Allan in Horrorland escrita por Yuna Aikawa


Capítulo 2
O Dodô




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Havia algo que pareciam estantes quebradas nas paredes desse túnel, mas era difícil ver com a pouca iluminação ali presente. Continuei caindo por um longo tempo, cada vez mais ansioso pelo final da queda, onde eu deveria me espatifar no chão e morrer, mas, contrariando as leis da gravidade, cai confortavelmente sobre uma pilha de livros e objetos jogados.

Olhei à minha volta, tentando me localizar, mas tudo o que vi foi uma mesa de vidro empoeirada e frascos quebrados. Perdido, comecei a apalpar as paredes, procurando apoio para subir novamente, mas tudo o que achei foi uma minúscula porta, um pouco mais baixa do que meu joelho, da altura perfeita para aquele maldito coelho que me empurrou para esse nada.

Forcei como pude a maçaneta da pequena entrada, mas ela parecia trancada. Então, impaciente, comecei a bater na porta e a madeira podre cedeu depois de três chutes bem dados. Arrastei-me com dificuldade pelo pequeno vão que abri e cheguei em um enorme espaço aberto que eu logo deduzi que outrora foi um jardim. Onde supus que teria grandes plantações agora não passava de terra seca com folhas e galhos queimados e, ao fundo, podia ver vultos que deduzi ser árvores mortas; a pequena e extensa grade de dividia a plantação do caminho central estava enferrujada e ligeiramente torta em muitos pontos; o caminho de pedras fechava aquela visão deprimente: torto, apagado pela terra seca e quebrado onde algumas raízes tentaram se expandir para sobreviver. O céu daquele lugar era num tom mórbido de lilás com um sol bem apagado e distante, como se tudo aquilo não passasse de uma pintura de cemitério abandonado sem as lápides.

Pensei em voltar atrás, tentar escalar o longo túnel de alguma forma, mas quando me virei a porta havia sumido e me vi cercado daquele lugar sem vida. Respirei fundo antes de seguir em frente, imaginando sem esperança o que encontraria mais adiante.

Foi um longo caminho até a paisagem começar a mudar para o que parecia uma floresta tão seca quanto o suposto jardim. Ali, logo na entrada, lia-se em uma placa apodrecida “Rio de Lágrimas”, mas tudo o que tinha era uma pequena valeta onde decidi me sentar para descansar os pés que ardiam sob o calor do local.

— Quem é você?

Aquela voz me atravessou como um raio, assustando-me até o coração disparar - estava certo que estava sozinho naquele local abandonado até então. Olhei rapidamente para os lados, mas tudo o que via era a plantação seca. A pergunta se repetiu mais uma vez, mais alta, mais perto. Pensei em correr, ir para dentro daquela floresta, mas antes mesmo que eu pudesse me levantar uma pequena criatura apareceu no meu joelho, encarando-me furioso com seus dentinhos à mostra.

— Perguntei quem é você, estranho! - Gritou o ratinho.

— Meu nome é Allan - Disse - O coelho branco me pediu ajuda e agora estou aqui, perdido.

O roedor pareceu ponderar sobre isso, analisando-me de cima a baixo com seus olhos negros bem atentos. Por fim, num suspiro derrotado, pediu-me para segui-lo e disparou entre os troncos secos da floresta. Foi difícil acompanhar aquele pequeno vulto marrom entre terra e raízes e, a cada passo que dava, comecei a me questionar o que eu estava fazendo ali, se aquilo tudo não passava de uma armadilha uma vez que estava mais perdido do que nunca. O rato olhava para trás com frequência, sempre vendo se eu estava acompanhando, o que só aumentou minhas suspeitas, e, de repente, ele parou.

— Temos perguntas para você, “Allan” - Sibilou.

— “Temos”?

Não sei como, mas quando percebi estava no chão, sendo amarrado com cipós secos por diversos pássaros camuflados de lama. Fui amordaçado com um pedaço de pano velho e arrastado até um enorme muro, onde um dodô me aguardava vestindo uma cartola velha e o que eu imagino já ter sido um dia um terno. Os animais abriram um círculo à minha volta, no que tive medo de ser algum tipo de ritual de sacrifício, e aguardaram em silêncio enquanto o rato subia em meu ombro e tirava a mordaça.

— Eu o encontrei no rio, senhor prefeito - Anunciou o roedor - Disse que foi enviado por um coelho para nos ajudar.

— Por um coelho, hm? - A ave começou a andar à minha volta - Que coelho, hm?

— Se... senhor prefeito - Gaguejei - O coelho disse não ter identidade.

—Não ter identidade, hm? - Insistiu o Dodô.

— Senhor, deixe-me explicar - Supliquei - Esse coelho, senhor, esse coelho branco apareceu acorrentado na chuva, pedindo ajuda, falando algo sobre um país em ruínas e “ela”.

Um enorme “ooh” ecoou entre a roda e imediatamente o prefeito pediu silêncio. Ele ficou andando de um lado para o outro, soltando alguns “hm”s enquanto provavelmente pensava se aquilo era verdade ou não. Às vezes dava tapinhas com a asa em meus sapatos gastos, como se isso significasse alguma coisa, e lançava diversos olhares para o roedor sentado em meu ombro, que apenas negava com a cabeça numa espécie de comunicação mental.

— Humano, hm - Disse depois de um tempo - Como vou saber se você não foi enviado pela rainha para eliminar a resistência, hm?

— Senhor prefeito, estou aqui há poucas horas… Na verdade, não sei onde estou. O coelho me empurrou na toca e quando percebi estava amarrado nessa floresta. Não sei nada de rainha ou resistência, senhor.

— É educado, hm? - Sorriu - Gosto disso, humano. Acontece que eu conheço esse coelho, hm. Ele desapareceu há anos, provavelmente preso no castelo da víbora, hm.

— Senhor, o que está acontecendo aqui?

Com um simples estalar de penas do prefeito, os pássaros soltaram todas as amarras de cipó que me prendiam e voltaram para seus lugares no círculo, em silêncio. O Dodô parou na minha frente, fez um gesto para eu me abaixar e, quando o fiz, ele apenas apertou minhas bochechas e disse para eu me sentar na roda e não no meio dela, então me juntei aos animais que abriram espaço para mim.

“Tudo começou há 100 anos, hm!”, anunciou o Dodô, fazendo da roda seu grande palco, “quando esse mesmo coelho branco cruzou a passagem entre nosso país e o país dos humanos! Seu nome era Charles, nosso nobre coelho branco, hm, sempre atrasado para seus eventos. Ele atraiu uma criança humana para cá, hm, uma menina loira com enormes olhos azuis e muito gentil. Essa menina tinha um gato, se bem me lembro, hm. Essa menina cruzou todo o país com sua curiosidade, explorou cada cada, cada reino, hm. Conheceu a Rainha de Copas, as Rainhas de Xadrez. Conheceu Humpty Dumpty, a Tartaruga Falsa, oras! ela me conheceu, hm!”

— Conheço essa história - Interrompi - Alice no País das Maravilhas!

— Não me interrompa, hm! E o nome do nosso país é outro! - Fez um gesto com desprezo - Sim, sim, teve essa garota, hm. Mas ela está morta!

— O quê? Não! - Interrompi mais uma vez, recebendo diversos olhares furiosos - Não passava de um sonho, Alice estava sonhando!

— Assim como você deve estar sonhando agora, hm?

“A criança enfrentou uma besta terrível no Reino Xadrez, hm. Fez isso para voltar para casa, mas isso aconteceu há 100 anos, hm! Basta de “Alice”, ela está morta, morta! A rainha até proibiu de falar esse nome, hm! Se alguém ouvir, pode me matar! Continuando, Charles deixou aquela passagem aberta, hm, aberta para humanos! Como você, hm!”. Tentei argumentar que estava ali para ajudar, mas quando ameacei interromper mais uma vez o prefeito, o pequeno rato me deu uma mordida no dedo e fez com que eu me calasse. “Ah, foram anos terríveis! Ela matou as rainhas, hm! Agora só ela governa aqui, soberana absoluta, hm! Mas você disse que o coelho te enviou, certo? Você veio para decapitar a rainha, hm?”

Não sabia muito bem o que eu tinha ido fazer lá. Decapitar alguém? Libertar uma nação? Finalmente sabia onde estava, num lugar impossível, no país das maravilhas, onde há histórias de uma garotinha de dez anos enfrentando monstros através do espelho.

— Como se chama este lugar, senhor? - Perguntei finalmente.

— Oras, estamos no País das Improbabilidades, hm!


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