularmente, coincidentemente, sempre ao mesmo tempo em que a Dra. Marcus, e para a mesma localidade. Também notei a proximidade entre vocês antes e após cada evento, assim como a freqüência com que se encontravam e conversavam enquanto na nave. Não o vi na companhia de outra mulher por tanto tempo que não fosse ela. Presumi que ela fosse alguém muito importante para você.

Como o olfato dos vulcanos era muito mais apurado que o dos humanos, algumas vezes, Spock também sentira em seu Capitão um cheiro que não o pertencia. Algum tempo depois, Spock identificou a fragrância distinta como sendo o perfume da Dra. Marcus. Spock preferiu não mencionar essa outra evidência, embora tenha sido essa evidência que o ajudou a solucionar o mistério.

Na época, essa constatação deixou Spock perturbado e preocupado; se a Frota ficasse sabendo, o posto de Jim estaria em risco. Mas ele ficou um pouco aliviado ao perceber que no quarto do Capitão, em todas as vezes que esteve lá, não havia qualquer traço da presença da Dra. Marcus. Se os dois estavam mantendo um relacionamento romântico e/ou sexual, estavam fazendo isso fora da Enterprise; embora as vezes Spock se perguntava se o mesmo poderia ser dito do quarto de Carol Marcus com respeito a qualquer traço de Jim.

― E eu pensando que estávamos sendo discretos – as palavras de Jim trouxeram Spock para fora de seus devaneios.

― Talvez alguém sem uma alta capacidade de observação não tenha notado.

― Está se vangloriando, Sr. Spock? ― Jim arriscou uma brincadeira.

― De forma alguma. Vulcanos não se vangloriam.

A brincadeira de Jim não funcionou. Spock estava repentinamente mais sério do que o normal. Eles ficaram em silêncio, encarando-se. O jogo esquecido entre eles. E Spock só conseguia pensar que Jim tinha contado a Leonard e a ele não. Não era uma grande coisa, afinal, Jim e Leonard eram amigos há mais tempo.

Jim confiava mais em Leonard. Era isso? Jim não confiava plenamente nele? Spock se perguntava.

― Imagino que pensou que eu o delataria para a Frota Estelar, já que escolheu manter segredo de mim. ― Spock falou com cautela.

― Não, Spock. Não. Eu não pensei nisso. Não foi por isso. Mas se você o fizesse, você só estaria fazendo seu trabalho. Eu não te contei nada sobre a Carol porque eu não queria que você soubesse que eu estava com alguém.

― Por que não? Se você não temia que eu o delatasse à Frota Estelar, então por que o medo em eu descobrir?

Jim ficou encarando Spock, os lábios comprimidos.

― Eu não sei como explicar. Eu sei o que todo mundo pensa de mim. Que eu sou um mulherengo e tal. Mas não é bem assim. E eu não queria que você pensasse isso. Mas eu... ― Jim respirou fundo e olhou para as próprias mãos, com vergonha do que iria admitir a Spock. ― Eu não lido bem com a solidão, Spock, nunca lidei, e ser capitão é... um pouco solitário, as vezes. Estar com alguém é um escape, um conforto.

― Eu entendo que como um macho humano adulto você tenha necessidades...

― Não, não! Não se trata apenas de sexo. Diversão e companhia, Spock. Companhia. Geralmente eu consigo isso com você e o Magro, e dá pra ir agüentado sem o resto numa boa. Mas depois do Kahn... Depois, vocês estavam muito preocupados comigo, com a minha morte, e eu não queria discutir a experiência. Eu me afastei um pouco de vocês, me desculpe por isso. Mas depois, foram vocês que se afastaram, mas não os culpo por isso. Leonard estava bastante ocupado e entusiasmado com a nova equipe médica para treinar; e você estava passando cada vez mais tempo com a Uhura e eu percebi que... Enfim, Carol era alguém com quem eu podia conversar e que também não queria ficar relembrando os eventos com Kahn. Eu realmente gostei dela. Pensei que poderia dar certo entre nós. Mas não. ― Jim ficou girando a peça de xadrez entre os dedos. ― Terminamos; Carol e eu. Ela terminou comigo, na verdade.

Spock ficou em silencio por alguns segundos. Ele sabia que Carol Marcus tinha solicitado uma transferência, mas ele não imaginou que ela tinha terminado seu relacionamento com Jim ou que Jim ficara tão afetado pela partida dela.

― Você ficou... triste... porque ela foi embora?

― Sim. ­― Jim confessou e depois de um momento: ― Mas estou mais triste porque você vai embora, se você quer saber. ― Jim admitiu e tomou coragem para erguer os olhos e encarar Spock. Havia um brilho nos olhos castanhos do vulcano e algo oculto que Jim não conseguia decifrar, mas então Spock disse:

― Pensei que você não se importava se eu fosse. Que poderia muito bem se virar sem mim.

Jim franziu as sobrancelhas. Contornou o tabuleiro e se sentou ao lado de Spock.

― De onde você tirou essa ideia?

― Ouvi sua conversa com o Doutor McCoy. Não foi minha intenção ouvir. Eu estava indo para conversar com você sobre a proposta do Almirantado, quando captei sua voz no momento em que dizia isso ao Doutor. Novamente, não foi um ato proposital.

― Você deve saber que eu não estava sendo sincero, Spock. Eu estava zangado, por isso disse aquilo. Mas eu estava zangado não exatamente com o que o Magro disse, mas por causa do que Komack tinha me dito algumas horas antes. Quando ele falou que você iria para outra nave, eu tentei convencê-lo a escolher outra pessoa, disse-lhe que não queria perder meu Primeiro Oficial. Komack veio com uma piadinha, me perguntando se eu me considerava um capitão tão incapaz que não sabia me virar sem meu Primeiro Oficial. Eu estava com o orgulho um pouco ferido, e quando o Leonard falou... como se eu fosse quebrar se você deixasse a Enterprise, eu...  eu só não queria admitir que eu realmente preciso de você, Spock. Você deve me achar um egoísta. O almirante vem me dizer que meu melhor amigo vai ser promovido e tudo o que eu faço é tentar convencê-lo a dar a promoção a outra pessoa. Você deve me achar o maior egoísta do universo, não é?

― Até onde se sabe, o universo é infinito, com certeza deve haver alguém mais egoísta que você em algum lugar.

― Você está brincando, certo? ― Jim perguntou incerto, Spock olhou para ele com carinho.

― Jim, eu entendo sua atitude. Estou certo em supor que você tenha... experimentado medo de me perder?

― É claro que sim, Spock. Nós sabemos o que acontece quando alguém é transferido para outra nave: missões diferentes, anos e anos luz de distância, licenças de terra que nunca se encaixam, o contado vai se perdendo com o tempo. Você não é apenas meu imediato; você é meu amigo, meu irmão, eu... ― Jim segurou o braço de Spock e falou com toda a sinceridade. ― Se a escolha estivesse sob meu poder, eu escolheria ter você para sempre comigo... na Enterprise.

― O sentimento é recíproco, Jim.

― Sério?

― De fato.

Jim suspirou resignado.

― Eu não quero que você vá, mas eu entendo que você precisa ir. E te desejo toda a sorte do mundo em sua carreira, meu amigo vulcano.

― Vulcanos não acreditam em sorte, Jim. Mesmo assim, obrigado.

― Vou sentir a sua falta, Spock. De verdade. ― Jim deslizou a mão pelo braço de Spock até alcançar sua mão.

― Manteremos contato, Jim. Não está em meus planos perder sua amizade.

― Nem nos meus, Spock.

Jim sentiu a mão de Spock aquecer sob a sua, mas o vulcano não a retirou. Jim nem tinha notado como os dois estavam tão perto. Perto o suficiente para um descansar a cabeça no ombro do outro, se qualquer um deles decidisse fazer isso.

Os dois ficaram ali, tão próximos quanto ousavam. Reticentes e hesitantes. Jim olhava para os traços e contornos do rosto do vulcano e Spock parecia decidido a encarar a parede a sua frente, quando Jim se atreveu a fazer uma carícia no dorso da mão de Spock.

― Você precisa dormir, Jim. ― Spock falou de repente, tirando a mão do contato com Jim.

― Ahn. Certo... ― Jim falou meio atordoado com a mudança súbita, mas não deixou de notar as pontas das orelhas de Spock adquirir um tom verde mais acentuado. Jim se levantou colocando alguma distância entre eles e depois se voltou para o jogo de xadrez tridimencional. ― Nem terminamos o jogo.

― Estou certo de que teremos tempo para concluí-lo em outro momento. Você teve um dia cheio e cansativo. Deve ter uma boa noite de descanso ou sua saúde ficará prejudicada.

― Tudo bem, Spock. Não vou discutir com você.

― Sábia decisão, Capitão.

Jim virou-se para Spock e sorriu.

Ah, este vulcano!

.

.

Sarek entrou na cozinha logo pela manhã e encontrou o humano já desperto e uma chaleira emanando um cheiro inconfundível de chá vulcano. Quando o humano notou sua presença, arregalou os olhos azuis e pôs-se de pé.

― Bom dia, senhor Sarek.

Sarek fez apenas um leve movimento com a cabeça como reconhecimento.

― Acordou cedo, capitão.

― Por favor, pode me chamar de Jim. ― o humano falou de forma mais natural e relaxada.

― Como desejar, Senhor kirk.

Jim resistiu à vontade de revirar os olhos. Sim, a teimosia de Sarek era muito semelhante a do filho.

― Tomei a liberdade de preparar um chá para o café, espero não ser uma intromissão da minha parte.

― Não é o costume de vulcano que os convidados realizem as tarefas que são destinadas a seus anfitriões. ― Sarek aproximou-se da mesa e serviu-se de um pouco do chá, confirmando que se tratava sim de um chá de especiarias vulcanas. ― Não é o costume, mas também não é uma ofensa. Foi muito gentil da sua parte, senhor Kirk.  Onde aprendeu a fazer isto?

― O chá? Com Spock. Ele parece gostar bastante deste. Também é o único que eu acerto fazer. ― Jim concluiu e ficou um pouco ansioso quando Sarek sorveu um pouco do líquido.

― Mel? ― Sarek arqueou uma sobrancelha.

― Ah. Desculpe! Eu vi no seu armário, então... eu pensei...

― Não está na receita tradicional vulcana. Mas é... agradável. ― Sarek o interrompeu. E depois de um momento: ― Minha esposa costumava acrescentar.

Jim não sabia o que dizer, então não disse nada. Sarek se sentou à mesa com seu chá e o PADD em mãos. A conversa pareceu acabar entre eles, felizmente Spock apareceu logo em seguida.

― Dormiu bem, Spock?

― Adequadamente. Você parece estar de melhor humor hoje, Jim. ― Spock comentou.

― Verdade. Estou feliz por Peter estar bem. Mas também estou muito ansioso para buscá-lo. Mais tarde entrarei em contato com o comandante da nave médica para acertar minha visita. Eles estão sendo muito cuidadosos, parece que alguns pacientes ainda estão em quarentena.

Spock tomou um lugar à mesa entre Jim e o pai.  Jim pensou um momento e disse:

― Você não precisa vir comigo, realmente.

― Ainda assim, eu gostaria de acompanhá-lo. Se não for, é claro, uma invasão de sua privacidade familiar.

Jim abriu um enorme sorriso.

― Claro que não, Spock. Você é praticamente da família. Eu gostaria que você viesse comigo.

― Está decidido então. ― Spock provou um pouco do chá e ergueu a sobrancelha em surpresa. ― Você fez o chá, Jim?

― Sim. Como sabe? ― Jim indagou com um pedaço de torrada replicada em sua boca.

― Você colocou mel.

― Ruim?

― Não. Muito adequado. Suas habilidades estão melhorando. ― Spock sorveu mais um gole. ― Mas não é costume de vulcano que o convidado...

― Eu sei, eu sei. Seu pai e eu já tivemos essa conversa, meu amigo.

― Você já tomou sua dose diária do Composto Tri-Ox?

― Já.

Jim respondeu muito baixo. Spock o olhou com desconfiança.

― Realmente?

― Não. Mas eu vou tomar depois do café.

― Jim, o Dr. McCoy disse...

― Eu sei, eu sei, eu sei o que ele disse. Juro que vou tomar. Você mesmo poderá fazer a aplicação depois, satisfeito?

― Afirmativo. ― Spock encerrou o assunto.

Sarek discretamente voltou seus olhos para seu PADD.


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Notas finais do capítulo

Momentos tensos no próximo capítulo.

capítulo 9: Peter Kirk



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