Um Anjo Em Minha Vida - Concluída escrita por Julie Kress


Capítulo 9
Coisas do meu passado


Notas iniciais do capítulo

Oie, demorei mas voltei, espero compensar com esse capítulo.

Nesse capítulo saberemos mais sobre o passado da Jade haha

Boa leitura!!!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/717219/chapter/9

Dias depois...

P.O.V Da Jade

Os dias passavam com uma certa lentidão, eu dava aula três vezes por semana, minha rotina continuava monótona, eu ficava a maior parte do tempo em casa, na minha sala de dança que eu finalmente havia terminado de montar e equipar. Era espaçosa e aconchegante, após a reforma havia ficado perfeita. Piso novo parecido com o do estúdio, três espelhos amplos do mesmo tamanho nas paredes, barras de aço e um aparelho de som novo, e eu acabei comprando alguns CD's de música Contemporânea, música Clássica e joguei fora a coleção antiga.

Eu não dançava apenas Ballet apesar de ter me formado numa das Academias de Ballet mais requisitadas em Boston, eu aprendi a dançar outros ritmos quando ainda morava em Los Angeles. Ritmos latinos, Tango, Foxtrote, e outros, inclusível Pole Dance.

E claro que o "poste" não poderia faltar no meu "estúdio" particular, gastei mais com ele, e valeu cada centavo, enfim, meu estúdio em casa estava completo, perfeito para eu continuar ensaiando e inventando novas coreografias.

Tori pirou quando eu mostrei o resultado, mas ela continuou batendo na mesma tecla quando saímos do estúdio de dança, afirmando que eu deveria voltar a cantar, que a dança não era a minha verdeira vocação e paixão, e sim a música, e eu deveria retornar a pôr em prática o meu maior talento.

Tocar e cantar, eu sabia tocar violão, guitarra e piano.

Eu não havia contado para ela que desde que o Jonas me ligou, eu voltei a cantarolar no banho, e que até dedilhei alguns acordes após afinar meu violão. Gastei quase uma hora o afinando, e consegui com sucesso. E após uma pausa, depois de um longo descanso, eu acabei o pegando e tocando um pouco.

A sensação de voltar a tocar violão foi inexplicável, dedilhar as cordas, emitir a melodia do meu instrumento musical favorito. Me entregar ao momento, sentir o som... Foi libertador, foi mágico e eu me senti leve, feliz e acima de tudo, livre como antes.

Jonas estava vivo.

Meu irmão tinha me dado um sinal de vida, e aquilo fez eu me libertar das amarras que me prendiam à um luto irreal, forçado, cruel. Mesmo não acreditando que ele estava morto, eu continuava em luto, num luto longo e doloroso. Eu não queria admitir, por isso nunca fui à um psicólogo com medo de ouvir a verdade, e a verdade na maioria das vezes pode ser cruel.

Foram quatro anos de saudades, quatro anos de angústia, sofrimento e dor. Doía muito não tê-lo por perto, era horrível entrar em seu quarto e encontrar a sua cama vazia, suas coisas no mesmo lugar, aquilo era devastador.

Eu não estava enlouquecendo, muito menos afundada num estado crítico de profunda depressão, mas não podia negar o estado de negação pelo simples fato de ter me recusado a aceitar, tudo isso era tão complicado, ninguém me entendia.

E se o diagnóstico fosse tão grave? E se eu fosse internada após consultar um psiquiatra? Dada como louca? Simplesmente por não aceitar a morte do irmão. Quão insano isto seria? Ter esperança não torna uma pessoal louca.

Do único e tão amado irmão. Eu nunca aceitei, e jamais aceitaria. Meu coração me dizia que ele estava em algum lugar, longe e vivo. Os anos passaram, e eu nunca perdi a fé, pois no fundo eu sabia que ele estava bem, e que um dia poderia voltar pra casa. Mas esse dia ainda não chegou, ainda...

Nossa mãe estava longe, nos abandonou assim que apareceu uma boa oportunidade. Fugiu com um homem dez anos mais velho que ela, era um conhecido nosso e podia bancá-la é claro, o salário do meu pai não era o suficiante. Ela sempre foi egoísta, ambiciosa e fútil, nunca se contentava com nada. Vivia sempre reclamando, querendo coisas que o meu pai não poderia comprar, e quando o amor que ela sentia por ele acabou, ela se mandou sem se importar com os próprios filhos. Talvez ela não tenha nascido para ser mãe, pois ela sempre foi uma péssima esposa e mãe.

Eu tinha apenas 15 anos quando ela nos abandonou, e o Jonas tinha 10, e o nosso pai ficou sem chão. Ele quase perdeu o emprego, entrou num estado crítico, parecia um robô. Agia no automático, ia trabalhar desanimado e voltava pra casa do mesmo jeito, não se alimentava direito, passou a beber e fumar assim como ela, a mulher que o traiu e abandonou porque não passava de uma vadia interesseira.

E eu tive que tomar certas responsabilidades, cuidar dele, da casa e do meu irmão. Eles precisavam de mim, o Jonas ainda mais, ele só era uma criança. E o nosso pai não era mais o mesmo, e eu não podia culpá-lo, a culpa era dela. Clarisse havia arruínado as nossas vidas, e eu passei a odiá-la...

Aos 16 anos, conheci um rapaz de 19 anos chamado Colyn O'Nell, ele era o típico babaca metido a bad boy, ele era usuário de cocaína, e a gente se conheceu numa festa. E ele me deu o maior chute na bunda após tirar a minha virgindade, eu fui tão burra e ingênua, imaginando que ele era o cara certo para mim, que iria me pedir em namoro... Talvez tenha sido bem feito, e se eu realmente mereci aquilo? Naquela noite eu havia saído escondida, pulando a janela do meu quarto e fui me encontrar com uma galera arruaceira do colégio, numa festa de merda, aonde rolavam coisas ilegais, bebidas, drogas e todo o tipo de sujeira que rolam nessas festas.

Colyn me tirou para dançar, e depois me ofereceu um cigarro. Ele estava um pouco "alegrinho", saímos da festa e fomos no seu carro, era um Jipe preto bem bacaninha e ele dirigia feito louco, e aquilo tudo me fascinava. Ele me levou para o seu cantinho, era um Loft alugado em cima de um restaurante chinês, apenas dois cômodos divididos por paredes improvisadas feitas de madeiras finas, o papel de parede estava desgastado, manchado e rasgado.

Aquele lugar fedia a lixo, era tudo tão abafado. Havia uma pequena pia de alumínio, um balcão de madeira escura, um frigobar e um fogão grill de duas bocas em cima do balcão. Duas banquetas, e o piso era feito de madeira, estava sujo e escorregadio. Colyn pediu para não reparar na bagunça e me levou para o "quarto", aonde tinha um roupeiro simples, uma mesa com uma TV velha em cima, e um colchonete fino no chão, ao lado de uma cômoda quase caindo aos pedaços. Havia forro no teto, o branco estava encardido, e o cômodo era ainda mais abafado.

E eu não me incomodei, nunca fui o tipo de garota cheia de frescuras. E a minha primeira vez rolou ali naquele Loft, em cima daquele colchonete fino fedendo a suor, e não foi nada como eu imaginava que seria. O idiota do O'Nell foi bruto, arrancou minhas roupas com pressa, rasgou a minha calcinha e pulou as preliminares. Ele pelo menos usou camisinha, mas pra mim não foi nenhum pouco agradável o ato em si. Eu estava nervosa, tensa e ele não deu a mínima, doeu e eu sangrei um pouco manchando seu lençol cor de creme encardido. Não senti um pingo de prazer, foi apenas dor. Ele saiu de cima de mim, se livrou da camisinha e acendeu dois cigarros, fumamos, e após um rápido banho, ele me botou pra fora, disse coisas que me magoaram e eu voltei pra casa pegando uma carona com um desconhecido, era um cara mais velho que o Colyn e não foi de graça, ele me cobrou assim que estacionou em frente a minha casa, exigindo que eu mostrasse os seios para ele como pagamento.

Com 17 anos passei a frequentar mais festas, consumir bebidas mais fortes e experimentei a maconha pela primeira vez, eu chegava muito alterada em casa, segundo o Jonas que já tinha 12 anos na época, e quando não era bêbada, chegava drogada, e ele cuidava de mim.

E o nosso pai encontrou um saquinho de maconha nas minhas coisas, foi a primeira vez que discutimos e ele me deu uma surra, usando o cinto, afirmando que não tolerava uma filha que usava drogas, e que eu era um péssimo exemplo para o meu irmão caçula.

A partir daquele dia, as coisas só pioravam. Eu chegava de madrugava, roubava dinheiro da carteira dele, matava aulas para ir farrear com meus amigos bagunceiros, arrumava encrenca no colégio e nas ruas, levava detenções e até que um dia fui expulsa do colégio. E no novo colégio, conheci um grupinho que além da maconha, usavam outras drogas. Comecei a usar cocaína, e drogas injetáveis e no meu aniversário de 18 anos quase morri de Overdose, e a partir daquele dia, decidi largar as drogas e as bebidas, e foi preciso eu chegar ao fundo do poço para isto, eu quase morri...

Consegui terminal o colegial, e nos mudamos de L.A para Boston, o meu pai estava orgulhoso da filha que havia ganhado uma bolsa de estudos. E eu me formei aos 23 anos, e logo consegui arrumar um emprego. Já fazia dois anos e alguns meses que o meu irmão havia sumido, mas eu sabia que ele teria ficado orgulhoso de mim.

Ele tinha apenas 16 anos quando tudo aquilo aconteceu. Eu estava no meu terceiro ano cursando Ballett, e ele estava indo tão bem no colégio, e o nosso pai já tinha voltado a ser o mesmo, superado o abandono. E de repente, tudo desandou... Jonas havia sido dado como morto quando atacaram o Fliperama do Bob, mataram inocentes e destruíram o estabelecimento.

Acharam 6 corpos no local, 4 garotos e 2 garotas, e levaram 5 jovens que foram espancados sem piedade, 2 deles entraram em coma. Ainda tinha jovens desaparecidos, e três semanas depois 4 cadáveres foram encontrados num lago, em estado de decomposição. Um deles era o Mike, amigo do meu irmão.

Além do Mike, Rick e Steven também foram brutalmente assassinados. Os depoimentos do Carter e do Jake, amigos do Jonas que foram espancados ajudaram um pouco, e retratos falados foram espalhados pela cidade. E infelizmente, apenas um maldito membro da gangue foi encontrado e capturado, ele negou tudo, mas foi reconhecido por três vítimas do ataque ao Fliperama do Bob.

Quatro garotas após semanas decidiram ir na delegacia, alegando serem vítimas de estupros naquela noite, e que escaparam por pouco da matança. Tudo havia acontecido no banheiro, elas foram arrastadas até as cabines, ameaçadas e todas elas foram violentadas por vários homens, e duas delas acabaram engravidando. Apenas uma decidiu levar a gravidez adiante, a jovem filha do Pastor, de 16 anos que foi expulsa de casa por não ter feito o aborto.

Tudo saiu em jornais, nos noticiários de TV e nas manchetes na internet. Na época, Boston inteira ficou em alerta, a população estava apavorada, temendo outra carnificina tão brutal quanto aquela.

O delegado local até cogitou em declarar o toque de recolher, mas não houve mais ataques, e aos poucos as pessoas foram esquecendo de todas as mortes e a violência que aconteceram no Fliperama do Bob.

Os anos foram se passando, mas eu nunca esqueci. Eu ainda queria uma explicação para o sumiço do meu irmão, e as famílias das vítimas queriam justiça.

[...]

O rapaz que achei desacordado no beco ainda permanecia confuso, agindo estranho. Ele era intrigante, um pouco cômico até, e na maioria das vezes se comportava como um lunático, parecia estar interpretando um personagem novo a cada dia. E seu jeito me levava a pensar que ele poderia ser inofensívo, ingênuo e bobo, como uma criança de pouca idade descobrindo o mundo.

Pois tudo parecia ser novo pra ele, a Tecnologia, os sabores, cheiros e formas. Ele agia como se não pertencesse ao mundo moderno, como se ele fosse um visitante do passado, antiquado e um pouquinho bruto, apesar de ser cortez quando surgia algum lápso de memória, como se ele tivesse várias facetas e cada uma delas viessem de suas vidas passadas.

Impossível, não é mesmo?

Isso só poderia ser coisa da cabeça dele, inventar todas essas coisas. Talvez seja um tipo de escape, para fugir de algum tipo de trauma, ou talvez ele apenas sofresse de algum retardo mental, e para confirmar algum transtorno mental eu precisava levá-lo à algum especialista no assunto, certo? Eu deveria marcar uma consulta para ele.

— Hoje você é o quê? Um príncipe? Soberano? Homem das cavernas? - Sentei ao seu lado, no sofá.

— Perdão, eu não entendi... - Me olhou confuso, desviando atenção da TV.

Assistir TV era o seu passatempo favorito, era uma novidade no começo, ele havia estranhado, ficando um pouco assustado e intrigado com a "Caixa mágica", palavras deles, não minhas...

Depois que ele aprendeu a mexer no controle, fazendo o básico, mudar de canal, aumetar/abaixar o volume, já havia se acostumado com a TV, passava horas sentado no sofá, comendo salgadinhos de queijo e tomando suco de caixinha, parecendo uma criança.

Tori se divertia com aquilo, afirmando que ele era uma verdadeira gracinha. E para mim, ele continuava sendo patético.

— Você gosta mesmo de assistir isso? - Fiz careta, ele estava vendo desenhos para criancinhas de 5 anos.

— Gosto. Muito melhor do que aquelas coisas que passam no canal privado... - Respondeu e eu senti minhas bochechas esquentarem.

— Você andou vendo... - Hesitei. - Os canais de sacanagens? - Perguntei corando ainda mais.

Droga. Droga. Droga.

— Sacanagens? - Mordeu o lábio inferior, me encarando. - Quando um homem e uma mulher fazem... - Tentou fazer algum gesto obsceno.

— Sexo, putaria, festinha particular, brincadeirinhas sacanas... - As palavras saíram em disparada e eu tapei a boca.

— Acasalamento, cruzamento, copulação. - Disse com naturalidade.

Comecei a rir, aonde ele aprendeu aquelas palavras? Que brega. Aquilo era cômico, ninguém mais dizia aquelas palavras para definir sexo entre humanos, a não ser que...

— Aonde aprendeu isso? - Perguntei.

— No Animal Planet. - Respondeu.

— Tá explicado. - Levantei.

Minutos depois...

 - Ele não disse aquilo... - Tori gargalhou.

Eu havia ligado para ela, e ela estava achando tudo muito engraçado.

— Disse sim. Soou tão... Ah, deixa quieto. O pior foi ele dizendo que fuçou os canais privados. Puta merda! E se ele tiver visto alguma orgia? Ou coisa pior? - Me preocupei.

— Pergunte à ele, peça detalhes.  - Ela sugeriu.

— Melhor não... - Mordi o lábio inferior com um pouquinho de força.

— A culpa é sua, quem mandou ser safada e mandar liberar os canais de sacanagens?  - Zombou risonha.

— Eu não fiz isso. - Falei, séria.

— Não, foi a minha vovozinha então... - Ironizou.

— Foi aquele filho da puta. - Praticamente rosnei.

— Qual deles? - Indagou.

— O Mason. - Respondi.

— Ah, entendi... O cara com os fetiches estranhos... - Comentou.

— Esse mesmo... - Confirmei.

Ouvi um barulho, o som de vidro, algo frágil se chocando contra o chão, espatifando-se...

— Preciso desligar. - Falei antes de encerrar a ligação.

Corri para a sala, eu estava na cozinha, sentada na bancada falando com a Vega quando escutei algo quebrando.

Me deparei com o rapaz juntando os cacos do meu vaso, era um vaso de decoração, com uma pintura chinesa, eu o comprei numa lojinha de artefatos orientais, era peça única, feito de cerâmica, porcelana e mica, com acabamento em vidro nas bordas e nas alças. Era um vaso lindo, a luz refletia nele e o fazia mudar de cor, oscilando entre azul-escuro, violeta e a mistura dos dois.

— Meu vaso chinês... - Abafei um palavrão. - Que diabos você fez? - Perguntei me segurando para não gritar.

— Não tive a intenção de quebrá-lo... - Continuou abaixado, catando os caquinhos.

— Ah, não? Jura? Você só está me dando prejuízo. Já quebrou a pia do banheiro, 3 pratos, 5 copos, um porta-retrato, uma tigela, a torneira da lavanderia, 2 espelhos e agora quebrou um vaso de decoração que custou 56 dólares. Deixa eu fazer as contas aqui... - Tirei o celular do bolso e comecei a usar a calculadora. - Você me deve RS$137,88... - Falei após calcular o preço de tudo que ele tinha quebrado.

— Lamento muito... - Levantou me olhando com aquela carinha de coitado.

— Você pode me pagar fazendo alguns serviços. - Sorri tendo algumas ideias.

— Como? Não entendi. - Coçou a nuca.

— Vou te explicar...

[...]

— É só apertar esse botão verde para ligar e o vermelho para desligar. - O instruí, ensinando-o manusear o aparador de grama. - E depois de aparar a grama, você amontoa tudo e ensaca, e deixa os sacos ao lado da lata de lixo. Amanhã você lava o meu carro, e coloca o lixo para fora nos dias de Sexta para a coleta, não esquece, ok? - Terminei de falar e ele assentiu.

— Vou preparar o almoço. - Avisei.

Entrei e ele ficou cuidando da grama, fazendo o primeiro serviço.

Minutos depois...

Decidi levar um copo de suco para ele, trabalhar com sede não é nada saudável.

— Moleque enxerido! Sua mãe não te ensinou a ser um rapaz de respeito? - Sr. Robinson estava quase batendo no meu "inquilino".

— Algum problema? - Interferi, puxando o rapaz para longe dele.

— Ele estava se engraçando para o lado das minhas filhas. - Meu vizinho disse vermelho de raiva.

— Como é, que é? - Olhei para o maluco/desmemoriado/hóspede/esquisito que piscou parecendo atordoado.

— As moças vieram prestar gentileza, trazendo chá gelado e... Como é o nome? - Fechou os olhos. - Ah, lembrei. Biscoitos caseiros. - Sorriu inocente.

— E? - Gesticulei para ele continuar.

— Comi tudo. Estavam deliciosos. E elas pediram para eu tirar a camisa. Apenas levantei e...

— Quanta ousadia, hein? Ele que se exibiu para as minhas filhas. Esse patife ia agarrar elas. - O velho acusou, raivoso.

— Pai? - Uma das garotas Robinson apareceu e ficou do outro lado da cerca. - É melhor o senhor entrar, a mamãe está chamando. - Ela disse mascando chiclete.

A mais velha também saiu da casa e se juntou à ela, ambas riram quando o velho entrou.

— Oi, Jenny! - A de cabelos tingidos de loiro acenou pra mim.

— É Jade. - A corrigi. - E você, volte ao trabalho! - Empurrei o rapaz que sorria para elas.

— Ele mora com você? - A caçula perguntou se apoiando na cerca.

— Sim. - Cruzei os braços. - Gostam da vista? - Forcei um sorriso, apontando para ele que andava pelo gramado, empurrando o aparador.

— Ainda pergunta? - A oxigenada sorriu maliciosa.

— Ele é um pedaço de mau caminho. - A vadia mirim se abanou.

— Mas ele não é para o seu bico, né? O que eu quero dizer, é que ele é muito milho para o seu papo. - A loira sebosa me ofendeu, as duas riram.

— Está me chamando de galinha? - Cerrei os punhos.

— E se eu tiver? - Arqueou as sobrancelhas desenhadas.

— Galinha é você, ninguém cisca no meu quintal. Cai fora, essa minhoca grande tem dona! - Falei e elas abriram a boca, chocadas.

— Mas que vad... - A oxigenada se calou quando peguei a pá.

Fiz menção de avançar nelas, e as medrosas correram, gritando.

— Terminei de aparar a grama. - Sobressaltei largando a pá, assustada.

Ele estava parado bem atrás de mim, ele tocou meu ombro e eu me virei devagar.

— Oh. - Analisei seu serviço, me afastando dele ainda desnorteada pelo susto. - Bom trabalho. - Ele havia até ensacado toda a grama aparada, alinhando os sacos perto da lata de lixo.

— Você come? - Me cutucou.

— O quê? - Me virei e ele mostrou uma minhoca se contorcendo na mão dele.

— Não! - Bati na mão dele, derrubando aquele troço nojento. - Tem mais aonde você achou? - Uma ideia surgiu.

— Tem sim. Elas ficam na terra úmida perto dos vasos de plantas. - Respondeu.

— Quero que pegue o bastante, vou pegar uma latinha de salsicha vazia... Espero que as irmãs Robinson gostem de bolinhos com um recheio especial... - Dei minha risada maléfica.

[...]

— Posso provar um? - Apontou para os bolinhos num pratinho forrado com papel-toalha.

— Não. De jeito nenhum. São para elas, entendeu? - Os peguei usando uma luva de plástico, coloquei os bolinhos num potinho artesanal todo decorado, e tampei, amarrando uma fita verde ao redor do vidro com desenhos de tortinhas. - Diga que foi você quem os fez, que é uma receita de família, elas vão adorar. - Comecei a rir.

— Sim, farei isso. - Ele abriu um sorriso sapeca.

— Bom garoto. Agora vá, faça o que combinamos. - Mandei.

Minutos depois...

— E aí? - Perguntei, ansiosa.

— Elas me chamaram de fofo, agradeceram pelos bolinhos e disseram que vão comer com o maior prazer. - Falou e eu vibrei, imaginando as nojentas comendo os bolinhos de minhocas.

— Ótimo. Agora vá tomar banho. O almoço ficará pronto em meia-hora. - Avisei.

— Tenho mesmo que tomar banho todos os dias? - Fez careta.

— Claro que tem. E nada de tentar me passar a perna, semana passada você alagou o banheiro fingindo que estava tomando banho, eu sei que você molhou apenas o cabelo. - Falei séria.

Ele encolheu os ombros, e saiu da cozinha cabisbaixo. Estava chovendo, em Boston chovia sempre, diferente da ensolarada Los Angeles. Eu sentia falta de lá, muita falta, mas eu simplesmente não conseguia abandonar a minha vida em Boston.

— Okay, eu sei que ficou horrível... - Levantei pegando meu prato, fui até o cesto do lixo e raspei o macarrão empapado com almôndegas que ficaram salgadas, e joguei tudo fora. - Não precisa fingir que gostou, eu só sei fazer café... - Admiti frustrada.

— Seu café é delicioso. - Limpou a boca com o guardanapo de enxugar louça.

— Com certeza. - Olhei para o seu prato vazio. - Como você consegue comer a minha comida sem reclamar? - Perguntei enojada.

Ele deu de ombros e arrotou bem alto.

— Você é mesmo estranho. - Fiz careta.

[...]

— Por quê você não ligou avisando que...

— Nossa! É assim que você me recebe? - Tori me interrompeu.

Dei espaço para ela entrar e tranquei a porta.

— Eu fiz bolo. - Sorriu mostrando a caixa azul com um laço rosa.

— Hoje não é meu aniversário... - Resmunguei.

— Quem disse que esse bolo é pra você? Fiz para o nosso amiguinho, quero filmar a carinha dele quando ele provar uma fatia do meu delicioso bolo com cobertura de chocolate e cerejas. - Se gabou.

— Hum. Exibida, irritante... - Murmurei.

— ALADIM? - Gritou o apelido que colocamos nele.

Ela foi para a cozinha chamando ele que logo apareceu e foi devorar o bolo. Aquele esfomeado.

— Que fofo! - Comentava a irritante da Vega tirando fotos dele que estava com a cara toda lambuzada de chocolate.

— Você faz parecer que ele é o nosso mascote! - Reclamei.

Ela riu e guardou o celular.

— Podemos conversar no seu quarto? - Se aproximou quando o nosso "colega esquisito" estava distraído devorando o bolo, despedaçando-o com as duas mãos.

Assenti e subimos para o meu quarto, tentando imaginar a "bomba" que ela iria soltar pra cima de mim.

— Fala logo e nada de enrolar. - Tranquei a porta.

— Você nem imagina quem eu vi hoje. - Disse com aquele tom de voz ainda mais meloso e irritante.

— Hum... Aquele cantorzinho que você gosta, esqueci o nome. Sean, Suger, Shaddor, sei lá... - Dei de ombros não dando a mínima.

— É Shawn. - Me corrigiu. - E não, não foi ele, infelizmente... - Fez um biquinho triste.

— Quêm? Fala logo, porra! - Pedi impaciente.

— Vi o Robert lá no shopping, ele está aqui! - Contou sem conter o sorrisinho.

— Que Robert? Parker? Lewis? Jhonson? McHarter? Ou aquele ator de cabelo gay chamando Robert Pat...

— Nenhum deles. - Me cortou. - Robert Shapiro está aqui em Boston! - Soltou a "bomba".

— Ah... O Shapiro... - Murmurei um pouco desconcertada.

— Ela tá bem gato. Acho que ele anda malhando, enfim... Você está bem? Quer sentar? Quer um copo d'água? - Se aproximou me olhando apavorada.

— Estou bem. Não quero nada. Eu só...

— Ele ainda mexe com você? - Me sacudiu, apertando meus ombros.

— Não. Claro que não. - Neguei. - ME SOLTA! - Gritei tentando afastá-la.

— Tá bom, se eu soubesse que você ficaria assim... Sinto muito. - Se desculpou antes de sair do meu quarto.

Minutos depois...

— Deixei um pedaço para você. - Aladim falou quando eu estava lavando a louça.

— Eu não quero... - Balancei a cabeça.

— Você parece triste, a Tori também foi embora triste. - Tocou no meu cabelo.

— Só estou cansada. - Fechei a torneira. - Vou deitar um pouco. - Falei para ele.

— Pode ir, prometo não quebrar mais nada. - Deu um sorriso angelical.

Fui para o meu quarto e me tranquei, abri o guarda-roupa e o vasculhei, procurando a caixa preta, não a encontrei. Arrastei a cadeira que ficava em frente a mesinha do computador e subi nela, procurando por cima do guarda-roupa. Tateei até achá-la, a caixa pintada, desci da cadeira e levei a caixa para a cama. Estava empueirada, tirei a tampa e vi as coisas que guardei, coisas que eu havia ganhado dele.

O porta-jóias com caixinha de música e a bailarina tão delicada, ele comprou pensando em mim, dizendo que eu era tão linda quanto ela. O cordão de ouro com pingente de relicário com uma foto nossa, uma bela palheta com as iniciais do meu nome e sobrenome, cartões dos dias dos Namorados, cartas e nosso álbum de fotos...

Eram lembranças, lembranças dele. Coisas que eu devia ter me livrado há muito tempo.

— Robbie... - Sussurrei fechando os olhos, apertando o relicário.

Flashbacks on...

— Por quê você só vive implicando com ela? Você sabe muito bem que ela é minha melhor amiga. - Ele estava mesmo chateado comigo.

— Aquela garota patética não desgruda de você, parece um chiclete rosa e nojento. Ela sempre me tira do sério. - Falei irritada.

— A Cat é uma boa amiga, às vezes é muito carente, mas...

— Oh, coitadinha! Que dó da Valentine. Acho que devemos adotar ela, não é uma boa ideia? - Falei sarcástica.

— Para Jade, não fale assim. Isso me deixa triste. - Ele falou ainda mais chateado.

— Vai lá com a sua amiguinha carente, aproveita e dorme na casa dela. Quero ficar sozinha. - Cruzei os braços.

— Não seja infantil, isso não é legal. - Avisou.

— Foda-se! Vai embora, Robert! - Apontei para a porta.

— Não precisa ter ciúmes da Cat. - Tentou me tocar, fazer carinho.

— Não é ciúmes. Eu tenho é raiva. Ela gosta de você, é uma atirada, uma vadia que eu ainda vou ter o prazer de quebrar a cara. - Fechei os punhos.

— Isso não é verdade. - Negou.

— Ela me chamou de maluca, egoísta e manipuladora. - Falei.

— Prometo conversar com ela. - Tentou me acalmar.

— Hum... Agora vai, quero ficar sozinha. - Lhe dei as costas.

— Você é minha namorada e odeio ficar brigado com você. - Me abraçou por trás.

Fizemos as pazes no meu quarto, e dormimos apertados na minha cama de solteiro.

[...]

— Você ficou louca? Por quê bateu nela? - Quase gritou comigo.

— Porque ela merecia, faz tempo que ela estava merecendo aquela surra. Tive meus motivos. - Ri da cara de choque que ele fez.

— Mas você atacou ela com uma tesoura, feriu o braço dela. - Acusou.

— Aquilo no braço foi um arranhão, quebrei até uma unha. Eu só usei a tesoura naquele cabelo cor de menstruação dela. - Me defendi.

— É cor de cereja, eu acho... Ou de morango. - Nem ele sabia a cor direito.

— Que seja! Só sei que é ridículo! - Esbravejei.

— Coitada! Você detonou o cabelo da garota. - Lamentou.

— Eu deveria era ter detonado a cara da Valentine, isso sim. - Falei com raiva.

— Pobre Cat... - Me olhou indignado.

— Cat é um apelido estúpido. Hobbit combina mais com ela. - Debochei.

— Jade! - Tentou me repreender.

— Vai se fuder. Vai lá visitar a sua amiguinha, leve flores e pelúcia com um fofo cartão de desculpas, aposto que ela vai te fazer Cupcakes. - O empurrei.

— Eu sei que você está brava, e eu estou decepcionado com você, é melhor eu ir pra casa, te ligo amanhã... - Disse antes de ir embora.

— VOCÊ É UM IDIOTA ROBERT SHAPIRO! - Gritei arremessando um objeto de decoração contra a porta.

[...]

— Oi, que bom que chegou cedo. Que tal jantarmos fora hoje? Podemos ir naquele novo restaurante chique, fiquei sabendo que a comida é divina. - Sugeri quando ele chegou no nosso apartamento.

Decidimos morar juntos depois de 1 ano e meio de namoro, já estávamos trabalhando, tudo estava indo tão bem entre nós.

Ele não falou nada, apenas me encarou com o pior olhar.

— O que aconteceu? Algum problema no trabalho? - Me preocupei.

— Eu vi você dançando... - Respondeu com a voz fria.

— Você foi me ver trabalhando? Eu não te vi. Que horas você foi na Academia? Foi engraçado me ver ensinando crianças de 5 anos a dançar Ballet, né? - Questionei.

— Não, Jadelyn. Isso foi ontem à noite, eu te vi dançando numa boate. - Disse com ríspidez e eu tomei um susto.

— O quê? - Minha voz quase não saiu.

— Meus amigos idiotas me arrastaram para ir lá naquela boate nojenta, e você estava lá, rebolando, girando em torno daquele "poste", ou sei lá como se chama aquilo... Mas a questão não é essa, eu vi você tirando a roupa, dançando tão vulgar. Parecia uma...

— Eu posso explicar. - O interrompi.

— Explicar o quê? Que de dia você é professora de Ballet e de noite você é a porra de uma Stripper? - Perguntou com raiva. - Você também abre as pernas em troca de dinheiro? - Me olhou com nojo.

— Não. Não. Por favor, eu posso explicar... Apenas me escute. - Pedi sentindo meus olhos arderem. - Você sabe que eu estou sendo substituta da Sra. Milles, e que meu emprego ainda não é fixo, e eu queria te ajudar a pagar as contas... E eu vi o cartaz, havia três vagas e... Bem, a dona da boate gostou de mim e me deu o emprego. Eu ganho muito mais dançando, e eu não tiro toda a roupa, e também... Nunca fiz programa. Não me vendo meu corpo, eu juro... - Minha voz começou a embargar.

— E quer que eu acredite nisso? Posso ter cara de otário, mas eu não sou otário. Todas aquelas dançarinas vendem o corpo. Não adianta negar, você é uma vadia. - Me ofendeu, apontando para mim.

— Isso não é verdade. Eu apenas danço. Por favor, acredite em mim. - Implorei, eu estava dizendo a verdade.

— Acabou. Não vou continuar namorando uma puta. Você é mentirosa, infiel e agora me dá nojo. - Me encarou com repulsa.

— Não fale assim comigo... - Comecei a chorar.

Ele foi para o quarto e eu o segui.

— Você não pode ir embora. - Tentei impedi-lo de arrumar as malas.

— Acabou! Pode ficar com o apartamento, estou caindo fora.

— Não vá. Não me deixe. Juro que vou parar de dançar na boate... Por favor, Robbie...

— ME SOLTA! - Ele me empurrou, caí em cima da cama, soluçando.

— Eu não tenho 100% de certeza... Mas acho que estou grávida, eu ia te contar hoje durante o jantar, eu sinto que estou, toda mulher sabe... - Acariciei meu ventre.

— Problema é seu. Um dos seus clientes deve ser o pai! - Ouvir aquilo foi como receber milhares de facadas no peito.

E ele foi embora, eu chorei a noite inteira.

Dias depois tomei coragem e fiz o exame para confirmar a gravidez, e deu positivo. Eu fiquei feliz por ter um pedacinho dele dentro de mim, eu ainda era nova, tinha apenas 23 anos, mas eu ia dar um jeito de conquistá-lo, de provar que o filho era dele.

Mas infelizmente as coisas não aconteceram como eu imaginava, talvez tenha sido castigo. Talvez eu merecesse... Fiquei arrasada quando perdi o bebê, eu estava no banho, acabei escorregando... Passei minutos no chão sem conseguir me levantar, gemendo e chorando de dor enquanto o sangue quente escorria por entre minhas pernas, as dores eram horríveis. Eu ia fazer três meses de gestação. Perdi meu bebê. Foi muito doloroso, a dor da perda é devastadora...

Fui me arrastando até o quarto, o celular estava em cima da cama, liguei para Tori antes de perder a consciência...

Flashbacks off...

Sequei as lágrimas, prometendo que seria a última vez que eu choraria pensando nele. Coloquei os presentes de volta na caixa e a fechei, resolvi me livrar daquelas lembranças de uma vez por todas. Nem sei porque eu estava guardando tudo aquilo, saí do quarto levando a caixa para a sala. Acendi a lareira, e depois joguei a caixa nas chamas que se espalhavam, cresciam e eu observei tudo aquilo queimar lentamente.

— O que está fazendo? - O Aladim perguntou parando ao meu lado.

— Estou apenas destruíndo lembranças... - Respondi vendo o fogo consumir tudo, acabando com as coisas que Robbie havia dado para mim.

— Lembranças... - Murmurou.

— É... E você ainda não conseguiu lembrar seu nome? - Perguntei me virando para fitar seu rosto.

— Não. - Respondeu. - Tive um sonho... Sonhei com você, estávamos num lugar bem bonito e você gritava correndo atrás de mim: "Albert  Oliver, volte aqui, vou acabar com você!" - Deu um sorrisinho bobo.

— Albert Oliver? - Perguntei franzindo o cenho.

— Sim. - Assentiu.

— Albert é um nome feio. - Fiz careta. - Mas eu gosto de Oliver. Vamos arrumar um apelido bacana para você... Al é tosco demais, Bert é pior ainda, Albe parece nome de cachorro...

— Pode me chamar de Beck. - Me interrompeu.

— Beck? De onde tirou esse apelido? - Questionei.

Ele deu de ombros sem responder.

— Beck. Beck. Beck. - Repeti, soava legal. - Gostei. - Falei e ele sorriu, parecia radiante.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E ai??? Ficaram chocados? O que acharam sobre o Robbie ser o ex dela? Eles tiveram uma história e tanto, não???

Agora o nosso anjinho caído tem nome hahaha

Comentem, é importante! Bjs



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um Anjo Em Minha Vida - Concluída" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.