Here's Lucille escrita por Lady


Capítulo 2
Capítulo 1-Sol, Lua e Verdades


Notas iniciais do capítulo

Ei, tudo bom? Muito obrigada pelos comentários gente, me deixaram muito feliz! Espero que gostem da história e curtam tanto quanto eu estou curtindo escreve-la!
Bem, eu estou pensando em postar um capítulo a cada semana, entre sexta e domingo. Talvez de vez em quando alguma surpresinha no meio da semana!



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01- Sol, Lua e Verdades

“Três coisas não podem ser escondidas por muito tempo: o sol, a lua e a verdade”- Escrito em uma plaquinha de madeira pregada no chão, a frase de Buda se sobressaía. Eu estava a uns bons minutos encarando a plaquinha, tentando entender o que raios aquilo poderia significar naquele momento.

Suspirei. Acho que nem mesmo Buda poderia imaginar que o mundo viraria um cemitério gigante tão rapidamente. Mas, bem, no caso, os mortos desse cemitério não bateram as botas para valer e definitivamente não estão enterrados a sete palmos do chão.

O início desse inferno começou ha tanto tempo que eu particularmente nem me lembro quando. Um ano? Dois? Alguns meses? Não me pergunte. No começo, algumas perguntas ficaram em minha cabeça por certo tempo. A vontade de compreender o que o mundo tinha se tornado era enorme. O que de fato teria acontecido com as pessoas? Que elas tinham morrido,era uma constatação digna do capitão obvio. A questão a se tratar era como e por que estariam andando e comendo os vivos?

De fato intrigante. Mas só no início, claro. A verdade é que quando se tem seres querendo comer sua carne, você meio que ignora banalidades como essas. O foco torna-se particularmente duas coisas: comer e viver.

Com meu machadinho em mãos e minhas duas facas presas no cinto, olhei para o pequeno vale em minha frente. Aparentemente, aquele pequeno complexo de casas já foi o “ Vale da Felicidade – A Busca da Paz por Meio da Meditação”. A julgar pela aparência, não havia sido saqueado ( um milagre, se quer saber minha opinião), e provavelmente não haveria muitos mortos por ali. Eu posso não saber de muita coisa, mas tenho certeza que não são muitas pessoas que saem em busca da felicidade por meio de citações zen.

Bem, pelo menos era o que eu estava esperando. Que Buda ou, sei lá, Jesus Cristo permitisse mais um dia de vida.

Depois de dar uma pequena rondada por entre as casas, adentrei na primeira. Estava vazia, sem nenhum errante. Segurei minha vontade de agradecer a todos esses deuses enquanto jogava minha mochila no pequeno sofá e me dirigia para a cozinha.

Quem sabe eu teria uma dupla sorte naquele final de tarde.

“Por favor que tenha comida, Por favor que tenha comida”

Minha barriga roncou, provavelmente pela décima vez em um minuto. Talvez pareça um exagero, mas a fome que eu estava era definitivamente equivalente a de dez mendigos.

Tudo bem, admito a péssima escolha de palavras.

Talvez eu precise atualizar esse meu vocabulário para o modo pós- apocalipse. Essas expressões estão ficando um pouco sem sentido. Mas a questão principal: eu precisava urgentemente de comida. Já estava ficando fraca, e eu não poderia me dar esse luxo.

Respirei fundo e abri o armário, que para minha decepção só tinha pratos e copos.

Sem mais demora, comecei a vasculhar todos os armários. Eu já estava ficando nervosa quando por último abri a porta que eu tanto queria: com enlatados.

Tinha bastante coisa. Aparentemente o lugar deve ter sido derrubado pelos mortos bem rápido, pois a quantidade de comida era quase que o paraíso para mim. Peguei uma faca e um prato e despejei todo o conteúdo da lata ali. A comida como de costume estava murcha, mas serio, para mim, aquilo se igualava a perfeição.

Banquete terminado, Lucille satisfeita. Um dia produtivo.

Ri sem humor.

Definitivamente essa foi uma boa piada.

Respirei fundo. Estava a tanto tempo sozinha que eu ria das minhas próprias piadas de humor negro. Grande decadência, se querem saber a verdade.

Olhei para minhas botas por um tempo. Já estavam bem surradas, mas ainda assim boas. Minha calça tinha manchas de lama e eu mal consegui imaginar como estaria meu rosto. Desviei o olhar para a sala que eu me encontrava. Um corredor dava direto para uma sequencia de portas que foram abertas por mim, quando fui conferir se a casa estava “limpa”. A última das portas dava para um banheiro.

Sem muitas expectativas, fui até lá e parei em frente ao chuveiro. O que eu queria com aquilo? A probabilidade de sair água era mínima, e a minha consciência disso era devastadora.

“Já vi e vivi isso”

Talvez, se eu estivesse tentando a vida em uma cidade eu ainda tivesse a sorte de achar caixas d’água cheias e bastante suprimentos. Mas claro, a chance de eu acabar comendo pessoas ao invés de enlatados era bem maior, a julgar pela quantidade de errantes vagando pelas ruas. O campo era mais seguro em relação a isso, mas tinha um porém: os suprimentos existiam em menor quantidade, e eu dependia muito da minha – péssima – capacidade de ler mapas para me situar. Ah, e quase nunca tinha água nas casas. Aparentemente o pessoal de fora das cidades sobreviveu por mais tempo.

Mas, como sempre, eu tentaria. Estendi a mão e abri a torneira. O que aconteceu foi que a água começou a cair. Primeiro devagar, com algumas poucas gotas, para depois começar a cair em cascata.

Por um momento, eu travei. Meu lábio começou a tremer e tive uma súbita vontade de chorara de felicidade. Depois deixei meu casaco cair no chão.

Tirei minha roupa imunda e entrei debaixo da água fria, sem me importar no quanto meus ossos pareciam congelar. Para a minha total e completa sorte a caixa d’água deles ainda deveria estar cheia, o que me daria um momento raro de privilégio.

E com os meus cabelos grudando nas minhas costas, aconteceu algo que eu já não fazia há tempos. Eu chorei. As lágrimas quentes misturadas com a água gelada, tornando impossível detectar qual era qual.

— Ah, Buda... – Falei alto, me surpreendendo com a minha própria voz. Acho que de tanto ficar sozinha, quase tinha me esquecido como era falar.

***

Do lado de fora da casa já estava começando a escurecer. A melhor decisão seria passar a noite ali. Tinha vários quartos, e dormir em uma cama de verdade era algo que não acontecia sempre.

Eu estava enrolada em uma toalha que achei por ali. Olhando para minha roupa em cima da pia, vi o quão detonada ela realmente estava. Minha blusa branca estava com a barra rasgada, além de toda manchada de sangue de mortos vivos. Minha calça jeans e meu casaco de lã estavam em um estado tão lastimável quanto. Minhas meias tinham buracos enormes no lugar dos dedos. Em minha mochila, eu tinha algumas roupas que eu tinha roubado de uma lojinha qualquer.

Fui até o sofá e peguei a mochila, logo jogando-a em cima da cama do quarto que eu havia me instalado. A cama era daquele estilo beliche, e apenas por via das dúvidas, eu dormiria na de cima.

Peguei a roupa e me troquei. A mochila, agora quase vazia tinha três livros de bolso, duas garrafas de água: uma vazia e a outra com aproximadamente dois dedos de líquido, uma corda e uma lanterna que carregava na luz solar. Provavelmente a coisa mais útil que eu tinha achado até aquele momento.

Bebi o resto da água, pensando que no dia seguinte eu deveria urgentemente procurar um modo de encher aquelas garrafas. Entretanto, naquele momento o importante era achar alguma muda de roupa para guardar na mochila, e quem sabe encontrar algo útil nesse meio tempo.

Entrei nos quartos, a procura de roupas nos armários e gavetas. Consegui achar roupas normais, de um tamanho relativamente parecido com o meu. Brincadeiras a parte, Buda definitivamente virou meu herói. Pendurado em uma cadeira dentro de um dos quartos, um casaco impermeável por fora e quente por dentro parecia me chamar. Seu tamanho era masculino, mas nada que me importasse. Isso, eu tinha certeza, era melhor que meu casaco de lã sujo com sangue de gente morta.

Deitada com meus cabelos molhados, meias novas e envolta em um cobertor quente, segurei firme meu pequeno machado. Fechei os olhos, começando a me entregar ao sono.

É. Acho que talvez, apenas talvez, aquele dia tivesse sido relativamente produtivo.


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Notas finais do capítulo

Ah e esclarecendo, se alguém ficou confuso com o prólogo, aquilo vai acontecer beeeem no futuro. Só uma prévia mesmo!
Comentem o que acharam, deixem críticas, falem sobre tudo e nada! Nos vemos semana que vem ;)!



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