Badlands escrita por Risurn


Capítulo 8
Capítulo Oito


Notas iniciais do capítulo

Oi, oi! Espero que gostem!
[Capítulo atualizado 22/11/2016]



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Eu não sei quanto tempo fiquei lá, no chão de uma estação.

Talvez minutos, talvez horas. Muito provavelmente horas, porque eu já havia visto pessoas demais passando por aquele lugar e agora os adolescentes começavam a enche-la.

Eu ainda queria que tudo aquilo acabasse.

Eu ainda queria que meus pés virassem gelatina e meu cérebro escorresse pela rua através dos trilhos.

Eu ainda queria que existisse uma desculpa para que eu não precisasse voltar para a minha vida.

Eu ainda queria que minha bebida não tivesse acabado.

E eu ainda queria morrer.

Não sei por quanto tempo mais eu ficaria presa no meu devaneio caso aquelas mãos não me levantassem do chão, me firmando de pé, esperando que eu conseguisse apoio nas minhas próprias pernas para enfim me soltar.

— Thalia? O que... O que aconteceu? O que você está fazendo aqui?

Tentei focalizar os olhos negros à minha frente. Tentei aderir a sensação dos dedos suaves e quentes contra a minha pele gelada. Tentei de tudo para não ignorar a presença de Nico, mas não consegui.

— Você não está bem. Vou ligar pro Jason, espera só um segundo.

A menção ao nome do meu irmão fez meu torpor se dissipar por um segundo apenas, me dando força para negar.

— Não. Não liga pra ele. – Engoli em seco e busquei pelos olhos dele, mesmo que não conseguisse focar em nada. – Por favor. Só... Pode me levar pra casa? Não sei se consigo ir sozinha.

Apoiei minha mão em seu braço, sentindo meu corpo vacilar. Nico me segurou antes que eu caísse e o mundo começou a girar ao meu redor, não sei se pelo que eu sentia ou se era efeito de álcool. Talvez um misto de ambos.

— Eu não tenho certeza se essa é a melhor ideia aqui. Acho que o Jason vai saber o que fazer melhor do que eu...

— Nico. Por favor.

Ele te acha estranha. E patética. Olha só para você agora, mal se aguenta em pé.

Ele pareceu ponderar por alguns segundos antes de se dar por vencido e assentir.

— Vamos ter que ir de metrô, tudo bem? Eu não tenho carro.

Não esbocei reação nenhuma, o que Nico considerou um sim ao me levar para dentro.

Sentamos em um dos assentos perto da porta e Nico deixou que eu apoiasse a cabeça contra a janela. Eu podia sentir todas as perguntas que ele gostaria e queria fazer, mas eu não estava em condições de responde-las. Não hoje. Não agora. Talvez nem depois. Talvez nunca.

Apesar de tudo, ele me deixou em silêncio e as vozes dentro da minha cabeça não paravam de gritar. Eu queria acertar minha testa contra o vidro e torcer para que tudo parasse, tudo sumisse, tudo acabasse. Por que eu preciso ser assim? Por que algumas coisas têm que me afetar dessa forma? Por que eu não consigo ser forte? Por que eu sou tão inútil? Por quê?

Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê?

— Uma menina tão bonita, fica desperdiçando a juventude assim...

— E não é? Aposto que é coisa desse cara. Vai ver eles são namorados e ela está assim porque ele não quer mais ela.

— Aposto que sim! Eu passei aqui mais cedo e ela bebia tanto...

Encarei minhas mãos conforme ouvia as duas senhoras conversando um pouco ao lado. Elas nem se davam o trabalho de falar baixo. Nico resmungo alguma coisa para elas, fazendo-as ficar em silêncio. Fechei meus olhos e apertei minha cabeça com mais força contra o vidro.

Eu não conseguia entender em que tipo de realidade alternativa eu estava entrando, só sabia que ela era profunda, fria, solitária e escura. Tão, tão, tão escura.

— Thalia. – Nico encostou no meu braço, me trazendo à realidade. – Chegamos na sua estação. Melhor a gente descer.

Cocei os olhos e assenti, levantando. Mal notei o tempo passando. Percebi que ele me seguia.

— Você vai descer também?

— Vou com você.

Quis protestar e dizer que ele devia ter algum compromisso, mas não consegui. Meu corpo parecia paralisado enquanto minha mente estava em êxtase. Nico mexia no celular freneticamente conforme subíamos as escadas do meu prédio e entravámos no meu apartamento.

Sentei no meu sofá, sem dar muita atenção à Nico e esperei para ver se ele iria embora. Só quero ficar sozinha.

— Não, não, não. – Nico me puxava pelo braço, me tirando do sofá apesar dos meus resmungos. – Você precisa de um banho gelado. Agora. Só saia daí quando estiver devidamente lavada.

Nico me jogou dentro do banheiro e fechou a porta atrás de mim.

Suspirei e tirei as peças de roupa uma a uma, o mais rápido que meu corpo fragilizado permitia. O que era muito, muito lentamente.

Quando entrei embaixo do chuveiro, liguei na água fria e deixei que ela alcançasse o efeito desejado. Tive vontade de me encolher e esquentar a temperatura, mas eu sabia que mais alguns segundos e ela me faria acordar com o choque térmico. A água fazia meu corpo arrepiar conforme os sentidos motores retornavam e minha mente desanuviava um pouco.

Depois do que pareceu uma eternidade, regulei a água até uma temperatura agradável e apoiei minha cabeça na parede.

As lágrimas vieram junto com a água quente e meu corpo sacudia. Eu não suportava esse tipo de crise. Depois da euforia a depressão sempre chegava, me arrastando mais e mais para baixo. Era tão forte, tão incontrolável e inexplicável que eu sempre me pegava duvidando se algum dia iria passar.

É tudo tão, tão, tão difícil.

Não existir seria tão, tão, tão mais fácil.

Espero que Nico não esteja lá fora quando eu sair. Não quero ver ninguém. Não quero ouvir ninguém. Só quero ficar deitada e sozinha com essa bagunça toda que estou sentindo, sozinha com todos os meus demônios.

Esse é o problema de ser um furacão. Ele devasta tudo, leva tudo pelos ares e só no final, só os destroços ficam. E, no momento, eu sou o que restou dos destroços.

A água parecia levar tudo com ela e meu corpo não parecia mais tão parado, mas a minha mente... Era completamente nebulosa.

Sacudi meu cabelo, deixando-o um pouco arrepiado e não ousei encarar meu reflexo no espelho. Não quero ver o que vai me encarar de volta.

Abri a porta e não me importei que estivesse molhando a casa toda com a água que escorria do meu corpo conforme caminhava para fora.

— Ah, você saiu. Eu já estava começando a achar que tivesse escorrido pelo ralo com a... – Nico levantou os olhos do meu passa-prato onde estava sentado e arregalou os olhos ao constatar meu estado. – Por Hades, você não tinha uma toalha? Ou uma roupa?

Ele desviou os olhos para o chão e pareceu pensar enquanto eu apenas ficava parada, molhada e nua no meio da minha casa.

Nico correu até minha cama bagunçada e puxou um dos lençóis ainda sem me encarar, trazendo-o até mim e enrolando meu corpo.

— Você pode ficar resfriada desse jeito. Por que não se seca? Veste alguma coisa? Fiz café pra você. Extraforte, vai espantar qualquer resto de álcool que estiver por ai.

Eu não queria expulsar o álcool da minha corrente sanguínea, mas assenti caminhando até meu guarda roupa e buscando por uma blusa particularmente grande. Vesti-a por cima de meu corpo molhado e apertei meu cabelo contra o lençol. Nico já deve me achar tóxica de qualquer forma à essa altura, não há porque fingir que não sou assim.

Arrastei meus pés até onde a xícara de café me esperava e tomei um gole.

Nico se manteve em silêncio o tempo todo, mexendo na câmera que só agora eu havia notado. Qual compromisso importante ele teria faltado para bancar a babá?

Depois de quase três xícaras, minha mente não parecia um buraco negro tão profundo. Meus braços estavam apoiados na bancada enquanto eu segurava a xícara com as duas mãos e meus pensamentos se enrolavam. Fui despertada do meu transe ao ouvir um clic.

Levantei os olhos e Nico encara a própria câmera.

— Ficou ótima. Quer ver? – Pisquei sem entender direito. Ele havia tirado uma foto minha? Antes que eu respondesse qualquer coisa, ele me esticou a máquina e mostrou a imagem exibida no visor. Meu cabelo bagunçado escondia meus olhos, o que acabou evidenciando as sardas do meu rosto. Minhas mãos pareciam muito magras segurando a xícara quente. Minha blusa grudava em várias partes do meu corpo, já que eu estava molhada. Levantei os olhos para Nico e de volta para a câmera.

— A foto ficou... Ótima. Você tem um bom olho.

— Olha só quem resolveu falar. – Ele sorriu, puxando a câmera de volta e me encarando. – Se sente melhor?

Soltei a xícara e esfreguei meu rosto com as mãos.

— Desculpe. Estou tão envergonhada.

— Por quê? Tomar um porre e ficar na rua? Todo mundo já fez isso.

Levantei meus olhos e o encarei. Nico mantinha o bom humor com toda aquela situação e eu ainda queria que ele fosse embora.

— Eu sei. Mesmo assim... Olha a minha idade. Eu já devia ter criado juízo. Mas a noite foi uma grande merda.

— Tudo bem. – Ele deu de ombros enquanto levantava e dava a volta até o sofá, sentando nele.

Resmunguei conforme girava minha banqueta.

— Não quero ser indelicada, mas você não pode ir embora?

Ele negou com a cabeça.

— Tenho ordens expressas de ficar aqui até os reforços chegarem.

Levantei devagar, temendo cair.

— Reforços? O que você fez?

— Acontece que quando te encontrei eu estava indo para casa do Jason e Will estava a caminho também. Então... Eu avisei que estava aqui e Jason me disse que está vindo, tipo, na hora. Aposto uma bala que o Will também vem.

Pressionei minhas têmporas e encarei minha cama.

— Por que vocês todos só não me deixam sozinha? Eu quero ficar sozinha.

Nico me ignorou completamente enquanto digitava alguma coisa no celular e levantava indo até a porta.

— Diga isso para o seu irmão, ele vai chegar em... – Uma batida na porta interrompeu Nico e ele deu de ombros. – Viu só? Agora.

— Só pode ser um pesadelo. Tudo isso. Isso tudo que está acontecendo, ontem à noite, essa madrugada, hoje de manhã, você me encontrando... Tudo um pesadelo.

— Eu gostaria de dizer que sim, - ele olhou para mim enquanto abria a porta – mas acho que não.

Jason entrou como um borrão e só parou quando me abraçou.

— Você está bem? Me desculpe mesmo por te deixar sair daquele jeito. Eu devia ter ido atrás de você. – Eu não conseguia respirar com a intensidade do aperto ao meu redor, incapaz de mover meus braços. Olhei em pânico para Nico que apenas pigarreou, dando passagem para Will e fechando a porta.

— Apartamento legal.

Jason me afastou e olhou nos meus olhos procurando alguma coisa que eu não sei se ofereci.

— Não é? Eu disse a mesma coisa na primeira vez que vim aqui! Não é demais?

Will sorriu e sentou no sofá, ao lado de Nico.

— Então você já veio aqui outras vezes?

Jason perdeu o foco de mim por um segundo e encarou os amigos, especificamente Nico.

— O que você estava fazendo aqui sozinho com a minha irmã? E como assim “na primeira vez que vim aqui”?

Nico abriu e fechou a boca e olhou para mim, me fazendo revirar os olhos. Homens. Não são capazes de arrumar a própria bagunça sozinhos.

— Jason. Não precisa bancar o irmão super-protetor. Não é a primeira vez que bebo demais e preciso de ajuda.

Meu irmão me encarou como se soubesse de toda a minha mentira.

— Sei. Então vocês são amigos agora?

— Sim.

— Não.

Nico e eu respondemos ao mesmo tempo, como da outra vez. Eu não sei o que esse garoto tem na cabeça para pensar que somos amigos.

— Acho que já tivemos essa discussão antes. – Resmunguei, mas Nico me ignorou ao responder Jason.

— Somos tipo isso.

Will sorria enquanto encarava as fotos na minha parede e Jason cruzava os braços em direção à Nico, me mantendo atrás de seu corpo.

— Tipo isso?

— Jason pelo amor de Deus. A Thalia tem o que? Vinte e dois, vinte e três anos?

— Vinte e Quatro. – Resmunguei.

— Tá vendo só? Vinte e quatro. Deixa ela ter os amigos que quiser.

Depois, Will completou, ajudando ou prejudicando Nico. Ainda não decidi bem:

— É Jay-Jay, ela não te proíbe de namorar.

Deus. Do. Céu. Quem aqui falou em namorar?

Acho que Jason vai ter um infarto se eu não fazer nada.

— Ei, Jay-Jay? – Tentei sorrir para meu irmão. – Sério? Achei que tentar comer o grampeador era a coisa mais constrangedora da sua vida.

— Você diz isso porque nunca viu ele usando cueca de nuvens. – Nico murmurou mexendo no celular.

— Ei!

— É claro que eu já vi. Jason tinha um gosto peculiar por roupas íntimas desde a infância, achei que isso mudaria na adolescência.

Jason abriu e fechando a boca, trocando a cor de um branco bronzeado para vermelho tomate.

— Espera ai! Essa cicatriz foi porque você tentou comer um grampeador? E você dizendo que conseguiu em uma briga, não acredito que fui enganado todos esses anos. – Will cruzou os braços e encarou o teto do apartamento. Eles todos começaram uma discussão sobre quem enganava quem e que deveriam honrar a amizade e todo esse papo esquisito.

De repente, o lugar parecia pequeno demais. Minha casa não era muito grande, e três garotos cheios de energia não ajudavam em nada.

— Vocês planejam ficar muito tempo? Eu quero ficar sozinha. Jason. Não estou bem. Só quero... Ficar sozinha, mesmo.

— Isso explica porque você recebeu a gente assim.

Eu juro por tudo que existe de mais sagrado nesse universo que naquele aquele momento foi a primeira vez – de muitas – que eu quis matar Will. Jason ainda não tinha percebido inteiramente meu estado.

Ele arregalou tanto os olhos que temi que eles saíssem das órbitas.

— O que, por todos os raios desse céu, você está fazendo só de camiseta? Sabia que você pode se resfriar? Por que você está molhada? E mais importante que isso tudo: por que você está molhada e só de camiseta com o Nico?

Abri e fechei a boca, de repente chocada demais para esboçar uma reação.

— Eu estou seco. – Nico levantou as mãos, tentando se livrar da culpa. – Nem adianta olhar para mim.

— Quer saber? Nico, nós estamos sobrando. Thalia, querida, eu trouxe... Sorvete e chocolate. – Will soltou a bolsa que só agora eu havia notado em cima da bancada e se virou para mim, aliviando um pouco minha vontade de arrancar a cabeça dele. – Espero que aproveite. Jason, não esqueça de falar para ela sobre amanhã, ok? Ok. Nico, vamos.

— O quê? A casa é dela. Por que você está me expulsando?

— Ela já te expulsou também. Vamos logo, eu te dou carona.

Nico e Will saíram do meu apartamento resmungando e brigando e eu apenas conseguia agradecer à qualquer pessoa lá em cima que estivesse de bom humor e atendeu ao meu pedido.

— Não é por nada, mas você podia ter ido com eles. Eu ia ficar bem, sério. Só estou com dor de cabeça.

Esfreguei minhas mãos do rosto e suspirei.

— Não minta pra mim. Você pode enganar quem você quiser, mas sou seu irmão. Sei mentir tão bem quanto você.

Sorri fracamente para ele.

— Eu sei. Não queria preocupar você.

Não queria ser um peso pra você também. Não queria só atrasar sua vida.

Ele se aproximou e me abraçou devagar.

— Quando você vai me contar tudo?

Me permiti enterrar o rosto no seu peito e suspirar. Um apoio. Eu tenho alguém para me apoiar.

— Outra hora irmãozinho, outra hora.

Jason se manteve em silêncio por um tempo, apenas me abraçando, até eu me acalmar e as lágrimas chegarem silenciosas, molhando um pouco mais meu rosto.

Ele me afastou e sorriu para mim, bagunçando meu cabelo.

— Vem, vamos cuidar de você.

Foi naquele dia que eu percebi que meu irmão estava se tornando um homem. Jason me deixou chorar, sem fazer perguntas, secou meu cabelo e escolheu um pijama quente. Escolheu um filme sobre qualquer coisa e me abraçou enquanto eu assistia, sem realmente prestar atenção à história.

Aquela foi a primeira vez que senti que não estava sozinha.

 

 

Nota da Autora: Não sei se vocês sabem, mas eu curso Design de Interiores e bom, amo coisas nesse sentido, decidi mostrar um pouco de como imagino o apartamento da Thalia, espero que gostem!

Caso não consiga ver, acesse esse link.


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Notas finais do capítulo

Bom, eu estou atrasada no desafio, pois é, mas assim que pegar férias tudo vai se ajeitar. Obrigada por todo o apoio!