Like a Rolling Stone escrita por MrsSong


Capítulo 7
Twenty Three




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Como você conseguiu meu número? — Giane perguntou e parecia muito irritada. Mordi o lábio inferior pensando na fúria que deveria estampar aqueles olhos naquele momento.

Eu poderia pintar uma série inteira de quadros sobre os olhos de Giane. Pena que não aprendi a pintar e nunca me importei tanto assim com arte, pois talvez ela posasse para mim.

E eu acabaria como Basil Hallward em O Retrato de Dorian Gray: consumido pela obra e destruído pelo modelo.

— Meu pai tinha. Ao que parece, ele cogitou te ligar para auxiliá-lo num projeto sobre mundo da moda. - contei uma meia verdade e escutei ela bufando frustrada.

E então seu pai desistiu de me ligar e, olha que conveniente, te deu meu número? - ela não tinha comprado a minha história.

— A culpa não é minha que ele conseguiu entrar em contato com uma modelo mais famosa, pivete. - me defendi e ela riu.

Vou fingir que acredito que foi assim que aconteceu. — respirei aliviado. - Mas diz aí o que você tanto precisava falar comigo que roubou o número das coisas do seu pai?

— Se eu disser que estou insone e que queria beber umas com você essa noite você sai comigo? - perguntei a primeira coisa que me veio à cabeça.

A verdade é que eu não sabia o que queria falar com ela. Não achava que teria coragem de ligar, mas liguei e sem ter uma boa desculpa para conversar com ela.

Fica para próxima, estou cansada de ontem e eu não tenho papai rico para me bancar. - ela negou depois de muitos segundos quieta, como se pesasse suas opções.

— Você que é rica, moleque de rua! Pensa que eu não sei! - retruquei mesmo entendendo seu ponto.

Se eu fosse ficar em São Paulo para agradar Malu eu teria que arrumar um emprego.

Era só isso? - percebi naquele instante que Giane estava sonolenta.

— Era, moleque grosso! - respondi. - Boa noite, Giane! Sonhe comigo!

Ela não respondeu nada antes de desligar.

 

Se alguém me perguntasse, eu diria que tinha tido uma noite de sono maravilhosa e por isso tinha decidido brincar com a minha maleta de maquiagem e meu mundo de roupas nunca usadas. Se eu me perguntasse, eu não saberia responder ao certo, mas Fabinho parecia ser o nome que aparecia em minha cabeça.

Eu, claro, negaria. Mas me senti confiante ao me olhar no espelho antes de sair de casa, estava levemente maquiada e com um dos meus inúmeros shortinhos que estavam abandonados nas minhas coisas. Um desperdício ter tanta roupa, sinceramente.

— Quem é você e o que fez com a Giane? – me perguntou Wesley ao me ver entrar na Acácia naquela manhã.

— Tem dias que uma garota deve se sentir bonita para manter a sanidade, Wesley. – brinquei com uma risada alegre, começando a me preparar para o dia.

Então Bento entrou na loja e pareceu travar ao me ver.

— Giane, roupa curta para ir plantar por aí. – Bento comentou e eu o encarei olhando para minhas pernas expostas.

— Bom dia, Bento! Está tudo bem com você? Eu estou com calor e decidi que não vou me confinar em calças hoje, só para não ferir suas sensibilidades. – abri um dos meus melhores sorrisos. – Não que seja da sua conta.

— Bento, você viu que... Meu deus do céu, demônia, que pernas são essas dá até vontade de... – Lucindo engasgou com as palavras e Bento arqueou uma sobrancelha como se provasse um ponto.

— Se enroscar nelas? – sugeriu uma voz que eu não acreditei que estava ouvindo logo de manhã. – Concordo.

— Cambada de porco, vocês! – me defendi enquanto Lucindo encarava Fabinho em choque por completar o que ele não teve coragem de dizer e Bento bufou ignorando Fabinho. Wesley estava claramente vermelho e eu queria estourar a cara de cada um deles na porrada para ver se assim paravam de frescura.

Era só uma peça de roupa. Eu não tinha decidido andar por aí com pintura corporal ou nua. Eu estava devidamente vestida.

E nem era o menor dos meus shorts.

— Aqui é Corinthians, mano. Nada de porco, não! – Lucindo esbravejou, sendo segurado por Bento. Ao reparar no amigo, ele lembrou o que veio fazer aqui. – Ah é, Bentinho. Tua mina está lá casa do tio Gilson.

Bento se esqueceu da bronca que estava me dando e seguiu Lucindo pela porta da loja com pressa. Pela sua expressão, eu jurava que o idiota do meu amigo esperava que fosse Amora que tinha ido para dizer para ele que o ser era melhor que o ter e que ele era tudo que ela queria ter na vida dele.

Pausa para o público parar de rir da minha piada.

Ignorando Fabinho, comecei a arrumar a loja para o dia, colocando meu avental e começando a regar as plantas.

Wesley deu uma desculpa para sair dali, com medo de que sobrasse para ele pois meu bom humor se esgotara em alguns minutos com homens idiotas.

— O que você quer, hein? – perguntei quando Fabinho começou a passear pela loja com um sorriso sapeca.

— Visitar uma amiga. Se eu soubesse que teria uma visão tão maravilhosa chegando aqui, viria todos os dias. - ele pegou um cravo já podado e brincou com as pétalas me encarando.

— Garoto, alguém já te disse o quão abusado você é? – questionei tomando o cravo de suas mãos e colocando em seu lugar de origem.

— Hoje não. – ele se inclinou no balcão.

— Agora a verdade que eu estou no horário de trabalho e não tenho tempo para frescurinha, Fabinho. – pressionei e ele me encarou fingindo surpresa.

— A Malu me disse que ia sequestrar seu sócio para ir para a Toca e eu pensei que talvez mais um par de mãos pudesse te deixar menos atarefada.

Eu queria matar a irmã dele! Que fogo era esse que a fazia correr atrás do meu amigo para ir até a ONG dela quase todo dia? Poxa, ela tinha a vida ganha, mas o Bento não! Pelo menos dessa vez, alguém pensou que eu poderia ficar cansada enquanto os dois brincavam com crianças.

Eu também gostava de crianças e não saía por aí cuidando delas e largando o Bento para cuidar da Acácia sozinho, essa era a diferença.

— Vou ter que te pagar um salário? - perguntei arqueando uma sobrancelha.

— É o que se paga quando alguém trabalha para você.

— Mas eu não te convidei para trabalhar aqui, você veio se metendo na loja falando que vai trabalhar aqui por hoje. – retruquei e ele riu se aproximando mais de mim.

— Vai me usar de escravo? – ele indagou com uma expressão de falso temor.

— Vou. Vai ser o primeiro fraldinha escravo da Acácia Amarela. – respondi me afastando dele e pegando um avental para Fabinho. Wesley ia entrando na loja, provavelmente percebendo que eu não ia matar ninguém e se assustou ao ver Fabinho de avental.

— Wesley, vou trabalhar aqui hoje, cara! – Fabinho exclamou trocando um high five com Wesley que parecia animado em ter companhia extra.

— É isso aí! Trabalhar! Que tal começar? – mandei me sentando para organizar toda a papelada, que seria função de Bento, enquanto Fabinho varria o chão e Wesley cuidava das mudas.

 

— Vem cá, é normal essa loja encher de gente que compra uma rosa só, ou nem compra, e vai embora? – perguntei e Giane bufou.

— Desde que você me fez o favor de pôr a Acácia no mapa com a sua boca, sim. – ela me disse e eu mordi o canto esquerdo do lábio inferior.

Me segurei para perguntar que se eu beijasse ela mais uma vez essas pessoas parariam de frescura ou aumentaríamos as vendas, mas decidi irritá-la de outro jeito.

— Minha boca, é?

— Idiota. – ela rosnou e continuou seu trabalho, enquanto colocava uma mecha de seu cabelo atrás da orelha.

Que me perdoasse quem pintou o cabelo de Giane de platinado para fazê-la mais atraente, ela era arrebatadora morena. Voltei ao trabalho porque Giane não gostava de gente a encarando em vez de fazer o que tinha tratado em fazer.

— Só uma dúvida, senhora minha dona. – foi a primeira coisa que eu disse depois que Wesley saiu para ir almoçar. Giane deu um meio sorriso e me encarou. – Quando vamos comer?

— Como assim “vamos”? – ela perguntou com uma risada debochada.

— Vai me deixar passar fome? Sério? Eu venho fazer um favor e você... – comecei um discurso inflamado que morreu na garganta ao ouvir a gargalhada de Giane. - Está rindo da minha cara.

— Que medo é esse de passar fome, fraldinha. – ela sorriu maldosa.

— Nem todo mundo passou os últimos anos vivendo de ar para caber em roupas que vestiriam meninas de 12 anos, moleque! – eu reclamei e ela me encarou fechando a cara.

— Eu vou deixar barato porque também fico insuportável com fome, mas não fala do que não sabe, garoto. – ela me avisou. – Que eu acabo com a tua raça a hora que eu quiser.

— Então me alimenta. – decidi manter a civilidade. O soco dela ainda estava na minha memória recente e eu não estava com vontade de receber um novo.

Ela revirou os olhos, mas retirou o próprio avental. Tinha esquecido daquelas pernas que estavam escondidas pelo avental e pelo balcão da floricultura e admito que encarei por mais tempo que deveria. Ela era atraente e sabia disso, tanto que estava me encarando com uma sobrancelha arqueada e um sorriso divertido.

— Seu ego é muito elevado, maloqueira. – comentei tirando meu avental e o dobrando.

— Pessoas tinham como carreira me dizer o quão bonita elas me achavam. A gente fica meio convencida com isso. – ela se dirigiu para a porta da loja, enquanto víamos Wesley chegando à loja. – Vamos almoçar que esse fraldinha está chorando na minha cabeça de fome.

Ela avisou Wesley e foi me puxando pelo braço. E eu fiz a única coisa que era certo a se fazer, me deixei ser conduzido.

— Onde vamos comer? – perguntei e ela me encarou com expressão vagante.

— Meu pai não está em casa hoje, então vamos para tia Salma! – ela respondeu sem muita certeza.

— Eu não conheço a sua tia Salma, então eu preferia um restaurante ou qualquer lugar que sirva almoço. – lembrei e ela pareceu perceber a falta de educação de chegar sem avisar para comer sem conhecer a pessoa.

Apesar do que eu disse, eu estava quase jogando a educação pela janela e indo na tal tia Salma porque eu estava aceitando qualquer lugar que me desse comida naquele instante.

— Eu não conheço nenhum lugar por aqui que sirva almoço. – ela sorriu amarelo.

— Você não come, não? – eu questionei porque ela parecia muito confusa sobre o próprio bairro que morava.

— Eu como! – ela exclamou furiosa. Eu percebi que o “Quando Bento me lembra” estava omitido na frase e odiei o cara mais um pouco.

O cara era sócio dela, mas agia como dono tanto dela quanto da loja e eu não via como a garota que eu conhecia podia se sujeitar a ser quase sempre abandonada naquela loja para o sócio ficar voando por aí com a minha irmã. Não era para menos que Giane não parecia ser muito fã de Malu.

Pensei em avisar a Malu de suas atitudes que prejudicavam minha nova amiga, mas um lado egoísta meu queria roubar esse tempo que Giane ficava sozinha.

Eu ainda não tinha parado para pensar de verdade no que eu queria com ela, mas sabia que queria mais do que sexo (e eu sabia que não diria não se ela me propusesse) e queria as conversas pela madrugada com ou sem bebidas baratas incluídas.

— Temos duas opções: vamos em algum lugar que eu conheça com a minha moto ou vamos na sua tia Salma. – disse com um suspiro. Giane mordeu o lábio inferior.

— Eu posso tentar fazer alguma coisa. – ela propôs corando. – Minha comida não é gostosa, mas é melhor que ficarmos com fome presos no trânsito.

— Eu posso ajudar. – me ofereci e ela me encarou confusa, enquanto íamos na direção de sua casa.

— Um fraldinha como você?

— Trabalhei em muito restaurante nessa vida, moleque. – disse orgulhoso e ela abriu um sorriso divertido.

 

— Você não disse que trabalhou em restaurante? – perguntei enquanto via o desastre culinário chamado Fábio Campana.

— Como garçom. – ele respondeu enquanto me observava terminar nosso almoço que era só uma salada com arroz e bife, pois eram as coisas mais rápidas de se fazer que não fosse comida pronta (e meu pai não podia ter em casa por conta da pressão alta) e eu não queria deixar o Wesley sozinho na loja por muito tempo, porque eu não era esse tipo de chefe.

Ao contrário de Bento que arrumava uma desculpa para sair quase todos os dias. Esse acordo me irritava, mas eu tentava não pensar nisso. Não era justo com meu melhor amigo.

Comemos com certa afobação, para não deixarmos Wesley na mão e quando dei uma escova de dentes para Fabinho tive que aturar suas piadinhas sobre ser livre finalmente e me puxar para uma dança desajeitada.

— Vamos! – Fabinho me chamou enquanto segurava minha câmera que tinha largado na sala por um descuido.

— Onde você acha que vai com isso? – perguntei tentando tirar a câmera de suas mãos enquanto ele me fotografava.

— Sequestrei. Fiquei com vontade de brincar de fotógrafo. – não quis discutir porque também fiquei com vontade de fotografar as flores.

 

Wesley estava no balcão da Acácia enquanto eu ensinava Fabinho a fotografar. Estava pensando que seria ótima forma de divulgar nosso negócio na internet, mas o fraldinha continuava a tirar fotos minhas enquanto eu me movia ou gesticulava.

— Qual a graça de fazer isso? – perguntei e ele riu verificando as fotografias.

— Tentando achar seu ângulo ruim. – ele abaixou a câmera e me encarou por alguns segundos. – É oficial, Wesley: sua chefe não tem ângulo ruim.

— Não, ela tem é o gênio ruim. – ele replicou e eu bufei, fazendo os dois rirem de minha atitude.

Wesley só continuou a rir de Fabinho enquanto eu tomava a câmera de suas mãos o forçando numa fotografia com um risonho Wesley.

— Pronto! Vou pôr no quadro de funcionários: “Dupla Falta de Respeito”. – disse, me preparando para fechar a loja.

— Ela finge que não gostou dos elogios. – Fabinho sussurrou alto para Wesley de forma que eu pudesse ouvir.

— Escravo não deveria falar sem permissão. – lembrei arrancando risos dos outros dois. A loja ficava leve só nós três.

Mas devia ser só impressão minha.

Com a loja fechada, eu encarei Fabinho. Ele olhava ao redor querendo absorver a noite que chegava. Na nossa rua, tudo parecia parado no tempo e mais convidativo.

— Hora de voltar para a vida de menino rico, fraldinha. – lembrei, sentindo um peso no peito que não sabia como definir.

— Eu não quero ficar sozinho naquele apartamento enorme. – ele fez beicinho me encarando e se aproximando.

— Não, é? – perguntei só para ver até onde ele tinha coragem de ir.

— Não. Quer ir me fazer companhia? – ele convidou com um sorriso que poderia ser sedutor se fosse outro homem, em Fabinho era uma grande piada, porque seus flertes eram piadas.

— Você me persegue, cara. Se eu for no seu apartamento, vou acabar sequestrada lá. – zombei e ele abriu um sorriso sacana.

— Isso você só vai ter certeza se for. E eu prometo não fazer nada que você não queira. - ele sugeriu e eu me senti corar.

Eu quase acreditei nesse flerte, o que não era bom.

— Então vai fazer o que eu quero: Vai para casa dormir que abrimos cedo, servo. - brinquei e comecei a caminhar até em casa.

— E vou poder voltar, é? - ele me perguntou ainda parado. - Vai me pagar com o quê? Sou caro, já aviso.

— Pagar com comida, esfomeado. - ouvi ele dar partida na moto.

— Pode pensar em outra forma de me pagar que sua comida nem é tudo isso. - ele me avisou, antes de voltar para o mundo de menino bem-criado dele.

Ele era um cara legal, eu podia admitir sem vergonha.

 

Cheguei em casa e, ao ver que meu pai não estava em casa, me preparei meu jantar enquanto pensava nos sorrisos que Giane me deu ao pensar que eu não sabia nem fritar um ovo direito.

— Cheiro de comida gostosa nessa casa! - ouvi uma das vozes que eu nunca pensaria em ouvir em casa.


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