A Lagarta escrita por Vatrushka


Capítulo 24
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O Palácio havia sido reformado. Se antes era constituído unicamente por rubis, agora era completamente talhado em esmeraldas.

Após saírem de sua "prisão", os cinco tiveram de passar por um corredor particularmente curioso. Sua parede esquerda foi completamente coberta por uma longa pintura.

Ao longo que andavam, testemunhavam um resumo visual da história que os Verdes haviam recriado dos acontecimentos.

O primeiro cenário era a antiga Vila dos Guardas de Paus. Um cenário triste, escuro, cercado de pessoas fragilizadas e sem esperança. Os tons escuros foram evoluindo para uma cena  específica: Pan retornando das Terras Desconhecidas. As pessoas dali, aclamando o pressuposto vencedor.

Aos poucos, o tom das folhas do cenário iam se misturando à figura de Alice, convocando os reprimidos à luta. 

Os acontecimentos foram se dissociando. Uma conquista ali, uma batalha vencida lá. Um massacre de vez em quando, para causar comoção.

Foi então que apareceram sete personagens de pose heroica e destemida, contrastando do fundo dourado: a Lagarta, o Chapeleiro, o Gêmeos, a Lebre, o Arganaz, o Gato e a Duquesa; posando para desafiar  Victoria naquela primeira celebração que começara tudo...

Giullian e Lana reviraram os olhos instantaneamente. "Só nós três estávamos lá naquela hora." Murmurou a feiticeira.

"Chega a ser humilhante a forma que resumem a nossa jornada. Como vou poder explicar isso pros meus netos um dia? Vão rir de mim!" Respondeu Giullian, indignado.

Mais alguns acontecimentos. Convocação do exército rebelde. 

Casamento Vermelho.

Lana interrompeu os passos, sentindo uma pontada no peito.

"Quer que eu tampe seus olhos?" Sugeriu Ghunter, apreensivo.

A Lagarta ergueu o queixo, forte. "Não. Eu preciso ver."

Os quatro amigos recuaram um pouco, para que Lana tivesse seu tempo com a cena retratada.

Exército de Copas e de Ouros batalhando com o de Espadas, Paus e o resto da população. Nobres fugindo, desesperados.

O Gato matando o Coelho Branco.

O Rei matando o Chapeleiro.

A Lagarta matando o Rei, cumprindo sua profecia; aquela que fizera lendo a mão de Viktor tantos dias antes - A guerra que escolheu para lutar é muito perigosa, Viktor. E você é um soldado muito talentoso. Só precisa mudar de lado, se quiser sair vencedor... E com sua cabeça junto ao pescoço.

Ele não havia sido decapitado, mas a ideia de morte se concretizou.

A Lebre matando a Rainha.

Pan e Alice morrendo em batalha. Heroicos, solidários.

Sacrifício.

Lana congelou em frente ao final da pintura.

Carl, enterrado como um Rei. Abraçado à sua espada. Com uma coroa na cabeça, ao invés de sua cartola preferida. Cercado de ervas com flores brancas.

A Lagarta tentou controlar a tremedeira de revolta surgindo em seu corpo, sentindo as lágrimas quentes de ódio descerem o rosto. 'Como ousam.' Sua mente bradava. 'COMO OUSAM?!'

Seu peito descia e subia, em um ataque de ódio reprimido. Carl não era assim. 

"Carl não era assim!"

Lana começou a andar em círculos, berrando, enfurecida.

"Carl não era um rei! Carl era o Chapeleiro! Era o meu amigo, uma vítima, o meu protegido! O meu amigo! Ele era o meu! Meu! Meu! Meu!"

A mão de Luce em seu braço foi o que a impediu que destruir a pintura com chamas azuis.

Lana curvou a cabeça, envergonhada. 

"Ele era meu." 

Participaram de uma Conferência com as maiores autoridades do Parlamento.  Todos eram ex-Cartas de Paus. Um ou outro eram de Espadas.

Lana e seus amigos sabiam que aqueles revolucionários eram, no final de tudo, boas pessoas - apenas tentando fazer o que achavam certo. Construir um Governo que superasse o antigo. Isto estava explícito na bandeira verde dependurada em todos os cantos, grifadas com as palavras Igualdade e Paz. Apesar de receosa, a Lagarta sentiu uma intuição de tranquilidade a respeito. Tinha a impressão que conseguiriam.

Os parlamentares explicaram a situação do País das Maravilhas, deixaram claro que ali estariam seguros, e se desculparam por quaisquer inconvenientes.

'Por quaisquer inconvenientes.' As palavras ressoaram pela mente da Lagarta e do Gato, segurando para não bufarem.

As suspeitas de Lana estavam certas. Aquilo se tratava realmente de uma Monarquia Parlamentar.

"Alan vêm agido como príncipe regente." Explicitaram os parlamentares. Usavam casacos verdes. "Viemos aguardando a chegada de vocês, para que a rainha enfim pudesse assumir."

Luce sentiu um arrepio congelante subir pela sua barriga e coluna. Alan e ela eram gêmeos, mas era a Lebre que havia nascido primeiro. Era a mais velha, portanto, a herdeira do trono.

"Eu renuncio." Declarou imediatamente.

Lana fingiu não reparar no suspiro de alívio de Giullian.

Os Verdes trocaram olhares, afiados como facas.

"Espero que entenda a dimensão de sua decisão, Lebre." O tom de voz já não estava mais tão suave. "A população está aflita, quer saber se os heróis da revolução receberam seus devidos... Merecidos. Não queremos passar por ingratos, queremos?"

A Lebre não se encolheu, como normalmente faria. Se inclinou sobre a mesa e respondeu com rispidez:

"Eu não sou um quadro, senhores."

Lana viu que a paciência dos parlamentares estava começando a se esgotar. Por mais que ainda guardasse ódio em sua garganta, sabia que não podia desperdiçar a sorte que recebera.

Poder voltar a viver uma vida, com sua família e amigos, no País das Maravilhas, ao lado das Flores. Há alguns dias atrás, isso seria impensável.

Arriscou esta realidade uma vez. Não a arriscaria de novo.

A Lagarta se levantou, incrivelmente calma.

"Não deixaremos a população frustrada, senhores." Prosseguiu. "Mas creio que ajudaremos de outra forma."

Os Verdes pareceram se acalmar um pouco, à espera da solução que seria instaurada pela Azul.

"Luce não será a Rainha, mas poderá continuar sendo uma figura popular importante. Tenho certeza que não se acataria em ajudar os fragilizados pela Guerra..." Ao mencionar a palavra "guerra", os parlamentares vacilaram. Não gostavam de utilizar este termo. Ciente disto, a Lagarta continuou: "... e propagar ideais de igualdade e paz. Certo?"

O olhar de Lana encontrou o de Luce. A jovem sabia que o faria, com ou sem acordos.

"Têm a minha palavra." Decretou a Lebre. "O farei, mas não como rainha."

Os Verdes assentiram, menos aborrecidos. "Pois bem. Alan assumirá como Rei, então."

Luce olhou para Alan, esperando alguma objeção por parte deste. Para sua frustração, não encontrou nada mais que uma expressão vazia.

Teria uma longa conversa com ele depois.

"Mas e vocês três?" Os parlamentares se referiram a Giullian, Ghunter e Lana. "Como irão colaborar?"

Giullian foi o primeiro a falar, com um tom excessivamente doce. "Farei como a Lebre. Podemos fazer turnês ao longo do País, acalmando a população e trocando solidariedades."

Apenas Lana pôde entender o que Giullian realmente queria dizer com "trocando solidariedades."

Ghunter parecia ter a intenção de acompanhá-los, mas por algum motivo a ideia a desmotivou. Ele cravou o olhar em Lana, analisando todos seus movimentos.

Lana, após muito pensar, falou: "Eu quero virar uma parlamentar. Trabalhar na defesa dos direitos das Flores."

Um longo silêncio se estabeleceu na sala. Todos pareciam medir os prós e contras.

"Muito bem. Creio que será de grande ajuda." Admitiram. "E você, Gato?"

Lana segurou o ímpeto de rir. Desde quando Ghunter se permitia ser comandado ou controlado? Ver um ex-criminoso se envolver com política seria no mínimo interessante...

"Ficarei com a Lagarta."

Lana se voltou para Ghunter. Interrogou, por olhar, se ele tinha certeza disso. O violeta de seus olhos respondeu com determinação.

A partir da reunião, foram dispensados.

Giullian se aproximou de Lana. "Sabe... Dizem que você é boa com profecias. O que me diz?"

Lana suspirou.

"Vai ficar tudo bem. O País das Maravilhas vai conhecer uma estabilidade e harmonia que já não via a muito tempo. O Parlamento fará jus à sua bandeira. As Flores vão finalmente conhecer a paz, e o meu trabalho estará feito."

Giullian ergueu a sobrancelha. "Me soa... Otimista."

A Lagarta, depois de muito tempo, se permitiu sorrir. "Alguma vez eu já errei uma profecia?"


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Notas finais do capítulo

NOPE
NUM ACABO AINDA, SEGURA O FORNINHO kkkkkkkkkkk
(tenho que parar de fazer desfechos que soem tanto como um final absoluto)
Mas calma, tá quase lá. Temos alguns assuntos a tratar ainda ( ͡° ͜ʖ ͡°)



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