Sem sabor escrita por Tamires Vargas


Capítulo 2
... que ninguém lhe substituiria em meu coração?


Notas iniciais do capítulo

Yo, meu povo!

Trazendo o capítulo final para vocês!^^ Acho que ele ficou mais triste que o outro. Vamos conversar sobre isso nas notas finais.

Agradeço muito a todos que colocaram nos acompanhamentos, comentaram e favoritaram! Vocês são lindos demais! Fiquei muito feliz!



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Eram os passos tão pesados quanto o coração, desorientados, porém certos de onde buscar refúgio. Percorreram o caminho com a velocidade de quem precisava escapar de si próprio, repletos do desejo de voltar e concluir o pensamento que ardia na lembrança do toque gravado em sua pele.

Era a boca incapaz de expressar. Tivera suas palavras roubadas e os músculos enrijecidos numa máscara de inércia que segurava o fel ávido por se derramar num semblante de amargura.

Era a mente uma desordem de saudade, certeza, dúvida, paz e aflição nadando pelos corredores da consciência de que o tempo se dividiu em antes e depois daquele encontro.

Naruto fingiu esquecer mergulhando a atenção em pergaminhos, olhou diversos sem ler, percebeu as sílabas do nome dela, juntou-as no mesmo instante. Dirigiu-se à janela e segurou o batente buscando equilíbrio enquanto fitava o horizonte. O dia sorria ao sol, sereno e brilhante, feito o cenário perfeito de uma felicidade que inexistia dentro de si. A vida lá fora corria leve e amena se opondo ao remorso que arrastava os pés de chumbo por sua consciência.

Chegar perto de Sakura lhe provocara faíscas que cresciam numa combustão silenciosa e agonizante, reacendendo a chama em seu peito. Ela crepitava num vermelho profundo e intenso, iluminando o espaço que há muito não pulsava com aquela intensidade.

Ele balançou a cabeça tentando compreender como perdera o controle de seus sentimentos num dia, bastou Sakura irromper porta adentro para tudo começar a ficar confuso. De início manteve a postura, ocultando a decepção pelo motivo que a levara ali, depois a proximidade cegou-o para o mundo e seu corpo apenas reagiu a ela. Sentiu queimar o rosto e a respiração acelerar, cerrou os punhos para controlar a vontade que se espalhava por suas veias, sugou inebriado o hálito que roçou seus lábios como um beijo incompleto, teve seus sentidos embaralhados ao notá-la encurtar a distância. Quis espelhá-la e tomar sua boca, porém a descrença o fez assistir inerte a oportunidade surgir e desaparecer com igual rapidez.

O depois foi um desenrolar de acontecimentos que ele deveria ter evitado. Um almoço, uma conversa de amigos, palavras que não poderiam ser verbalizadas, a confissão que jurou a si mesmo que jamais faria... Agora essas frescas memórias choviam em sua mente inundando-a de arrependimentos distintos. Um apertava seu coração com as garras de um amor impossível, brincando com a ferida da chance desperdiçada, esfregando em sua face os sabores que provaria caso se entregasse ao que desejava. O outro acusava sua traição, gritando a covardia que cometera ao se permitir estar na companhia de Sakura, estapeando-o com a afirmação de que Hinata não merecia aquilo.

Naruto sentiu o peso daquela verdade afundar em seu peito enquanto a insanidade de querer os lábios de sua eterna amada lhe doava fantasias proibidas. Fechou os olhos forçando os pensamentos a se dissolverem, no entanto a escuridão lhe trouxe o desenho do rosto dela.

Ele não queria imaginar como seguiria sua vida a partir de agora, se conseguiria aquietar o turbilhão que o revolvia, sufocar a vontade de encarar os verdes que lhe paralisavam e enterrar as sensações que lhe percorriam num arrepio. Entretanto, não maldizia aqueles momentos. Quisera poder fazer isso de forma sincera, porém seu coração rebatia furioso cada reprovação dita por sua mente.

Deixou a tarde escorrer tentando se concentrar no trabalho, alcançando êxito até perceber a chegada da noite. A melhor companheira dos errantes era seu tormento particular, ela sussurrava a contagem regressiva para voltar para casa e, a cada hora, sua voz adquiria maior peso até alcançar um tom grave que soava aos ouvidos como uma advertência impossível de ser ignorada.

Naruto fitou as fotos de sua família espalhadas pelo painel e a culpa o atingiu mais uma vez. O relógio marcava 23:05h, entretanto nenhum de seus músculos tinha intenção de sair dali, uma sensação que o acompanhava desde tempos desconhecidos. Surgira tímida, escondida pela euforia com o título de Hokage e ganhou força com o apreço pelo cargo junto a um estranho vazio que segurava suas mãos quando chegava em seu lar. Era um sentimento que não fazia sentido, daqueles que chegam feito poeira nos olhos: incomoda, mas não se enxerga. Assim foi se acumulando, sentido e incompreendido, afinal nada lhe faltava.

Ele nunca havia experimentado ser o centro do universo de alguém e o gosto disso adoçou sua boca por um bom tempo. Era um cuidado que ninguém lhe dedicara, um carinho que muito lhe faltara, um amor além das expectativas. Foi alento por meses, saciando a fome e a sede do menino carente por quem afagasse sua alma. Então o tempo fez o seu papel de clarificar a visão dos fatos e o extraordinário se perdeu em alguma esquina de uma tarde preguiçosa de verão.

Naruto descobriu que não precisava dar, e isto não mudava o quanto recebia. A percepção não se deu rapidamente, foram migalhas de entendimento aqui e ali, embaçadas pela confusão do incômodo sem fundamento. Já havia estranhado a não chegada das brigas, pois escutara que elas sempre vinham e isto era parte de se conviver com as diferenças de outra pessoa. Passara pelo sentimento de se achar sortudo, vivendo o mar de rosas que muitos queriam e embarcara no oceano acre do desconforto de ter suas opiniões e vontades sempre colocadas acima do resto como se sua palavra estivesse no topo do “sim” e do “não”.

Era uma solidão que ele não compreendia, mas insistia em preenchê-lo a despeito da chuva de bênçãos em sua vida. Roçava-lhe os dedos com a suavidade do sorriso obediente que recebia da esposa, apontava a ausência de alguém com quem pudesse dividir a indecisão perante uma escolha, abraçava-o com a força da admiração que aos poucos asfixiou seu direito de errar.

A madrugada estava no início quando ele abriu a porta e observou o silêncio que caminhava no ambiente sentindo o alívio correr para o seu peito. Encontrou o jantar no lugar de costume, frio de tanto esperá-lo, e a culpa voltou a tomá-lo para si.

Hinata não merecia passar por aquilo. Era uma mulher da qual não se podia fazer uma crítica. Uma esposa que mantinha tudo em ordem para a chegada do marido e sempre estava pronta para ele. Deixou o mundo ninja logo após o casamento, não se interessou em assumir a liderança de seu clã, resumiu sua vida a cuidar do lar que criara juntamente a Naruto. O mesmo que parecia afligi-lo só de tocar os pés no assoalho, gerando perguntas afiadas e doloridas. Teriam os filhos esfriado o casamento? Talvez a rotina, o trabalho ou algo pequeno que passara despercebido, tornando-se um fantasma do tamanho do sentimento que não possuía nome, mas o empurrava para um precipício do qual não sabia escapar.  

Naruto engoliu a saliva como se isto diluísse o pesar. Estava falhando com a sua família e continuava a cometer o mesmo erro todos os dias porque ele era uma das poucas coisas que lhe permitiam respirar. Longe de casa, não precisava pensar no motivo de sua vontade de estar ao lado de Hinata ter diminuído, no quanto lhe entristecia ver Boruto aprontar pela vila em troca de sua atenção e em como sua relação com Himawari parecia se perder no horizonte. Em contrapartida, sentia-se tão covarde que desejava socar a si mesmo até que não sobrasse um rosto para distingui-lo das outras pessoas. Se alguém os havia destruído, fora ele.

Com manhãs de ausência e noites de demora, dias inteiros perdidos no trabalho, saídas urgentes e esquecimentos. Eram tantas as desculpas criadas com base no cargo de Hokage que não precisava mais citá-las.

Naruto tentou retornar por aquela estrada, contudo o caminho estava bloqueado por ressentimentos difíceis de dissolver. Persistiu na caminhada, retirando galhos de mal-entendidos e plantando flores de carinho, mas sem perceber começou a afundar nas areias de memórias não digeridas e viu escorrer de suas mãos os poucos grãos de confiança que conseguiu conquistar dos filhos.

Com Hinata foi diferente. As tentativas trouxeram de volta momentos de afeto e conversas de depois que terminavam num mutismo cúmplice a fim de evitar assuntos que não deveriam ser tocados. Enquanto corpos, Naruto e ela se entendiam bem, como pessoas, o som do silêncio era a melhor melodia que fluía entre eles.

— Chegou agora? — A pergunta de Hinata o assustou, fazendo se sentir como uma criança, surpreendida ao cometer uma travessura. Os olhos desviaram da expressão dele para a comida intocada. — Está ruim? Posso fazer outra coisa se quiser.

Ele percebeu o traço de aflição na voz dela e seu rosto se contraiu em tristeza no mesmo instante. Estava cansado daquele tipo de situação, de ser colocado num pedestal feito o maior tesouro do mundo, de nunca ter suas atitudes contestadas nem sequer ouvir uma palavra de desgosto quanto a elas. Era como uma prisão que dava ao seu encarcerado, todos os benefícios.

Para Naruto era uma cruel ironia ter tudo o que sempre quis nas mãos e não sentir a felicidade que imaginava. Sua vida estava estacionada num presente cinzento esperando um acontecimento romper a bolha de dormência que a delimitava, e ele começava a desejar ver o que vazaria de si mesmo caso se livrasse dela. No entanto, seus desejos esbarravam no remorso.

— Não estou com fome. — Mentiu sorrindo.

— Tem certeza? Eu cozinho bem rápido...

— Tenho.

Ele acariciou o rosto dela num pedido de desculpas, comentando sobre o cansaço e o dia seguinte que seria cheio de afazeres, desvencilhando-se de perguntas e dando fim a possibilidade de um diálogo.

Naruto tentou enterrar o que sentira por Sakura. Arrancá-la de seu coração era uma estupidez sensata que exigia esforço, porém a recompensa ao final seria maior. O trabalho seria seu aliado — como era para fugir de todo o resto — e com o tempo as batidas em seu peito não mais se acelerariam feito loucas devido àquele velho amor de infância.

Seguiu seu plano infalível de não vê-la ou tomar conhecimento do que lhe acontecia. Passou uma semana em perfeito equilíbrio, chegou à segunda ignorando a ansiedade que soprava o nome dela em seus ouvidos, escorregou na terceira quando questionou a Sarada sobre o bem-estar de sua mãe, perdeu-se nas lembranças.

Tinha afeição pelos sorrisos, tão radiantes que pareciam um pedaço do sol, também se demorava na voz forte resgatando dela seus tons mais doces, mas eram os olhos que lhe roubavam da realidade, por isso evitava pensar neles. Quando falhava, travava uma luta interna entre soprá-los do pensamento ou mergulhar no transe que abria as portas para a imaginação desenhar lábios, queixo e pescoço. Nenhuma das alternativas trazia boas consequências, e ele entendeu que o tormento lhe acompanharia até colocar um ponto final naquilo, no entanto suas tentativas pareciam apenas acrescentar reticências.  

Quando o terceiro mês se despediu deixando o sabor de uma saudade que apertava, ele havia reaprendido a engolir os sentimentos. Tivera que colocá-lo para fora tantas vezes que machucara seu interior, dissera ao vento as palavras que só a ela gostaria de dizer, fingira uma indiferença que não lhe pertencia, quebrou-se junto ao amor na esperança de também destruí-lo, mas somente seus próprios cacos se espalharam pela estrada.

Naruto sentiu uma pontada ao ver Sasuke de volta e pensou no quão mesquinho se tornara por desejar que o amigo não tivesse retornado. O ciúme que mantinha enjaulado se debatia ávido para se tornar demonstrações enquanto a consciência se arrependia do querer espontâneo de manter Sakura longe dele. No fundo, tinha ciência que não suportaria vê-la se desmanchar em carinhos para recebê-lo.  

Subiu para o terraço do prédio com uma rapidez masoquista, chegando à beira com o nó apertando a garganta. Seria a melhor oportunidade de enfiar a faca no peito, o tapa de realidade que precisava para destruir o amor que transformara sua vida num ciclo de tristeza e remorso sem fim. Não estava preparado, tremia como se o inverno soprasse suas costas nuas, mas estava decidido e com a certeza suspirou antes de olhar para baixo a fim de ser beijado pela dor.

— Eu tinha esquecido como a visão da vila é fantástica desse ponto.

— Sakura-chan... — balbuciou feito uma criança.

— Você deveria parar de ficar tão surpreso quando me vê — respondeu sorrindo.

O mundo girou devagar, desacelerando até congelar no instante em que seus olhos se encontraram e todos os meses de distância passaram pelas pupilas embriagadas de saudade, refletindo em seus rostos as emoções guardadas.

— Nossa conversa ficou na minha cabeça por um bom tempo. — Sakura disse, fitando a paisagem. — Você tinha razão em muitas coisas, porém o que mais me fez refletir foi o que eu falei. Eu olhei para aquela Sakura aceitando a infelicidade como se não houvesse outra opção e fiquei espantada. Se alguém dissesse: “aquela é você”, eu certamente espancaria essa pessoa até ela parar de mentir, mas quando analisei minhas palavras senti uma tristeza horrível... — Ela respirou a fim de impedir as lágrimas. — Tive pena de mim mesma... E foi o pior sentimento que experimentei.

Naruto apertou a barra de ferro arrancando-lhe uma queixa, precisava reprimir a vontade de colocar Sakura no colo e dizer que ela nunca mais se sentiria daquela forma.

— Então, eu juntei isso com as suas palavras e repeti para mim mesma um monte de vezes até entender... — Ela o encarou profundamente. — que não vale à pena. Já se foram muitos anos torcendo para ser correspondida, fazendo de tudo por isso, mas chega. — Abaixou a cabeça e encolheu-se. — Vai ser difícil, mas será a última dor... Estou cansada de colecionar lembranças dolorosas e de esperar de alguém coisas que nunca irei receber... — Virou-se para ele com os olhos marejados. — Queria que fosse o primeiro a saber.

O coração de Naruto descompassou e o corpo se moveu por impulso, trazendo o dela para seu encontro, envolvendo-o num abraço forte que fez a respiração de Sakura falhar.

— Você é uma mulher maravilhosa, lembre-se sempre disso... — sussurrou no ouvido dela. A sanidade se agarrava a sua mente por um fio. — e não espere que alguém reconheça suas qualidades. Elas brilham tanto que só os cegos não a enxergam — concluiu, tentando terminar o abraço.

Naruto paralisou ao sentir Sakura impedi-lo e afundar o rosto em seu peito enquanto as mãos alcançaram suas costas num misto de entrega e posse. Inspirou o cheiro do cabelo dela, escorregando para a insensatez que lhe convidava ao prometido êxtase, colou a boca no lóbulo, sentindo-a estremecer quando soprou seu hálito contra ele.

Num resquício de consciência, Sakura se afastou. Sua expressão assustada exibia a confusão e o desejo de concretizar o instintivo roçar de lábios que os uniu por um segundo antes dos rostos se distanciarem.

Naruto fitou encantado o rubor se espalhar pela face dela, correu os dedos na pele macia experimentando a sensação de fazê-lo sem ser repreendido e piscou, saindo daquela abstração ao ter a mão de Sakura segurando a sua num claro aviso de que existiam limites. Ele assentiu mecanicamente, pleno demais para querer raciocinar qualquer outra coisa que não coubesse entre os dois.

— Eu sempre soube, de você e de mim, mas fingi que não via... porque Sasuke era o meu objetivo. Ele era perfeito em todos os sentidos. Eu admirava e queria isso,... mesmo quando comecei a perceber o contrário, continuei a buscá-lo, então as coisas ficaram mais embaralhadas porque você agia comigo do jeito que eu queria que ele agisse... — A frase engasgou na garganta e Sakura a empurrou para fora. — Não enxerguei você porque insisti em viver a ilusão que Sasuke era. E mesmo depois de tantos anos precisei da sua ajuda para enxergar o que estava na minha frente.

— Fico feliz de você ainda precisar de mim para alguma coisa. Eu me senti bastante inútil na sua vida durante muito tempo.

— Idiota! Você sempre será uma parte importante dela!

Naruto abriu um sorriso quase infantil, e Sakura não conseguiu impedir a lágrima de deslizar por sua bochecha. Ele se desesperou por um instante, compreendendo em seguida, o motivo daquele choro.

— Vai me chamar de idiota se eu disser que prefiro quando você me bate? — indagou, arrancando um riso dela. — Mas acima de tudo, prefiro quando você sorri. — Colheu a gota e as outras que vieram logo depois. — Acho melhor eu ir... — Soltou, fazendo-a arregalar os olhos numa pergunta muda.

Naruto ponderou sua resposta embora a tivesse na ponta da língua, dizê-la tornaria a situação mais difícil, beijou a testa de Sakura demoradamente e lhe deu um último sorriso antes de se despedir com um simples “até logo”.

Com a alegria nadando em seu peito, esqueceu o vazio e as aflições, respirou leve o aroma apaixonado da brisa de outono e saudou o céu como um velho amigo. Seu mundo tinha cores outra vez, nele predominava o rosa da cereja que adoçara sua boca e assim continuaria se reunisse a coragem para apagar o cinza. Sabia agora o que escorria de si mesmo, faltava apenas deixar a bolha de dormência rumo à felicidade que sempre sonhara.


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Notas finais do capítulo

Eu achei a parte do Naruto bem mais difícil de escrever porque é mais subjetiva. Ele não tem aquele monte de acusações que possa fazer como a Sakura, aos olhos dos outros tudo vai bem, mas não é possível que esteja se o cara prefere ficar enfiado no trabalho e dá mais atenção a isso do que à família. Daí, fui puxando o fio para ver onde dava.
Imagino que quem é fã da Hinata possa ter ficado irritado com o capítulo, mas fazer o quê?

Muito obrigada a todos que leram! Meu perfil tem mais histórias, vocês podem chegar lá e se divertir. XD
Bjs!♥