Friends escrita por LC_Pena


Capítulo 2
Capítulo 1. Longe dela


Notas iniciais do capítulo

A grande revelação: minha amiga secreta é Brenda Armstrong!!!!

Vou te dizer, tem toda uma história triste, que vou contar por partes, para isso aqui não ficar muito grande, mas começa com um, era uma vez... NÃO.

Brenda, querida, você tem uma xará. E isso fez uma grande diferença na minha vida porque, veja bem, eu tinha então a chance de 50/50 de acertar (ignoremos que com o sobrenome gritando na minha cara, eu tinha na verdade 100% de chances de acertar) e eu errei.

Escrevi mais de 10.000 palavras para a pessoa errada.

To be continued...



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Longe dela

I see this life like a swinging vine

Swing my heart across the line

And my face is flashing signs

Seek it out and you shall find

As palavras em árabe moderno arranhavam na garganta do bruxo inglês. Seu guia, Radamés, parecia bastante impaciente tentado entender o que diabos aquela criatura estava querendo dizer. Heru, esses europeus...

– Merlin, isso é absurdo! – Gui Weasley retirou o tecido de linho encardido da frente do rosto, decidido a enfrentar as areias do deserto do Saara pelo bem de uma comunicação adequada. – Essa é a entrada Norte, preciso achar a entrada Oeste, homem!

O egípcio atarracado, de aparência severa o olhou de esguelha e resmungou algo muito baixo e rápido para que pudesse ser assimilado pelo jovem bruxo com um parco conhecimento da língua árabe.

Bem, Gui também não estava satisfeito por estar debaixo de uma tempestade de areia no meio do suposto inverno norte-africano, mas ele não estava resmungando a todo momento feito um troll com dor de barriga!

No último memorando, sua chefe, Lynn Meskell, havia reiterado a importância dos Curse-Breakers priorizarem vestes de algodão ou linho afim de minimizar os efeitos do castigante clima egípcio, mas Gui era teimoso, gostava das suas vestes feitas de couro de dragão e agora pagava o preço pela sua vaidade.

O inverno no Saara, além de continuar quente como o inferno de dia e sem chuvas, tinha as malditas tempestades de areia para complicar tudo. Pelo menos as desagradáveis nuvens de poeira serviam para espantar os turistas e deixar o caminho livre para os breakers trabalharem em paz.

Tinha certeza que parte da impaciência de Radamés vinha desse pequeno detalhe do vestuário. Os egípcios não têm alta tolerância com iniciantes, muito menos paciência tinham com bruxos que já estavam há cinco anos no país e ainda se comportavam como iniciantes.

Cinco anos, quem diria? Uma certa pessoa engraçadinha havia lhe dito que não duraria cinco dias...

Finalmente a entrada Oeste apareceu em meio a toda poeira vermelha do inclemente deserto. Céus, porque logo ele tinha sido escalado para averiguar se havia câmaras inexploradas na infame pirâmide curvada¹?

Estava muito claro para Gui que isso era um castigo por sua insolência durante o caso Tessalônica. Porque sim, era óbvio que haviam artefatos romanos no abisso das tumbas faraônicas colocados lá no período pós-Cunctus Populus², os bruxos egípcios não hesitariam em saquear seus saqueadores e guardar, como se fossem seus, os tesouros dos inimigos.

Mas também era igualmente óbvio que tesouros execrados social e culturalmente seriam incrivelmente malditos em termos mágicos, para dizer o mínimo; logo, exigir uma maior segurança para breakers parecia o caminho mais lógico.

O sindicato dos Curse-Breakers do Egito era bastante razoável comparado com o do Peru e o da Turquia, por exemplo; ele pedia apenas por mais funcionários treinados em maldições sacras e pagamento adiantado do adicional de periculosidade nível 6, só isso.

Poderia pedir a iluminação com Fogomaldito encanado, como nas ruínas da Suméria ou as horas extras dadas no Parthenon, por conta dos inconvenientes causados pelos turistas. Na última primavera, alta estação do Turismo no Egito, quatro breakers tiveram que ficar enfurnados em uma pequena seção de 1,0 x 1,0m esperando os trouxas saírem do local, pois aparatações em sítios de magia elementar são terminantemente proibidas.

Mas não, o sindicato não pedia nada disso, pelo contrário, se contentava com as migalhas dadas por Gringotes. E foi por isso que o jovem Weasley resolveu trazer à tona, na reunião para a criação da força tarefa Tessalônica (a terceira expedição), somente as pequenas demandas básicas, suas e de seus colegas, e o que ganhou como retribuição? Uma honrosa missão à Pirâmide Curvada.

Simplesmente a maldita, pobre e abandonada pirâmide curvada, por Tertius³!

Old, but I'm not that old

Young, but I'm not that bold

I don't think the world is sold

I'm just doing what we're told

Quando entrou na estrutura muito bem conservada, de paredes sólidas e piso aplainado, agradeceu mentalmente pelo sopro fresco, embora com cheiro de sótão mofado, vindo do lugar. Teria sido uma crueldade sem tamanho do destino se, além de distante e infame, aquela coisinha torta ainda fosse mais quente do que o lado de fora!

A Pirâmide Romboidal, construída às pressas no reinado do faraó Snefru, fora abandonada porque o soberano, ao ver sua primeira pirâmide ruir diante de seus olhos, percebeu que aquela forma de construção arredondada não era segura. Perdeu completamente o interesse na construção pela metade, fadada ao fracasso, elegendo assim a Pirâmide Vermelha como sua derradeira morada.

Curiosamente a Pirâmide Curvada sobreviveu muito bem ao tempo, melhor até que sua irmã mais nova e rica, mesmo com suas podres sustentações extras de madeira e forma atarracada - parecia até ser obra de um Weasley. Os magiqueólogos atribuíram isso à configuração em que as pedras foram dispostas, fazendo valer um dos mais populares ditos entre os breakers:

“A vergonha sobrevive mais do que a glória. ”

E mais do que a vergonha e a glória juntas, sobrevivia a fascinação de Guilherme Weasley pelo seu trabalho, mesmo diante de tantos problemas. TK sempre lhe dissera que ele acabaria enterrado em alguma tumba esquecida pelos deuses, já que ela não estaria junto para salvar sua bunda, como sempre. Ela estava errada.

Como sempre.

Com sua varinha iluminando o ambiente com um lumus absque occultis, feitiço criado para iluminar ao mesmo tempo que desvenda os antigos escritos e marcas das escavações bruxas anteriores, Gui foi desvelando, encantado, séculos de história mágica contados nas apressadas palavras de breakers que vieram antes dele.

As inscrições em vermelho, das primeiras expedições, estavam em árabe e apenas palavras e números soltos chegavam ao entendimento do ruivo. Vez ou outra Radamés lhe tirava das vivas letras em azul brilhante, feitas mais recentemente nas excursões britânicas do século XIX, para mostrar o número de mortos africanos que se atreveram a pisar em solo sagrado para furtar os tesouros dos deuses.

Gui revirava os olhos enquanto o seu supersticioso guia continuava o caminho, resmungando para si mesmo a todo tempo. Egípcios não gostam de lugares abandonados e desprezados pelos filhos dos deuses. Segundo eles, a raiva dos escravos mortos em vão é ainda mais pungente em sítios assim.

Mas o jovem breaker era um bruxo instruído. Gui sabia que muitos daqueles homens haviam morrido de Histoplasmose(4), causada pela insalubridade do ambiente a qual foram submetidos, nenhuma maldição sendo mais eficaz do que essa doença.

“Desde 1747, nenhum bruxo ou criatura mágica pode ser submetido a mais do que 6 horas de exposição dentro de lugares escuros, abafados, úmidos e com excremento de morcegos, ou seja, tumbas.”, o antigo Monitor-Chefe havia decorado esse trecho do manual dos Curse-Breakers e repetia para si mesmo todos os dias que estava em campo.

Às vezes é muito fácil se esquecer das horas passando quando se está entretido com algum artefato instigante ou com uma maldição local particularmente complexa, que não permite a retirada de certo objeto do lugar.

A quem estava querendo enganar? Era assim com tudo: no momento em que Gui colocava uma coisa na cabeça, ele se torna automaticamente um cão que não pode largar o osso. “Faz parte do meu charme”, ele sempre usava essa frase como defesa.

Os olhos treinados do rapaz identificaram um símbolo diferente do padrão que ele estava acostumado, o que o fez sair de suas divagações e estancar automaticamente.

– Radamés, espere. – O bruxo africano retornou prontamente. – Esse símbolo aqui, o que significa? – O homem experiente se aproximou respeitosamente do arabesco, muito discreto para ser notado com facilidade, em seu tom laranja desbotado.

– Está na antiga língua dos escravos... Não é nada importante, os hebreus usavam as paredes para se comunicar entre si o tempo todo. – Gui olhou realmente intrigado para o outro bruxo, que simplesmente deu de ombros, voltando ao seu passo lento e uniforme de antes.

– Espera! Você disse escravos? Escravos bruxos? – A palavra derivada do termo escravidão era facilmente confundida com um tipo de fungo transmitido por escaravelhos. Árabe era uma língua estranha. – Porque haveria bruxos escravizados? Até a mais básica das magias seria capaz de livrar um homem de uma vida de servidão.

O homem o olhou como se o ruivo a sua frente não pudesse ter soado mais tolo em suas colocações. Os malditos duendes adoravam mandar os fedelhos britânicos com pouco ou quase nenhum conhecimento de História da África Bruxa e acabava sobrando para ele explicar o óbvio.

– Os bruxos poderosos estavam no topo da cadeia, os filhos dos deuses. – Fez um gesto para ilustrar a fala. Por Rá! Por que sempre acabava com os mais parvos? – E os nascidos trouxas, na maioria escravos e plebe, não abandonavam a família não bruxa, eles nem sequer tinham meios para aprimorar sua mágica! Acabavam usando o que podiam para fazer a vida um pouco menos sofrida...

Gui assentiu para o bruxo mais velho, mas o impediu de prosseguir a caminhada.

– Mas o que está escrito aqui?

– É um símbolo de resistência. – Gui continuou encarando o homem, esperando por mais explicações, o que fez o guia revirar os olhos em exasperação. Gui já estava acostumado em causar tal sentimento, foi a vida toda assim. – Diz literalmente “lute”, não é incomum encontrar esse tipo de dizeres na língua dos escravos, era uma forma de manter a esperança...

– Certo. Vamos seguir por esse caminho. – Gui apontou para a pouco usada trilha na interseção onde o rabisco rebelde estava. A passagem dava em um estreito duto de ar, feito para que o faraó, no aguardo da outra vida, e os escravos, de quebra, não morressem sufocados na pirâmide.

– Isso não é um caminho. – Radamés respondeu sem nenhuma inflexão na voz dessa vez. Aparentemente quanto mais indisposto se mostrava, mais estúpido o jovem pirralho britânico ficava. – A trilha para o grande Salã...

– Tudo que havia para ser encontrado no velho Salão já foi carregado daqui! Vamos seguir à esquerda. – Guilherme tomou a dianteira, decidido. Ouviu os passos resignados do seu guia mal-humorado, por Circe, todos os breakers passavam por isso ou só os que eram odiados pelo conselho dos duendes de Gringotes?

I feel something so right

Doing the wrong thing

I feel something so wrong

Doing the right thing

I couldn't lie, couldn't lie, couldn't lie

Guilherme estava decidido a levar pelo menos alguns artefatos com valor simbólico para os museus trouxas. Desse jeito, seu “castigo solitário” não seria uma completa perda de tempo. Adorava quando conseguia virar o jogo, tirando diversão dos castigos, conhecimento das idiotices e... Tesouros do lixo, como parecia ser o caso.

Infelizmente o “caminho” realmente ia se estreitando com o avanço dos bruxos, havia algo, de fato, muito errado com a arquitetura daquele lugar!

Ao invés de sentir o ar externo circulando pelo duto, mais fresco depois de ter sido conduzido para o subsolo para ganhar umidade e retornar para cima menos viciado e quente, ele sentia como se estivesse descendo em direção a boca do próprio inferno.

Quando Radamés se recusou a engatinhar e disse que lhe esperaria na pequena câmara que antecedia o completo estreitamento do túnel, mandando uma equipe para resgatar o seu corpo em 2 ou 3 dias, caso ele não retornasse, a teimosia de Gui já tinha atingido o seu grau mais alto: ele não iria parar apenas porque estava sentindo tanta falta de ar quanto quando era obrigado a limpar o empoeirado sótão da Toca!

Ele já estava acostumado a se enfiar em pequenos buracos empoeirados; em seus primeiros anos como breaker sempre acabava dando de cara com uma ou outra família irritada de morcegos, não iria se intimidar com um duto abafado de nada!

Sabia que lá fora, quase fim de tarde agora, o dia estava começando a esfriar bruscamente, como é comum no deserto, então se forçava a impulsionar o corpo para frente por mais alguns metros. Logo tudo ali ficaria tão frio que precisaria de um feitiço aquecedor...

Assim esperava.

– Por favor, Merlin... Que não seja em vão... – Ele ignorou o sussurro sorumbático de sua consciência mandando-o voltar antes que a leve descida o encaminhasse para seu fim. O ar estava extremamente tóxico, a poeira antiga sendo praticamente tudo que Gui conseguia aspirar efetivamente.

O bruxo puxou seu tradicional shemagh(5) preto e branco, uma das primeiras coisas que comprou com seu salário de Curse-breaker, tentando proteger o rosto da poeira, das teias de aranha e se possível fosse, do calor descomunal. Tudo em vão, claro. Sua teimosia era sempre recompensada com o pior.

O coração estava batendo tão acelerado agora que devia ser seu corpo mandando altas doses de adrenalina para impedir que ele desmaiasse no caminho. Quase podia ouvir a voz de sua mãe gritando desesperada que ele era muito genioso para seu próprio bem, mas apenas quando ouviu a voz de TK lhe dizendo que era suficiente, soube que tinha ido longe demais.

Ok, ele iria parar por aqui.

Mais um passo e ele não tinha certeza se poderia voltar, o resmungo de Radamés soando mais como uma previsão agora, o caminho descendente o puxando para sua morte... Gui nunca esteve tão certo de que morreria antes. Que todos os ancestrais Weasleys o protegessem, ele não podia morrer encerrado em uma tumba esquecida por todos os deuses!

Completamente exausto e empoeirado, o ruivo começou a engatinhar de ré, sentindo os olhos fechando automaticamente, todavia, parecia que os Weasleys no céu eram mais influentes do que os da terra, porque a mão do bruxo escorregou em uma pedra alisada pelo tempo e todo o corpo seguiu o caminho para baixo.

Gui se lembrou tardiamente do treinamento de quedas, se virando de costas apenas em tempo de evitar piores arranhões no rosto e peito. O caminho estreito era estranhamente escorregadio, apesar das falhas no encaixe das pedras, que lhe garantiriam um roxo, caso sobrevivesse para contar a história.

Desceu no que pareceu ser horas, nem sabia que a pirâmide tinha tamanha profundidade no subsolo, se não soubesse melhor, diria que se tratava de pura magia dimensional...

Esperava cair em um fosso sem fim, mas se viu arremessado em uma imensa câmara, onde seus pulmões finalmente puderam respirar adequadamente. Por um momento tudo que conseguia fazer era engolir preciosas lufadas de um ar bizarramente puro e fresco, quase como se tivesse encontrado um bendito oásis.

Começou a tatear no escuro por sua varinha, a encontrando, por sorte, à apenas um par de metros de onde ele mesmo havia caído. Usou um simples lumus para iluminar o ambiente em que se encontrava.

– Pelas ceroulas sujas de Merlin! – Gui percebeu maravilhado que estava em uma seção nunca antes explorada, o que para um breaker era o equivalente do paraíso com as mil virgens dos mulçumanos. – O que temos aqui?

A câmara não era um lugar glorioso, como muitos aposentos faraônicos que já havia visto, mas era belo em sua maneira simples. A linguagem dos escravos estava por toda parte e nem precisou usar o feitiço revelador dessa vez para vê-la.

Em seu bolso esquerdo, seu maledictionem locator(6), presente de despedida de TK, esquentou de um jeito que nunca tinha feito antes. O tirou do bolso só para encontrá-lo completamente vermelho, indicando que havia um alto grau de magia intricada naquelas paredes.

–Parece que estava errado, Radamés. Os bruxos escravos faziam mais do que apenas sobreviver dentro desse mausoléu...

Everything that kills me makes me feel alive

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Demorou quase uma semana para que Gui conseguisse permissão para voltar à pirâmide, agora com uma equipe composta por quatro outros breakers. Sua missão prioritária era conseguir desintrincar a complexa camada de encantamentos antigos feitos pelos bruxos hebreus, que impediam, enlouqueciam ou matavam os invasores no único acesso ao novo local de possível exploração.

Meskell fez questão de deixar bem claro que a descoberta de Guilherme Weasley não passava de um golpe de sorte e que comportamentos imprudentes eram veementemente não incentivados nos Curse-Breakers do Egito, mesmo o contracheque do ruivo tendo passado a chegar curiosamente mais generoso daquele mês em diante.

Os magiqueólogos do Cairo ficaram espantados com o descobrimento, não só de uma câmara, mas de uma câmara construída secretamente por escravos bruxos! Isso era, sem sombra de dúvidas, uma assombrosa descoberta, que deveria ser metodicamente informada e registrada nos autos da grande biblioteca mágica de Alexandria(7).

Só mesmo com a interferência da poderosa Alexandria para que um breaker qualquer conseguisse permissão para trabalhar em plena alta temporada de turismo trouxa, tendo recebido autorização para aplicar poderosos feitiços de desilusão, que faziam parecer que todo o monumento estava passando por restauração na ala oeste.

Gui e sua equipe estavam ali para impedir que os estabanados estudiosos alexandrinos se matassem no processo de registro dos estupendos desdobramentos de todo um capítulo do reinado do faraó Snefru.

Havia um boato de que receberiam a consultoria de uma auror voluntário nessa missão, mas até agora nada. Provavelmente era mais uma das fofocas que circulavam alegremente pelos corredores da sede egípcia de Gringotes.

– Senhor Weasley, senhor Weasley! – Gui dispensou um dos breakers que estava relatando a situação de um colega que havia se acidentado hoje mais cedo na câmara para atender o burocrata. Tinha sido escolhido como líder da missão porque era o único que havia conseguido entrar na câmara e por nenhuma outra razão, este homem adorava lembrá-lo.

A verdade é que, no momento de desespero, Gui percebera muito bem que foi uma longa queda até o centro da alcova encantada. Muita sorte que a saída foi estranhamente descomplicada, provavelmente porque ele não levara nada além de poeira consigo e as maldições se restringem a tesouros.

Alguns bruxos pareciam ser mais resistentes do que outros a maldição de confusão e envenenamento, um combo particularmente cruel de encantamentos protetores. E os egípcios menosprezavam as habilidades mágicas dos hebreus, hein?

– Sim, senhor Hawass, como posso ajudá-lo dessa vez? – O alto e esquálido catedrático parecia estar suando todos os fluidos corporais possíveis fora de seu climatizado escritório de Alexandria. Gui não podia dizer que estava com pena do homem, ele o vinha pressionando a quase uma semana, sem cessar, por resultados.

– Quero saber a quantas anda essa missão! Aquele seu relatório... Não entendi uma palavra daquela papelada!

– É porque aquilo que o senhor copiou sem permissão é uma documentação interna de Gringotes, eu já disse ao senhor que respondo diretamente ao banco e...

– Sim, sim, sim! – O bruxo burocrático estava louco para deixar aquele calor infernal do Saara, não tinha tempo para ficar discutindo miudezas com um maldito breaker! – Mas qual é a previsão para a entrega da câmara?

Gui respirou fundo para não dar uma resposta mal-educada para o homem que tinha idade para ser seu pai. Seu pequeno grupo de Curse-Breakers estava, literalmente, se matando para conseguir desvendar as maldições feitas por um povo, que nem sequer era a sua especialidade, mas esse senhorzinho ligava? Não! Ele parecia incapaz de voltar para seus papiros e pergaminhos chatos por um par de semanas a mais...

Lately, I've been, I've been losing sleep

Dreaming about the things that we could be

But baby, I've been, I've been praying hard

Sitting, no more counting dollars

We'll be, we'll be counting stars

– Me dê um mês.

– UM MÊS? – O homem parecia pronto para ter uma síncope ali mesmo, na tenda de planejamento montada do lado de fora da pirâmide, longe dos olhares trouxas. Gui não se lembrava de ter visto escrito no panfleto dos Curse-Breakers distribuídos em Hogwarts algo sobre homens chatos e melindrosos. – Não podemos esperar um mês! Precisamos saber se a estranha entrada extra no poente8 está correlacionada...

– Chega, senhor Hawass! Posso entregar a pirâmide toda nas suas mãos, mas o senhor e seus amigos estudiosos provavelmente irão morrer em dois minutos lá dentro! Pelo amor de Morgana, me deixe trabalhar!

O bruxo pareceu ainda mais vermelho, se é que era possível depois de todo o calor atípico a que foi exposto. Bizarramente, burocratas também se estressam com demoras, mesmo essas sendo inerentes ao processo, diferente das deles, que são só má vontade mesmo.

– O seu superior vai ficar sabendo disso, rapazinho!

– Meu superior está menos interessado em rabiscos e mais interessado em ouro, senhor Hawass, posso te garantir.

O bruxo resolveu que aquela afronta era suficiente. Aparatou deselegantemente, sem nenhuma despedida ou qualquer gesto que o valesse.

– Queria que ele tivesse feito isso dentro da pirâmide, para acabar todo estrunchado...

Adelaide Wespurt, sua supervisora de segurança do sindicato soltou um riso abafado.

– Se alguém lhe pegar dizendo um negócio desses, nem a nossa associação poderá te defender, Weasley.

– Já disse que a única segurança com a qual você vai ter que se preocupar é a de não beber demais lá no Sótis(9). Vem com a gente, eu e os caras vamos dar uma passada lá para encontrar uma galera bacana.

A bruxa loira sorriu, colocando uma mecha do cabelo bagunçado pelo vento atrás da orelha. Esse ruivo atrevido a estava provocando desde que ela começou seu trabalho de fiscalização da segurança da expedição e estava começando a ficar difícil de resistir.

Menos de um quarto de hora depois Gui se viu puxado pela jaqueta de couro por uma bruxa muito ansiosa para ter um pouco desse pobre e trabalhador breaker. De onde havia vindo todo esse fogo?

– Sempre tive um fraco por ruivos. – A garota pareceu ter lido sua mente. – Podemos aparatar para um lugar mais reservado?

Gui não se fez de rogado, executou uma aparatação compartilhada para Midan Tahrir(10), um bairro popular onde o aluguel das quitinetes era incrivelmente em conta, sendo este seu atual endereço. Wespurt não pareceu ligar para a simplicidade das acomodações, ela estava mais interessada no que o anfitrião tinha a oferecer.

Talvez Molly Weasley ficasse realmente irritada com a falta de modos do seu primogênito, contudo, Gui não se preocupou em mostrar a casa, oferecer uma bebida e estava apenas mentalmente muito agradecido que sua pequena acomodação tinha a cama tão perto da entrada.

Seu apartamento não era algo tão fora do comum para um rapaz de 23 anos morando sozinho. O lugar era relativamente arrumado, Guilherme passava realmente pouco tempo ali, não havia louças na pia e todo o recinto tinha um cheiro de especiarias agradável, vindo de um mercado local a menos de uma quadra dali.

Gui jogou Adelaide sem cerimônia na cama de solteiro, fazendo a bruxa tomar um susto, só para rir em seguida por causa do inesperado movimento. Ele finalmente a beijou apropriadamente, sem se preocupar com os olhares dos trouxas muçulmanos, que podiam muito bem se ofender com a troca de carinhos explícitas dos estrangeiros.

Tirou rapidamente a incômoda jaqueta, naquele calor infernal só ele mesmo para usar algo de couro, e fez questão de deixar o seu peso cair parcialmente sobre o corpo da colega de trabalho, a jovem bruxa ofegou satisfeita dentro de sua boca.

– Sabe a quanto tempo estou procurando um inglês dis... – Gui a cortou com outro beijo profundo, o gosto do Arak(11) em sua boca fazendo a loira agradecer não só por ter encontrado um bruxo inglês incrivelmente gostoso no Egito, quais as chances, Merlin? Mas um que acima de tudo tinha um bom gosto para bebidas.

A mulher colocou ansiosamente uma mão por debaixo da camisa preta de alguma banda de rock trouxa que ela não saberia dizer qual e a outra levou para aquele cabelo ruivo que chegava a ser indecente de tão macio.

Gui, por sua vez, estava bastante concentrado em tirar aquelas estúpidas vestes de algodão padrão que o sindicato queria porque queria fazer os breakers usar em campo. Todos eram bem grandinhos, sabiam o que usar ou o que não usar no desértico clima africano.

E se ele pudesse dizer alguma coisa em relação a isso, votava no sutiã preto revelado pela bata sem graça como farda. Um milhão de vezes melhor do que esse saco de batatas que o sindicado queria instaurar como padrão.

–---------------------------------------------------------------------------

Passava das duas horas da manhã e uma chuva fina caía no Cairo. Algum barulho o havia acordado, Gui tinha certeza. Olhou para o lado e encontrou uma Adelaide enrolada em todo o lençol, encolhida no canto da cama.

E esse era um dos motivos para Gui não gostar de dividir cama com garotas, elas se apossam de tudo! Isso quando não querem dormir agarradinhas, forçando uma intimidade inexistente... A única garota na vida que nunca havia o irritado na cama era TK, mas ela não contava, Gui nem sequer poderia chamá-la de garota!

Estava chovendo, não poderia mandar a moça embora, isso seria cruel, mesmo ela podendo aparatar... Fora que antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, a senhorita Wespurt voltou a se mover daquela maneira típica das mulheres bem vividas, e uma coisa levou a outra...

Aí estava! O estranho barulho soou de novo. Gui percebeu que se tratava de alguma coisa na janela. Se aproximou preguiçosamente do local, só para perceber uma coruja, já impaciente por ter sido deixada na rua.

Corujas na madrugada nunca eram um bom sinal, então o ruivo deixou o animal entrar. Não esperou nem sequer a criatura sacudir as penas molhadas, foi logo pegando a carta que ela trazia. Era a letra de sua mãe e um grande alívio tomou conta de seu corpo, ao ver que era apenas sua família mandando saudações de Natal antecipadas...

Natal? Já era quase Natal? Meu Merlin, como o tempo tinha passado rápido, já estava no final de dezembro! Na verdade Gui não pôde precisar a data, esteve tão entretido com a missão nas últimas semanas que nem viu o ano novo se aproximar.

Sua mãe havia contratado uma coruja antes da época do rush, o velho Pichitinho já não aguentava mais uma viagem intercontinental. O ruim de contratar o serviço postal classe econômica é que na maioria das vezes ele não levava em consideração questões básicas como horário e tudo mais...

Gui leu rapidamente a missiva, não havia nada de realmente relevante, a mãe estava falando coisas corriqueiras, reclamando que os meninos todos ficariam em Hogwarts esse Natal, por causa de todo o alvoroço com o Torneio Tribruxo, que Percy levaria uma “namoradinha” para casa e que Charlie havia mandado uma bela manta de couro de dragão da reserva na Romênia de presente para ela.

Seu irmão provavelmente acabaria preso qualquer dia desses de tantas coisas à base de dragão que ele mandava para a família.

Aquele tom maternal e prático da sua mãe na carta lhe colocava um sorriso no rosto e dava um aperto de saudade no peito. Quanta falta sentia da bagunça quase organizada da Toca, nunca mais tinha visto os meninos. Gina já deveria estar tão crescida agora!

Sua mãe fazia uma menção de não mais do que três linhas de TK, mas era mais do que suficiente para lhe deixar verdadeiramente saudosista. “Ninfadora tem sido muito elogiada no quartel, Andie me contou que ela tem sido considerada uma auror responsável e dedicada. Aparentemente a nossa maluquinha cresceu!”

I feel the love and I feel it burn

Down this river, every turn

Hope is our four-letter word

Make that money, watch it burn

Mal podia acreditar que aquilo era verdade, TK responsável? Bem, não era essa a palavra que usavam para descrever os dois melhores amigos antigamente, mas agora Gui e Tonks não eram mais crianças. Eles eram adultos responsáveis, que coisa estranha!

Mas o que preocupava verdadeiramente Gui eram as coisas não ditas. Seus pais estavam preocupados, em várias partes da missiva sua mãe expunha sua indignação por terem permitido que Harry participasse da competição mortal, que acontecia em Hogwarts esse ano.

Gui havia visto no jornal. Até mesmo no Cairo a história do menino que sobreviveu participando do Torneio Tribruxo era uma notícia interessante para os jornais, apesar de que nas últimas semanas as fofocas de Rita Skeeter tinham se desbotado por conta da infestação de icnêumones(12) no baixo Nilo...

Não gostava principalmente que TK, agora como uma responsável auror, fosse parar no fronte da guerra, que ele sabia que se aproximava cada vez mais rápido na Grã-Bretanha. Não importava o quão crescida ela estivesse, ainda se sentia como o protetor dela.

Percebeu um movimento na cama e levantou o olhar para uma Adelaide charmosamente sonolenta.

– Algum problema, Guilherme? – A mulher passou a mão desajeitadamente no cabelo, tentando colocar alguma ordem na juba loira.

– Não, apenas notícias da Inglaterra... – Ela piscou um pouco mais desperta. Se sentou na cama, trazendo o lençol consigo na altura dos seios.

– Sabe, eu não deveria lhe dizer isso, mas...

– Já é quase Natal! Ou véspera, pelo menos. – O ruivo falou, enrolando a carta e entregando alguns nuques a coruja, que voou madrugada a dentro, sem se importar com a garoa da capital egípcia.

– Ainda temos mais um par de semana, mas acho que tudo bem que considere essa notícia como um presente natalino. – O ruivo apenas arqueou uma das sobrancelhas para a agora muito desperta bruxa. – Ainda não é oficial, falta a entrega do meu relatório, mas... Seu pedido foi deferido.

– Meu pedido?

– Seu pedido de transferência para a Inglaterra, ele foi deferido. Próximo Natal, senhor Weasley, o senhor celebrará ao estilo britânico.

Gui sorriu para a senhorita Wespurt. Sabia que havia um motivo para ter gostado dela logo de cara e não, não tinha nada a ver com o belo par de seios escondidos sob seu lençol nesse exato momento.

– De fato, senhorita Wespurt, este é um belo presente de Natal.

I feel something so wrong

Doing the right thing

I couldn't lie, couldn't lie, couldn't lie

Everything that downs me makes me wanna fly


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Notas finais do capítulo

Música do capítulo: Counting stars, One Republic.

¹ Pirâmide Curvada ou pirâmide Romboidal – Toda a história da pobre pirâmide contada aqui é real. No meio de sua construção descobriram que sua arquitetura era insegura, colocaram vigas de madeira nas alas internas para segurá-la e a terminaram as pressas, o faraó preferiu construir uma outra morada para si.

² Cunctus Populus – Também chamado de Édito de Tessalônica, um tratado onde os romanos decidiram que apenas a religião cristã valeria no território do império, abolindo todas as outras religiões politeístas, o Egito já fazia parte do império de Roma na época.

³Tertius – Curse-Breaker do século XVI.

4 Histoplasmose – A doença também foi escrita basicamente como é na realidade, responsável por muitas mortes de pessoas que participaram de escavações arqueológicas. É uma infecção causada por um fungo encontrado nas fezes de aves e morcegos.

5 Shemagh- O lenço árabe, normalmente quadriculado, serve para cobrir o pescoço e a cabeça das intemperes do clima desértico. As cores significam status: preto e branco, pessoa de origem humilde/rural; marrom, nobre; mas alguns jovens tem usado de cores distintas apenas por estética mesmo.

6 Maledictionem locator – Artefato que parece um lembrol em sua forma, mas detecta através de um feitiço de reconhecimento, magia antiga impregnada em ambientes. As cores variam de verde, verde escuro, marrom esverdeado, marrom escuro, marrom avermelhado, vermelho, vermelho escuro, de acordo com a intensidade da magia, vermelho escuro sendo uma magia extremamente poderosa. Artefato inventado por mim.

7 Alexandria – Segunda maior cidade do Egito, antiga capital do império Alexandrino e lar da famosa Biblioteca de Alexandria, maior da Antiguidade.

8 Normalmente as pirâmides do Egito tem sua entrada apenas para o Norte, mas a Romboidal tem uma no Oeste também, não se sabe ao certo o porquê disso.

9Sótis flamejante – Bar fictício com nome de uma estrela, adivinha qual? SIRIUS!!! *-* Sim, tem mensagem subliminar na minha fic.

10 Midan Tahrir – Nome de bairro egípcio, conhecido por ter acomodações baratas para jovens mochileiros, ficou famoso depois da primavera árabe, onde uma de suas praças serviu como palco de protestos contra o governo do Egito.

 11 Arak – Bebida árabe destilada.

12icnêumones – Pequeno roedor que devora serpentes e ovos de crocodilo.



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