Our Games escrita por Magicath


Capítulo 4
Capítulo 4 — Desavenças


Notas iniciais do capítulo

Olá!
O capítulo ficou pequeno sim, pois foi feito só para uma tal coisa acontecer (pelo título, já deu pra ter uma ideia do que é, não?). Afinal, já cansamos de ler sobre pessoas entrando no trem, admirando tudo, indo para o quarto, comendo, chorando, conhecendo o mentor, criando estratégias e assistindo às Colheitas dos outros Distritos. Bem, espero que não seja só eu que enjoou disso hahaha Mas é bom do padrão em certar ocasiões.

Curioso? Bora ler!

OBS: Os GIFs são APENAS representações cinematográficas. As características da personagem contidas nos GIFs não são necessariamente as mesmas das personagens originais da história. Essa foi o mais próximo da Lara que eu consegui achar.



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IV

Desavenças

O carro passa pelas ruas conhecidas do distrito. Eu mal consigo olhar meu lar sendo deixado para trás. É tudo... tão desconcertante, como tudo muda em um piscar de olhos. Não somente fui escolhida, sendo minhas chances tão baixas, como Chris estar aqui comigo. Tudo, exatamente tudo que temíamos aconteceu. 

Por mais que sempre pensássemos na possibilidade de sermos escolhidos, ainda assim... parecia que nunca ia acontecer. Depois de tantos anos passando pela colheita, é fácil relaxar. É fácil pensar que é impossível, improvável. Mas é a mesma coisa ao pensar em um acidente de carro, ou uma morte espontânea. Qualquer um está submetido à possibilidade de morrer atropelado a qualquer minuto. Muitas pessoas morrem assim todos os dias. Mas nós achamos que isso nunca vai acontecer conosco. Que estamos seguros. 

Encaro minhas sapatinhas desgastadas, por vezes olho para Ayla. Ela sorri para mim entusiasmada. O vestido dela ocupa quase todo o espaço do carro. Não troco uma palavra nem olhar com Chris. Saber que ele está aqui, na mesma droga de situação que eu, me deixa muito frustrada. Fico com o coração na mão cada vez que a ideia de morrermos aparece. E isso ocorre de segundo em segundo, incansavelmente.

Eu só quero deitar, dormir e fingir que isso nunca aconteceu. 

Quando chegamos à estação de trem, assim que abrimos as portas do automóvel, somos cercados por pessoas carregando câmeras. Nem sei de onde eles vêm, devem ser as pessoas que cuidam do evento aqui no Distrito 3. Vários deles me filmam e devo estar com a expressão mais carrancuda que já viram. Mal é o começo e já tenho que fingir estar satisfeita com a situação. Lá na Capital vou ter de fingir sobre minhas vontades e sentimentos para agradar as pessoas. Ayla nos deixa um momento plantados em frente à locomotiva mandando acenos até que nos empurra para dentro, despedindo-se com um gesto da mão enluvada.

É assim, esse jogo. É um programa de televisão, e programas de televisão são feitos de aparências. Quando você está lidando com sua vida, com uma guerra, com uma luta, estratégias são fundamentais. 

Assim que as portas do trem se abrem, fico deslumbrada. O interior é decorado com variedade de moveis; flores em todos os lugares, poltronas e sofás e há uma mesa cheia de bolinhos, biscoitos e doces. Tudo é muito bonito, mas não estou com vontade de ficar apreciando e sequer comer.

— Magnífico! — Ayla surge ao meu lado, quase voando de alegria. — Vou chamar o mentor de vocês. Há dois quartos por ali, para cada um. Podem aproveitar a comida. Sintam-se em casa.

Cara, esse trem definitivamente não parece a minha casa.

Ayla então adentra em um corredor e some, deixando eu e Chris sozinhos. Observo ele passar o peso de um pé para o outro, nervoso. Eu tento me controlar pois no momento sou uma bomba de emoções e se eu explodir não vai ser legal.

— Eu espero que você não esteja irritada comigo... — ele inicia a conversa com uma cara de pena e arrependimento. — Ou pelo menos não tanto quanto acho que está.

Eu o encaro incrédula.

Sério, Chris. Você esperava o que? Que eu estivesse feliz da vida por ter meu melhor amigo, a única pessoa que eu me importo no mundo depois da minha mãe, ao meu lado nos Jogos Vorazes? — verbalizo, gesticulando com as mãos. Já é um sinal de descontrole. — Você tem noção do que acabou de fazer?

— Por favor, deixa eu explicar? — Ele se vira, ficando de frente para mim. Vejo que também está instável.

— Para Chris, eu não quero fazer isso agora. Não quero explicações.

— Você não pode ignorar.

— Posso sim — retruco com dureza. Ele está passando dos limites.

— Não banque a criança mimada agora, Lara.

— Eu disse chega!

Tampo minha boca surpresa com o que fiz. Minha mão estalou de encontro com o rosto de Chris. Eu sabia, não consigo me controlar quando fico nervosa, irritada ou triste.

Mais revoltante é quando ele revida, batendo em mim também.

— Seu bestante idiota — xingo.

— Te enxerga Lara! Você tá louca? — Chris pergunta massageando a bochecha. — Não é hora certa pra dar piti e ficar fazendo drama.

— Vai pastar Chris! Você se voluntariou para os jogos, tipo, nós dois podemos morrer ou eu vou perder você pra sempre. O que você tem na cabeça? Acha que dava pra deixar as coisas normais depois disso e vir com lição de moral pra cima de mim?

— Caramba, eu só estava tentando ajudar — ele levanta as mãos para o ar, tentando se passar por inocente.

— Ajudou muito, hein! Você não percebe o que acabou de fazer?

— O que? Te fazendo um favor? — Ele revira os olhos e grunhe impaciente. — Só estava cumprindo minha promessa. Desculpe se você é mesquinha demais pra valorizar qualquer coisa que façam por você.

— Talvez seja melhor se você parasse de bancar o meu irmão – retruco, aumentando o tom de voz. Reprimo-me mentalmente, pois disse isso sem pensar e as palavras foram arrebatadoras. Eu não devia ter falado isso.

— Talvez você nunca tenha merecido um irmão mesmo — ele joga a última carta na mesa. Posso ver um fio de arrependimento, mas mantém a compostura. É sempre assim, é ele quem tem que dar a última palavra. Se alguém fere o orgulho de Chris ele faz questão de retribuir o favor. Nem que eu fosse a mãe dele, ele não desistiria de dizer aquilo para mim.

O meu lado sensível volta a agir.

Cerro os punhos e me controlo para não o espancar de novo. Uma grande quantidade de lagrimas escorre pelo meu rosto. Ele nunca tinha sido tão grosso, nunca jogara aquelas calunias para cima de mim. Por mais que eu não quisesse, aquilo me magoava muito. Aquelas palavras vindas uma pessoa qualquer eu não daria a mínima, mas direto da boca dele, alguém que eu acolhi na minha família e que é tudo para mim? Machucava demais.

Mas não importava. Afinal, como sempre diziam, tudo não se passava de uma hipérbole. O exagero. Nunca doía. Era só drama. Então talvez fosse melhor ser imparcial com ele também. Como levar uma facada, mas continuar sorrindo.

— Nenhuma opinião vale se não for a sua, não é? — Falo soltando uma risada forçada que sai mais como um suspiro de desdém. — E veja só onde isso nos trouxe. Sua promessa não vai salvar ninguém, Chris.

— Não é isso Lara. Não é apenas eu, você ou essa promessa. Eu vou fazer com que você volte para casa por causa da sua família. Eu sei o quanto é ruim estar sozinho nesse mundo.

— Eu sei Chris. Eu também sei. E agora você diz que quer salvar minha família, mas... Você também faz parte dela.

— Você é mais importante do que eu. Isso envolve muito mais do que você imagina. Isso envolve até mesmo... seu irmão.

Chris tira as palavras de mim. Fico estupefata, estática, ou qualquer sinônimo que represente incredulidade e falta de reação. Eu não acredito que todos os problemas sempre acabam voltando para o mesmo lugar.

— E no final, acaba sempre se resumindo a ele, não é? — Eu balanço a cabeça, rindo. Não consigo acreditar. — Vê se cresce, Chris. Ele está morto. E sua promessa está enterrada junto.

Revoltada, saio do vagão principal tentando achar os quartos que Ayla indicou. Esbarro em alguém, especificamente meu mentor acompanhado da mulher da Capital. Ele seria até bonito se não fosse por seus olhos cansados e as olheiras que estes carregam, o cabelo desgrenhado e sujo e o cheiro de coisa mal lavada.

— Mas o que está acontecendo? — Questiona a mulher emplumada ao ver meu rosto coberto por lágrimas. Peço licença passando rapidamente por eles, ignorando-os.

— É sempre assim — ouço Hector resmungar e suspirar antes de eu fechar a porta do quarto.

Me jogo na cama gigante e redonda. A maciez me abraça, dando-me a sensação de estar deitando em nuvens... Embora nuvens sejam só um monte de vapor inútil. Junto, despejo o restante do meu aborrecimento no colchão. Não posso deixar de pensar novamente no meu irmão, mas de forma diferente. Indago sobre a possibilidade de ele agir como Chris se eu estivesse no lugar dele na Colheita em que ele foi escolhido. As coisas não seriam diferentes. Ele estaria ali com o mesmo propósito que o meu amigo e ambos acabariam por partir. Porque eu era especial para eles. Mas esse é o problema, eles são igualmente especiais para mim. Chris não voltará. É por isso que a situação me frustra tanto. Por mais que eu não queira, eu sempre acabo causando a morte daqueles que eu amo e vou acabar perdendo mais uma dessas pessoas da mesma forma que perdi anos atrás. Para os Jogos. Tudo por minha causa.

Finalmente consigo enxergar o ponto de vista dele. Chris poderia ter ficado em casa, me assistindo tentar sobreviver. Haveria sim uma chance, mas se eu não conseguisse, imagino o quão devastador seria para ele. Não, não imagino, eu sei o quão devastador é. E para Chris, fazer esse sacrifício pela minha sobrevivência é menos doloroso. É isso que está em jogo no momento.

Eu entendo. E o pior, é que a pergunta não para de me cutucar: eu faria o mesmo por ele?


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Notas finais do capítulo

Uma briga para esquentar um pouco as coisas. Para quem não entendeu: o Chris prometeu ao irmão da Lara que faria isso por ela, mas por motivos que vão ser revelados mais tarde. Se querem uma dica, Chris tinha uma ligação emocional muito forte com o irmão dela. A interpretação da frase cabe a vocês.

Atenciosamente,
Magicath.