Sem-Coração escrita por Ju Do


Capítulo 2
Capítulo 2: O Imperador


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem =)



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Capítulo 2: O Imperador

 

Anos depois que a Rainha havia assumido o trono, ela recebeu a visita de um homem curioso. Em vez de se chamar de Rei, ele se dizia Imperador. Reinava no país vizinho, um reino bem menor que o da Rainha.

Ele chegou com toda a sua comitiva para saudar a nova governante. Curvou-se para ela, como todo cavalheiro deveria fazer. E, quando se levantou, olhou-a com um leve sorriso no rosto. Naquele momento, a Rainha percebeu como os olhos dele eram bonitos. Azuis, da cor de um céu sem nuvens.

Ele sentou-se ao seu lado no banquete que ela organizou e conversou com ela a noite inteira. Era um homem que já havia viajado muito. Conhecera muitos reinos antes de finalmente assumir o trono e se estabelecer em um só lugar, e contou a ela das muitas maravilhas que havia visto em suas viagens. Cidades de cristal, bestas ameaçadoras, oceanos infindáveis e florestas escuras. A Rainha ouviu mais do que falou, e durante todo aquele tempo, ela observou que ele a olhava com seus olhos de céu azul e sorria.

Mais tarde, depois do banquete, ele a encontrou na sala de discussões do castelo.

— Você tem um reino incrível, minha senhora. - ele comentava. - Eu havia esquecido como era belo após anos em meu pequeno país. Ele nem de longe tem as maravilhas e os recursos que o seu tem.

— Nunca visitei o seu reino, Imperador, mas tenho certeza de que deve ser muito bonito, à sua própria maneira. Às vezes, apenas deixamos de apreciar a beleza que nos cerca no dia a dia. Nos acostumamos com ela. Mas não deveríamos.

— De fato. Mas há algumas belezas tão incrivelmente espetaculares que tenho certeza de que, mesmo se eu as tivesse ao meu lado todos os dias da minha vida, não conseguiria deixar de admirá-las. - e com essas palavras, ele a fitou diretamente. A Rainha desviou os olhos. Após alguns minutos mais de conversas amenas, ela o dispensou e foi se deitar.

Mas, para seu incômodo, descobriu que não conseguia dormir. Desde que arrancara seu coração, não havia tido insônia. E, o mais estranho, ela quase sentia algo. Alguma coisa em seu peito, onde seu coração deveria estar. Era um algo abafado, e aquilo a incomodava. Era como se estivesse na iminência de sentir algo, mas alguma coisa bloqueava a sensação no limiar e a deixava frustrada. A Rainha passou a noite se revirando na cama. Quando finalmente conseguiu dormir, sonhou com céus azuis e sem nuvens.

No outro dia, o Imperador mostrou à Rainha as maravilhas que havia trazido para entreter a ela e a sua corte. Trouxera magos, que transfiguravam bastões em serpentes, e serpentes em bastões novamente. Trouxera joias preciosas que brilhavam com centenas de cores, dependendo do ângulo em que se olhava. Trouxera animais espetaculares, grandes e pequenos, que haviam sido treinados para fazer truques. Trouxera fogo verde que queimava até embaixo da água, e instrumentos que tocavam sozinhos as mais delicadas músicas. Trouxera inclusive sua própria espada mágica, fabricada pelo mesmo elfo ferreiro que fabricara a do pai dela.

E todos os dias, ele trazia mais maravilhas para entreter a Rainha, e, ao final do dia, conversava com ela na sala de discussões. Ele lhe contava histórias e lhe sorria, e a Rainha conseguia quase sentir algo, mas aquilo lhe era negado. E, à noite, ela se angustiava na cama. Só sabia que queria ficar lá para sempre, ouvindo-o contar histórias e mirando aqueles olhos azuis gentis e aquele sorriso que ostentava uma alegria que ela sabia que nunca mais conseguiria sentir.

Até que, uma noite, ele parou de contar histórias e a fitou atentamente, até que ela se sentisse desconfortável.

— Mas, minha senhora, eu tenho a impressão de que falo demais. Você já sabe tudo sobre mim, e eu mal sei algo sobre você.

— Não tenho muito para contar. - ela respondeu, desviando os olhos.

— Todos têm algo para contar. Tenho certeza, por exemplo, de que essa cicatriz em seu peito tem uma história.

A Rainha baixou os olhos rapidamente para a linha prateada que aparecia acima do busto de seu vestido. Ela nunca tentara escondê-la, e achava que aquilo seria impossível, a menos que começasse a usar vestimentas até o pescoço em todas as ocasiões. A maioria das pessoas não ousava perguntar sobre o assunto. Ela encarou a cicatriz, pela primeira vez consciente de o quão grotesca ela poderia parecer aos outros.

— Eu a ofendo perguntando isso? - o Imperador perguntou, baixinho. - Me desculpe.

— Não é ofensa.

Houve um breve momento de silêncio.

— Foi aí... - ele começou, com cautela. - Então é verdade? Foi aí que você cortou para tirar seu coração?

— Sim. - ela respondeu, após ficar calada uns instantes.

— Eu pensava que fosse uma lenda. - ele se levantou da cadeira onde estava sentado e se aproximou. - Doeu?

A Rainha balançou a cabeça de um lado para o outro.

— Dói agora?

— Não. Não sinto nada.

— Nada? - o Imperador pareceu preocupado. - Nem... Nada bom?

Ela balançou a cabeça novamente e ele suspirou.

— Então é por isso. Você não sorria. - ele sorriu, triste. - Desde que eu ouvi sobre você, quis conhecê-la. Vi pinturas suas. E, quando eu a encontrei, você era ainda mais bonita que nas pinturas. Eu só queria vê-la sorrir. Eu trouxe para você todas as maravilhas do mundo e em nenhum momento você sorriu ou se mostrou emocionada. É porque você não consegue sentir.

Ela ergueu os olhos. Ele a olhava com tristeza, mais sorria. Ela estava prestes a explodir com alguma coisa... Alguma coisa...

— Você não gostaria? De voltar a sentir?

A Rainha trincou os dentes.

— Gostaria.

— Então ponha de volta! Coloque seu coração de volta! - ele se aproximou, parecendo agitado.

— Não posso.

— Não?

— Nunca mais posso colocá-lo de volta.

Ele pareceu decepcionado.

— Então você nunca vai sentir nada... Por ninguém? - os olhos azuis dele eram tristes. Ele se afastou e sentou novamente na cadeira, parecendo cansado.

— Eu... Eu... - a Rainha engoliu em seco. Ela ia mesmo fazer aquilo? - Tem uma maneira.

Ele ergueu os olhos.

— Eu posso... Se eu der meu coração para alguém... Eu posso voltar a sentir algo. - ela falou, com dificuldade.

— Você pode? - ele se levantou. - Mas isso não é... arriscado? - ele parecia preocupado.

A Rainha olhou bem para ele. Ela não deveria... Mas queria tanto... Queria tanto sentir...

— Eu poderia dá-lo a você.

— Tem certeza?

Ela relutou. Não deveria...

— Tenho.

E assim, ela buscou a caixa de aço, pegou a chave que estava guardada em um cofre secreto dentro do castelo, e a abriu. Com cuidado, ergueu o coração de dentro da caixa e o segurou entre os dois. O Imperador o olhava, parecendo ao mesmo tempo fascinado e temeroso.

— Tome. - ela sussurrou.

— Você tem certeza?

— Sim.

E, com cuidado, ele tomou o coração dela nas mãos.

No mesmo instante, a Rainha ofegou e quase se dobrou em dois. Finalmente, ela pôde sentir... E era maravilhoso. Nunca sentira nada igual. Os anos sem sentir absolutamente nada apenas aumentavam o poder que aquilo exercia sobre ela...

— Está tudo bem? - o Imperador ajudou-a a se erguer, parecendo preocupado. - O que aconteceu?

Ela ergueu o olhar, e ao ver o azul daqueles olhos pareceu que os via pela primeira vez. E era tão... Incrível. Ela sorriu, o primeiro sorriso que dava em anos. O Imperador pareceu estupefato, então gargalhou.

— Você é tão... Bonita! - ele falou.

E, sem poder se conter, ela jogou os braços em volta do pescoço dele e o beijou.

 

 

Mas, quando a Rainha acordou no outro dia, o Imperador não estava em lugar algum. Ela se ergueu de sua cama, procurou-o na sala de banquetes, no salão de discussões e em seus aposentos. Perguntou aos servos, perguntou aos nobres que ele havia trazido para acompanhá-lo, mas ninguém soube lhe informar. Ela chamou-o pelo castelo, mas ninguém respondeu. E, ao final do dia, ela foi se deitar, mais preocupada do que nunca, e com uma sensação desagradável no peito.

A corte do Imperador o esperou no castelo da Rainha por uma semana inteira antes de finalmente partir de volta ao reino vizinho. A partir daquele momento, ela tomou a firme decisão de que não pararia de procurar até encontrá-lo.

Mandou mensageiros a todos os cantos do reino, com um desenho do rosto do Imperador, para encontrá-lo. E quando aquilo não funcionou, mandou mensageiros para outros reinos vizinhos.

Quase um ano depois, um dos mensageiros retornou. Ele tremia e tinha uma carta nas mãos.

— Minha Rainha, - ele sussurrou. - Eu o achei.

E entregou a carta nas mãos dela. A Rainha teve um mau pressentimento. Desde que seu pai morrera, não gostava de receber cartas. Ela se obrigou a parar de tremer e abriu a mensagem. Com cuidado para manter o rosto impassível, começou a ler:

 

“Minha senhora,

Eu agradeço pelas semanas em que desfrutei de sua amável hospitalidade. A senhora foi uma anfitriã perfeita, principalmente na última noite em que passei em seu magnífico castelo. Infelizmente, as circunstâncias me obrigaram a sair abruptamente de seus domínios após conseguir o que estava desejando desde que ouvi sobre sua história.

Informo-lhe agora que tenho o seu coração em minhas mãos, e desejo começar a construir um Império digno de meu título. Para isso, infelizmente, terei que anexar terras vizinhas. Entretanto, prefiro que isso seja feito de forma pacífica, sem envolver guerras e banhos de sangue entre nossos países. Então, peço-lhe encarecidamente que ceda metade do território de seu Reino para o meu Império.

Caso a senhora não concorde com meus meios pacíficos, bem, então receio que terei que usar de métodos para convencê-la.”

 

Antes que ela conseguisse terminar de ler, a Rainha sentiu algo horrível. Ofegando de dor e surpresa, ela caiu no chão de joelhos. O mensageiro, assustado, tentou ajudá-la, mas ela não lhe prestou atenção. Era como se alguém... Como se alguém estivesse... Ela baixou os olhos para a última linha da carta.

 

“Lembre-se. Eu tenho o seu coração.”

 

Como se alguém estivesse esmagando o seu coração nas mãos. Ela pôde sentir quando ele de repente apertou mais forte. E, com um súbito entendimento, ela gritou de dor e horror.

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Bom, aqui começa o conflito central da história. Algum elogio? Crítica? Perguntas? Todos serão bem recebidos. Espero que tenham aproveitado a leitura.



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