Badlands escrita por Risurn


Capítulo 9
Capítulo Nove


Notas iniciais do capítulo

Caótica, atrasada e desesperada.
Olá, espero que curtam o capitulo ♥



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Jason dormiu na minha casa naquele dia, comemos chocolate e tomamos sorvete. Apesar de toda a minha choradeira, Jason não fez perguntas adicionais e vi pelo canto do olho que ele lia algumas coisas sobre bipolaridade. Eu me sentia um pouco para baixo que ele tivesse que pesquisar a respeito disso por não saber bem como lidar comigo. Mas, para a minha sorte, hoje pela manhã não é como se meu mundo fosse acabar.

Pelo menos, não antes do meio-dia.

Quando acordei era como se eu estivesse caminhando sobre uma corda bamba, onde qualquer perda de equilibro seria fatal. Preciso lembrar que não sou a pessoa mais equilibrada desse mundo?

O sol já estava alto no céu quando Jason abriu os olhos. Eu não consegui dormir por muito tempo, então eu havia ficado encarando-o por muito, muito tempo antes dele acordar.

— Thalia, você não tem nada para comer?

Suspirei, lembrando que ainda não havia ido até o mercado. Levantei e caminhei até a cozinha.

— Eu devo ter alguma bolacha em algum lugar. Talvez tenha sobrado algo da pizza que você pediu ontem.

Jason esfregou o rosto e piscou devagar. Meu coração se apertava em uma sensação gostosa de vê-lo acordar, o rosto amassado e a expressão confusa. Precisava me lembrar constantemente que ele já tinha dezoito, não era mais meu menininho de doze anos.

— Por que você não coloca umas cortinas escuras? Essas aqui nem escondem a luz do sol. Aliás, por que sua janela tem que ser tão grande?

Sorri um pouco enquanto fazia café.

— Gosto de olhar o céu.

Jason sentou na banqueta do passa-prato, e apoiou a cabeça nas mãos enquanto mantinha os olhos fechados.

— Eu também gosto. Mas gosto mais ainda de dormir sem sol na minha cara.

Esfreguei meu rosto e tomei um gole de água. Era como se eu houvesse engolido uma lixa e ela tivesse arranhado tudo dentro de mim. Minha língua era áspera e minha cabeça martelava. Nada bom. Acho que preciso de umas duas aspirinas.

— Você vai ficar aqui por muito tempo? – Mordi o lábio enquanto a água fervia. Não quero ser indelicada com Jason depois de toda a atenção e cuidado que ele direcionou a mim, mas eu ainda queria ficar sozinha.

— Não sei.

— Seu... Seu pai não vai ficar preocupado?

Ele deu de ombros.

— Ele quase nunca percebe nada mesmo, nem deve ter notado que eu saí.

O silêncio se seguiu por alguns segundos antes dele suspirar e voltar a falar.

— Eu sei que você quer que eu vá embora. Que tal fazermos um trato? Já é quase meio-dia. Você vai almoçar comigo e aí eu vou embora e você curte sua depressão sozinha, ok?

Algo no fundo da minha mente dizia que aquilo podia não ser uma boa ideia. Basicamente gritava comigo, mas dei de ombros.

Eu nunca dou ouvidos às minhas vozes internas mesmo.

Bem, só as vezes.

— Tudo bem. Só preciso trocar de roupa.

(...)

Quando o carro fez a curva, percebi que estava no meio de uma enrascada.

— Jason. Isso não parece um restaurante.

— Bem, não é um restaurante.

Apertei minhas têmporas conforme adentrávamos o terreno com o carro, até algo estalar na minha mente.

— Ei! Eu conheço essa casa! Ai, Deus, sério, por quê? Não, não, não. Vamos voltar para casa. Agora.

Jason já havia descido do carro e abria a minha porta.

— Tarde demais para isso. Vem, quero te apresentar aos meus amigos.

Tentei controlar minha respiração ao me dar conta de quantos carros haviam estacionado por ali. Eles iam mesmo dar uma festa ao meio-dia?

— Não é uma festa Thalia. – Franzi o cenho. Agora ele lê mentes? – É realmente só um almoço. Will decidiu que queria tentar fazer churrasco e todos nós somos suas cobaias.

— Eu não sei se estou no clima Jason.

— Se você não se sentir bem, pode ir embora. Que tal?

— Promete?

Ele levantou a mão direita e assentiu, enquanto abria a porta da frente com a mão esquerda.

Atravessamos toda a sala e a cozinha até sairmos nos fundos da casa.

Todo o ar do meu corpo se esvaiu conforme eu via as pessoas estranhas.

Vamos lá Thalia, apenas respire. Está tudo bem. São os amigos do seu irmão.

— Jason! – Uma garota veio em direção ao meu irmão que me soltou para recebe-la. Tenho a impressão de que já a vi antes.

— Thalia, – Jason sorriu enquanto entrelaçava a mão à dela – essa é Piper. Minha namorada.

A garota que eu havia visto no outro dia sorriu e me abraçou, assustando-me.

— Desculpe pelo outro dia. Eu entrei em pânico. Eu costumo ser mais sociável. Quer dizer, eu acho que costumo. Pelo menos, na maior parte do tempo sim, quer dizer, as pessoas dizem que sim. Aí. Eu estou nervosa. Me desculpe. Aí. Jason.

A garota ficou um pouco vermelha e olhou para o chão, fazendo meu irmão rir, o que me fez sorrir também.

Piper era a personificação da beleza e combinava com meu irmão em vários aspectos, ao menos visuais. Era exótica. Será que ela tinha alguma descendência índia?

Espero que a gente se dê bem.

Um braço surgiu em torno dos meus ombros e olhei para a pessoa que sorria para mim. Tentei não sorrir de volta ou criar algum tipo de expectativa maluca na minha mente confusa. Obviamente não deu muito certo. Nico parecia odiosamente mais bonito todas as vezes.

— Olá querida, se sente melhor hoje?

Jason franziu o rosto juntamente comigo.

— O que?

— O que? – Ele perguntou de volta, como se a estranha fosse eu, não ele. – Eu fiquei preocupado, oras. Vem conhecer os outros ou o Jason vai te fazer escutar um discurso de três horas sobre como a Piper é sensacional.

— O que você...

— Ei, Jason, preciso de você! Deixe sua irmã aí e vem me ajudar. Traz a rainha da beleza, se quiser. – Will gritou perto da churrasqueira no meio do jardim e acenou para mim. – Olá Thalia!

Lancei um olhar um tanto quanto desesperado para o meu irmão conforme Nico me levava pelos ombros para longe deles.

Quatro pessoas conversavam em torno de uma mesa, bebendo refrigerante e cerveja. Não pude deixar de notar a câmera em frente à um dos lugares vazios.

— Nico... – Sussurrei para ele – O que você está fazendo?

— Apresentando você – Ele sussurrou de volta antes de levantar a voz. – Essa aqui é a Thalia. Thalia Grace. Digam olá.

Um a um, viraram seus rostos para mim e sorriram.

— Olá! A gente já se conhece. – Uma garota levantou e me abraçou. – Lembra? Você veio com seus amigos na minha festa. Hazel.

Assenti, tentando sorrir.

— É verdade. Eu lembro de você. E você... – Apontei para o garoto que estava sentado ao lado dela. – É Frank, o namorado. Acertei? – Ele pareceu surpreso que eu soubesse seu nome, mas assentiu sorrindo. Me virei para Nico. – Aceitou que o namorado dela viesse, sem problemas?

Nico deu de ombros.

— O que eu posso fazer? – Então ele levantou um pouco a voz. – Não podemos prender nossas irmãs para sempre.

De algum modo, Jason gritou de volta ao longe.

— Nem pense Di Ângelo.

Havia um casal na mesa, o garoto coçou a cabeça e apontou para mim.

— Grace tipo Zeus Grace?

Senti minhas pernas amolecerem.

— Você... Conhece meu pai?

Ele bufou e revirou os olhos.

— Claro. Ele mandou construir um prédio em cima do parque que fazíamos piqueniques aos domingos.

A loira ao lado dele bateu na cabeça do moreno e levantou, vindo até mim.

— Ela também é Grace como Jason, o que é bem mais importante. Ela é a irmã dele, cabeça-de-algas.

Ela me envolveu num abraço e Nico riu atrás de mim. Por que esse pessoal é tão invasivo? Saem abraçando assim?

— Esses são Percy e Annabeth, nosso casal favorito.

A loira sorriu e colocou os braços na cintura.

— Somos o casal favorito até você começar a namorar. Tenho certeza que vai roubar nosso posto.

— Quem sabe? – Ele voltou a apoiar o braço nos meus ombros e eu o encarei.

— Vocês já são bem amigos, uh? – O garoto chamado Percy falou, em um tom claro de gozação. – Cara, ela é bonita.

Annabeth sentou ao lado dele, acertando outro tapa na cabeça.

— Eu estou bem aqui.

— Eu também. – Resmunguei.

— Espera ai! Você é a garota que almoçou com Nico no outro dia, não é?

Franzi o cenho. Não lembro de ver Percy por lá.

— Como... Você estava lá?

— Percy é o melhor atendente que aquela cafeteria já viu Thalia, ele trabalha lá desde... Sempre.

— E eu acho que ela é a cliente mais assídua. Sério. Ela compra café todo santo dia.

 

— Você vigia garotas agora, é? – Annabeth levantou uma sobrancelha loira para o namorado, que apenas sorriu.

— Vocês saíram bem rápido naquele dia, tinham algum compromisso?

Arregalei os olhos, olhando em volta com medo de Jason escutasse algo.

— Vou ir ver Will.

— Vou com você.

Deixei o grupo para trás, junto com as risadas e as conversas enquanto Nico pegava a câmera e me seguia rumo à churrasqueira. Comecei a me senti desconfortável com a proximidade dele e quando estávamos quase chegando, me permiti resmungar.

— E aquele papo de que você só tinha casos de uma noite?

Nico respondeu baixo o suficiente para que apenas eu escutasse.

— Até onde eu me lembro, nós saímos depois do almoço. Não me recordo de passar nenhuma noite com você.

Estávamos bem próximos e minha boca abriu em choque, enquanto ele sorria, como se eu fosse a pessoa mais engraçada do planeta. Só ouvi o clic antes de me dar conta do dedo de Nico sobre o botão da máquina.

— Espero que você não tenha queimado nada Will. – Ele me soltou, se aproximando da chapa onde os hambúrgueres e os pães estavam. – Estou morrendo de fome.

— Eu também. – Jason resmungou, conforme separava os queijos. – A casa de Thalia não tinha comida. Aliás, não me deixe esquecer que temos que passar no mercado quando sairmos daqui.

— Sim senhor. – Murmurei de volta. – Precisam de ajuda?

— Você pode ir separando os presuntos, se quiser.

Assenti enquanto ia até lá e ajudava Jason.

Eles conversavam e riam, conforme Will fritava – e queimava – carnes. Eu me sentia um pouco deslocada entre os amigos deles. Eram boas pessoas, mas... Não sei.

E Nico me tirava do sério com todas as piadinhas e indiretas. Será que ele não percebe que eu tenho problemas? Que ele devia correr para longe e se esconder de mim?

— Não se desespere linda, eu fiz hambúrgueres especiais para você. É de soja. A moça da loja disse que você comeria sem problemas. – Ele apontou a espátula para Piper, que apenas sorriu.

— Obrigada por lembrar, mas nem precisava.

Nico apontava a câmera para todos, nos mais diversos ângulos, recebendo sorrisos, caretas e biquinhos em resposta. Ele parecia se divertir como nunca.

— Bobagem. Ei! – Will gritou, chamando a atenção dos outros. – Vocês vêm comer ou não? Nico já começou a se servir e ele vai comer tudo!

Aos poucos, todos se aproximaram, pegando um hambúrguer e sentando na mesa do quintal. Tentei reclamar com Nico, dizendo para ele procurar outro lugar, mas por algum motivo ele empacou ao meu lado.

— Ficou sensacional. – Percy murmurava com a boca cheia de comida enquanto Annabeth dava risada. – Vou poder repetir, né?

— Então Thalia. – Foi Hazel quem se manifestou, tentando me incluir nas conversas. – O que você faz? Estuda alguma coisa?

— Ah, bem... – Tomei um gole de água e respirei fundo. – Eu larguei a faculdade há algum tempo. Hoje em dia eu trabalho na empresa do meu pai. Sou secretária do vice-presidente.

— Sério? Que legal! Pretende voltar a estudar? – Annabeth me analisava atentamente.

Aquela atenção toda estava me sufocando. À minha esquerda, Jason e Piper comiam e me observavam, e à minha direita, Nico fazia graça.

— Espero que sim. – Tentei sorrir. – E vocês?

— Último ano de biologia marinha. – Percy levantou a mão e falou ainda de boca cheia.

— Caloura de Arqueologia. – Hazel sorriu e deu uma mordida do hambúrguer.

— Último ano de medicina. – Will falou enquanto passava outro hambúrguer para Percy e me notou encarando. – O que? Eu sou super responsável e qualificado para cuidar de pessoas.

— Realmente. – Jason concordou enquanto mastigava. – Você já sabe o que eu faço.

— E o que eu faço também. – Nico murmurou.

— O que? Como assim o que você faz também? – Jason largou a comida e nos encarou. – Quanto tempo vocês já passaram juntos, exatamente?

Tentei responder, mas Piper pressentiu o problema e continuou a falar, como se nada tivesse acontecido.

— Eu faço gastronomia. Sabe, quero desenvolver mais receitas para o pessoal vegetariano ou vegano.

— Você não faz ideia de como ela é na cozinha! É como se a comida surgisse do nada, sério!

Piper parecia envergonhada, mas sorriu.

— Obrigada.

— Eu sigo carreira militar. Passei seis meses do Afeganistão.

Encarei Frank e pensei que ele tinha mesmo porte, apesar de não entender o que levava alguém a isso. Hazel apertou discretamente a mão dele, e acho que só eu vi.

— Bom, e você Annabeth? – Perguntei por fim.

— Eu dei um tempo no meu curso anterior. Não consegui lidar com tudo. – Ela sorriu triste. – Agora estou estudando Design de Interiores à distância, não é a minha Arquitetura... Mas quem sabe algum dia?

Pensei em perguntar o porquê, mas algo me dizia que não era o momento. Vamos ouvir a voz interna dessa vez.

O celular de Jason começou a tocar e ele saiu da mesa. Todos continuaram conversando normalmente, mas me concentrei em meu irmão. Ele xingou um pouco e parecia irritado e ao mesmo tempo preocupado. Quando voltou para a mesa, disse que precisava sair e chamou Piper para ir com ele.

— Eu volto mais tarde, ok? Aí te levo pra casa. Não vou demorar. E você – ele apontou para Nico – fique longe dela.

— O que? Eu nem fiz nada! Que absurdo. Só estou aqui comendo, numa boa.

— Sei. Até depois.

Piper acenou e se despediu de todos, dizendo que não ia demorar.

Fiquei um pouco nervosa por ficar sozinha com eles. Ok. Bem nervosa.

— Então... Eu vou lavar isso aqui. – Will murmurou. – Preciso de ajuda. Alguém?

Hazel sorriu e levantou.

— Pode ficar. Eu arrumo tudo. Frank, você vem comigo?

— Ei, ei, ei! Vocês vão sozinhos lá pra dentro? – Nico tentou levantar, mas o puxei pelo ombro de volta.

— Fique aqui querido. Você não pode prender sua irmã para sempre.

— Quer saber? – Hazel sorria enquanto recolhia os pratos e apontava para Nico. – Eu gosto dela. Comportem-se e não coloquem fogo em nada.

— Foi só uma vez. – Resmungou Will.

— Leo nem está aqui, foi ele, e nós pagamos por isso eternamente? – Percy cruzou os braços e encarou Hazel, que nem ligava para os protestos dos meninos.

— Então agora você é a favor de irmãs serem livres e que eu sente ao seu lado? – Nico sorria para mim, que apenas dei de ombros.

— É claro. Desde que você não me incomode.

— Você é meio bipolar né?

Você não faz ideia.

Ri diante da ironia. Eu sou totalmente bipolar.

— Talvez.

Annabeth começou a me encarar com mais atenção.

— Você é mesmo bipolar ou é dessas pessoas que ficam “ai, to depressiva hoje, nossa, você não faz ideia como eu sou bipolar, ou, sou louca mesmo, nem me toque”?

Abri e fechei a boca, um tanto quanto nervosa. Eu não estava preparada para essa.

— Eu... Eu sou mesmo bipolar.

Percebi a movimentação ao meu lado, com Nico me encarando com mais atenção, mas não virei para conferir.

— Sério? Que legal! Deve ser diferente ficar trocando de humor toda hora!

Annabeth deu um tapa em Percy por dizer isso, parecendo irritada.

— O quê? Claro que não! Deve ser péssimo Percy, não diga isso.

— Bom, não é exatamente como uma caminhada no parque. Na verdade, é uma droga.

Annabeth fez uma careta e concordou.

— Eu sei. Eu pesquisei muito sobre essas coisas, minha psicóloga também me ajudou bastante a entender... Bom. Toda essa bagunça.

Outra vez me perguntei do que ela estava falando, mas não disse nada. O ar entrava e saia com mais dificuldade do meu peito àquela altura.

— Por isso você sumiu? – Will perguntou. – Digo, deixou Jason sozinho todo esse tempo?

— Isso não é muito delicado cara. – Nico encarou Will. – Ela teve os motivos dela, o importante é que agora eles estão juntos.

Minha garganta pareceu ter fechado e me levantei. Nico não sabe de nada. Will não sabe de nada. Nenhum deles sabe, então por que falar?

— Eu preciso de água.

Sai da mesa e corri até a cozinha da casa. Hazel e Frank lavavam a louça e riam, brincando com a água.

— Onde é o banheiro?

Hazel diminuiu o sorriso ao me ver.

— Está tudo bem? – Assenti tentando sorrir. – É por ali. A última porta.

Ela apontou para um corredor parecendo preocupada e eu apenas segui naquela direção sem pensar muito no que ela poderia estar pensando.

Abri a porta e respirei.

Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora. Não surte agora.

Will não perguntou por mal. Nem Annabeth poderia saber que era sério. Nenhum deles tem culpa. Eu realmente sumi. Está tudo bem. Não tem problema as pessoas saberem.

Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não.

Será que agora Nico vai perceber que eu sou louca e vai se afastar?

Joguei água no meu rosto e encarei meu reflexo no espelho. Era difícil respirar.

Uma batida na porta seguida de um suspiro.

— Thalia? Tudo bem aí?

Mordi meu lábio e respirei fundo. Nada bem. Nada, nada, nada bem.

 — Tudo. Tudo bem. Eu já vou voltar. Tudo bem.

Acho que Nico encostou a cabeça contra a porta.

— Desculpe. Eles não fizeram por mal. Will não tem muito filtro. Ele deveria ter sido mais delicado.

Neguei para o meu reflexo no espelho. Você merece.

Respirei fundo e abri a porta.

— Está tudo bem. Mesmo.

Nico cambaleou para dentro. Como eu imaginei, ele havia se apoiado na porta. Segurei-o impedindo que caísse em mim. Nossos olhos tão, tão perto.

Ele pigarreou e se ajeitou, voltando para trás.

— Obrigado. Tem certeza que está tudo bem? – Assenti lentamente. – Quer voltar para lá? – Assenti outra vez. – Certo. Vamos então.

Nico me pegou pela mão e me levou para fora.

Era estranha a forma como ele achava que tinha liberdade para fazer qualquer coisa que quisesse. Era mais estranho ainda o fato de eu deixar.

Quando voltamos ao quintal, Annabeth me abraçou e disse que estava de saída. Me sentei na mesa, ao lado de Nico. Não havia sinal de Will.

— Por que eles estão indo embora? Foi por que eu voltei? – Sussurrei para Nico.

— Hm, não. A Annie sempre vai embora mais cedo. – Ele sussurrou de volta.

— Por quê?

Nico tomou um gole da cerveja que estava sobre a mesa antes de responder.

— Ela tem depressão. Às vezes é difícil pra Annie... Ficar.

Alternei meu olhar entre ele e o casal que saia do quintal.

— Depressão? – Algumas peças se encaixaram nos vãos da minha cabeça, mas aquilo não parecia fazer sentido. – Mas ela parecia tão bem.

— É por que ela está bem. Sabe Thalia, para alguém que também tem um transtorno, você está muito apegada em estereótipos. Nem todos os depressivos ficam sentados num quarto escuro olhando para o nada. Bom, pelo menos não o tempo todo. O Percy fez a gente ler um milhão de artigos sobre isso, porque não queria ninguém pisando na bola com ela. Bem, como ele fez com você aquela hora. A Annie sempre vem sair com a gente, mas dificilmente ela se sente bem o suficiente pra ficar até o final. Então ela fica pouco mais de meia hora e o Percy leva ela para casa. Dependendo do jeito que ela tá, ele fica por lá com ela ou volta pra cá.

Pensei um pouco no garoto de olhos verdes de mais cedo. Ele parecia um tanto quanto inconsequente e tapado. Mas agora... Ele parece uma pessoa melhor aos meus olhos, apesar de eu não conseguir entendê-lo direito.

— Isso é estranho.

— A gente já se acostumou. O importante é ela vir, sabe? E quando ela cansa, vai embora. Simples assim. Ela não se sente excluída, nem deixada de lado. E sempre que ela se sentir bem, pode ficar até o final. Isso ajuda ela a se sentir mais como ela mesma e não perder o controle.

Encarei minhas mãos, pensando naquilo. O grupo de Jason era uma mistura muito, muito estranha. Eles não pareciam ter muito em comum e ao mesmo tempo... Não sei. Pareciam se completar.

— É porque a gente se completa mesmo.

O quê?

— O quê? – Pisquei aturdida. – Você lê mentes agora?

— Ãn, você que disse. “Vocês parecem se completar” – Ele fez aspas com os dedos. – Somos uma família. Simples assim.

Franzi o rosto.

— Não parece tão simples.

— Nós cuidamos um dos outros. Nos protegemos. Nos ajudamos. É simples. Nunca teve pessoas assim?

Apertei meus lábios numa linha. Eu já havia tido alguém para chamar de família há muito, muito tempo.

E como todos os outros, ele se foi.

— Não.

— Bom... – Nico sorriu, pegando minha mão. – Podemos ser a sua, se quiser.

Tentei não parecer abalada demais com aquelas palavras, mas acho que foi difícil.

— Ei, não estou te pedindo em casamento, nem nada. Só que venha para outros almoços. Somos amigos do seu irmão e agora que vocês estão se aproximando pode ser legal.

Tentei sorrir.

— Obrigada. Vou pensar sobre isso.

Nico era uma pessoa estranha. Contrariando todas as expectativas, ele não se afastava quando deveria. Não corria para longe depois de saber de tudo. Talvez porque ele ainda não entendesse tudo o que meu estado envolvia. Ele só ficava ali, segurando minha mão e bebendo a cerveja, como se nada tivesse acontecido.

Will voltou um pouco depois com um pedaço de uma torta de chocolate e morango.

— O que é isso? – Nico perguntou, se ajeitando ao meu lado, passando um braço pelos meus ombros.

— Eu fiquei me sentindo culpado depois que você brigou comigo – ele apontou para Nico e se voltou para mim. – então fui comprar algo gostoso, mas só tinha uma padaria aberta, então trouxe um pedaço de torta. Não quis te ofender naquela hora, só fiquei curioso.

Abri e fechei a boca, sem reação. Ninguém nunca se preocupou com isso antes. Eu queria chorar.

Encarei o pedaço de torta à minha frente e voltei a encarar Will.

— Obrigada, de verdade.

Fiquei me sentindo tão querida por um segundo que pensei em nem comer a torta e guardá-la eternamente, para nunca esquecer daquela sensação.

Nico sussurrou, me trazendo de volta.

— Se você não comer, eu vou.

Assenti, sorrindo um pouco e piscando para afastar as lágrimas que se acumularam nos meus olhos.

— Tudo bem, eu vou comer.

Um pouco depois, Frank e Hazel se juntaram a nós, reclamando que a louça nunca acabava e eu quase, quase me senti em casa.

Depois de um tempo eu levantei, tentando esticar minhas pernas. Eu estava cansada de ficar sentada e preocupada com Jason, que não voltava.

Apoiei o meu quadril contra a parede e pensei em ligar para ele.

— Não se preocupe. Ele deve ter parado em algum lugar com a Piper. Eles vão chegar logo.

— Estão falando de mim? Sentiram saudades?

Percy abriu uma porta nos fundos do quintal que eu ainda não havia visto e se aproximou, como se nunca tivesse saído.

— Na verdade, não. – Foi Nico quem respondeu, fazendo alguns rirem e recebendo uma careta em resposta.

Percy encarou a mesa com as latinhas vazias de cerveja e coçou a cabeça.

— Ah, cara, eu saí por meia hora e vocês tomaram todas as azuis?

— Tem mais na geladeira lá atrás.

A mão de Nico apertava de leve minha cintura, como que involuntariamente.

— Você pode pegar para mim, meu bem? – Percy se aproximou e apoiou o corpo na parede ao meu lado enquanto encarava Nico. – Não quero encontrar com a Bianca lá dentro. Você sabe que a Annie tem ciúmes e agora que eu estou aqui sozinho...

— Tá, tá, já sei. – Ele se aproximou e beijou meu pescoço. – Eu já volto.

Arregalei meus olhos com o susto e Percy apenas riu. O que Nico tem na cabeça?

Quando Percy e eu ficamos sozinhos, não pude evitar a quantidade de pensamentos rondando a minha mente.

— Vocês estão juntos ou algo assim?

— Quem? Eu e Nico? Não, não, que absurdo.

Percy apenas riu e encarou os próprios pés, como se não acreditasse. Aquilo fez com que a pergunta escondida no fundo da minha cabeça criasse voz e gritasse para que ele respondesse.

— Como é?

Ele me encarou sem entender.

— Como é o que?

— Namorar com alguém que tem um transtorno. Como você consegue?

Ele sorriu um pouco e virou o corpo em minha direção.

— Não é fácil, caso você tenha alguma ilusão que eu vá dizer outra coisa. Contrariando tudo o que as histórias dizem, não foi só um cara bonito aparecer – ele apontou para si mesmo, me fazendo revirar os olhos – pra Annie se sentir bem.

Bom, não é como se eu não soubesse disso.

— E o que fez ela se sentir bem, então?

Ele pareceu pensar um pouco.

— Remédios. Uma alimentação balanceada, tratamento adequado, exercícios físicos, eu sempre levo ela para algum lugar que vende muito chocolate... Coisas assim.

— E você faz o que então?

— Eu apoio ela. Sabe Thalia, por mais que eu me esforce no meu limite, eu nunca vou conseguir mudar o que a Annie sente por dentro. A única coisa que eu posso fazer é mostrar para ela que estou aqui. Às vezes ela fica tão pra baixo que nem sai da cama. Eu me sinto no meio de uma batalha na qual eu fui enviado sem arma nenhuma.

Eu também me sinto assim, mas a batalha é minha.

— Ela... Eu não sei. Annie já precisou abrir mão de muita coisa. Ela já perdeu muito. Não tem porque não dar o apoio que ela precisa.

— Você se arrepende?

Nico se aproximou do nada e apoiou o braço no meu ombro. O sorriso de Percy respondeu antes que ele sequer falasse.

— Nem um pouco.

— Estão falando sobre o que?

Percy esfregou as mãos e pegou uma das cervejas que Nico trouxe.

— De como as azuis são mil vezes melhores que as verdes.

Nico revirou os olhos.

— Thalia é expert em bebidas.

Revirei os olhos, imitando o gesto dele.

— Nem tanto.

Fiz uma careta e começamos a rir.

Eu não conseguia perceber como aos poucos estaria sendo hipnotizada e embriagada pela presença de todos eles na minha vida, tornando-a ainda mais caótica e barulhenta.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por todos os comentários que me deixam muito, muito feliz!



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