Obscuro escrita por Benihime


Capítulo 11
Capítulo 10




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Mais uma vez Nia parecia outra pessoa quando desceu para tomar café na manhã seguinte. Sua pele empalidecera ainda mais, o que fazia suas olheiras se parecerem quase como hematomas e seus olhos, embora não mais avermelhados, tinham as pupilas tão dilatadas que lhe davam o olhar de um cervo pego pelos faróis de um carro. Apesar disso, porém, ela sorriu para os três rostos que a fitaram com evidente preocupação.

— Sou eu mesma. — Sua voz estava ainda mais arrastada, e agora também ligeiramente rouca. — Bom dia , pessoal.

— Bom dia, gata. — Nick respondeu. — Como você está se sentindo?

— Honestamente? — Ela rebateu. — Vou ficar melhor se você parar de me chamar assim.

Cassie riu alto de puro alívio, feliz por ver sua irmã mais velha agindo como ela mesma novamente.

— Chegou bem na hora, mana. — A loira anunciou. — James está fazendo o café da manhã hoje, e ele nos prometeu uns omeletes espetaculares.

 — Minha receita secreta mundialmente famosa. — James, que entrava na sala naquele exato instante, anunciou.

— Que seria … — Nia rebateu zombeteiramente. — Ovos queimados e borrachudos?

— Mais respeito, menina. — O homem mais velho riu. — Ou não vai ganhar omelete.

Todos riram dessa breve troca de farpas, do sinal ínfimo de recuperação por parte de Nia. O clima leve se manteve, já que o quarteto começou a conversar sobre a melhor forma de capturar um fantasma. Como tudo o que diziam se baseava nos filmes de terror, a coisa toda manteve um ar de brincadeira. Nick, que a vigiava atentamente, viu quando Nia subitamente parou de rir e cobriu a boca com as mãos.

— Nia! — Ele exclamou. — Nia, o que houve?

Ao invés de responder, a jovem correu para fora. Nick a seguiu e a viu curvada sob a proteção de alguns arbustos. Segurava o cabelo para trás com uma das mãos e tentava apoiar-se com a outra enquanto vomitava violentamente.

O rapaz silenciosamente aproximou-se e passou um braço por sua cintura, usando a mão livre para afastar a dela e segurar as longas madeixas negras. Nia tentou empurrá-lo, mas a situação barrou seus frágeis esforços.

— Droga, Nicolas! — Ela exclamou assim que conseguiu parar de vomitar. — Não devia ter me seguido. Não era para você ter me visto desse jeito!

— De que jeito? Humana? — Nick rebateu. — Pode acreditar, já vi coisas piores. Se sente melhor?

— Na verdade … Sim. Um pouco. — Foi a resposta. — Você me ajuda a ir lá para cima? Preciso muito escovar os dentes.

— É claro. Mas acho melhor você falar com a sua irmã primeiro.

— Não. Eu não quero preocupar a Cass.

— Acho que é um pouco tarde demais para isso. — A voz de Cassie soou, ríspida e cheia de impaciência. — Nia, você está pior. Já chega. Vamos logo embora desse lugar. Você precisa de um médico.

— Eu não estou doente, Cass. — A morena rebateu teimosamente. — Só fiquei enjoada. Provavelmente foi culpa da omelete.

James, que vinha logo atrás de Cassie e a quem o comentário fora dirigido, nem sequer sorriu ante a fraca tentativa de humor.

— Sua irmã tem razão, Nia. — Ele disse. — Se não quiser ir embora, pelo menos vamos até a cidade. Há uma pequena clínica lá e …

— Não. — Nia interrompeu veementemente, com uma energia que surpreendeu a todos. — Eu já disse, James: estou bem. Nada de médicos!

Parecendo ter se recuperado quase totalmente, Nia girou nos calcanhares e correu de volta para dentro. 

— Deixem ela comigo. — Nick disse, já se adiantando para seguir a morena. — Estou menos envolvido do que vocês, é mais provável que Nia me ouça.

Os outros não fizeram objeção, e o rapaz mais novo subiu até o quarto da moça, batendo levemente na porta apenas para vê-la se abrir ao menor toque. Ao espiar para dentro, deparou-se com Nia sentada na poltrona perto da janela, de costas para a porta.

— Nia?

Ela virou-se devagar ao ouvir sua voz. Algo, porém, parecia estar diferente. Não que ela tivesse mudado em nada, era só … O jeito como Nia o encarava. Não parecia normal, e fez Nick sentir um calafrio.

— Oi, Nicolas. — Ela disse, abrindo um sorriso lento e malicioso. — O que foi? Preocupado? Eu já disse que estou bem, não disse?

— É, você disse. — O rapaz respondeu. — Mas ainda não parece bem para mim.

— Bom … Quem sabe se você olhar mais de perto? — A morena sugeriu maliciosamente. — O que foi? Tem medo que eu comece a gritar com você de novo?

— Pra ser sincero … É, talvez um pouco.

— Não precisa, seu bobinho. — Nia deu uma risadinha baixa, erguendo uma das mãos e gesticulando para que se aproximasse com o dedo indicador. — Venha cá. Eu não mordo. A menos que você queira.

— Nia, eu …

— Vamos, Nick, pode parar de fingir. — Ela falou num ronronar, aproximando-se a passos sinuosos. — Eu sei que você me quer desde que pôs os olhos em mim. E, pra falar a verdade … Eu sinto o mesmo por você.

Mal terminou de falar, a jovem o beijou. O beijo intenso fez com que Nick esquecesse todo o resto, passando um braço pela cintura esguia da mulher à sua frente e usando a mão livre para apoiá-la pela nuca, o que o permitiu aprofundar o beijo. Nia gemeu alto de prazer.

Momentos depois, os lábios dela deixaram os seus, mordiscando e lambendo ao descer por seu pescoço, enquanto suas mãos se ocupavam com os botões de sua camisa. Uma das unhas dela, longa e afiada como uma garra, subitamente arranhou seu peito. A dor funcionou como um balde de água fria.

Num movimento rápido, Nick agarrou os pulsos da jovem e a ergueu no ar, colocando-a sentada novamente na poltrona. Ela o encarou com os olhos arregalados de surpresa por um momento antes de desatar a rir, um riso frio e desagradável.

— Eu sabia. — Nia declarou perversamente. — Seu pervertido covarde. Eu sabia que você ia fugir. Do que você tem tanto medo, Nick?

Nick. Nick. Nick. O apelido soou como o disparo de um alarme no cérebro ainda embotado do jovem, clareando sua mente e dando-lhe forças para se afastar.

— Nia. — Ele disse friamente, já do outro lado do quarto. — Nunca me chamaria de Nick.

Ao terminar de falar, ele virou-se e saiu do quarto, seguido por uma torrente de insultos gritados em altos brados. A batida da porta quando o jovem a fechou e trancou por fora, porém, pareceu pôr um fim às obscenidades.

— Estou dizendo, James, esta não é a minha irmã. — Cassie dizia quando Nick juntou-se aos dois na cozinha. — A vida toda, eu nunca vi Nia sequer erguer a voz, quanto mais xingar daquele jeito. Eu nem fazia ideia de que ela conhecia metade daqueles palavrões.

— E ela me chamou de Nick. — O rapaz mais novo declarou ao se juntar a eles. — Definitivamente tem alguma coisa errada aqui. Num segundo Nia parecia normal e no outro … Estava me olhando como se quisesse me devorar.

Os dois irmãos trocaram um longo e grave olhar, até que James enfim quebrou o contato visual com um profundo suspiro.

— Não vejo outra escolha. — Ele disse. — Cassie, acho que devemos sedar a sua irmã. Pelo menos por enquanto. Se ela ainda estiver … Alterada … Pode acabar se machucando.

A loira não respondeu, encarando o nada por vários segundos antes de enfim erguer novamente os olhos para James.

— Eu concordo. — Ela assentiu. — Mas com uma condição: eu faço isso.

— Claro. — O homem mais velho aquiesceu. — É mais do que justo. Vou preparar o remédio.

Nia ainda estava enrodilhada na poltrona, de olhos fechados, quando os três tornaram a subir para vê-la. Ela os abriu e ajeitou a postura ao ouvi-los entrar.

— Oi, Nick. — A morena sorriu meigamente. — Voltou para me ver, foi?

— Dessa vez não, gatinha. — Foi a resposta. — Por mais bonita que você seja.

Rápido como um raio, Nick segurou ambos os braços da jovem, imobilizando-a, enquanto James a segurava por trás, numa espécie de abraço desajeitado junto às costas da poltrona. Cassie imobilizou as pernas da irmã entre as suas e segurou firme seu pulso direito.

 — Que droga! — A loira exclamou. — Desse jeito não vai dar!

Agindo tão rápido que ela nem conseguiu acompanhar o movimento, James enrolou os dedos sob os cabelos de Nia e num segundo a morena parou de resistir.

— Pontos de pressão. — O homem mais velho explicou, vendo o olhar curioso da jovem loira. — É uma arte japonesa.

Depois disso, foi muito fácil aplicar a injeção. Nia se deixou ficar na poltrona, prostrada e completamente dócil, com seus olhos azuis enevoados fixos em sua irmã mais nova.

— Cass? — Ela chamou baixinho, claramente se esforçando para formar as palavras. — Cass, o que aconteceu? O que vocês fizeram comigo?

— Está tudo bem, mana. — Cassie disse carinhosamente, afastando com uma carícia os fios de cabelo que haviam caído sobre o rosto de sua irmã. — Apenas durma, ok? Você precisa descansar.

A jovem não ofereceu resistência alguma, simplesmente deixou sua cabeça pender para trás, tombando contra o encosto da poltrona, e fechou os olhos. Nick a ergueu nos braços e gentilmente a colocou na cama, então os três deixaram o quarto.

— Que diabos foi aquilo?! — Cassie exigiu saber, seus olhos fixos nas marcas de unha em seu braço direito, onde Nia a havia arranhado.

— Aquilo o que, exatamente, Cassie?

— Estou falando da reação dela. Aquilo não foi normal. Era como se Nia nem soubesse o que estava acontecendo.

— Ela estava muito alterada, Cass. — James explicou. — Quando o cérebro chega a tal estado de perturbação, há uma grande atividade elétrica, o que pode ocasionar confusão, perda de memória e até convulsões. Foi por isso que Nia melhorou depois do calmante, porque sua atividade cerebral diminuiu.

— Pelo amor de Deus, James! — Nick exclamou, fazendo seus dois companheiros pularem de susto com sua veemência. — Vai mesmo insistir nessa teoria? Você viu o que aconteceu. Aquilo não teve nada a ver com perturbação ou nenhuma doença nervosa. Tem mais acontecendo aqui.

— Nick, pare com essa bobagem! — James rebateu rispidamente. — Se eu não soubesse, diria até que você nunca estudou. Não estamos mais na Idade Média, sabia?

— Está bem, então, faça do seu jeito. — Nick quase rosnou. — Quando as coisas piorarem, não diga que não avisei. Você sabe o que temos que fazer, antes que seja tarde demais.

— Não farei. — O mais velho decretou categoricamente. — Não sem um bom motivo.

— Caramba, James, é só olhar para ela! Todas as suas provas estão aí!

— Não, Nick, isso tudo só prova que estamos lidando com uma mulher extremamente doente que precisa de ajuda. Não transforme a situação em algo que não é!

Cassie se interpôs entre os dois irmãos que discutiam antes que o clima já pesado piorasse ainda mais e culminasse em uma briga séria.

— Já chega! — A loira ordenou. — Algum de vocês pode por favor me explicar de que diabos se trata tudo isso? Porque eu, honestamente, já não estou entendendo mais nada.

— Cassie … — James disse, agora falando com gentileza. — Para o seu próprio bem, é melhor você ficar fora disso.

— Ela é minha irmã, James. — A loira rosnou em resposta. — Pros diabos com “ficar fora disso”. Você não aceitaria essa merda se fosse com o Nick, e nós dois sabemos disso!

— Cassie tem razão, mano. — Nick declarou. — Nia é irmã dela, é direito da Cass dar a última palavra.

— Primeiro me expliquem que diabos está acontecendo. — A jovem exigiu. — Não posso opinar sobre o que não sei.

— Bom … Para resumir, meu irmão aqui acha que Nia está possuída.

— E isso é uma possibilidade?

Nick respondeu “sim” ao mesmo tempo em que James respondia “não”. Os dois irmãos se olharam com raiva.

— Isso … Essa briguinha de vocês não vai adiantar de nada. — Cassie declarou. — Como podemos ter certeza de que alguém está possuído?

— Existem testes, mas todos são subjetivos. — James explicou. — Um exorcismo é a única forma de se ter certeza absoluta. Porém, arriscar um ritual dessa magnitude apenas por uma mera possibilidade é … Desumano, para dizer o mínimo.

— Você disse que existem testes. — Cassie falou devagar, com autoridade. — Vamos ver o que eles dizem, depois decidimos a melhor forma de agir.


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