Registro Panorâmico escrita por Titi


Capítulo 11
Aparição


Notas iniciais do capítulo

O capítulo de hoje será um pouquinho caótico... Espero que gostem mesmo assim.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/688554/chapter/11

Dois tempos seguidos de Matemática, porque já estar sendo um dia péssimo não é o bastante. Me deu mais sono do que no primeiro dia de aula. Quando a tortura acabou, tivemos aula de Geografia, aí o Folk apareceu. Salamander não desviou a atenção da explicação por isso. Sinceramente, eu não sei como aquele garoto consegue se controlar. Eu só não bato no lazarento do casaco de couro porque é evidente que ele é mais forte.

Aula de História... A hora do intervalo chegou e eu saí da sala com uma sensação de liberdade. Não tinham completado nem três dias no colégio e eu tinha cansado de estudar. Entrei no refeitório, mas não achei lugar pra me sentar. Tudo lotado.

—Quésia! –o Hebrom ficou de pé no banco e balançou os braços, sorrindo. –Vem pra cá! –eu fui andando rápido, pra ver se aquele maluco parava de chamar atenção do Universo.

—Sai de cima daí. –falei sentando entre ele e o Yamada tentando não tropeçar em nada.

A Ágata, o Zacur, um garoto e uma garota que eu ainda não tinha conhecido também estavam sentados ali. Eu me esforcei, mas não lembrei o nome deles daquele anuário...

—Desculpe. –ele voltou para o lugar. –Qué, essa é a Naomi... Carter. –ele apontou pra ruiva de cabelo curto e cacheado que sorria pra mim. –E aquele é o Jamal Andreas. –apontou para o nerd de cadeira de rodas, que usava uns óculos tipo fundo de garrafa. Era ele o garoto com asma que tossiu na minha apresentação do primeiro dia de aula. O nome dele eu deveria saber, já que é da minha sala.

—Oi... –eu nunca tinha ficado perto de tanta gente conhecida ao mesmo tempo. Gente conhecida que não estava me batendo ou falando mal de mim.

—Essa é mesmo a Quésia? É verdade que você rejeitou o Folk? –Naomi se esticou do outro lado da mesa pra ouvir a minha resposta.

—Naomi! –o Zacur ameaçou jogar um sapato nela. Aposto que ele tinha acabado de dizer pra não tocar no assunto.

—Deixa ela falar. –a Ágata se opôs.

—O que foi? Eu fui direta, e não disse nada pelas costas dela, diferente da Kyara Pardo Muanza D’Urville Melbourne. –fez a ruiva.

—Acabou de dizer isso pelas costas da Kya. Perdeu a moral. –o Wendel disse... e estava jogando, pra surpresa de ninguém.

—Quanto tempo demorou pra gravar o nome dela? –o irmão do Hebrom falou fazendo cara de impressionado.

—Ela era minha melhor amiga, Zac. –Naomi disse num suspiro.

—Ah, eh... Tinha esquecido... Lamento.

—Não é por nada que ela diz pra chamarem de pelo nome artístico... “Pandora”. Sei nem o que tem a ver... –Carter se revirava no banco.

—Quem é Kyara?... –eles provavelmente estavam falando de mim antes de chegar, mas eu permaneci mais interessada no que essa tal garota tinha espalhado sobre o que aconteceu. Eu já tinha quase certeza de quem era.

—Sabe a garota de cabelo roxo? Vamos lá, não há nenhuma outra garota na escola com cabelo roxo. –Jamal finalmente falou alguma coisa.

—Só a prima dela. –Naomi tentou corrigir.

—Não, daltônica. O cabelo dela é lilás. E é um lilás bem desbotado. –Yamada, doce como sempre.

—Kyara é uma amiguinha da Ariadne? –perguntei.

—Essa mesma. –ele confirmou.

Já esperava...

—A “Pandora” gosta do Hebrom. –eu tive a leve impressão de que, nessa hora, a Raitz quis me irritar.

—Sério?... Ela é bonita... Poderia sair com ela. –falei sem me importar muito.

—Eu não gosto dela. –isso me deu um certo alívio, mas o Salamander não parecia estar feliz.

—Ah, é. O anãozinho do... Como é o nome daquele menininho de cabelo castanho? Ah, sim!  O anãozinho do Ícaro é que gosta. Coitado... Tá, mas voltando ao assunto, porque a Quésia largou o garoto mais lindo da escola? –Naomi ficou ainda mais curiosa.

—Eu não larguei ninguém. –respondi.

—Então vocês ainda estão juntos?

—Nós nunca estivemos juntos. Porque eu tenho que “estar” com alguém? Vocês não têm mais o que fazer, não?

—Ela está certa. Vocês precisam parar de ficar falando dos relacionamentos dos outros e perceber que estão na escola pra estudar! –Hebrom disse, olhando pra mesa.

—Parece que alguém não tá aprovando muito desse assunto. –Raitz comentou.

—Ágata, não começa. –o Zacur falou entre risos.

O Salamander saiu do refeitório explodindo. Pra mim, isso começou a virar rotina, cada dia uma frescura diferente. Mas é comum, muita gente ama inventar problema onde não existe.

Tentei ir atrás do garoto, mas do meio das sombras apareceu uma perna usando um tamanco rosa choque e me derrubou.

—Qual é a do desejo continuo de me fazer cair, Ariadne? –já era de se esperar que fosse ela. Só que eu admito que aparecer naquele exato momento foi um imprevisto.

—Só estou te colocando no seu lugar. –fiquei calada com aquela resposta.

Todo mundo estava olhando, e meu coração quase saía pela boca. Eu sempre fui humilhada, mas geralmente não era em público. Quase ninguém viu quando eu caí no gramado, por isso não fiquei tão nervosa quanto agora.

Tentei me levantar, mas a criatura me chutou de volta.

—Ah, vai rodar a bolsinha, Galvão. –a Raitz apareceu e puxou o cabelo dela.

—Solta, Miss barraco! –deu um passo pra trás.

—Então você se preocupa com o cabelo? Bom saber. –Ágata enfiou a mão no prato de um garoto bem baixinho de cabelo castanho, provavelmente o admirador da Kyara, e jogou um punhado de espaguete na cabeça da Ariadne.

—O que você fez, sua porca?!

—Bem-vinda ao Brasil, minha filha. Aprenda a viver. –esfregou mais um pouco no rosto dela.

A patricinha parou de fazer cara de “Não acredito que você fez isso” e tentou jogar um copo com suco que era de laranja, que tinha gosto de melancia e parecia uva na blusa Raitz. Por sorte ela conseguiu desviar. O líquido não identificado foi parar no vestido de uma das duas únicas amigas da Ariadne: Aquela outra loira, Bianca, que começou a dizer tudo quanto é nome, mencionando que aquela roupa era de grife e sei lá mais o quê.

Então um menino gordo com cabelo acinzentado e olhos azuis que estava ao lado dela também entrou na conversa civilizada:

—Você tá preocupada com a sua roupa?! Olha só o desperdício dessa comida! Tanta gente passando fome no mundo! Juro pra vocês que se eu fizesse uma coisa assim lá em casa, a minha mãe iria... –alguém interrompeu o discurso inspirador dele jogando um prato com pudim... Uma gelatina... Enfim, um treco gosmento na cara dele. A comida daquela escola é... peculiar.

Até que um ousado no fundo do refeitório gritou “Guerra de comida!”, nessa hora começou a baderna e eu aproveitei para ir pra debaixo de uma das mesas. O Wendel estava debaixo da mesma mesa onde eu me escondi.

—Ah, e aí, Qué-chan?

—Você sempre fica em lugares assim? E outra, por que tá se escondendo? Achei que se interessasse por esse tipo de coisa.

—Eu gosto de ver e ouvir brigas e tretas, não de participar delas. Só respondo se me chamarem.

—Hm... Me ajuda a sair daqui?

—Você não deve sair daqui. A menos que queira morrer, é claro.

—Sem querer ofender, mas não foi conselho que eu pedi.

—Beleza. Se quer cometer suicídio, eu não tenho nada a ver com isso. –ele deu uma bandeja na mão. –Procura não ser atingida. A saída mais próxima é aquela dali. –apontou uma porta pequena, restrita aos funcionários do colégio.

—Você parece conhecer bem demais esse lugar...

—É que eu curto alguns jogos de estratégia...

—Ah... Entendo... –na verdade não, eu não entendia.

Saí correndo usando aquela bandeja velha de plástico como escudo. O Edgar me deixaria dormindo no portão da escola se eu tentasse entrar no seu carro com a roupa suja. Por sorte nada me acertou, mas quando passei por aquela porta encontrei o que eu menos queria. Fiquei atrás de uma estante e olhei a cena.

—Eu só estou pedindo para adoçar mais um pouco este maldito café! Você acha que o meu trabalho é fácil e eu tenho todo tempo do mundo?! Eu tenho muito que fazer! Diferente da sua pessoa! –a professora de Português se esperneava na frente de uma cozinheira.

—Já vou resolver isso, querida... –ela resmungou e foi até o balcão. Botou algumas colheres de açúcar e cuspiu na xícara. –Aqui. Toma. –a funcionária abriu um sorriso falso.

—Obrigada. –a mulher ranzinza deu um gole no café e saiu. Tapei minha boca pra ninguém ouvir a risada.

—Tia, tá tendo uma guerra de comida lá fora! –era a do cabelo roxo, a Kyara, quem tinha entrado ali.

—Hã? Deixa eu ver isso! –a mulher saiu da cozinha.

Fui à porta dos fundos, que por sorte estava aberta, e passei por ela. Até diria que o Yamada queria que eu me ferrasse, mas depois dali e fui parar direto no pátio. Eu encontrei o Hebrom num canto de braço cruzado e fazendo bico.

—Quésia! –ele sorriu, mas na mesma hora voltou a amarrar a cara. –O que você quer?

 –Por que você saiu daquele jeito de novo?

—Por que você não vai se preocupar com o Folk?

—Ah... Já entendi...

—Então pode ir!

Eu estava prestes a dar o fora dali, mas uma súbita vontade de esfregar minha razão na cara dele me fez mudar de ideia e perder a vergonha de dizer. Meu orgulho ficou maior que minha timidez, e eu saí falando:

—Não! Me obrigue! Você está agindo que nem um retardado só por causa daquele... Daquele encosto! Não sou eu quem fica procurando! Além do mais, nem faz uma semana que te conheço! Q-Quem é você pra me dizer com quem andar?! –eu jurava que iria desmaiar. Raramente consigo falar o que penso. –Hebrom, você era a única pessoa que eu não esperava fazer esse tipo de idiotice... Eu não te entendo, não consigo te entender, você é um completo mistério! Qual é o seu problema? Diz que não quer que eu te substitua... Olha só pra mim! Por quem eu vou te substituir? Meu irmão não tá nem aí pra mim, e a única amiga que eu consegui nesse lixo de escola não me diz nada sobre o que sente e me mataria se eu tentasse perguntar!

—Ágata não é tão violenta quanto parece...

—Não é esse o caso! Você é o único que me procura! Sinceramente, as chances de você me substituir são bem maiores.

—Eu... Não devia ter ficado daquele jeito... Mas foi por eu me importar com você! Eu sei que sei não estou certo, mas... Quésia, eu nunca colocaria outro alguém no seu lugar... Eu gosto muito de você... Me desculpe. –uma lágrima desceu do olho direito dele.

—Verdade? –minha voz estava tão trêmula quanto meu corpo.

—Claro... Ah... Caramba... Eu sou tão fraco. –Salamander enxugou o rosto. –Você não vai se livrar de mim tão fácil. –voltou a sorrir normalmente.

—Nem se precisar voltar pro seu país?

—Nunca. É uma promessa. –ele estendeu o mindinho. –Eu sei que consigo cumprir.

—Que bom... –tentei imitá-lo.

—Desculpe de novo. –entrelaçou os nossos dedos e pareceu ficar feliz aos poucos de novo. –Vamos voltar pra sala. Já passou da hora... –aproveitou pra segurar a minha mão.

Eu ainda não estava acreditando naquilo. Ele realmente não era nada do que eu tinha visto... Era infinitamente melhor.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Esses dois juntos é uma gracinha... Sabe o que mais seria uma gracinha? Se alguém comentasse essa joça. Vocês estão gostando ou não, meu povo?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Registro Panorâmico" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.