20 anos depois - A salvação da Escola Mundial escrita por W P Kiria


Capítulo 2
Capítulo 1 | Paulicia




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No amplo quarto de casal, o homem mal-humorado se arrumava em frente ao espelho. Vestia a camisa escura, ajeitava a gravata, já encarando o terno sob a cama. Podia ouvir a esposa cantarolar no banheiro, alheia ao seu estresse.

“Alicia, você sabe que eu odeio usar roupa social.” Ele perdeu a paciência, indo pegar a última peça de roupa. “Ainda mais tudo preto.”

“Paulo, é uma cerimônia de homenagem fúnebre, pelo amor de Deus. Você quer ir como? De colete e touca na cabeça? Só falta querer colocar de novo os fones no pescoço.” A morena apareceu na porta do banheiro, revirando os olhos enquanto sorria.

“Qual é, gata, eu jurava que a diaba já tava morta há tempos.” Ela lhe lançou um olhar bravo que o fez se encolher. “É brincadeira. Mas eu não entendo porque temos que ir, Ali.”

“Pela Carmen, Paulo. Ela fez uma homenagem e um convite muito bonito no Facebook, ela estava muito próxima da diretora Olívia.”

“Mas nós nem somos mais próximos da Carmen, Alicia. Nem dela, e nem de ninguém que estudava com a gente. A exceção do Mário, mas porque ele é casado com a minha irmã.” Paulo se escorou na porta, afundando as mãos nos bolsos. Alicia suspirou, deixando a escova de lado e indo até o marido.

Parou de frente para ele, entrelaçando seu pescoço com os braços, enquanto ele fazia o mesmo com sua cintura. Lhe deu um longo selinho, apoiando a testa em seus ombros.

“Foi naquela escola que a gente se conheceu e se apaixonou. Foi em meio aos gritos e advertências da diretora Olívia que nós começamos a namorar e criamos coragem de confessar o que sentíamos para todo mundo. Eu não consigo esquecer a cara dela quando eu encontrei com ela no mercado, alguns anos atrás, e ela me viu grávida. Ela estava orgulhosa, Paulo, de ver o que eu tinha me tornado. Eu não posso deixar de estar lá.”

O sussurro foi baixo, mas o suficiente para o marido entender. Ele beijou o topo de sua cabeça, sentindo as lágrimas que ela teimava em não verter. Ele segurou seu queixo com delicadeza, como fazia desde a época em que ainda tentava conquistá-la.

“Nós vamos estar lá, fique tranquila.” Ele sorriu com carinho, lhe dando um selinho. “Até porque, eu passei mais tempo da minha vida escolar na sala da diretora Olívia do que no pátio brincando, não poderia deixar de me despedir de tão ilustre pessoa.”

“Por que você ficava na sala da diretora ao invés de brincar, papai?” Viraram depressa, surpresos pela chegada de uma pessoinha saltitante. Paulo se afastou da esposa, pegando o menininho risonho no ar. “Você aprontava muito?”

“Que nada, é que eu gostava muito da diretora, então queria ver ela sempre.” Alicia voltou para o banheiro aos risos, se divertindo com a eterna cara de pau do marido. “E você, senhor Lucas, está pronto?”

“Você precisa amarrar meus tênis.” O garotinho indicou os pés, ao que o pai se abaixou e começou a trabalhar ali. “A mamãe está triste, papai?”

“Um pouco, filho. Ela gostava muito da dona Olívia. Todos nós gostávamos.” Paulo deu um sorrisinho amarelo, encarando o garotinho de seis anos que era a cópia da mãe.

“E por que eu não estudo naquela escola, como vocês estudaram?”

“É que ela é meio longe da nossa casa, não é? A sua é mais pertinho, fica mais fácil para a mamãe e o papai. Além do que, o papai dá aula na sua escola, não é?” Lucas assentiu, sorrindo. “Agora vai ver se a sua irmã está pronta, e então podemos sair.”

Ao ver o filho sumir pelo corredor, Paulo voltou à porta do banheiro, encarando a esposa. Ela andava muito pensativa desde a mensagem de Carmen e Daniel, alguns dias antes, com a imagem digitalizada do que haviam colocado na cápsula do tempo.

Sendo bem honesto, em quase vinte anos havia pensado bem pouco no que havia colocado ali. A ideia de se colocar como político veio de uma conversa no café da manhã com os pais e a irmã, quando sua mãe brincou que ele poderia ser Deputado e Marcelina sua assistente, tamanha era a dinâmica entre eles. Foi preciso um olhar na ocasião para os irmãos se entenderem e criarem histórias complementares.

Mas nunca havia perguntado qual havia sido a de Alicia, nem antes e nem depois de começarem a namorar. Ela nunca havia sido muito de pensar no futuro, então achou que ela tivesse colocado qualquer coisa em seu desenho.  Mas quando o viu, também ficou reflexivo.

Ela havia se descrito como pilota de aviões, e apesar de ele ter perguntado dezenas de vezes, ela jurava que era apenas uma coincidência. Mas ele não podia deixar de se sentir culpado ao lembrar que era o curso que ela fazia quando ele cometeu um descuido idiota que gerou Lucas, e fez com que Alicia tivesse que abandonar o sonho de ser pilota para se dedicar ao filho.

Depois do colégio, enquanto ele foi estudar matemática, para a surpresa geral, ela foi fazer engenharia mecânica, mantendo sua fama de “do contra”. Porém, decidiu largar o curso na metade e ir atrás de se tornar pilota de aviões, um trabalho que segundo ela a faria conhecer o mundo, mas sempre voltar para casa e para o, na época, namorado.

E então, não muito depois que ela fez 23 anos, ele cometeu um deslize, um descuido bobo, mas que teve consequências. Ela chegou em sua casa chorando, desesperada, dizendo que havia desmaiado durante a aula de voo. Quando o instrutor a levou ao hospital, preocupado que a pressão houvesse caído, o exame de sangue revelou que ela estava grávida.

“O que nós vamos fazer, Paulo?” Ela perguntou aos prantos, assustada.

Ali estava ele, o menino brincalhão e sem responsabilidades, e a menina que havia jurado que nunca iria se casar, prestes a assumir a maior de todas as responsabilidades, que era criar uma família.

“Paulo, você viu se a Isis ainda está inteira?” Alicia saiu do banheiro, encontrando o marido com o olhar longe. “Amor, está tudo bem?”

“Está, está sim.” Ele balançou a cabeça de leve, colocando o terno. “Pedi para o Lucas ficar com ela.”

“E você esquece que o Lucas é nosso filho, portanto, uma máquina de bagunça. Se o vestido da menina não estiver pendurado no lustre, já me dou por feliz.” Paulo deu um riso fraco, enquanto Alicia parava ao seu lado. “Tem certeza que está bem? Não está pensando na história do desenho de novo, não é?”

“Não.” Ele mentiu, mas ela o conhecia bem.

“Paulo, eu fiz aquele desenho quando era uma criança, não fazia ideia do que queria. Calhou que, mais de dez anos depois, eu achei a mesma ideia interessante. Mas não era nada planejado, nem sonhado uma vida inteira. E você sabe que eu não trocaria nosso filho por nada, não é?” Ela segurou o rosto dele com carinho.

“Mesmo você sendo a menina que disse que nunca ia casar?” Ela riu ao lembrar daquilo.

“E você era o garoto que nunca ia chegar perto de uma menina. E olha só: casou com uma, e virou pai de outra. Nós não somos mais as criancinhas do terceiro ano da professora Helena, Paulo, mas sim adultos com responsabilidades. Não podemos deixar que isso nos afete.” Ela pediu, selando seus lábios com carinho. “Agora vem, vamos pegar nossos diabinhos e ir infernizar a Olívia uma última vez.”

Na sala, ficaram surpresos ao encontrar os filhos sentados, quietinhos, lado a lado. Lucas correu e deu a mão para o pai, enquanto Alicia apanhava a filha caçula, de apenas dois anos, no sofá, conferindo se sua roupa estava em ordem.

“Posso levar o skate, mamãe?”

“Hoje não, Lucas, hoje é um dia muito sério.” Explicou Alicia, acariciando o rosto do filho. “Outro dia prometo que saímos andar juntos, está bem?”

“E enquanto isso, o papai e a Isis ficam quietinhos só olhando.” A família riu do comentário do patriarca, que encarou o relógio. “Melhor irmos, ou chegaremos bastante atrasados.”

Depressa, os quatro deixaram o apartamento e rumaram para a garagem, em busca do carro. Mal sabiam as surpresas que os aguardavam na Escola Mundial.


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Notas finais do capítulo

Boa noite.
Desejando as boas vindas as queridas thais oliveira, Rebeca456 e laizaoliv, que comentaram. Um capítulo com Paulicia para vocês. No próximo, o aparecimento de outros personagens e casais.
Espero que estejam gostando.
Um abraço
WPKiria



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