Waves escrita por march dammes


Capítulo 15
Sandálias e Batom Rosa


Notas iniciais do capítulo

QUEM SENTIU MINHA FALTA? ninguém? same. tbh eu demorei a postar esse capítulo porque essas últimas semanas foram o inferno pra mim mas hey, pelo menos eu renasci das cinzas, melhor do que nunca. inclusive, esse é o maior capitulo até agora, e nem é um encontro. insano, hein?
aqui temos uma nova personagem e algum character development. fazer o que? meu pace é tão merda quanto o da serie em si.
de qualquer forma...espero que gostem? espero que estejam saciados ate o mes que vem tbh. mas se puder, eu juro que escrevo o proximo capitulo um pouco mais cedo. promessa de dedinho.
acho que já enrolei demais pra um capitulo de 4 mil palavras. enfim. bora ler?



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Depois de sua mais recente gafe em relação à Lance, a vida de Keith seguiu relativamente normal.

Estava se acostumando, a seu tempo, com os flertes frequentes do outro, que já não levava tanto assim em consideração, visto que ele agia dessa forma com toda coisa que possuía duas pernas e um sistema nervoso.

Em suma, Keith já conseguia suportar uma cantada de Lance sem enrubescer e se atrapalhar completamente.

O final de semana foi embora quase tão rapidamente quanto chegara, e Keith mal teve tempo de lamentar o luto de sua folga antes de voltar para suas responsabilidades, seu trabalho na oficina, as cobranças diárias de Shiro em relação à sua saúde...etc.

Falando em Shiro, este estava disposto a fazer sua segunda visita do mês, com tanta urgência em ir buscar sua amadíssima Andrômeda que parecia não colocar nenhuma confiança nas habilidades do pseudo-irmão mais novo em tomar conta de outro ser vivo. Ah, por favor! Keith só tivera vontade de atear fogo em Andrômeda umas duas ou três vezes.

De qualquer forma, Shirogane já havia lhe prometido uma visita em seu próximo dia de folga durante a semana, que, convenientemente o bastante, seria o mesmo para Keith. Deus abençoe os feriados estaduais.

Por isso mesmo, Keith decidira tirar um horário de sua agenda para arrumar o quarto de hóspedes, em vez de chegar em casa e afundar-se no sofá em desistência, como sempre fazia depois de um longo dia na oficina. O cabelo já estava preso, os coturnos já haviam sido chutados para fora dos pés no hall de entrada, só precisou passar a mão em um pano limpo e um pouco de cloro e estava de volta aos trabalhos.

Penava para retirar uma mancha especialmente orgulhosa do carpete, esfregando o pano preso ao rodo de novo e de novo, até ouvir o tecido ceder e rasgar. Grunhiu um palavrão consigo mesmo – faxina era um trabalhozinho ingrato. Como diaristas conseguiam? O chame de incendiário juvenil, mas ele já considerava simplesmente aproveitar o cloro e atear fogo à mancha maldita que lhe torrava a paciência naquele momento.

Antes que cometesse um crime de ódio, no entanto, ouviu sua música (metal, no último volume) ser interrompida por uma vibração do celular apoiado sobre a cômoda, sinalizando a chegada de uma nova mensagem.

Fez seu melhor para não saltitar em seu caminho para pegar o aparelho, pausando a música e desbloqueando a tela, sorrindo ao confirmar o que já sabia: era uma mensagem de Lance.

 

Captain Frijoles [19:38]: AAAAAA eu n aguento + algebra

Captain Frijoles [19:38]: Como vc ta?

S4D_B0Y_2001 [19:39]: Álgebra é uma invenção do capitalismo pra vender calculadoras científicas para o proletariado.

S4D_B0Y_2001 [19:39]: Tô arrumando a casa. E você?

Captain Frijoles [19:39]: Oooh, vai receber visita?

S4D_B0Y_2001 [19:39]: Só o de sempre. Shiro.

S4D_B0Y_2001 [19:39]: Ele vem buscar a gata endiabrada dele.

Captain Frijoles [19:40]: GASPS. N fale assim da andromeda!!!!

S4D_B0Y_2001 [19:40]: E como eu deveria falar? Encapetada? Possuída? Infernal? Maldita?

Captain Frijoles [19:40]: Sinonimos game strong

S4D_B0Y_2001 [19:40]: Eu sou praticamente um dicionário.

Captain Frijoles [19:41]: Mas a andromeda eh um ANJINHO entao n ofenda ela desse jeito u_u

S4D_B0Y_2001 [19:41]: Você nem a conhece.

Captain Frijoles [19:42]: Eu sinto como se conhecesse.......talvez seja o destino.........

 

Keith riu, se apoiando contra o rodo que ainda segurava na outra mão, deixando o cabo encostar na bochecha e permitindo que um sorriso brincasse sobre seus lábios enquanto continuava respondendo. Era incrível a facilidade que Lance tinha em deixa-lo com o olhar perdido, aquela expressão boba no rosto, as pontas das orelhas queimando levemente ao perceber as faces começando a doer com o esforço inconsciente de continuar sorrindo.

Estava apaixonado, estava apaixonado, estava apaixonado. E não era pouco.

 

Captain Frijoles [19:45]: Mas deixando a andromeda um pouco de lado

Captain Frijoles [19:45]: E dando atençao pro meu OUTRO bae

Captain Frijoles [19:45]: A gente ainda vai se ver no sabado, ne?

S4D_B0Y_2001 [19:46]: Com certeza.

 

Keith suspirou, e desta vez, não foi por cansaço. Suspirou com um sorrisinho, suspirou de saudade, suspirou porque queria suspirar, oras.

Apesar da situação não deixa-lo completamente confortável, não tinha como negar que sentia falta de conversar com Lance. Pessoalmente, não por mensagem. Queria mais uma vez admirar seus olhos brilhando sob o sol frio da primavera, observar suas mãos de dedos compridos e veias aparentes gesticularem loucamente enquanto explicava sua árvore genealógica, ou contava alguma história, ou simplesmente reclamava das provas aplicadas em sua escola.

Por isso, achava que conseguiria suportar, pelo menos daquela vez. Conseguiria estar exposto a todo aquele sal e areia e aos rugidos das ondas e não sentir vontade de vomitar.

Com Lance ao seu lado, não teria medo. Não precisava ter medo.

E isso apenas acentuava a saudade que estava daquele garoto.

X

Naquela noite, Keith se jogou contra a cama, já sentindo as pálpebras pesarem, a cabeça latejando. Havia sido outro longo, longo, longo dia na oficina mecânica, repleto de clientes exigentes e demandas de seu chefe. Como se as coisas não pudessem piorar de nenhuma forma, no dia seguinte estaria recebendo Shiro em casa, e via-se obrigado a se livrar de todos os resquícios de sua vida nada saudável antes que o outro encontrasse migalhas entre o cobertor e viesse falar em seu ouvido.

Bom, pelo menos a casa estava um brinco. Keith podia dar a si mesmo esse crédito.

Checou suas mensagens uma última vez, e não era surpresa que tinha algumas não lidas de Shiro. O maior era obcecado com organização, tinha que ter tudo muito bem sorteado antes de tomar uma decisão – e principalmente antes de fazer uma viagem.

 

NASA Dad [21:04]: Olá, Keith! Mandando mensagem para avisar que já está tudo em seu devido lugar por aqui. Vou te avisar quando estivermos chegando, mas como sempre, vamos pegar o trem da noite, ok?

NASA Dad [21:04]: Espero que esteja comendo bem!

NASA Dad [21:04]: Não se esqueça de colocar verduras em sua refeição, por favor.

S4D_B0Y_2001 [21:13]: Sim, senhor.

S4D_B0Y_2001 [21:13]: Você deve chegar aqui por volta das 5h, não é? Vou te buscar, como sempre.

NASA Dad [21:14]: Certo. :)

S4D_B0Y_2001 [21:15]: ...Não, espera aí.

S4D_B0Y_2001 [21:15]: “Quando estivermos chegando”? Você não vem sozinho?

NASA Dad [21:16]: ...Ops.

S4D_B0Y_2001 [21:16]: Quem tá vindo contigo? É o Matt?

 

A ideia de que Matt viria visitar não lhe parecia tão ruim assim. O irmão mais velho de Pidge já viera antes e ele era até mesmo um bom colega de quarto, mesmo que roncasse extremamente alto, comesse todos os ovos da geladeira em um único shake de proteína (antes, Keith achava que Shiro era o único que bebia aquela droga) e tomasse completo monopólio do controle remoto até que alguém o arrastasse para longe da televisão.

...Certo. Talvez Matt não fosse um visitante tão agradável assim.

Mas de qualquer forma, não parecia ser ele, pois Shiro descartou a pergunta mais rápido do que tirava um pacote de miojo cru das mãos de Keith.

 

NASA Dad [21:16]: Não, não. Era para ser surpresa, porque eu não sabia como você iria reagir até que a encontrasse, mas...

S4D_B0Y_2001 [21:16]: Shiro...

S4D_B0Y_2001 [21:16]: Tem ALGUMA coisa que você não está me contando?

NASA Dad [21:18]: ...

NASA Dad [21:18]: Eu vou levar a Allura...

S4D_B0Y_2001 [21:19]: A sua NAMORADA?

 

Oh, não. Não não não e NÃO.

Keith já não era nada eloquente ao ser apresentado aos amigos legais e adultos da faculdade de Shiro. Seria pior ainda com sua namorada. Shiro era tão distinto em seu círculo social que provavelmente estava namorando a filha de um CEO, alguma modelo de Instagram, ou qualquer garota da alta-sociedade americana que deixaria Keith sem a menor ideia de como puxar conversa sem manchar para sempre sua reputação.

Se dissesse algo embaraçoso em primeira-mão, teria que se isolar para sempre da vida de Shiro e passar os próximos anos vivendo debaixo de uma pedra em algum deserto distante.

 

NASA Dad [21:20]: Eu juro que tentei argumentar, mas ela insistiu que queria conhecer meu “irmão mais novo”.

NASA Dad [21:20]: Eu não acho que ela entendeu muito bem nosso grau de parentesco inexistente.

 

Keith sentiu as sobrancelhas se curvarem contra sua vontade, fazendo uma careta que afastou Andrômeda da almofada ao seu lado, fazendo a gata pular para o chão e soltar um miado, como se dissesse: “Patético”.

A vontade dele era que mandasse Shiro e sua namorada à merda, ou ele vinha sozinho, ou não vinha.

Mas é claro que não diria algo assim. Apesar de todo o desconcerto, não era culpa de Allura que ele era um completo perdedor sem a menor habilidade social.

 

S4D_B0Y_2001 [21:21]: Tudo bem, então.

S4D_B0Y_2001 [21:21]: É inútil negar algo assim à uma dama, né?

S4D_B0Y_2001 [21:21]: (Eu não sei nada sobre damas.)

NASA Dad [21:22]: ...É. É, realmente.

 

Discutiram por mais alguns minutos os detalhes da viagem, desde a hospedagem na casa de Keith até os custos extras que seriam garantidos por Shiro. Não era como se ele já não bancasse quase metade das finanças de Keith, de qualquer forma.

Organizaram-se como podiam. Ao fim da conversa, Keith já sentia os olhos ardendo mais do que quando se deitara, e pediu arrego na maior urgência, ameaçando dormir e babar sobre o celular se não desligasse logo.

Era incrível a rapidez com que caía no sono em algumas noites, e a resistência que tinha a dormir em outras, a insônia mastigando seu pescoço em um torcicolo e o fazendo sentir como se a lua fosse ótima companhia, e ele acabava permanecendo em claro até o sol começar a despontar pelas persianas.

De qualquer forma, se despediu de Shiro, programou o alarme para a manhã seguinte, e, antes mesmo de conseguir desfazer a fivela do cinto, largou o celular sobre o criado-mudo, virou para o lado e dormiu.

X

Seus sonhos foram confusos, cheios de maresia, mãos apertando seu pescoço e seus pulsos, vozes que gritavam socorro contra uma tempestade abafada e a sensação de engolir areia.

Keith acordou em um pulo, o coração na garganta, os gritos dolorosos de seu pesadelo misturando-se com o aviso estridente do despertador que já era hora de buscar Shiro e sua namorada na estação.

Levou uns bons quinze minutos para se recompor. A mão agarrando a camisa na altura do peito, a respiração tão descompassada quanto seus batimentos cardíacos, suava tanto que sentia como se fosse morrer.

Ao conseguir controlar seu fôlego e parar de hiperventilar, passou a mão pelos cabelos, sentindo a gordura do couro cabeludo grudar nas pontas dos dedos e puxar os fios para trás – a franja logo voltou a lhe cair sobre os olhos, no entanto. Depois de três anos, ainda não sabia como afastar a maldita da testa; parecia engolir os grampos e rejeitar as presilhas.

Distraído com este e outros pensamentos sobre sua aparência, reuniu coragem o bastante para levantar da cama sem sentir os joelhos falharem. Performou toda sua higiene matinal, vendo-se obrigado a tomar um banho rápido, considerando as roupas de trabalho do dia anterior já encharcadas de suor frio e graxa.

Ah, Deus. Aquelas meias deveriam ir direto para o lixo.

Finalmente pronto para uma manhã cedíssima na cidade, jogou uma jaqueta sobre os ombros enquanto segurava as chaves entre os dentes, deixando seu apartamento tão confortável e trocando-o pela brisa fria da manhã. O céu matutino pontilhado por nuvens finas que não previam chuva, um tom alaranjado e meio cor-de-rosa em direção ao Leste, tendo a certeza de que o sol nasceria logo, dentro de meia hora, se você quisesse ser mais técnico.

Keith esperou em pé na plataforma, as mãos enfiadas nos bolsos e os ombros tremendo um pouco, não sabia se de frio ou pela memória do sonho da noite anterior.

Honestamente, agradecia que Shiro estava vindo acompanhado. O silêncio confortável de Kogane e Takashi não seria o suficiente naquele dia para distraí-lo de todos os pensamentos intrusivos, e talvez Allura lhe desse trabalho (e estresse) o bastante para esquecer tudo aquilo.

Observou o trem chegar sacudindo os trilhos, causando faíscas e um levantar de poeira que o tirou da quietude daquela manhã gelada.

A massa de passageiros era menor naquele horário. Quase que proporcional ao pequeno grupo espalhado pela plataforma, na verdade, principalmente num dia de folga parado como aquele.

Feriados na quarta-feira eram tão inúteis. Quem havia os inventado?

Keith esfregou uma mão contra a outra e acenou quando percebeu Shiro se aproximando. Aproveitou a distância para espiar a moça agarrada a seu braço prostético, que observava tudo ao redor com enormes olhos azuis, parecendo tomada de surpresa por todo aquele não-movimento em um amanhecer preguiçoso.

Allura era alta, mais alta do que Shiro. Tinha a pele tão morena que parecia brilhar sob os primeiros raios de sol, os cabelos eram brancos, descoloridos, e caíam em cascatas sobre seus ombros. Na verdade, pareciam mais uma enorme nuvem fofa do que qualquer outra coisa. Como a juba de um leão, Keith sentia que poderia se enfiar entre aqueles fios alvos e nunca mais ser encontrado.

Tinha um sorriso lindo. Seus lábios estavam pintados de rosa, combinando com seu vestido de verão todo estampado com cores pastéis, que, por sua vez, combinava com as sandálias douradas em estilo romano.

Tudo nela gritava a palavra “elite”. Talvez ela estivesse tão surpresa com tudo ao seu redor por ser a estação de trem mais pé-sujo que já tivera o desprazer de visitar.

—Ah! Keith! -Shiro chamou, sorrindo e indo em sua direção.

—Ah, olá.

Keith estendeu a mão para cumprimentar Allura. Atrapalhou-se e quis morrer ao perceber que estendera a errada. Allura sorriu, educada, e soltou o braço de Shiro para estender sua própria mão e apertar a de Keith. Tinha um aperto forte, robusto, que dizia sobre si o extremo oposto das unhas delicadamente pintadas de azul-claro.

—Olá...Keith, certo? –(com certeza ela sabia seu nome, Shiro provavelmente passara as últimas cinco horas lhe dando uma palestra sobre como se comportar em sua presença)- É um prazer finalmente conhecer o irmão mais novo de Shiro.

—Não somos irmãos! -Shiro declarou, sorrindo, talvez pela trigésima vez. Enlaçou a cintura da namorada com o braço, firmemente mantendo-a perto de si, e longe do desconforto de Keith- Keith, Allura, Allura, Keith. Agora que estão apresentados...

—Oh, não vamos correr, por favor -Allura colocou uma mão sob o queixo, e pelo engolir em seco de Shiro, Keith percebeu o quanto ele era escravo da vontade daquela garota- Eu gostaria de conhecer esta cidade com mais calma...

Shiro amaciou a voz para falar com a namorada, parecendo claramente abatido com seu pedido, e honestamente, quem não o ficaria?

Até Keith se sentia de repente propenso a satisfazer qualquer vontade de Allura daqui pra frente.

—Mas, Allura, você sabe que não viemos para turismo...além do mais, está muito cedo, o comércio ainda nem abriu...vamos para casa desfazer as malas, ok? Depois passeamos, ok? É uma promessa.

Allura pareceu um pouco decepcionada, mas aceitou a condição com um aceno da cabeça.

Keith e Shiro procederam em se oferecer a levar toda a bagagem, mas Allura insistiu que conseguia suportar o peso da própria mala, e acabou levando também a de Shiro, sobre um ombro.

Keith gostaria de dizer que não sentiu o queixo bater no chão diante da capacidade física de uma garota tão delicada, mas seria mentira.

Pegaram um táxi. Shiro quebrou o gelo durante o caminho até o apartamento, atualizando Keith em sua vida acadêmica, e dando a palavra à Allura em alguns momentos, deixando até que desmentisse algumas de suas informações, e, Keith tinha de admitir, arrancando de si um sorrisinho ou outro, por vezes. Fazer o quê? Era divertido ver um cara grande como Shiro ficar todo sem-jeito perto de Allura, que não tinha escrúpulos em chamar atenção para algum caso mal contado.

Ao chegarem em casa, Shiro surpreendentemente interrompeu sua rotina rígisa de tirar os sapatos antes de entrar em casa para cair de joelhos e abrir os braços, soltando um “Andrômeda!” engasgado antes que a felina desse um ZOOM cortando a sala de estar e se aninhando em seu colo, ronronando como uma máquina agrícola enquanto Shiro metia o rosto em sua barriga felpuda e choramingava o quanto sentira sua falta.

Keith entrou logo depois dele, um pouco ofendido pela gata ganhar mais atenção do que ele, mas disposto a deixar esta passar.

Ainda sentindo-se um pouco negligenciado, ajudou Allura a se instalar no quarto de visitas (graças a Deus este comportava duas camas, que Keith tivera a sagacidade de juntar, imaginando que Shiro não gostaria de dormir do outro lado do quarto de sua namorada). Mostrou-lhe as gavetas vazias que poderia usar, mas Allura educadamente recusou, argumentando que seria apenas um pernoite e não queria incomodar. Keith deu de ombros, afinal estava acostumado com Shiro, que deixava algumas de suas roupas lá de qualquer forma.

Allura se sentou na cama, então, olhando em volta com um sorriso, depois de curvando e desfazendo os laços das sandálias.

—Foi aqui que Shiro cresceu?

Um pouco confuso, Keith explicou que não, que aquele apartamento fora comprado por ele – err...mais como para ele – depois que deixara o Ensino Médio. Allura perguntou se não temrinara os estudos. Keith fez com a cabeça que não.

Não gostava de falar disso.

—Ah, eu compreendo -ela deixou as sandálias de lado e endireitou o corpo- Desculpe por ter perguntado.

—Tudo bem -Keith acenou- ...Tudo bem, mesmo.

Shiro chamou os dois da cozinha. Colocara Andrômeda sobre a bancada, e agora alisava seu lombo com um ritmo incessante, matando toda a saudade da bolinha de pelos e malícia que atormentara a paciência de Keith durante aquelas semanas.

—Querem sair para um café? -ofereceu- Estou sentindo falta de rosquinhas.

—Achei que você só comesse granola -Keith provocou, sorrindo de leve quando Allura riu ao seu lado.

—Ora...não me encha. -Shiro sorriu de volta.

Ah, provocação divertida. A forma mais pura de uma interação (pseudo) fraternal.

Tiraram o dia para passear. Não era o objetivo de Keith ir junto, mas se viu arrastado tanto pelo irmão quanto por sua parceira, e a busca por um expresso com rosquinhas se tornou uma ida ao parque municipal para ver o lago com peixes orientais, que, por sua vez, evoluiu para uma visita ao petshop local, onde Shiro obteve um pacote de ração para manter Andrômeda ocupada durante a viagem de trem de volta, e onde Allura se apaixonou por um grupo de ratos de estimação.

—Eu tenho quatro destes em casa -Allura explicou para Keith, apontando para os bichinhos brancos e cheios de dentes- Camundongos. Sinto falta deles... -sorriu, lúdica.

Keith não sabia como era sentir falta de um animal de estimação. Tivera apenas Andrômeda por duas semanas e meia, e já queria jogá-la do último andar de seu prédio sempre que decidia fazer uma serenata para a lua às quatro da matina.

Do passeio, seguiram para um almoço que Shiro fez questão de bancar. Keith não contestou – achou ótimo, ainda mais que entre todos os seus preparativos, não tinha certeza de ter comprado ingredientes o bastante para um almoço que não fosse à base de nugget de frango.

Allura era estranhamente quieta na hora de comer. Parecia uma princesa. Demorava, também. Keith repetiu seu prato e ela ainda não havia terminado sua primeira porção. Era um pouco agonizante, na verdade.

Mas não era ele a pessoa certa para julgar os hábitos alheios, então...

Ao voltarem para o apartamento, o casal ainda demonstrou interesse em uma visita à uma exposição de arte local. Arte...Keith nunca se importara muito. Para ele, a verdadeira arte eram paisagens campestres e música pop-punk de 2009. E parava por aí.

Se desculpou do passeio, e teve ainda a sensibilidade de deixar o casal aproveitar sua sesta, um cochilo pós-almoço, que para ele sempre se tornava uma verdadeira tarde de sono e ele acordava por volta das sete da noite confuso quanto a qual ano estava vivendo.

Acabou tendo a própria companhia, e por algumas horas, enquanto assistia documentários em casas assombradas no Alabama, até esqueceu-se de que tinha visitas em casa.

A noite chegou mais rápido do que todos esperavam. Chegados da exposição, cansados de tanto caminhar e bem famintos, Allura e Shiro, por mais alto-padrão que fossem, se resignaram a jantar uma pizza que Keith encontrara nos fundos do congelador, contemporânea de Matusalém. Na verdade, nem tinha gosto de ser tão velha assim.

Aninharam-se no sofá, como uma família, para fechar a noite com um filme. Shiro vagou pelos canais até encontrar algo que agradasse público e crítica, mas no fim das contas cada um puxou seu celular e ficou por isso mesmo.

Andrômeda, no entanto, parecia ter passado o dia se roendo de ciúmes. Não satisfeita em ter dormido enrolada nas pernas de Shiro à tarde, em qualquer chance que tinha se punha entre ele e Allura, por vezes com o rabo peludo virado na direção da garota, espanando seu queixo como se soubesse de suas alergias.

Allura devia ter tomado o equivalente a seu peso em anti-alérgicos, pois não espirrara nenhuma vez.

Na verdade, para Keith, era engraçado de assistir as interações de Allura com a gata. Ela parecia odiá-la quase tanto quanto ele mesmo. Talvez ela não fosse tão perfeita quanto parecia à primeira vista.

Shiro foi o primeiro a se recolher para um banho e, depois, para cama. Keith e Allura foram obrigados a dividir o sofá em um silêncio tenso por alguns minutos, que Keith sentiu sufocar qualquer ideia de que talvez eu consiga ser amigo dela no fim das contas. Não. Refutado, bloqueado, e cancelado.

Allura foi a próxima a seguir para o quarto, sendo seguida de perto por Andrômeda, sua vigilante, e desejou boa noite a Keith, que ainda permaneceu por um bom tempo estatelado no sofá, trocando mensagens com Lance, o atualizando sobre o dia, e só murmurou um “hm” como resposta ao borbulhante “Boa noite!” de Allura.

Esperava que ela não levasse para o lado pessoal.

Foi se deitar já tarde da madrugada. Mas não tinha culpa se Lance também não estava com sono – ou se o assunto estava bom, ou se suas conversas eram tão cativantes, ou se sua voz sonolenta nos áudios que insistia em mandar era tão rouca e atraente, ou se...

...ou se estava apaixonado por ele. E estava. Muito.

Aah. Algum dia se livraria das borboletas em seu estômago sempre que Lance chamava seu nome?

X

Keith acordou cedo demais. De novo.

Quando abriu os olhos, completamente descansado e sem sono, eram cinco e meia da porra da manhã.

Além da vontade de cavar uma cova até o manto terrestre e se jogar lá dentro trancado em uma lata de lixo, no entanto, também queria muito comer alguma coisa.

Ignorou sua higiene matinal (tinha se deitado às três, mesmo) e seguiu em rumo à cozinha, tropeçando nos próprios pés como um zumbi, mas o que viu diante da bancada o assustou mais do que o reflexo de seu próprio cadáver no espelho do corredor.

Allura, os cabelos um caos, mal presos, enormes olheiras e uma espinha no meio da bochecha que Keith não havia notado ainda, sentada em uma das banquetas, revirando uma tigela de cereal com a colher, parecendo exausta. Por acaso ela não havia dormido?

—...Bom dia -Keith se aproximou, silencioso, não querendo mata-la de susto àquela hora da manhã.

Ela virou em sua direção, puxando uma mecha branca para trás da orelha, forçando um sorriso.

—Bom dia, Keith -cumprimentou, e deixou os ombros tombarem em cansaço- Te acordei?

—Não, não -ele gesticulou, tomando um lugar à sua frente- Eu acordei sozinho.

Pegou uma colher e uma tigela para si, aproveitando a caixa de cereal e a de leite já em cima da bancada, e se serviu, achando tudo muito conveniente, se não fosse pela visita com quem ele não conseguia manter um papo de quinze minutos sem que se atrapalhasse ou perdesse o ritmo do assunto.

—...Ah -fez, ao perceber o que ela comia- Você gosta desse sucrilhos, também?

—Gosto -ela sorriu- Eu como ele com mel.

Para sua própria surpresa, Keith sorriu de volta. Talvez fosse o cansaço.

—Eu também.

Houve uma breve pausa enquanto Keith buscava o mel na geladeira, servindo a si mesmo e a Allura. E, como outra surpresa, ele mesmo continuou o assunto: falou sobre como Shiro reprovava seus hábitos alimentares e seu consumo desenfreado de doces, arrancando um riso de Allura, que passava pela mesma situação.

A moça falou sobre suas sobremesas favoritas e outras de suas atitudes que enlouqueciam a natureza correta e saudável de Shirogane. No fim das contas, ela e Keith tinham muito em comum.

Distraíram-se na conversa que durou até o momento em que Shiro entrou na cozinha, bocejando e levando Andrômeda à tiracolo, desejando um comprido “Boooooom dia”, parecendo estranhado ao ver Keith e Allura tão entretidos no próprio assunto.

Mas não contestou. Para ele, era ótimo que seu protegido e sua pessoa favorita no mundo estivessem se dando bem.

A conversa dos dois, no entanto, foi interrompida por sua participação, e Keith quase se sentiu em uma família de verdade, até Shiro lembrar-se que deveriam ir.

Os preparativos para sua partida e de Allura foram feitos tão às pressas que já estavam prontos e postos à porta antes das dez horas. Era impressionante o que Shiro conseguia em pouco tempo quando estava focado e disposto.

—Bom -juntou as mãos, suspirando de alívio ao checar o relógio na parede mais próxima- Tudo certo. Vamos pegar o trem a tempo. -se virou para Keith, sorrindo- Obrigado por nos receber. E desculpe se causamos qualquer transtorno.

Keith acenou em negação, como se dissesse “não esquenta” com as mãos.

—Tudo bem, não causaram. Meu turno na oficina é só à tarde, hoje. E, na verdade, foi bom mudar a rotina um pouco.

Shiro riu.

—Se não tivéssemos vindo, você provavelmente passaria o feriado vendo tv e comendo sorvete, certo?

—Não é muito longe da realidade -Keith riu também, resignado àquela imagem mental.

—Não me parece um programa ruim, de qualquer forma -Allura comentou, com um sorriso quente na direção de Keith. Ele sustentou seu olhar.

Por algum milagre (ou pela conversa sobre cereal), desenvolvera algum afeto sobre aquela garota. Não do tipo que saltaria de um caminhão em movimento por seu bem, mas do tipo que não se importaria em lhe fazer companhia de novo caso acordasse às cinco da manhã.

—Então...vamos cair na estrada. -Shiro concluiu, e acenou para que Keith viesse lhe dar um abraço, e ele o fez, mesmo que depois tenha sido pressionado a dar um em Allura também. Não era tão ruim assim. Ela tinha um abraço tão forte quanto seu aperto de mão- Foi bom termos vindo. -Shiro virou o rosto na direção da namorada, dando um sorriso carinhoso- É uma pena sair tão cedo, mas de qualquer forma...a Allura ainda tem uma turma de dança para dar conta, hoje.

—Ah, nem me fale -ela acenou, dando um suspiro exasperado- É um punhado de trabalho, aquela turma!

Keith concordou com a cabeça, sem realmente se identificar com nada. Deixou que Shiro e Allura saíssem sozinhos, por insistência dos mesmos, e se ocupou em se despedir deles (e da horrível, maldosa Andrômeda, contida em sua bolsinha rosa com redes nas laterais) enquanto o táxi dava a partida.

E ali, parado na calçada, ainda acenando quando o carro virou a esquina, as palavras de Shiro ecoaram em seus ouvidos.

Uma turma de dança...turma de dança? Allura, turma de dança?

Allura? Dança?

ALLURA?

A mão deixou o ar para cair brusca sobre sua testa, enquanto Keith se sentia mais idiota do que nunca por não ter juntado os pontos mais cedo. Quantas “Alluras” ele achava que existiam naquele estado? Fora preciso uma relação com a dança para que percebesse?

Oh, Deus. Shiro estava namorando a professora de dança de Lance. O que poderia ter sido um ótimo assunto naquela manhã, em vez de cereal ou mel ou qualquer coisa. Isso se Keith tivesse percebido tudo mais cedo.

A professora de dança de Lance era a namorada de Shiro. Sua quase-cunhada. Meu Deus. Ele precisava contar isso para Lance.

Ele ficaria possesso que Keith conhecera Allura antes que ele a apresentasse. Ele queria ser o primeiro a introduzir “aquela maravilha da natureza” a Keith, principalmente sendo bem vocal sobre desejar a presença dele em uma de suas aulas, e agora Keith já a conhecia, e talvez já fosse até próximo dela.

Lance ficaria tão revoltado, Keith já estava rindo ao prever suas reações.

Já estava acostumado com sua natureza. E, entre conversas e competições, percebera quanta satisfação tirava de provocar Lance e lhe causar algum incômodo divertido.

Estavam cada vez mais próximos, cada vez mais amigos. E Keith, desta vez, não tinha medo.

Na verdade, estava cada vez mais apaixonado. E adorando tudo isso.


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Notas finais do capítulo

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