Lá E De Volta Outra Vez escrita por Pacheca


Capítulo 86
A Última Despedida


Notas iniciais do capítulo

Pessoal, que sumiço esse meu. Tentei dar uma avançada no UL antes de terminar aqui, mas ainda não decidi se escrevo uma continuação (ainda mais agora com o alternative life). Desculpem a demora, aproveitem!



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Nossa bolha era tão perfeita que eu poderia ficar ali para sempre. Infelizmente, o microfone nos denunciou o temido momento. O fim.

— É isso, pessoal, nosso baile chegou ao fim.  – A voz de Faraize me fez dar um passo para trás, ainda sem soltar o abraço que eu dava em Lys. O professor continuou com seu pequeno discurso, a voz parecendo triste. – Foi uma noite maravilhosa. Foi...uma experiência maravilhosa.

Não pude evitar o pensamento que me ocorreu. Faraize era uma excelente pessoa, sem dúvidas. Talvez ele não tivesse se encontrado no mundo, mas ele merecia ser feliz. Sorri, pesarosa.

— Posso te levar até em casa? – Lysandre finalmente me trouxe de volta ao mundo real. Não tinha mais música, uma porção enorme dos balões tinham estourado, algumas meninas desciam dos saltos e já deixavam o ginásio.

— Aceito, claro. – Segurei seu braço e o segui para o pátio, o vento frio me dando outro choque de realidade. Ele percebeu o arrepio e me entregou seu casaco. – Obrigada.

O perfume dele me envolveu assim que o agasalho cobriu meus ombros, me fazendo dar um sorriso bobo. Ele me olhou, mas não disse nada. Peguei seu braço de novo e passamos a caminhar, nossos passos demorados tanto pelos meus saltos quanto pela vontade de estender aquele momento.

— Ainda pudemos ver o céu juntos. – Comentei, passando pelo parque e vendo as estrelas piscando sobre nossas cabeças. Ele sorriu, olhando também. – Gosta das estrelas?

    – Encarava a vastidão do céu estrelado esperando enxergar em todo aquele azul pontilhado a insignificância que imaginava ser, e, no entanto, acabou se percebendo tão imensa quanto a noite. – Aquilo me pegou de surpresa, abaixando meus olhos de volta para os seus. Aquele bendito texto que eu escrevi, querendo comparar minhas habilidades as dele. – Passei a gostar mais depois de uma certa criação.

— É mesmo incrível como sua memória pode ser conveniente. – Eu podia sentir o rubor no meu rosto, mas ele não disse mais nada, voltando a caminhar.

Finalmente chegamos ao prédio, o silêncio denunciando meu suspiro. Eu não tinha pressa nenhuma de entrar. Ele parou na minha frente, esperando que eu dissesse algo.

— Foi uma noite maravilhosa, que eu gostaria muito que não terminasse nunca.

— Fico feliz que tenha tinha uma boa noite. Foi mesmo curto.

— Você gostou tanto quanto eu? – Perguntei provocando, mas no fundo eu queria mesmo saber. Eu sempre imaginava se Lysandre sentia comigo um quinto do que eu sentia em sua companhia.

— Claro. Também, nada nos impede de repetirmos a dose, podemos dançar se você quiser.

— Seria ótimo.

— Eu poderia te levar ao show de alguma banda, mas não sei se você gostaria.

— Da banda? Bom, tem um jeito de descobrir, não é? Vamos. – Ele sorriu, também adiando sua partida. Sem pensar direito, ergui a mão e acariciei de leve seus lábios com a ponta dos dedos. – Eu comentei que você ficou absolutamente impecável com essa roupa?

— Fiz algum esforço. O que você provavelmente não fez.

— Não gostou? – Ele conseguiu me pegar desprevenida por meio segundo, até rir e me acalmar.

— Eu amei, mas você sempre está maravilhosa. – Revirei os olhos, mas não hesitei quando ele me puxou pelo quadril, o rosto colado ao meu pronto para o beijo que deveria vir a seguir. Deveria, mas não veio. Não abri os olhos.

— Oi, pai. – Finalmente o vi, dando um passo para trás. Pela primeira vez, ele pareceu constrangido em estar ali. – Tudo bem?

— Oh, boa noite. Não quis interromper, querida, eu cheguei agora. – Ele limpou os óculos na blusa, como se fosse espantar o cansaço, colocando-os de volta e nos encarando por um instante. – Belo terno. Aliás, vocês dois estão muito bonitos.

Ele estava emocionado? Uma pequena parte de mim sentiu vergonha, mas a outra estava em sintonia com aquele sentimento. Ele piscou e deu de ombros.

— Bem, eu vou subir e dormir logo, estou exausto. Anna...

— Vou subir com o senhor. Só um minuto. – Ele esperou, praticamente de costas para nós. Lys sorriu, tranquilo dessa vez.

— Boa noite.

— Boa noite, Lys. – Pontuei com um beijo em seu rosto e acenei, finalmente tomando a mão do meu pai para subirmos as escadas juntos. Lysandre só foi embora quando sumimos do seu campo de visão.

— Eu realmente não queria interromper, eu juro. – Meu pai disse assim que ficamos sozinhos na sala. Mamãe nos recebeu, feliz em nos ver chegando juntos. Apesar dos resmungos do meu pai sobre a reunião dele, ambos esperavam meu relato sobre o baile.

— Foi ótimo. Faraize foi um excelente DJ, dançamos a noite toda, foi mágico. – Finalmente me sentei e tirei as sandálias, mal sentindo meus pés. Suspirei, aliviada. – Um pouquinho triste também. Acho que ninguém acha que sair da escola vai ser tão...estranho.

— Te entendo, minha querida. A partir de agora, muitas coisas vão ser novidade. – Ela sorria, compreensiva. – Bom, agora que todos estão em casa, posso dormir tranquila. Boa noite, não demorem.

Ela se recolheu primeiro. Meu pai ficou em silêncio, pensando um pouco antes de decidir subir para o quarto. Segurei sua mão, parados ao pé da escada. Tive que tomar a iniciativa.

— Obrigada.

— Pelo que?

— Primeiro, por se portar bem diante de Lysandre. – Ele revirou os olhos, mas eu sabia que ele estava me levando a sério. – Pelo elogio também. Por se emocionar...

— Meu bem. – Ele me interrompeu, o sentimento voltando aos seus olhos. – Também é estranho para os pais verem seus filhos crescendo. Perceber que o futuro distante chegou tão rápido.

— Eu sei. Pelo menos, estamos todos com medo. – Dei de ombros, fazendo-o dar uma risada fraca. – Vamos viver um dia de cada vez, pode ser?

— Pode. Vamos dormir. – Ele me deu um beijo na bochecha antes de subir as escadas. Segui-o, pensando no que eu mesma tinha proposto. Não tinha outro jeito. Só o que eu podia fazer era acordar cada dia e ver onde eu estaria ao final dele.

Entrei no meu quarto, fechando a porta devagar e colocando as sandálias no chão com cuidado, tentando minimizar ao máximo o barulho. Parei de frente para o espelho do banheiro, me vendo de novo no vestido. Acho que eu nunca tinha me sentido tão bem, tão bonita antes. Sorri para meu reflexo.

Meus ouvidos ainda zumbiam, só percebi quando fiquei no silêncio absoluto do meu quarto. Soltei o cabelo e tirei o vestido, dobrando-o com cuidado. Meu reflexo ainda denunciava minhas últimas horas, a marca fraca do batom de Rosa na minha bochecha e o glitter pregado em lugares aleatórios do meu corpo.

Joguei o algodão com demaquilante fora e estudei meu reflexo mais uma vez, agora só de calcinha e sutiã. Aquele momento particular foi o suficiente para que uma epifania me acometesse. Era como se fosse a primeira vez que a pessoa do espelho me encarando de volta fosse eu. Sorri.

Aquela era eu.

Eu ainda me sentia bonita, ainda sentia a euforia e a alegria da noite, sentia o desejo não familiar que me possuía a cada momento que Lysandre passava a mão pelos meus braços ou me segurava pela cintura, o leve aperto que ele me dava nos quadris. E ainda assim, todas as outras experiências também me encaravam por trás do vidro.

Não sei quanto tempo fiquei ali, contemplando tudo aquilo, mas consegui me mover e ir me deitar, sem me preocupar em por um pijama. Finalmente aceitando que o fim daquele dia não era uma tragédia, fechei os olhos e me permiti descansar.

Acordei no dia seguinte com o cheiro de comida invadindo meu quarto, meu pai já fazendo o almoço pelo horário. Resmunguei e fiquei de pé, o cansaço físico finalmente me trazendo de volta à realidade e me deixando um caco.

Aproveitei a refeição para comentar sobre o temido futuro. Eu começava a visualizar o que queria, mas ainda sentia aquela hesitação e ansiedade. Meus pais não me forçaram a dizer no que estava pensando, mas me aconselharam para ter um pouco de coragem.

— Não vai ser o fim do mundo se algo der errado, meu bem. Se não gostar de um curso, pode começar outro, pode se formar e trabalhar com outra coisa. Só precisa ter coragem para começar novos ciclos. – Minha mãe disse antes de tirar a mesa e ir lavar a louça.

Foram dias leves, passados na maior parte do tempo no meu quarto, com meus fones e meu computador. Meu estômago só voltou a dar cambalhotas quando finalmente chegou o grande dia: minha formatura.

— Meu bem, já está pronta? – Minha mãe perguntou, prendendo o colar de pérolas. – Anna, não vai se atrasar para sua própria formatura, não é?

— Só mais um minuto, mãe. Já estou quase pronta. – Eu só precisava terminar de fazer aquele bendito delineado e calçar minhas sandálias, então estaria pronta. Meu pai entrou no quarto também, ansioso.

— Bem, eu já vou ligando o carro, espero vocês. – Minha mãe riu, finalmente terminando de se arrumar. Ela pegou um par de brincos nas minhas coisas e me entregou.

— Seu pai está muito empolgado.

— Dá pra ver, ele é um amor. Prontinho.

Meu coração parecia uma bateria de escola de samba, piorando a cada momento que nos aproximávamos da escola. Meu pai me ajudou a descer. Os dois pareciam querer me dizer algo.

— O que?

— Só queríamos te dizer que estamos muito orgulhosos de você. – Minha mãe comentou, segurando minhas mãos.

— Não duvidávamos que ia conseguir o diploma, mas não nos ajudou a nos preparar para essa emoção. – Meu pai comentou. Sorri para os dois, um pouco mais calma.

— Obrigada, vocês dois.

Rosa chegou logo em seguida, interrompendo o momento. Nossos pais trocaram uma rápida conversa, antes de decidirmos entrar logo. Encontramos Violette no meio do pátio com uma pilha enorme de papéis.

— Eu esqueci de esvaziar meu armário, são meus desenhos. – Ela explicava para a diretora sua situação. Ela aconselhou que verificássemos se nada nosso tinha ficado para trás. Mesmo me lembrando muito bem da limpeza que dei no meu, fui conferir só para desencargo de consciência. Rosa foi comigo, sabendo que ela podia ser bem esquecida com essas coisas.

— Está vazio, ainda bem. Já vou indo, não quero deixar Leigh sozinho. – Ela falou rapidamente e foi embora antes que eu pudesse responder. Abri a portinha do meu armário, sabendo que ele também estaria vazio.

Totalmente vazio. Quase como uma casa sendo desocupada. O meu armário já não era mais meu. Suspirei. Ele agora seria figurante da vida de outra pessoa, com outras histórias e aventuras. Sorri, usando aquilo de consolo.

Aproveitei para dar uma última volta pela escola enquanto procurava por Lysandre. Encontrei Kentin primeiro, sentado dentro de uma das salas. Fui para seu lado, esperando que ele dissesse algo.

— O que está fazendo?

— Algo como um adeus. Você?

— Fugindo um pouco dos meus pais. O clima entre meu pai e eu não anda dos melhores.

— Pelos últimos acontecimentos?

— Também. Ele não gostou da atitude, menos ainda das notas baixas. Piorou depois que fugi para ir ao baile. – Ele deu de ombros, relaxando um pouco a postura.

— Você fugiu?

— É, ele me proibiu depois do fiasco nas provas, passar na recuperação não mudou a ideia dele.

— Sinto muito por isso. Espero que pelo menos tenha sido divertido.

— Compensou a bronca. – Ele riu, pela primeira vez. – Só que agora ele ameaçou devolver o Cookie para o pet shop.

— Seu cão? Isso é ridículo, não se pode devolver um cachorro por um castigo.

— Não se preocupe, não acho que ele vá mesmo fazer, ele gosta do Cookie, mesmo se não assume. – Ele não se estendeu muito, preferindo mudar de assunto. – Como está sendo, seu adeus?

— Não tenho certeza. – Olhava o quadro, tentando visualizar tudo que eu sentia. – É como se eu não quisesse deixar ir, mas ao mesmo tempo, fico curiosa com o futuro. É a primeira vez que não sei o que esperar de um novo ano.

— Eu te entendo. – Foi minha vez de fitá-lo enquanto ele punha seus sentimentos em palavras. – Sei que a gente sempre diz que não vai se afastar, mas não vamos mais ver nossos amigos com tanta frequência. É inevitável perder o contato com alguns. Ao mesmo tempo, é quase um alívio. É bom ver que eu vou ser uma nova pessoa nessa nova fase, que eu superei os momentos difíceis que vivi na escola.

— Você cresceu muito, Ken. Kentin, desculpa.

— Tudo bem. – Ele riu, parecendo sem graça com o antigo apelido. – Você pode me chamar assim, ganhou o direito depois de todos os anos me tolerando.

— Sabe o que me disse outro dia, sobre como se sentiu quando nos conhecemos? – Ele afirmou com a cabeça. Sorri. – Eu não senti pena sua, eu só sabia que você não merecia aquilo.

— Ninguém merece.

— Claro, mas você em especial, menos ainda. Eu também sabia que você era especial, Kentin.

— Espero de verdade que o futuro me reserve mais pessoas como você, Anna.

— Espero que você ainda faça parte da minha vida, mas se não fizer, também desejo tudo de bom para você. – Apesar do que eu dizia, parecia existir um segredo entre nós, que acabaríamos não nos vendo mais. Segurei sua mão em cima da mesa. – Obrigada por ser meu amigo.

— Obrigado.

Com aquilo, não havia mais o que dizer. Pedi licença para voltar a procurar Lys e deixei a sala, os ombros mais leves do que quando entrei no cômodo. Meu próximo encontro foi com Kim e Iris.

— Ela estava me contando... – Kim começou, mas Iris a interrompeu. A mais alta se defendeu, dizendo que era apenas eu. Ela pode continuar depois que prometeu só contar para mim. – Enfim, ela estava me contando que conheceu um carinha.

— Sério, Iris, que legal.

— É, ele se chama Ben e começamos a namorar há poucos dias.

— Espero que ele seja...legal. – Hesitei na escolha da palavra e ela entendeu o recado.

— Acho que posso confiar nele, mas obrigada por se preocupar. Aliás, obrigada por tudo. Você foi essencial para que tudo no meu último relacionamento não terminasse em uma tragédia.

— Bom, Armin foi preso, mas...

— Além disso. – Ela riu, realmente feliz. A parabenizei outra vez, vendo sua alegria em encontrar alguém respeitoso. Kim já não entendia muito bem a empolgação.

— Na verdade, estou bem satisfeita em começar essa nova fase sem nenhuma amarra. – Ela se explicou. Dei de ombros.

— Ter alguém é legal, mas, de verdade, se você não estiver bem em estar sozinha, não funciona. E estar sozinha é bem legal também.

— Pode ser que algum dia eu queira estar com alguém, mas eu não sinto falta agora. – Continuamos conversando um pouco, até Iris sugerir um encontro duplo. Dei de ombros, não faria mal.

— Não consigo me acostumar que não vamos mais nos ver todos os dias. – O tom dela mudou por um momento. Kim tentou consolá-la, que ainda podíamos conversar todo dia.

— É normal sentirmos saudades uma da outra, Iris, mas basta querer e não vai mudar tanto assim. – Conclui, vendo seu sorriso retornar, mesmo que mais fraco. Pedi licença e voltei a dar minha volta.

Na biblioteca, consegui ouvir a voz de Ambre, que eu jamais confundiria depois de todo esse tempo ouvindo seus comentários maldosos, e Armin. Os dois estavam falando sobre o ocorrido durante o baile. Quando ela saiu, ela me viu. Seu rosto empalideceu um minuto.

— Há quanto tempo está ai?

— Eu estava prestes a abrir a porta. – Finge de boba. Ela ajeitou a postura, parecendo mais tranquila. – Viu o Lysandre?

— Não, não vi. – E me largou lá. Entrei, vendo o gêmeo entretido com algum jogo. Ele me percebeu, me cumprimentando tranquilo.

— Achei que o Alexy já estava vindo me buscar para a tal formatura.

— Não deve demorar muito para ele aparecer.

— O que está fazendo?

— Dando uma última volta pela escola. Pronto para o futuro?

— Acho que sim. Já estou pensando muito sobre meus futuros estudos para trabalhar com games.

— É, Armin, apesar de ser um vagabundo, você tem uma vocação.

— Vagabundo é... – Ele ia me retrucar, mas sabia que eu tinha razão. Então ele só acabou rindo.

— Pode ser uma vocação, mas não é exagero dizer que vou sentir falta de muita gente. Kentin, Nath...

— Ambre. – Completei, fingindo de boba. Ele ficou confuso por um segundo, então decidi o torturar mais um pouco. Falei baixo. – Eu sei, Armin. Eu vi.

— Eu sabia que alguém estava vendo. – Ele pensou em gritar, mas se controlou. Ri. – Pode ter certeza que foi coisa de uma vez para nunca mais.

— Foi tão ruim?

— Não, mas podia ser melhor. Podia ser você. – Claro que Armin nunca pararia com o flerte. Dei um empurrão de leve nele e mudei de assunto. – É, foi um bom ano.

— Muito emocionante. – Concordei. Ele riu, sabendo que eu comentava sobre sua ficha criminal. – Aliás, acabei de perceber que você não me colocou na sua lista de pessoas de quem você sentirá falta.

— Você é melhor amiga do Alexy, vai viver dentro da minha casa.

Aceitei a justificativa e me despedi, seguindo minha caminhada de adeus pelo colégio. Decidi passar pelo porão, já imaginando o que eu poderia encontrar ali. O cheiro de cigarro quase me sufocou.

— Ah, é você. Achei que meus pais tinham me achado. – Castiel mal olhou por cima do ombro para conferir quem entrara.

— Escondendo seu vício?

— Não, eles sabem. Só me escondo deles porque os dois adoram puxar conversa com todo mundo e não é muito meu feitio.

— Sério? – Cruzei os braços, fingindo estar surpresa. – Nunca reparei nisso.

— Então, procurando o Velho?

— Não o encontrei ainda, mas isso normalmente acontece. Eu encontro a escola inteira antes de chegar no meu objetivo. Sabe dele?

— Talvez ele tenha dormido demais. – Castiel comentou, finalmente analisando minha reação. Pensei um pouco. Não parecia com Lys se atrasar, mas ele podia facilmente se esquecer do despertador. Lembrei que Leigh já tinha chegado.

— Leigh não o deixaria perder a própria formatura. – Assim que acabei o comentário, a fumaça me venceu e fui obrigada a tossir.

— Oh, tadinha...

— Veremos seu pulmão em vinte anos e discutiremos isso de novo, daí você vai ver quem será o coitado.

— Uh, decidida. Alguém ficou mais respondona, graças a mim. – Não me dei ao trabalho de responder. – Além disso, eu não fumo tanto, só para relaxar de vez em quando.

— Está nervoso?

— Não. – Ele respondeu de imediato.

— Então por que está fumando?

— Sou um poço de tranquilidade, você sabe. Só posso ter alguns mistérios. – Ele ignorou minha pergunta e voltou à sua pose de bad boy.

— Mistério? – Ele sabia que eu ficaria curiosa, lógico. De novo, ele não ia me responder. – Castiel! Sério? Você não presta.

— Não, mas você me adora exatamente assim, pode confessar.

— Você é impossível. Vou te punir te privando da minha presença. – Ele riu, acenando em despedida. Depois de tantas discussões e sinais cruzados, acho que eu aprendi a ler Castiel. Era verdade que eu sentiria falta dele.

Encontrei Peggy e Violette discutindo sobre a pilha de desenhos dela, porque a fofoqueira da escola sugerira que ela jogasse alguns fora. Não me demorei muito, entrando na conversa apenas para apaziguar as coisas, comentando sobre o parque que passara pela cidade. Funcionou. A mãe de Peggy então apareceu, avisando que só faltavam dez minutos para o início da nossa cerimônia. Suspirei, sabendo que não dava mais tempo de procurar por Lys.

Minha última parada foi o grêmio. Eu sabia que meu namorado não ia estar ali, mas sabia que meu melhor amigo estaria. Ele me viu chegando e esticou o braço esquerdo, pronto para me segurar contra ele. Sorri.

— Dando adeus? – Perguntei. Conhecia Nath o suficiente para saber que ele se despediria da sala onde ele passava a maior parte do seu tempo. Ele concordou.

— Eu percebi que uma fase importante da minha vida acaba hoje e fiquei apavorado. – Ele confessou, respirando fundo. – Chega a me dar vertigem.

— Se te conforta, eu também. Estou com muito medo do futuro. Acho que é algo geral.

— É, todo mundo fica perdido. Quer saber, fico feliz que tenha voltado. Espero que tenha gostado de passar esse momento aqui.

— Não poderia ter melhor companhia.

— É, eu sei bem. No seu primeiro dia eu achei que ia morrer por causa da inscrição.

— Você foi um babaca. – Comentei, rindo. Lembrei a história da figueira na sala, todas as vezes que fui até o cômodo só para reclamar de alguma coisa. E então me lembrei de algo que ele comentou durante nossa sessão de estudos e não consegui evitar o peso nos ombros. – Está mesmo pensando em ir embora?

— Estou considerando. Não sei se ingresso em uma faculdade de algum dos outros estados, se tiro um tempo para mim...

— Foi assim que se sentiu quando eu disse que ia embora? – Meu coração estava do tamanho de uma uva passa naquele momento. Ele deu de ombros.

— Eu sobrevivi, você também. A gente vai ficar bem.

Aquilo foi o suficiente para aceitar aquela decisão e nos soltarmos, prontos para irmos para a cerimônia. Como se combinado, os pais dele e Ambre entraram na sala. Os dois adultos sequer fizeram menção sobre minha presença.

— Vamos, Nathaniel. – A mãe falou, muito menos severa do que eu me lembrava.

— Não quer se atrasar pro seu próprio discurso, né? – Ambre resmungou. Olhei para ele, surpresa. Ele não me contara.

Ele saiu primeiro, com a família. Quando sai da sala, Alexy me interceptou. Ele me perguntou sobre meu fim de noite depois do baile.

— Não se perdeu no caminho para casa?

— Não, Alexy, cheguei muito bem.

— Vocês dois fizeram voto de celibato ou algo assim? – Ele parecia impaciente. Fiquei sem graça, mas revirei os olhos mesmo assim.

— Eu te deixo saber um dia, quando você aprender a guardar a língua na boca.

— Grossa. Você não merece ouvir minha fofoca.

— Quem veio me procurar foi você, conta.

— Eu, talvez, tenha um date hoje. – Tínhamos começado a andar na direção do ginásio, sabendo que não tínhamos muito mais tempo. Já preparado para a conversa, ele simplesmente desbloqueou o telefone, já com a foto do sujeito. – O que achou?

— Ele parece fofo. Sabe, no sentido sentimental, sei lá.

— Você reconhece alguém sentimental de longe, não é?

— Qual o nome?

— Não sei. Demos match, marcamos o encontro direto.

— Ele não pôs o nome?

— Colocou o user de algum jogo. Bom, depois te conto como foi. Estamos atrasados.

Meus pais entraram no ginásio assim que me viram no pátio, então não me preocupei. Entrei direto e fui para as cadeiras reservadas para os formandos. Vi Lysandre perto de Rosa, mas não tive como me aproximar deles. Olhei por entre os familiares, os pais dele não tinham conseguido vir.

A diretora começou seu discurso, tudo que já tínhamos escutado sobre sentirem nossa falta, mas sentirem também orgulho de nos ver prontos para novos desafios. Ela não se demorou e finalmente passou a palavra para meu melhor amigo. Nathaniel respirou fundo antes de parar na frente do microfone. Sorri quando seu olhar encontrou o meu, dando apoio como eu podia.

— Aos que não me conhecem, eu sou Nathaniel, sou...era representante da turma, mas provavelmente todos já me viram ou ouviram alguma reclamação sobre mim. – Risadinhas gerais. Aquilo o relaxou um pouco. – Quando a diretora me pediu para falar, eu passei dias pensando no que eu deveria dizer. Digo, sendo o aluno exemplar, sério e dedicado, eu queria alcançar às expectativas de vocês hoje. Imaginei que eu deveria falar sobre todas as possibilidades incríveis a partir de agora, com nosso diploma de ensino médio em mãos, mas querem saber? Todos nós sabemos disso. Já passamos horas pensando sobre o que seríamos no futuro, quem tem vocação para médico ou engenheiro, falar sobre isso é só repetir um repertório que nós mesmos já repetimos várias vezes.

Os professores trocaram um olhar rápido entre eles, parecendo ansiosos sobre o rumo do discurso de Nathaniel. Eu continuava sorrindo, sabendo que ele estava usando seu coração de guia, coisa que ele não fazia tanto já tinha um tempo.

— Eu mudei muito nos últimos anos. Talvez tenha ficado um pouco relaxado com a escola, mas isso me fez enxergar o que eu quero que todos vocês enxerguem também. Vocês têm a liberdade de serem o que quiserem. Não é sempre fácil, mas no fim do dia, você é quem deve decidir como você quer viver, ninguém mais. Não nascemos só para cumprirmos as expectativas dos nossos pais, ou de quem quer que seja, não. Nascemos para sermos nós mesmos, para seguirmos um sonho artístico, ou mesmo uma carreira sólida, trabalhando numa empresa por anos. Desde que possamos acordar sem arrependimentos da vida que levamos.

Não precisei olhar para saber que o olhar dele tinha se fixado nos próprios pais. Ele finalmente estava se libertando de tudo aquilo. Era um alívio.

— É isso. Vivam por vocês. Obrigado. – Quando ele terminou, havia um silêncio pesado no ginásio, mas aquilo não me impediu. Eu sabia que assim que ouvissem o primeiro, os outros acompanhariam. Aplaudi o discurso, sorrindo para ele. Como previsto, mais palmas começaram a soar, até todos aplaudirem.

A diretora, em seguida, anunciou seu próximo orador, parecendo ter ainda mais medo do que poderia vir a seguir. Quando ela chamou por Castiel, eu entendi seu pavor. Então era esse o mistério.

— Olá a todos. Bom, dizem que para vencer o medo de falar em público, você deve imaginar todo mundo nu. – Ele fez silêncio e correu os olhos por todo mundo antes de dar de ombros. – Para a sorte de vocês, eu não tenho esse medo.

O riso nervoso ou incrédulo me rodeou, junto da minha própria reação. Percebi que ele me lançou um olhar antes de continuar.

— Nossa diretora fez questão de nos dizer que o discurso de uma colação de grau deve ser inspirador, motivador e aplicado. Ou seja, tudo que eu não sou. Contei que meu colega fosse nos entregar isso e eu poderia dizer qualquer bobagem, mas bem...Ainda posso dizer bobagens.

A diretora parecia pronta para desmaiar, mas as risadinhas pelo ginásio a prendiam no seu lugar. Castiel sorriu e finalmente assumiu uma postura um pouco mais séria.

— O mais surpreendente é encerrar minha vida escolar dizendo que eu concordo com você, Nathaniel. Em tudo. Não estou dizendo para não planejarem nada, para não pensarem em um emprego ou, pelo menos, em uma alternativa. Liberdade não tem a ver com irresponsabilidade, mas realmente devemos viver para nós mesmos.

— Obrigada, Castiel. – A sra. Shermansky não aguentou mais e pulou no meio, encerrando o discurso. Aplaudi de novo, evitando outra situação constrangedora. Alguns pais pareciam achar graça da situação, outros provavelmente não concordavam muito.

A diretora finalmente começou a convocação dos alunos para receber os diplomas. Pela ordem alfabética, fui a primeira da turma. Sorri, subindo ao palco e agradecendo os cumprimentos dos professores. Parei para minha mãe poder tirar a foto, sorrindo.

A emoção tomou conta de mim, o familiar nó na garganta quase me sufocando. Era, muito provavelmente, a última vez que eu veria nossa turma toda reunida como naquele momento. Os professores, os outros funcionários. Mais uma ocasião com a ausência de Viktor.

Finalmente deixei o palco, assistindo a entrega dos outros diplomas. Depois de um último agradecimento, a sra. Shermansky encerrou a cerimônia e nos dispensou. Deixei o ginásio quase arrastando os pés, como se aquilo fosse impedir aquele fim eminente de chegar como um tsunami. Não adiantou, claro. Encontrei meus pais no pátio, muito envolvidos em uma conversa com Leigh e Lysandre. Gelei.

— O que você faz da vida, Leigh? – Meu pai questionava quando me aproximei. Não parecia tanto com um interrogatório.

— Ele é o dono da loja de roupas, meu bem. Sua filha tem um monte de roupas dele, esqueceu? – Minha mãe respondeu, sorridente. – Aliás, deveríamos nos associar, considerando o tanto de vezes que ela compra lá.

— Ah, eu não sabia disso. – Meu pai deu de ombros. – E seus pais, não puderam vir?

Silêncio constrangedor, minha hora de intervir. Segurei o braço do meu pai, lhe dando um susto. Meus pais imediatamente voltaram sua atenção para mim. Excelente.

— Vamos?

— Terminou de se despedir da escola? – Meu pai questionou, solidário. Suspirei, dando de ombros.

— Dei tchau quantas vezes foi possível, é o mais preparada que vou estar. – Eles aceitaram a resposta e chamaram os meninos para nos acompanharem até a saída. Os dois concordaram.

Lys e eu ficamos para trás, caminhando devagar. Ele pegou minha mão, um pouco hesitante. Pensei em pedir desculpas sobre a pergunta do meu pai, mas ele começou a falar assim que abri minha boca.

— Meu pai teve uma recaída nos últimos dias. Não quis te contar na frente dos outros, mas ele voltou pro hospital e está piorando bem rápido. – Seu tom continuava calmo, como se ele não estivesse falando do próprio pai. – Minha mãe ficou com ele.

— Sinto muito. – O abracei forte, querendo reconfortá-lo um pouco. Era tão fácil quando era o contrário. Ele parecia tranquilo, mas seus olhos entregavam o cansaço e a tristeza do momento.

— O Leigh vai voltar para a loja, mas eu pensei em ir ao hospital para mostrar meu diploma. Acho que eles vão gostar. – Dava para sentir cada pedacinho de Lysandre tentando se manter preso um ao outro, forte. – Você poderia me acompanhar? Queria que você estivesse lá.

— Claro, eu vou sim.

— Se você achar incômodo, não precisa ir. Pode ser constrangedor, não sei...Não é o passeio mais feliz para um casal.

— Lys, você já deve estar cansado de ver minhas crises, eu quero te apoiar também. Que namorada seria eu se eu fugisse em qualquer problema, hein?

— Você sempre consegue se provar incrível mais uma vez. – Sorri com a afirmação, avisando aos meus pais sobre a situação antes de ir para o ponto de ônibus com ele.

A tensão de Lys era evidente, por mais que ele tentasse não perder a pose. Eu queria poder fazer mais para ajudá-lo, mas o que eu poderia dizer? Apertei sua mão, o máximo que eu podia fazer naquele momento.

Aquilo me fez pensar sobre Viktor. Teria sido mais fácil se nós tivéssemos algum aviso prévio sobre sua partida? Ou seria ainda pior, a angústia de ficar esperando esse momento tão incerto e certeiro ao mesmo tempo?

— Desculpe, não estou falando muito. – Ele só falou depois que já tínhamos embarcado no ônibus. – Estou preocupado.

— Eu sei. – Não demorou muito, descemos em frente ao hospital. Lysandre parecia hesitante em entrar no hospital, a angústia evidente no seu rosto. – Lys, quer falar sobre isso antes de entrar?

— Na verdade, acho que sim. Só tenho um pouco de medo de ser doloroso. – Ele se sentou no banco do ponto de ônibus vazio. Imitei o gesto, esperando-o continuar. – Falar algo em voz alta pode nos fazer perceber coisas que temos evitado.

— É verdade, mas também pode ser muito bom para você.

— Talvez. Você sempre me ouve com tanta atenção, é uma excelente confidente. – Eu estava disposta a esperar até ele criar a coragem para falar do assunto. – Bom, é justo que você saiba, eu te arrastei até aqui. Meu pai tem lutado contra um câncer, já há alguns anos. Agora, ele parou de responder aos tratamentos e está ficando bem debilitado. Acho que estamos chegando perto do fim...

Realmente doía ver meu namorado daquele jeito, preocupado, angustiado, mas principalmente, com medo. De novo sem ter o que dizer, fiquei de pé para conseguir lhe dar um abraço ainda mais firme e aconchegante. Ele respirou fundo com o rosto contra meu peito, tentando se acalmar.

— Bom, vamos lá. – Ele falou depois de alguns minutos naquele silêncio. O abraço parecia ter sido bom para ele. Sorri, concordando.

Apesar de odiar o hospital, por inúmeras razões, não me preocupei com isso quando entrei com Lys. Meu medo era incomodar nesse momento íntimo, mas ele mesmo me pedira para estar ali. Ele conversou com uma das enfermeiras antes de me entregar o adesivo de visitante e subirmos pelo elevador.

— Por que não a corrigiu? – Perguntei, tentando ignorar o silêncio opressor do elevador. – Sobre serem seus avós.

— Já aconteceu tantas vezes que eu nem presto mais atenção.

O médico tinha acabado de deixar o quarto, apenas disse para Lysandre não agitar muito os ânimos do pai. Ele concordou, parando de frente para a porta. Hesitante, de novo.

— Quando estiver pronto. – Comentei, ainda segurando sua mão esquerda. Ele concordou, respirando fundo e finalmente abrindo a porta do quarto, sorrindo fraco.


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Notas finais do capítulo

Até mais!



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