Mesmo se não der certo escrita por prr


Capítulo 11
11 – Os preparativos




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Os garotos aproveitaram os meses antes das férias para planejar a viagem e pesquisar as cidades num raio de 150 km que tinham algo de legal para fazer (o que não era uma tarefa difícil já que as cidades mais longes eram as mais legais e não as mais próximas). Além disso, fizeram anotações dos hotéis com o melhor custo benefício entre preço e qualidade, e também procuraram restaurantes e lanchonetes.

Desde que começaram os preparativos da viagem, todos na casa pareciam mais felizes. Denis estava bastante empolgado com a viagem e aceitando mais a companhia dos amigos. A mãe estava menos “grudada” no filho mais novo.

Entretanto, dois dias antes da viagem, Denis apertou o dedo em uma cadeira daquelas de fechar e teve que dar cinco pontos. Por mais que dissessem para ele que isso acontece com qualquer pessoa e é mais comum do que se imagino, isso fez com que ele se sentisse inútil mais uma vez e ter a certeza de que ele não passava de um peso morto na vida de todos ao seu redor. Decidiu portanto não ir mais na viagem. Se ele voltasse para a casa com algum machucado desses ou maior, a mãe não ficaria nenhum pouco feliz com Leonardo e não deixaria Denis sair sem ela mais.

— Denis, o Léo já arrumou as coisas dele. Que horas você pretende arrumar as suas? – O pai perguntou, entrando no quarto de Denis, que estava deitado na cama ouvindo música. Denis não tinha contado para ninguém sobre sua decisão de não ir, porque ele sabia que iriam falar e falar e falar. – Vocês saem amanhã cedo e é melhor não arrumar as coisas de última hora.

— Eu não vou mais. – Denis falou, tentando ao máximo fingir que não se importava.

— Por causa do dedo? Isso é coisa simples, se ficar doendo, só ir num posto de saúde que cuidam disso pra você.

— Não é por isso. Eu só não quero ir mais. Só isso.

Denis colocou os fones no ouvido novamente e ignorou a presença do pai no quarto. O restante do dia, Denis passou sozinho em seu quarto, levantando somente para ir ao banheiro e ignorando a presença de todos. Não queria falar sobre o assunto da viagem. Ele queria ir, é claro que queria ir. Tinha feito planos e tudo mais. Só que quando machucou o dedo, percebeu de novo que essas coisas não faziam mais parte da vida dele. Agora, enquanto ele vivesse, seus dias seriam limitados a ser cuidado e vigiado vinte e quatro horas por dia, tendo sempre alguém para ajudá-lo ou fazer as coisas por ele. Viver na casa dos pais até eles morrerem e depois ir para a casa do irmão ou para um asilo. Isto é, se ele vivesse tanto, porque pela vontade dele, já teria morrido há alguns meses.

Denis estava cansado de todo mundo ter pena dele. Denis estava cansado da vida que tinha. Denis estava cansado de se sentir um fardo.

— Oi Denis. – Uma voz doce chegou nos ouvidos de Denis. Era Vitória, a garota que foi sua namorada de infância. Ele gostava de ouvir a voz dela. – Sua mãe falou que você estava aqui e que eu podia entrar.

— Oi. – Ele queria falar mais, conversar mais com ela. Mas simplesmente disse um “oi” seco e ríspido, não queria ser um fardo para Vitória também. A menina não iria querer um amigo apaixonado por ela e cego. Eles nunca poderiam se casar, porque a visão dele só pioraria e ela teria que tomar conta dele. No fim, ela ficaria com ele não por amor, mas por pena. E mesmo que fossem apenas amigos, seria aquele tipo de amizade em que ela sentiria tanta pena dele, que talvez daria mais atenção à ele que ao marido e ele não queria atrapalhar o futuro dela.

— Então, o Victor não vai poder ir na viagem com vocês. Ele foi dar um salto contra a parede ontem de noite, caiu e quebrou a perna. Está no hospital ainda, com a perna pendurada. Tenho uma foto... é...

. Avisa o Leonardo, porque eu também não vou.

— Por que não?

— Porque, veja só. – Denis levantou a mão, mostrando o dedo machucado. – Não posso sequer fechar uma cadeira sozinho que me machuco. Não quero dar trabalho pra eles na viagem. Bom, na verdade, não quero estragar a vida de mais ninguém, mas meus pais insistem em ficar comigo. Não passo de um peso morto nessa casa. – Denis sentiu uma grande vontade de colocar tudo pra fora e colocou. Não sabia se era a voz doce de Vitória, ou a simples presença dela ali, o fato é que ele falou tudo que estava guardando só pra ele.

— Hum. Certo. Entendo seu ponto de vista.

— Você acha que eu tenho razão? Fala isso pra minha mãe, talvez...

— Não Denis, você não tem razão. Eu disse que entendo seu ponto de vista, mas não concordo com ele. – Vitória suspirou. – Você me conhece desde sempre e sabe que desde sempre eu tenho esse problema na perna e por causa disso além de andar mancando, tenho que usar um aparelho nas pernas para ajudar a andar. Sabia que várias pessoas com esse mesmo problema que eu não conseguem andar? Bom, eu consigo, não é mesmo?

— Vitória, não é a mesma coisa. Caramba, você consegue andar. Eu não vou conseguir enxergar mais. E nem poder andar vai ser muito bom pra mim, porque vai ser mais seguro ficar só sentado ou deitado, para não correr o risco de sair trombando nas coisas.

— É a mesma coisa, Denis. Você não gosta de estar assim e eu também não gosto de ter esse problema nas pernas. Sabe, não é divertido as pessoas ficarem me olhando como se eu fosse de outro planeta só porque tenho um aparelho na perna e tenho dificuldade para andar. Mas eu não me importo mais com isso. Já me importei, é claro que já e sofri muito com isso. Mas nem por isso parei de me esforçar. Meus pais me apoiaram e me ajudam a superar cada obstáculo. Meu irmão e meus amigos também estão lá por mim, sempre que eu preciso. Como eu disse, eu podia estar numa cadeira de rodas, mas felizmente meus pais me incentivarem e me esforçar e fazer tudo o que fosse necessário para não estar. E mesmo que não tivesses outro jeito e eu não conseguisse andar, tudo bem, porque eu sei que tem um monte de gente para me apoiar, um monte de gente que me quer bem, que me ama. – Denis ouvia com atenção o que Vitória dizia, pensando em sua vida e no que ela dizia. – Eu tinha vontade de correr como as outras crianças, sei lá, jogar vôlei ou futebol. Eu não consigo e aceitei isso. E não é porque eu não consigo isso que vou desistir de fazer as outras coisas que eu posso. Eu jogo xadrez e sou boa. Para de se preocupar com o que você não consegue fazer e se preocupa com o que você consegue fazer e em maneiras de fazer o que não consegue. E é claro, acidentes acontecem com todos, não vê o idiota do meu irmão? Mas os machucados são para nos deixar mais fortes, mais resistentes. E não se preocupe em ser um peso para os outros, se estão fazendo o que estão fazendo por você, é porque você é importante para eles, porque eles te amam e vão fazer de tudo para que você esteja feliz. Sabe por que? Porque quando alguém gosta da gente, fazer o outro feliz, nos deixa feliz.

Denis ficou parado e começou a chorar. Vitória segurou suas mãos e ele se aproximou mais, abraçando-a. Ficaram uns cinco minutos assim, até que Leonardo chegou do supermercado.

— Léo! Comprou lanche pra mim? Porque eu indo. – Denis gritou de seu quarto para o irmão que estava no corredor entre a cozinha e a sala.

— Sabia que você ia mudar de ideia. – Leonardo entrou no quarto de Denis. – Ah, oi Vitória. Olha, se veio para implorar a gente para deixarmos você ir, não dá, é só homens.

Os três riram. Vitória contou sobre o que aconteceu com o irmão e depois Leonardo foi juntar as mochilas e a sacola de lanches e conferir o dinheiro e todo o resto mais uma vez.

— Vou indo, senão atraso vocês. – Vitória colocou a mão sem machucados de Denis entre as suas. – E divirta-se. Vale a pena viver. Principalmente quando se tem pessoas que nos querem bem ao nosso redor.

— Vitória... hum... obrigado. Vou pensar mais no que você falou. E por agora, me divertir na viagem. – Vitória encostou os lábios levemente nos de Denis e foi embora apressada. Denis ficou sentado na cama, com o rosto corado e um sorriso bobo.


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