Obscuro escrita por Benihime


Capítulo 10
Capítulo 9




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O queixo de todos caiu quando Nia descer as escadas na manhã seguinte. Seus cabelos negros haviam sido escovados com capricho e caíam em ondas charmosamente desalinhadas sobre seus ombros. Ela usava um leve traço de sombra lilás, apenas para realçar seus enormes olhos azuis que brilhavam de malícia, e batom vermelho nos lábios. Não se via sinal algum de cansaço, fraqueza ou estresse.

— Bom dia. — Ela cumprimentou quase num ronronar, no tom de quem sabia exatamente a ração que causara e se divertia com ela.

— Nia! — Cassie exclamou, espantada. — Nia, você está bem?

— Claro. — Nia sorriu largamente. — Estou ótima. Não sei o que você me deu, James, mas ajudou bastante.

Nick e James se entreolharam. O homem mais velho fez um sinal discreto para Cassie, que assentiu quase imperceptivelmente.

— Estávamos esperando por você. — James anunciou. — Tivemos a ideia de filmar o lago hoje, já que o tempo está bom, mas achamos melhor esperar e pedir a sua opinião. Essa pesquisa é sua, afinal.

— Claro, é uma boa ideia. — A morena respondeu indiferentemente. — Depois que eu voltar. Preciso ir à cidade.

Dito isto, a jovem se virou e saiu a passos largos, sem sequer tocar na xícara de café que Cassie lhe alcançara. Não se passou muito tempo até ouvirem o som de pneus na estrada de cascalho, deixando o trio mergulhado em um silêncio atônito.

— Bom, isso foi estranho. — James declarou afinal. — Tem alguma coisa … Diferente em Nia.

— Diferente?! — O tom irônico na voz de Cassie foi distorcido pelo medo, mas ainda estava presente. — Se com isso você quer dizer que Nia parecia outra pessoa, então sim, tem razão, James. Há algo diferente nela.

— Talvez seja uma reação ao estresse. — Nick sugeriu pensativamente. — Todos levamos um susto ontem à noite, Nia mais do que qualquer um.

— Besteira, Nick. — A jovem loira declarou categoricamente. — Eu conheço Nia melhor do que qualquer um de vocês e estou dizendo: aquela coisa não era a minha irmã. Podia parecer com ela, mas não era.

— Ora, vamos, Cass. — O homem mais novo riu. — Não acha que está exagerando um pouco?

— Não. — A jovem insistiu com total convicção. — Estou dizendo, Nick, mesmo que você me mostrasse um clone idêntico da minha irmã, eu ainda assim saberia a diferença. Juro por Deus, aquela que desceu hoje de manhã não era ela.

— Tudo bem, tudo bem. — James interveio antes que uma briga começasse. — Acreditamos em você, Cass.

Cassie, que olhava fixamente para Nick, tensa à espera de uma discussão, subitamente relaxou, olhando para James com assombro.

— Você … Acredita?!

— Sim. — O homem mais velho assentiu. — Mas isso nos deixa com outro problema: se aquela não era Nia, então o que aconteceu com ela?

— E eu que sei? — A loira rosnou em resposta, frustrada. — Vocês são os especialistas no sobrenatural aqui.

— Aí é que está o problema, Cassie. — Dessa vez foi Nick quem falou, seu tom surpreendentemente conciliatório. — Não existem especialistas, não de verdade. Este é um dos campos de estudo mais amplos e subjetivos do mundo.

— Claro. — A loira rebateu ironicamente. — Levando em conta que a maioria nem sequer considera isso um campo de estudo, para começo de conversa.

— Exatamente. — O homem mais novo assentiu sem se deixar abalar. — Daí você tem uma ideia do quão difícil é conseguir material, quanto mais fontes confiáveis. É como eu disse, não há especialistas no sobrenatural, apenas pesquisadores. Teremos que esperar para ver.

— Era exatamente isso … — Cassie declarou amargamente. — Que eu estava com medo de ouvir.

Nia voltou cerca de três horas depois e imediatamente se trancou no quarto.  Após alguns minutos, Nick subiu para tentar conversar com a moça.

— Nia? — Ele chamou, batendo na porta o mais delicadamente possível, receando assustá-la. — Nia, por favor, abra a porta. O que aconteceu?

Algo, um travesseiro ou almofada, a julgar pelo ruído surdo com que atingiu a madeira, foi arremessado contra a porta, seguido por um grito agudo de “vá embora!” que fez os cabelos da nuca de Nick se arrepiarem. O rapaz desistiu e desceu para se reunir com Cassie e James, que o esperavam, ambos lívidos de surpresa.

— O que diabos foi aquilo?! — Cassie inquiriu, sua voz aguda de espanto. — Pudemos ouvir daqui. Eu nunca tinha visto minha irmã gritar daquele jeito.

— É verdade. — James concordou enfaticamente. — Nia não é do tipo que grita.

— Que tipo ela é, então?

— Racional. — A jovem loira respondeu imediatamente. — Minha irmã é uma das pessoas mais calmas que já conheci.  Ela nunca perde o controle, mesmo quando está furiosa.

— Bem, se isso não foi perder o controle, eu não sei mais o que é. — Nick ironizou. — Tente falar com ela depois, está bem, Cass? Talvez sua irmã seja menos agressiva com você. Enquanto isso … James, acho melhor estarmos preparados. O que me diz, mano?

— Provavelmente você tem razão. — James respondeu com um suspiro resignado. — Melhor prevenir do que remediar.

— Pensei que você diria isso.

O rapaz mais novo deixou os dois a sós, voltando alguns minutos depois com uma grande maleta que parecia antiga, toda feita de couro negro.

— O que é isso? — Cassie inquiriu, curiosa.

— Bom, Cassie. — Nick respondeu. — É melhor torcer para não precisar saber a resposta dessa pergunta.

A jovem lançou-lhe um olhar desconfiado e desapareceu escada acima com passos suaves, receosa de fazer qualquer barulho. Quando chegou ao terceiro andar, viu que a porta do quarto de Nia estava entreaberta. 

Ao bater, ela se abriu de pronto, revelando a morena parada na janela com uma das mãos apoiada no vidro e os olhos fixos no vazio.

— Nia? — A loira chamou, hesitante.

— Oi, Cass. — Nia respondeu sem se virar, seu tom de voz completamente apático. — Olha, me desculpe por hoje cedo. Eu nem sei o que deu em mim para agir daquele jeito.

— Está tudo bem. — Cassie afirmou carinhosamente, indo até a irmã e envolvendo-a em um abraço por trás, descansando a cabeça em seu ombro e pressionando sua bochecha contra a dela em um gesto de carinho fraternal. — É este lugar, acho que está nos deixando meio malucas.

— Talvez. — A mais velha concordou.

—  Está com fome? — A jovem loira inquiriu. — Você não desceu, mas eu guardei seu almoço.

— Na verdade não. — A morena respondeu, finalmente virando-se para olhar sua irmã, que espantou-se com sua aparência doentia. — Eu só … Estou muito cansada. Acho que vou me deitar um pouco.

— Está bem. Me chame se precisar de alguma coisa. — Cassie deu um beijo na bochecha esquerda de sua irmã mais velha antes de afastar-se. — Qualquer coisa, ok?

— Obrigada. — Nia esboçou um leve sorriso. — Ah, e Cass … Diga ao Nicolas que sinto muito. Eu sei que ele só está tentando ajudar.

A loira esperou até ver sua irmã já na cama, encolhida sob os cobertores, antes de descer tão silenciosamente quanto havia subido. Nick e James a esperavam na sala das poltronas cor de marfim, aparentemente absortos em um debate.

— Está tudo bem. — A jovem informou quando ambos interromperam o que diziam para olhá-la. — Nia está calma. Ela disse que sente muito por ter gritado com você, Nick, que está cansada e precisa dormir um pouco.

— Sim, é uma ótima ideia. — James assentiu. — Pode ser exatamente do que Nia precisa. Não se preocupe, Cassie, mais tarde eu mesmo subo para verificar como ela está.

— Muito obrigada, James. — Cassie disse fervorosamente. — E a você também, Nick. Eu nem sei o que faria sem vocês dois.

Cerca de uma hora depois, Nick levou Cassie para o jardim, insistindo que a jovem precisava de uma caminhada para tomar ar fresco e clarear a mente, já que toda aquela preocupação com Nia certamente não lhe faria bem. James, enquanto isso, subiu para ver como a morena estava, levando-lhe sanduíches e um copo de suco.

Encontrou-a sentada na cama, abraçando os joelhos, os olhos perdidos no nada além da janela. Ela não pareceu perceber sua aproximação. De fato, chegou a pular de susto quando o homem pousou a bandeja que trouxera próxima às pernas cruzadas da moça.

— Me desculpe. — Ele disse gentilmente. — Eu não queria te assustar.

— Sem problemas. — O tom de voz de Nia era cansado e sonolento, arrastado como o de uma pessoa sob anestesia. — Muito obrigada, James.

— Disponha, milady. — Ele sorriu. — Tente comer, está bem? Você precisa se manter forte.

— Eu … Vou tentar.

— A propósito … — O homem sentou-se na beira da cama, gentilmente guiando a mão de Nia até um sanduíche, satisfeito ao vê-la pegar e dar uma mordida distraída no alimento. — Nick me pediu para dizer que “sem ressentimentos”. Mas ele acha que merece um beijo como pedido de desculpas. Palavras do meu irmão, não minhas.

Nia afastou os cabelos do rosto, soltando uma risada abafada. James notou os lábios esbranquiçados da jovem, sua palidez e as olheiras sob seus olhos avermelhados. Ela parecia decididamente doente.

— James … — A morena disse baixinho. — O que aconteceu comigo, James? Não me lembro direito de nada do que fiz pela manhã. 

— Do que você se lembra, exatamente? Tente pensar. Qualquer detalhe serve.

— Eu … — A jovem fechou os olhos, sua testa se franzindo enquanto ela fazia esforço para se lembrar. — Eu … Eu estava em um campo fora da cidade, mas não muito … Podia ver algumas casas ao longe. Tinha … Tinha terra nas minhas mãos e um gosto horrível na minha boca. Eu vomitei., e saí correndo assim que consegui. Encontrei a picape estacionada por perto e voltei para cá o mais rápido que pude. Nem sei como consegui chegar aqui. Eu … Eu acho que estou ficando louca, James.

— Fique calma, Nia. — James instruiu, abrindo os braços para a jovem, que se aninhou contra seu peito. Ele a embalou como se ela fosse uma garotinha. — Está tudo bem. Nós vamos cuidar de você, está bem? Eu prometo.

— Eu quero saber uma coisa. — A voz dela adquiriu subitamente mais energia, dura e determinada como a Nia de que ele se lembrava. — E não minta. Vou saber se você mentir para mim.

— É claro. — James respondeu gentilmente. — E eu jamais mentiria para você.

— O que aconteceu hoje … — Os olhos dela se cravaram nos dele, firmes e exigentes. — Vai acontecer de novo?

— Eu não sei. — O homem mais velho admitiu, vendo aqueles olhos azuis se arregalarem de pavor. — Mas vamos cuidar disso. Nick e eu não vamos deixar nada de ruim acontecer, seja com você ou com a Cassie. Você sabe disso.

— É, eu sei. — Nia esboçou um pequeno sorriso. — Obrigada, James.

— Você parece exausta. — James declarou. — Tente comer e depois descansar mais um pouco. Você precisa recuperar as forças, ou acho que Cassie vai acabar morrendo de preocupação.

A morena obedientemente comeu os sanduíches e tomou o suco, depois aninhou-se novamente sob as cobertas. James só saiu do quarto depois de ter certeza de que ela estava profundamente adormecida, o que não demorou muito.

Nia não soube dizer o que acordou. Talvez uma mudança no ar. Ela só soube que sentiu algo, e que isso a despertou. Abrindo os olhos, viu o quarto ao seu redor iluminado por uma lâmpada acesa. Surpresa, olhou na direção da janela. Tudo estava às escuras e, pelo silêncio na casa, os outros estavam dormindo, o que queria dizer que já era tarde da noite. Embora não soubesse precisar por quanto tempo havia dormido, Nia supôs que devia ter sido por várias e várias horas.

Uma forma escura parada nas sombras do quarto chamou sua atenção, fazendo-a sentar-se rapidamente. Para sua surpresa, a sombra ergueu uma das mãos e levou-a ao rosto sem traços, no gesto universal de quem pede silêncio, então aproximou-se devagar.

Algo foi depositado no travesseiro, quase junto ao rosto da jovem morena, então a sombra virou-se para sair. Nia pôde ver, pela forma esguia e voluptuosa, que tratava-se de uma mulher, mas desapareceu no instante em que a jovem piscou. 

Sua atenção foi então atraída para o presente deixado por aquela estranha aparição. Não se tratava de um bilhete, como inicialmente pensara, mas de uma foto antiga em preto e branco de um casal com uma criança recém-nascida.

A mulher era lindíssima, e foi a semelhança que atraiu a atenção de Nia. Reconheceu nas feições femininas os lábios cheios em forma de coração, o formato amendoado dos olhos, os longos cílios e a exuberante moldura de cabelos negros. No rosto do homem reconheceu os traços fortes que tanto a fizeram se destacar na adolescência. Mesmo na foto sem cores, teve também certeza de que os olhos dele eram azuis, assim como os seus. 

— Não pode ser! — A jovem exclamou, fitando com espanto o casal na foto que tinha em mãos. Quanto mais olhava, mais semelhanças encontrava: o formato arqueado das sobrancelhas da mulher, o ar travesso que o homem emanava, com os cantos dos lábios erguidos em um sorriso … — Não pode …

Mas era, e seu coração sabia disso. De fato, ao virar a foto Nia encontrou exatamente o que esperava: a legenda que dizia Lacey e Natalia Creswell com Gabriel Williams.

— Meus pais. — A jovem sussurrou, correndo o polegar com reverência sobre os dois rostos. — Mamãe … Papai … São mesmo vocês.

Abaixo da legenda, escrita na mesma letra elegante, porém com o aspecto muito mais recente, havia outra frase, apenas duas palavras em tinta preta que se destacavam contra o papel amarelado como sangue na neve:

Lembre-se, Natalia


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