Sem sabor escrita por Tamires Vargas


Capítulo 1
Quanto tempo demorei a perceber...


Notas iniciais do capítulo

Yo, amores e amoras!

É uma visão diferente do que é apresentado na obra original, levando em conta minhas percepções sobre diversas situações.

Espero que apreciem a leitura!

Dedico a fic a Evelin. ♥♥



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Sakura despertou focando o relógio que marcava 07:30h. Precisava levantar, verificar se Sarada ainda dormia e preparar o café da manhã antes que ela saísse para a missão. Aos poucos os fios de sono se desprendiam de seu corpo, deixando-o mais leve e ativo, porém uma preguiça sem vergonha insistia em puxá-lo para mais alguns minutos de prostração.

Espreguiçou-se rolando para o lado da cama que pertencia a Sasuke, sentindo o lençol frio. Fitou o vazio tentando recordar a sensação de tê-lo preenchido pelo homem que amava, desistindo ao perder a conta dos dias em que ele estava fora da vila.

Sakura havia se conformado com a nova viagem, pois sabia da importância dela para Konoha, porém não pôde evitar a amargura que lhe envolveu. Quantas vezes dormira e acordara sozinha? Quantos dias esperou ansiosa que Sasuke voltasse, sedenta pelos carinhos dele, para receber um afago e o mínimo de atenção? Era sempre ela que tomava a iniciativa nas conversas, quem buscava os beijos e toques, que empurrava a vergonha para o fundo da mente a fim de conseguir uma noite de amor, para na manhã seguinte sentir em seu coração uma brisa gelada e dolorida.

Estar com Sasuke era uma felicidade fugaz com destino certo à apatia.

Junto dele, Sakura era sorriso em forma de pessoa. Os olhos brilhavam e a voz se enchia de doçura, ficava menina apaixonada admirando abobada seu amado. Não via cinza no mundo, apenas o branco luz da pele pálida que lhe roubava o discernimento com seu calor e cheiro. Tocava o céu quando ela se misturava a sua, num êxtase que não se comparava a nada no universo.

Longe dele, Sakura enxergava borrões roxos. Eles grudavam em sua visão e a coloriam por dentro junto a linhas cinza e manchas azul petróleo, formando um mosaico que ela tentava apagar de si, contudo apenas espalhava ainda mais àquelas cores indesejadas. E elas alcançavam seu rosto, garganta e pupilas, murchando a flor mulher em pétalas de tristeza.

Um suspiro fugiu de seus lábios, e ela levantou da cama como se o gesto a afastasse dos pensamentos ruins. Amarrou os cabelos sem cuidado, trocou a roupa de dormir e tropeçou em outras lembranças marcadas pela solidão. Lutou contra elas, rasgando-as com toda a sua força, vendo os frangalhos se entrelaçarem e formarem novos tecidos de pequenas mágoas que se acumulavam em seu peito. Poderia costurar uma colcha com todos os retalhos que choviam em sua mente.

Sakura se encolheu recordando os momentos em que cuidou da filha doente, das mesmas perguntas que precisava responder com cautela para não transformar Sasuke no vilão da historia, do sofrimento de ver sua pequena sentir a falta do pai e de quando inconscientemente descontou sua frustração nela ao ouvi-la questionar sobre seu relacionamento.

Ela não esperava que fosse perfeito, entretanto não imaginava que poderia ser tão quebrado e frio. O completo oposto daquele toque na testa que afogou seu coração na esperança de finalmente ter Sasuke para si.

 — Mamãe, você dormiu demais hoje! Se tivesse esperado, estaria atrasada. — Sarada disse, colocando a mochila nas costas.

— Ah, desculpe! Estava cansada e não ouvi o despertador. — Sorriu acompanhando a menina até a porta. — Tome cuidado. — Beijou-a no rosto.

Sakura assistiu a filha se afastar, acenando para ela com entusiasmo e perdendo-o minutos depois. Os olhos que antes se apertavam na expressão de alegria, exibiam as marcas do choro e, incapazes de segurar as novas lágrimas, expulsaram-nas de uma só vez.

Sentiu-se fraca por se entregar ao pranto, tinha prometido que não choraria e lá estava se banhando em gotas pesadas de sentimentos embaralhados que lhe sufocavam e a faziam querer gritar até rasgar a garganta com sua dor. Era saudade, também tristeza, desamparo, dúvidas, medo e verdades abafadas pela voz de um amor que prometia suportar tudo. Por ele, esqueceu as incontáveis grosserias. Palavras que machucavam um pouco a cada vez que recebia, mais ainda quando tentava compreender o que fizera de errado para merecê-las e ferviam a ferida sempre que não encontrava a resposta, restando a Sakura esquecê-las ou curá-las sozinha.

Às vezes, Sasuke as curava.

Um sorriso, uma frase, uma expressão amena que significada que as coisas estavam bem. Era raro, precioso como o brilho do diamante mais perfeito, forte e denso, dissipava os questionamentos de Sakura e lhe devolvia a tranquilidade e certeza, soprando o calor de volta ao seu coração. Tornou-se uma necessidade, suprida cada vez menos até se tornar nula.

Quando a mensagem de Shikamaru chegou, as gotas haviam secado numa porção de linhas grudentas e brilhantes. Sakura se assustou com o conteúdo e a preocupação lhe arrancou do sofá, jogando-a no chuveiro. Dez minutos lhe deixaram pronta e com o rosto limpo, que ela enxaguou com água gelada até a vermelhidão se retirar. Não demorou mais dois para sair nem cinco para chegar onde fora requisitada.

O prédio continuava o mesmo: imponente, barulhento e silencioso em igual proporção, com ar sério e de trabalho duro, com corredores longos e amplos que ecoavam passos e conversas. Carregava um gosto de infância das muitas vezes que estivera ali e de gratidão pelo que aprendera com as pessoas que ocuparam o topo daquele lugar.

— Pode entrar. — Ouviu a voz cansada responder a sua batida na porta.

Ela o fez, percebendo o jovem continuar com a cabeça baixa, apoiada em uma das mãos enquanto se debruçava sobre uma pilha de relatórios.

— Você não presta atenção em quem entra na sua sala? — Observou-o paralisar por um instante antes de lhe dirigir o olhar espantado.

— Sakura... –chan?

Ela apertou os lábios, disfarçando o sorriso que a expressão dele lhe proporcionou.

— O que foi? Até parece que viu um fantasma.

— Não esperava você aqui... — respondeu procurando as palavras. — Está precisando de alguma coisa?

— Não. Eu vim porque me disseram que o Nanadaime não tem cuidado de sua saúde e se recusa a procurar um médico.

— Ah?... Droga, Shikamaru! Aquele idiota! Eu já disse milhões de vezes que estou bem!

— Você diria isso mesmo se estivesse morrendo.

— Mas eu estou bem!

— Então não verá problema em uma consulta de rotina. — Sakura rebateu, aproximando-se e pelo seu tom Naruto percebeu que retrucar seria inútil. — Quantas horas têm trabalhado por dia?

— Hum... Eu chego oito, às vezes, sete e saio quando termino.

— Que seria às?...

— Dez, onze... — respondeu, esperando que ela engolisse. — Em alguns dias passa disso.

— Naruto, são mais de dez horas! — Elevou a voz sem perceber, retomando a normalidade ao vê-lo se encolher. — Quantas vezes por semana? — continuou, tentando conter a irritação que nascia em si, porém esta se desvencilhou de seu controle com a ausência de resposta. — Todos os dias? — indagou pausadamente, recebendo um “sim” com a cabeça.

Sakura abriu a boca, pronta para iniciar um sermão, entretanto se conteve. Respirou fundo, encarou o loiro que já esperava ficar surdo e impregnou a fala com o máximo de calma que conseguiu.

— Precisa tirar um dia de folga, caso contrário seu corpo não vai aguentar. Sei que tem muitas obrigações como Hokage, mas não pode permitir que o trabalho preencha seu tempo de descanso. Além disso, tenho certeza que a Hinata e os seus filhos gostariam de tê-lo mais tempo em casa. — Ela percebeu Naruto desviar os olhos e mudar de expressão, porém ignorou por hora. — Posso começar? — perguntou, fazendo-o assumir um semblante curioso.

Sakura se colocou diante dele, medindo a pulsação por hábito, depois examinou a garganta a contragosto de Naruto e puxou suas pálpebras para baixo, observando a tonalidade da membrana. Exercendo seu ofício, ela não o notou corar de leve com a proximidade nem a paralisia que roubou todas as possibilidades dele se mexer enquanto tinha seu toque sobre a pele e sua respiração roçando a face.

Eles compartilharam um suspiro por motivos diferentes, e Sakura sentiu algo se remexer em seu peito ao ver o modo que Naruto lhe observava. Era um olhar de fogo, daqueles que aqueciam e acolhiam mas também queimavam e enlouqueciam, profundo como um oceano, leve feito brisa.

Ela expirou forte, e Naruto recebeu o sopro entreabrindo os lábios. Na mente de ambos, a expectativa se alastrava igual a uma sequência de peças de dominó que fora derrubada. Sobre o rosto dele, a mão de Sakura se retesava enquanto o resto do corpo por instinto se inclinava e a consciência perdia o senso de certo e errado.

Uma batida na porta fez Sakura se afastar e engolir as emoções para que seu rosto não lhe traísse, ao passo que em seu peito o pulsar acelerado por elas aumentava com o nervosismo provocado pela presença do intruso.

— Ele resistiu muito? — Shikamaru perguntou, esperando a reclamação certa do Hokage.

— Não. Foi um paciente perfeito!

— Não precisava incomodar a Sakura-chan com besteiras. — Naruto interveio.

— Sim, sim... Nanadaime, se a consulta acabou, deveria almoçar.

— Você ainda não almoçou?! Quer ficar doente?! Eu juro que se ficar por causa da sua idiotice, não vou cuidar de você!

Shikamaru pressionou o dedo contra o ouvido direito, percebendo o olhar aflito do amigo diante de uma Sakura enraivecida e deixou a sala, antes que pudesse se tornar expectador do festival de gritos, com uma despedida imperceptível.

— Eu ia antes de você chegar... — Naruto tentou amenizar.

— Quer dizer que a culpa é minha?!

— Não! — Exibiu as mãos em redenção.

— Sem discussões! — Calou-o com um gesto. — Vá agora!

— Sim, Sakura-chan... — Levantou e pegou a capa.

— Mande lembranças a Hinata e as crianças.

Naruto terminou de vestir a capa sem encará-la, a expressão contraída num segredo e os olhos carregados de sentimentos que lhe incomodavam. Faltava o brilho que eles costumavam refletir, o sorriso fácil que adornava seus lábios e a alegria que emanava.

— Aconteceu alguma coisa? — Ela perguntou cautelosa, recebendo uma negativa dada de costas. — Você não me pareceu sincero.

— Não é nada. Não precisa... — A voz foi se perdendo ao vê-la se aproximar. — se preocupar... comigo. 

— Você não vai almoçar em casa, né? Fez uma cara estranha quando mencionei sua família.

— Não quero dar trabalho a Hinata — disse num tom pesado que fez Sakura desistir de descobrir o que acontecia por trás dele.

— Entendi... — sussurrou para si mesma, desviando o olhar e segundos depois voltou a encará-lo. — Podemos comer juntos como nos velhos tempos. Que tal? — indagou, deixando-o boquiaberto por um instante que terminou num sorriso.

Escolheram um restaurante pequeno com mesas de madeira escura, optando pela mais distante da porta de entrada, quase escondida pelo grande balcão. ”É a melhor do lugar”, Sakura dissera animada. Parecia ter esquecido a cena que protagonizara na qual por pouco não havia deixado os instintos guiarem suas atitudes.

O silêncio se acomodou entre eles, espreguiçando-se devagar, fazendo do simples encontro, um momento com significados incompreensíveis. Ele não deveria ser grandioso, também não deveria ser menosprezado, no entanto o espaço que preenchia os opostos agitava Sakura da mesma forma que a quietude de Naruto.

— Nunca o vi tão calado. — Arriscou arranhar os pensamentos dele.

— Estava pensando quanto tempo não almoçávamos juntos ou parávamos alguns minutos para conversar...

Sakura quis suavizar o clima, contudo as palavras lhe faltaram. Assim como Naruto, ela se questionou quanto das areias do tempo havia se derramado desde a última vez em que esteve com o amigo.

Eles pareciam inseparáveis, de início devido à busca por Sasuke, depois pela amizade crescente e profunda. Partilharam tristezas, anseios e medos, lutaram na guerra, descansaram na paz e foi com ela que vieram as mudanças. Naruto se descobriu apaixonado por Hinata, Sakura decidiu esperar por Sasuke. Ele casou, ela permaneceu firme na espera. Os filhos chegaram para ambos, Naruto teve um casal, Sakura apenas Sarada, era melhor não se arriscar a ter outro. Ao fim, um Hokage e uma exímia médica se formaram a partir daqueles jovens frágeis e assustados que cresceram juntos e hoje se encaravam procurando o momento em que o laço que os unia começou a perder força.  

— Desculpe... — disseram, surpreendendo-se um com o outro.

Ansiaram por iniciar a fala e ouvir a que não sairia de suas bocas em igual intensidade. Tentaram dizer no mesmo instante, acanharam-se um pouco pela situação e depois sorriram. Naruto gesticulou para ela começar, e Sakura descobriu que não estava pronta para falar, então alinhou os pensamentos e reuniu a coragem para admitir o que lhe incomodava há muito:

— Eu passei a lhe procurar só para ter notícias de Sasuke... — murmurou, fitando-o com tristeza.

— E eu deveria ter me garantido que você estava bem. Não deve ter sido fácil com a Sarada... — Ele se forçou a confessar.         

— Nem um pouco. Mas você tinha seus filhos para se preocupar, como eu poderia lhe dar mais preocupações?

— Eu daria um jeito! Eu... Droga! — Apertou os olhos com força. — Eu errei muito com você, Sakura-chan!

— Nós, Naruto. Nós erramos um com o outro... — Ela sustentou o olhar enquanto ele voltou a face à parede ao seu lado. — Mas erros são perdoáveis quando pedimos desculpas. Não acha?

— Alguns não...

Sakura sentiu a saliva descer como uma rocha pontiaguda que rasgou sua garganta até atingir seu estômago, provocando a dor de um soco. Não imaginava que havia magoado Naruto àquele ponto.

— Tudo bem se não quiser me desculpar... Eu não me desculparia se fosse você — pronunciou devagar, tentando disfarçar a mudança na voz. As emoções bagunçadas se espalhavam, tornando-se gradativamente perceptíveis.

Ele virou o rosto de súbito, arregalando os olhos que tremeram. O azul se agitou neles, formando um maremoto que contrastava com o semblante incapaz de exibir outro traço além do assombro.

— Eu nunca faria isso! Como não lhe desculparia?! Só se eu fosse maluco! — afirmou com sua velha convicção, arrancando um sorriso tímido de Sakura. — Hum, o que foi?

— Você ainda é você, afinal, e isso é muito bom — respondeu nostálgica.

— Não entendi nada! O que quis dizer com isso?! — perguntou com a típica agonia.

— Que é bom conviver com alguém que eu conheço de verdade... — exprimiu pensativa.

Havia passado quase toda a vida tentando desvendar Sasuke e por vezes sentiu que se aproximava de descortinar o último véu do misterioso Uchiha, contudo logo descobria que estava longe disso. Então, em algum momento, ela desistiu. Era mais fácil aceitar as marés dele e encontrar um modo de contorná-las quando agitadas do que viver se esforçando para evitá-las.

— Está me deixando preocupado com essa cara! — Naruto a arrancou dos pensamentos. — Não me diga que o idiota do Sasuke fez alguma coisa com você!

Ela o encarou sem expressão, apenas os olhos demonstravam o que sentia enquanto esquadrinhavam o rosto dele. Se buscasse em suas memórias, encontraria uma infinidade de situações em que Naruto saiu em sua defesa, sempre feroz e de imediato, inclusive contra Sasuke, frequentemente repreendido pelo loiro por lhe tratar mal. Sasuke machucava, Naruto defendia. Uma sequência que se repetia até hoje mesmo quando o primeiro não estava por perto. Algo que de tão rotineiro, Sakura não viu e estranhou ao se dar conta.  

Ela afundou na cadeira, atordoada, cobrindo a face com o a mão.

— Ei, Sakura-chan! Você está bem?! — perguntou, colocando-se ao lado dela. — Vou levá-la para o hospital.

— Não!  

— Você está pálida! Não seja teimosa, médicos também ficam doentes!

— Foi um mal estar passageiro — rebateu, esperando que ele se convencesse. — Sabe que eu nunca mentiria quanto a isso.

Ele retornou ao seu lugar sem deixar de observá-la. Acreditava em Sakura, porém recordava de quando ela mentiu sobre ele tê-la machucado anos atrás. Notou-a beber um gole do chá intocado e respirar fundo, fitar o próprio colo por um longo tempo e, por fim, encará-lo.

— Naruto, pare de apertar os olhos como se estivesse procurando algo de errado — disse num tom brincalhão com uma sombra de tristeza. Vendo que ele não mudara a postura, inclinou-se para frente com o rosto apoiado sobre as mãos, cravando o olhar nele.

Naruto se sentiu sugado pelo verde brilhante, que o prendeu e afogou naquelas águas calmas. O calor delas invadiu seu peito, transbordou e se derramou por seu corpo feito febre. Aquecido, ele experimentou a sensação que havia buscado incessantemente: a atenção dela inteira para si como se não existisse mundo além dos dois. Uma fraqueza o tomou, denunciando-o a Sakura que prendeu a respiração por um instante ao perceber que bebia do azul como nunca fizera.

Foi a vez dele buscar refúgio no chá enquanto ela se questionava o que acontecia ali. Era apenas Naruto, seu amigo de infância, então por que algo parecia diferente? Por que aqueles minutos de olhos nos olhos foram como uma eternidade da qual não queria se desprender? Sakura divagou, remexendo na comida de forma distraída, observando-o comer sem desviar o foco.

Devia estar mergulhada na cegueira para não ver o quanto ele mudou. O garoto bobo e agitado se tornara um homem sério e responsável, respeitado, admirado, um exemplo para toda a vila, de criança maldita a heroi do mundo ninja. No entanto, nada disso lhe subira à cabeça, Naruto continuava trabalhando duro e agindo com humildade.

Era impossível não se sentir envolvido por seu carisma, pelo jeito fácil de puxar conversa, o sorriso contagiante e sua naturalidade. Ele sempre fora transparente, aberto,... simples. Ao seu lado, Sakura não temia ser mal interpretada nem cometer algum erro, não precisava medir palavras, conter impulsos ou engolir emoções porque Naruto aceitava tudo que vinha dela.

— Não vai comer? — Ele perguntou ao notar a tigela cheia, espantando-se ao receber um silencioso “não”. — Você está muito estranha hoje! Tem algo errado, né?! — Tentou esperar a resposta, mas logo se agoniou. — Sakura-chan!

Ela permaneceu em silêncio, fitando-o.

— Mas que droga! — Bateu o punho, de leve, na mesa. — Se você não disser... — Perdeu a fala ao finalmente entender. — Eu estava certo, é por causa do Sasuke. O que foi agora?

— Nada... — suspirou.

Sakura não queria falar sobre o assunto, era melhor deixar passar até cair no esquecimento. Aquela tática se tornara um hábito e uma tábua de salvação, assim seguia seus dias, de início com falsos sorrisos, depois com alguma alegria e, por fim, o problema era guardado num baú de ressentimentos. Torná-los públicos não os dissolveria, no entanto mantê-los em segredo muito lhe custara e diante da oportunidade de se libertar do cárcere que o silêncio havia se transformado, eles a sufocavam com os vocábulos não ditos.

— Você está com problemas no casamento? — Naruto murmurou cuidadoso.

Ela pensou com amargura na palavra. Sasuke nunca a mencionou, por receio, Sakura não tocou na questão e quando se deu conta estava com Sarada no colo e o “marido” fora da vila cumprindo missões. O símbolo Uchiha em sua casa era apenas um desenho para que ele se lembrasse de onde morava, talvez por motivo semelhante, ela o usasse em suas roupas.

— Meu casamento com Sasuke é uma mentira que eu insisto em sustentar... — respondeu, fitando o chão, levantando o olhar ao perceber a demora na reação de Naruto. — Não deveria ficar surpreso, as coisas nunca foram boas de verdade. Eu só não admitia. Achava que um dia, ele mudaria, aliás, essa sempre foi minha esperança, mas eu percebi que não adianta esperar isso... As pessoas só dão aquilo que possuem para dar, e ele.... — Mordeu o lábio e cerrou os olhos, tomando coragem. — O Sasuke não tem esse tipo de amor. Em todos esses anos, pensei que meu amor conseguiria mudá-lo, que quebraria o seu gelo, mas a ferida que ele carrega não pode ser curada por mim...

Naruto forçou a saliva a seguir seu caminho, atordoado demais para falar, segurou o ímpeto de aninhá-la em seus braços e se dispôs a ouvir o desabafo até o fim.

— Fico feliz que o relacionamento entre ele e a Sarada tenha melhorado. É nítido que o sentimento dele por ela está crescendo, Sasuke finalmente está aprendendo a ser pai. É um alívio saber que esse vazio na vida da minha filha foi preenchido.

— E a sua?! — Naruto interrompeu, estava no limite. Vê-la triste esmagava seu coração.

— Eu me conformei.

Ele sentiu seu peito ser dilacerado enquanto a observava virar a face e fitar o pouco movimento do lugar. O modo como ela controlava a respiração lhe dizia que tentava segurar o choro e a tranquilidade que emanava lembrava a beleza da trajetória de um cristal antes de se estilhaçar ao encontrar o chão. Sasuke sempre a quebrava, Naruto sabia disso, entretanto não podia se intrometer mais do que fazia, afinal fora ela quem escolhera aquele destino. 

— Não precisa continuar a viver isso... — A frase escorreu do seu coração direto para sua boca.

— Qual opção eu tenho? — respondeu inocente, compreendendo em seguida o que ele dissera. — Tem ideia do que está sugerindo?! Minha vida só vai ficar pior do que está!

— Não vai! Eu vou protegê-la de tudo! Vou cuidar de você e da Sarada!

— Naruto... — murmurou com a voz embargada.

Ela olhou para sua mão sendo segurada pela dele, o toque acolhedor lhe fazia bem, deixava mais leve. Precisou ser rápida quando o gesto se desfez devido à interpretação errônea, ele estava tão acostumado a ser repreendido ao tocá-la deliberadamente que não enxergou nos olhos dela o apreço por aquele carinho. Hesitou um segundo, roçando as pontas dos dedos, depois os entrelaçou devagar, sentindo a textura da pele dele e apertou colando as palmas.

— É mais macia do que me lembrava... — pronunciou, levantando os olhos para os azuis que pareciam congelados. — Não posso deixar que assuma as consequências dos meus atos, não sou mais aquela menininha chorona que ficava atrás de você.

— Eu faria qualquer coisa para vê-la feliz.

— E eu ficaria feliz se você estivesse — rebateu com um sorriso. — Sei que algo está errado, percebi quando estávamos na sua sala. É com a Hinata?

Ele fitou a mão que não queria deixar, os verdes que tentavam roubar a verdade em seus azuis e o rosto que lhe proporcionava uma enxurrada de emoções. Perderia o dia admirando-o, ganharia a vida se o tivesse para si, enlouqueceria se continuasse ali.

— Preciso ir, nosso almoço durou mais do que deveria. — Desvencilhou-se do toque já sentindo sua falta.

— Mas faz pouco tempo que chegamos...

— Eu sei, mas preciso voltar agora. Foi ótimo almoçar com você! — Sorriu.

— É tão ruim que não possa dividir comigo?

Sakura ansiou pela resposta. Não era do feitio do amigo esconder seus problemas e nas raras vezes que o fazia, significava um enorme fardo, por isso ela sabia que quanto mais Naruto ocultava algo, maior era o seu sofrimento em relação ao fato. Sua ansiedade também se traduzia pela expectativa de ele romper com seu hábito e confessar o que acontecia, isso lhe provaria que a distância não havia debilitado a amizade que existia entre os dois.

— Não é nada, está tudo bem! Eu que esqueci o monte de trabalho que me espera. Desculpe sair desse jeito. — Coçou a cabeça, exibindo um sorriso de olhos fechados.

— O Naruto que conheci não fugia assim... — pronunciou, encarando-o com o olhar severo, desmanchando seu sorriso.

— Esse Naruto se perdeu há muito tempo... Tentei encontrá-lo em algum lugar aqui dentro, mas ele simplesmente desapareceu.

— Está errado! Eu o vi diversas vezes hoje, quando reclamou com Shikamaru, quando se desculpou comigo e... me apoiou, ouviu o que eu tinha para dizer... — Um nó apertou sua garganta. — Ainda é o mesmo idiota que faz eu me sentir bem só por estar ao meu lado, que se preocupa comigo mais do que qualquer outra pessoa...

— Porque você é especial para mim. — A resposta fez a lágrima se desprender e rolar calma pelo rosto dela. — Sempre será, não importa o que aconteça. — Enxugou a gota com o polegar. — Perto de você, eu sou diferente...

Naruto se interrompeu diante do perigo. As palavras que havia guardado saltavam de sua boca como se tivessem vida própria, se permitisse logo seriam as atitudes e um caminho sem volta estaria traçado. Deu um passo para trás, recolhendo a mão que persistia em ficar na pele de Sakura e acenou mecanicamente, pondo o ponto final de sua salvação.

— Eu esperava que fosse sincero como fui com você... Não vou insistir. Até um dia. — Espelhou o aceno.

— Eu fui sincero, mas não corajoso. Se eu tivesse a sua coragem, teria deixado claro com todas as letras que você é a pessoa mais importante para mim. Arriscaria dizer: “esqueça o Sasuke, ele não lhe merece”, olharia em seus olhos para falar “eu te amo e apesar de ser um idiota e demonstrar meus sentimentos de forma infantil, eles são verdadeiros”.

Sakura entreabriu os lábios trêmulos, as lágrimas trouxeram o gosto salgado de uma dor pequena e aguda que lhe apertava o peito. A voz secou no furacão de pensamentos que enchia sua mente e esvaziava suas forças.

— A coragem dura o tempo suficiente para tomarmos uma atitude. — Naruto pronunciou subitamente, beijando a testa dela. — Seja feliz, você merece isso!

Ela o assistiu dar as costas sem olhar para trás, buscou o encosto da cadeira para manter o equilíbrio e num estalo saiu à procura de Naruto. Encontrou as ruas cheias e avistou um pedaço de capa esvoaçando ao dobrar a esquina, correu pressentindo a inutilidade do ato, constatando-o em seguida e rumou para casa antes que desabasse.

Na cama permitiu que as gotas escorressem livremente para o travesseiro enquanto as reflexões fervilhavam sua consciência. Havia ignorado aquele sentimento quando nascera, fingiu-se de cega conforme crescia e ao perceber que lhe preenchia, negou-o sem pestanejar. “Está confundindo as coisas, Sakura”, dizia para si. “Sua carência por Sasuke está bagunçando sua cabeça com relação ao Naruto.” Disse tanto que abraçou a verdade que desejava ver. Agora não havia volta, e ela lutava contra as hipóteses que formulava ao passo que enxergava os momentos que desperdiçara e os de alegria que experimentara com ele. Toda uma vida que teria sido diferente se não fosse a teimosia de insistir num amor vazio.   


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Notas finais do capítulo

E aí, meu povo?

Eu tentei ser forte e não me emocionar, mas quando vi já estava na pele deles sofrendo junto. -.-

Qualquer opinião é bem-vinda!
Bjs e até o próximo! ♥