Dangerous escrita por Karina A de Souza


Capítulo 47
Raymond Mhoritz


Notas iniciais do capítulo

Pessoas sensíveis, preparem os lencinhos.



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—Psiu, Jenna. Ei. –Parei de andar. Aline, de novo, estava espiando por uma fresta na porta do apartamento. Me perguntei por que Sara, mãe dela, não dizia pra menina parar de fazer isso.
—Fala.
—Tem gente gritando no seu apartamento. –Franzi o cenho, a mão indo diretamente para o coldre.
—O que?
—Gritando. Tá uma gritaria daquelas lá. Acho que uma das vozes é do seu namorado.
—Hã... Eu vou ver o que é. Entra aí e tranca a porta.
—Tá.
Empurrei a porta do meu apartamento com cuidado, sacando a arma. A gritaria tinha parado, apenas por causa da minha entrada.
Ressler e Adrian estavam um de frente pro outro, armas em mãos, expressões bem feias no rosto. Mas que droga...
—Alguém pode me explicar o que está acontecendo?-Pedi.
—Quem é ele?-Ressler perguntou.
—Adrian. Um... Amigo. Allivan, que diabos tá fazendo aqui?
—Eu vim te ver, oras. –Respondeu, como se fosse óbvio.
—E como entrou?
—Vai mesmo me perguntar isso, Eme?
Eme?-Ressler repetiu.
—É uma longa história, vai por mim. –Avisei. –Adrian, não pode invadir meu apartamento.
—Queria falar com você. –Explicou. –Depois do que houve na Rússia...
—O que é que houve na Rússia?-Ressler exigiu, parecendo que ia atirar em qualquer momento.
—Depois eu digo. –Prometi. –Adrian, é melhor você ir. Sério. Depois falo com você.
—Mas, Eme... –Tentou.
—Eu vou atirar. –Ressler avisou.
—Faça isso pra ver se eu não atiro também...
—Se mancharem meu tapete de sangue, eu os faço limpar com a língua!-Gritei. –Abaixem as armas! Já!-Ambos me obedeceram. –Ótimo. Agora vai, Adrian.
—Eme...
—Vai!
—Tá. –Suspirou, passou por mim, e saiu. Ressler deixou a arma na mesa de centro. Fiz o mesmo com a minha, e as chaves e o celular.
—Acabou.
—O que foi isso?-Ressler perguntou. –Vim buscar um cartão que esqueci e ele estava aqui dentro.
—Ele é Adrian, trabalha pro Red agora. Ele era meu alvo, mas acabou sobrevivendo.
—Seu alvo?
—É. Eu devia matá-lo. Mas ele me nocauteou e... É uma história muito longa, quer mesmo falar sobre isso?
—Não. Até já imagino o que aconteceu...
—Não, não imagina não. Não houve nada. E se houvesse... Nem teria sido importante. Aliás, nós meio que tínhamos terminado, lembra? Você ficou todo irritado por que supostamente sou filha de Miguel Cortez.
—Não. Eu fiquei irritado por que você escondeu isso de mim.
—Que seja. Já acabou, não acabou?
—Espero que sim. –Revirei os olhos, mas me aproximei para beijá-lo.
—Vamos, depois de tantos gritos de Meera, o melhor a se fazer é ir pra cama. –Saí o puxando.
—Estou mesmo morto de sono. –Ri.
—Quem falou em dormir?
***
Eu sabia que Ressler já tinha saído, sem abrir os olhos. Minha cama de casal não era tão grande, então não havia muito espaço. Sempre que acordávamos juntos, ele estava bem perto, o braço na minha cintura.
Era comum Donald sair antes que eu. Mesmo prática, eu demorava muito pra me organizar de manhã, e além disso, ele gostava de chegar mais cedo.
Abri os olhos, então sufoquei um grito e puxei a coberta mais pra cima, garantindo que nada estivesse exposto.
—O que é que faz aqui às seis e meia da manhã, Raymond?-Perguntei, vendo-o sentado perto da janela.
—É um assunto urgente.
—Bom, ele podia esperar, não podia?
—Não. –Suspirei.
—O que você quer?
—Quero que devolva o diário que te entreguei.
—Por quê?-Esfreguei os olhos, morta de sono.
—Pensei sobre o assunto, e acho que me enganei sobre entregá-lo a você. Já o leu?
—Ainda não criei coragem.
—Bom. Agora o entregue. –Lancei um olhar rápido para o criado mudo perto de mim.
—Não. O diário é meu. Eu o escrevi.
—Jenna...
—Não!-Levantou e tentou abrir a gaveta. Estendi o braço, tentando impedi-lo. –Raymond Reddington, se eu tiver que levantar nua dessa cama pra te bater, eu vou. –Deu alguns passos para trás.
—Me entregue o diário.
—Não. É o meu passado, tenho o direito de saber dele. Já que se recusa a falar.
—Está tudo dentro da sua cabeça.
—Não significa que me lembro de tudo num piscar de olhos. Acho que algumas coisas voltaram. Outras... Outras não.
—Jen...
—Não.
—Por favor, Jenna, não sabe o que vai encontrar.
—E o que é que vou encontrar?-Longos segundos de silêncio. –Red. O que fez comigo?
—Eu lamento muito pelo que vai se lembrar. –Então saiu. Me enrolei no cobertor e corri atrás dele.
—Reddington! Red!-Ele já tinha ido. Me joguei no sofá. Alguma coisa errada havia acontecido. Eu teria coragem de lembrar?
***
—Você está bem?-Keen perguntou, parada ao meu lado no elevador. –Chegou atrasada e passou o dia todo estranha.
—Estou bem.
—Alguma coisa está te incomodando.
—Reddington.
—O que ele fez agora?
—Faz umas semanas que me entregou um diário que mantive por quatro anos quando morei com ele, e agora o quer de volta. Acho que alguma coisa ruim aconteceu comigo e ele não quer que eu me lembre.
—Acha que ele fez alguma coisa?
—Não sei. Não quero acreditar que possa ter feito, mas... Lizzy, se você pudesse ver a expressão dele... Algo muito ruim aconteceu. Tenho medo de sequer imaginar o que pode ter...
—Reddington não machucaria uma criança.
—Também penso nisso. Mas... No hospital, ele disse que lamentava ter apagado minhas memórias, mas que tinha que ter feito isso. Algo a ver com não ter cuidado de mim direito...
—É muito confuso.
—É. Ele só apagou quatro anos de mim... Por que algo aconteceu. O que ele pode ter querido que eu esquecesse?
—Se Red acha que é ruim... É por que é.
—Eu sei. –Saímos do elevador.
—Devia pressioná-lo.
—Ele não vai falar.
—É o único jeito de saber o que realmente houve.
—Você tem razão. Obrigada, estava precisando mesmo falar sobre isso.
***
“-Tio Ray... Tá doendo muito...
—Vamos cuidar disso, querida, vai ficar tudo bem. –Tudo era muito escuro. Segui Raymond para longe dali, sem ver muito bem. Estava cansada e sangrando. Só queria dormir para sempre.
—Não consigo. Não consigo, tio Ray. –Paramos de andar.
—Não consegue o que, querida?
—Andar. Dói muito.
—Tudo bem. –Me pegou no colo. –Logo a dor vai passar, eu prometo.”
***
“-Mas você vai matá-lo. - Sussurrei, lágrimas escorrendo pelo rosto.
—Eu sei, querida, eu sei. Mas ele vai para o céu, como seus pais.
—Não quero que ele morra. Não o mate, por favor. Eu quero ficar com ele.
—Jenna...
—Por favor... –Dei um grito de dor. –Tio Ray! Dói!
—Fique calma, já vai acabar. Fox! Rápido!”.
Sentei num pulo, sem fôlego e suando. Lembranças, não sonhos. Eu estava me lembrando.
Peguei um casaco longo, coloquei um par de sandálias e saí apressada. Red tinha que me dizer o que havia acontecido, tinha que me dizer o que aquelas lembranças significavam.
Demetri abriu a porta com uma arma em mãos e a expressão sonolenta. Pareceu surpreso em me ver.
—Por favor, Red está?
—Entra. –Passei por ele. –Vou chamá-lo.
—Tá. –Comecei a andar de um lado para o outro, nervosa. Meu cabelo estava grudando na minha pele. Achei que teria um treco e morreria.
—Jenna, o que houve de tão grave?-Red perguntou, entrando na sala. Tinha acabado de acordar, e estava com um roupão longo. –Jen?
—Eu... Eu preciso saber, Raymond. Preciso... Que me diga a verdade. Por favor.
—Saber o que?
—Tive lembranças... Estranhas. Acho que estava machucada. Você dizia que tudo ia ficar bem, mas a dor... Red, o que aconteceu comigo? Por que estou me lembrando disso?
—Jenna, não...
—Por favor, por favor, me diz.
—Você teve um filho, Jenna. Um bebê, que nasceu morto. –Caí sentada no sofá, se acreditar. Lágrimas começaram a se formar e escorreram pelo meu rosto. Lágrimas de nervosismo, medo, dor.
—Não...
—Você foi sequestrada, tirada da minha casa quando eu não estava. Tentei te achar, mas quando consegui era tarde.
—Red... Não. Não...
—Quando a encontrei, já tinha acontecido. Você estava grávida de três meses. Quis fazê-la tirar a criança, mas não consegui. Teve um aborto espontâneo.
—Quem fez isso comigo?
—Ele está morto, não importa mais.
—Quem fez?-Gritei.
—Acabou, Jenna. Eu o matei.
Cobri o rosto com as mãos. Era muita coisa para absorver de uma vez só. Sequestrada. Violentada. Um filho morto. Era isso que Red não queria que eu lembrasse. Era isso que tentou me fazer esquecer.
—Por que... –Solucei. –Por que não me disse antes?
—Como queria que eu te contasse? Não é qualquer coisa, Jenna. Você não lembra, mas eu sim. Me lembro de como ficou até que tudo acabasse, e de como ficou depois. Não tive outra alternativa a não ser tirar suas memórias.
—Por isso você disse aquelas coisas no hospital, quando achou que eu não podia te ouvir.
—A culpa foi minha, Jenna. Se eu tivesse cuidado melhor de você... –Levantei, um pouco perdida. –Jen?
—Eu... Eu tenho... Que ir.
—Jenna, você não está bem...
—Estou. Eu só quero... Ficar sozinha.
—Deixe que Demetri a leve.
—Não. Eu posso dirigir. Posso... Posso fazer isso.
Saí antes que tentasse me impedir.
***
Sinceramente não sei como cheguei ao meu apartamento sem bater num poste ou num carro. Eu estava muito perdida e fora de mim. Passei reto do meu prédio duas vezes e esqueci o carro ligado.
As coisas que Red havia contado ficaram na minha cabeça, se repetindo. Não podia ser verdade... Não podia...
Procurei pelo baú que havia me pertencido e peguei o diário. Quando será que tudo havia acontecido? Passei as páginas, procurando por alguma palavra chave que me fizesse descobrir quando tudo aconteceu. Encontrei o que procurava mais para o final.
“13/12/2000.
Querido diário, uma coisa ruim aconteceu. Um homem ruim me machucou. Ouvi tio Ray falando com um médico, parece que tem um bebê crescendo dentro de mim. Estou com medo, mas Ray disse que vai ficar tudo bem.
Não sei se quero um bebê. Mas acho que tenho que ficar com ele, não sei. Vou falar com tio Ray e perguntar o que acontece agora.”
Lágrimas caíram na página aberta. Eu sequer entedia o que tinha acontecido quando tinha treze anos. Treze. Era uma criança ainda.
Passei as folhas, vendo anotações de uma criança assustada com o que estava acontecendo, até encontrar o dia do suposto fim.
“29/12/2000.
Querido diário, meu bebê morreu. Tio Fox disse que ele nasceu muito antes do que deveria, e que ele morreu. Tio Ray disse que o bebê está no céu com meus pais. Vou rezar essa noite para que ele vire um anjinho, assim como minha mãe e meu pai.
Fiquei muito triste com o que aconteceu, mesmo que não quisesse ter um bebê. Tio Ray disse que eu posso ter um quando crescer, mas não sei se quero. Tenho medo que ele morra também.
Tive pesadelos ontem com o homem ruim que me machucou. Tio Ray me contou uma história e disse que eu não preciso ter medo, por que aquele homem ruim morreu e não vai mais poder me machucar.
Eu confio no tio Ray. Ele vai cuidar de mim, eu sei que vai.”
Queria voltar no tempo e abraçar a pequena e assustada Jenna. A letra dela era bonita, mas nesses dias estava tremida. Ela estava com muito medo.
Reconheci o “tio Fox” como o médico que havia apagado minha memória. Ele havia lidado com minha gravidez indesejada. Me perguntei se realmente tinha sido uma surpresa o bebê nascer morto, ou se Fox e Red haviam feito alguma coisa.
Reddington não mentiria sobre isso, mentiria? A pequena Jenna não sabia disso, mas ele me contaria agora, certo?
***
De manhã não consegui me forçar a ir para o trabalho, mesmo que quisesse. Na hora do almoço Ressler apareceu, preocupado. Como não abri a porta, ele entrou com a chave extra, a arma em mãos, apenas para me encontrar largada na cama, com o diário da pequena Jenna.
—Jen, o que houve?-Perguntou.
—Quero... Te mostrar uma coisa. –Me sentei e fiz um gesto para que ele fizesse o mesmo. Abri o diário e encontrei o dia 13/12/2000. –Descobri o que Red queria que eu esquecesse. –Entreguei o diário. –Leia isso, e o dia 29, também desse mês.
Abracei meus joelhos e esperei, enquanto Ressler lia. Encarei o chão. Eu sabia que precisava sair da cama e ir trabalhar, mas não conseguia. Não sentia que tinha forças pra isso.
—Jenna... Eu sinto muito. –Largou o diário e me abraçou. Meus olhos arderam, mas não havia mais lágrimas. –Sinto muito...
***
—Ressler me contou o que houve. –Keen disse. –Tem certeza de que quer mesmo voltar ao trabalho? Posso falar com Meera, tenho certeza de que ela te daria o tempo que precisasse pra descansar.
—Se ficar em casa, vou ficar pensando nisso o tempo todo. –Peguei uma das pastas sobre a mesa de Aram, mas não consegui me focar no que estava lendo.
—Jenna, você não precisa... –Parou, encarando um ponto atrás de mim.
—Lizzy?-Passou por mim. Me virei, largando a pasta. Elizabeth avançou na direção de Red, e, chocando todos que estavam vendo a cena, incluindo eu, deu um tapa na cara de Reddington. –Ai, droga.
—O que estava pensando, Raymond? Você sabe o que fez? Como pode?-Então saiu, sumindo dali em segundos.
—O que foi isso?-Aram perguntou, se afastando como se tivesse medo que ela voltasse e batesse nele.
—Eu não faço ideia. –Murmurei.
—Jenna. –Red chamou, se aproximando. –Preciso falar com você.
—Não tenho ânimo para mais mentiras, Red. Só me deixa quieta, tá?
—Não são mais mentiras. Quero que venha em um lugar comigo.
Eu podia simplesmente mandar Reddington pro inferno e seguir o conselho de Lizzy e ir pra casa. Mas a verdade... Era que algo me dizia que eu iria querer ir com Red.
Não muito depois, eu estava seguindo Raymond por um cemitério, com Demetri atrás de nós, mas longe do alcance sonoro.
—Por que me trouxe aqui?-Perguntei, olhando em volta. –Quem está enterrado aqui?
—Seu filho. –Parou em frente a um túmulo. Quase esbarrei nele, então recuei.
—Red... Eu... –Me calei, lágrimas escorreram. Imaginei a pequena Jenna ali, ao lado de Reddington, assustada e triste... Mas tentando ser forte. Uma imagem verdadeira piscou na minha memória. Eu, treze anos, ao lado de Red, de mãos dadas com ele. Chuva caía, se misturando às minhas lágrimas.
—Eu lamento muito, Jen.
Olhei para a inscrição na pedra mais uma vez antes de me virar e sair correndo.
“Raymond Mhoritz – Que o Céu ganhe mais um Anjo”.


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