Our Games escrita por Magicath


Capítulo 3
Capítulo 3 — Votos de Esperança


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoinhas, estão gostando do rumo da história?

Bem, mais um capítulo, como prometido.
Este é meio... Drama 100%, essas coisas.

Curioso? Bora ler!



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III

Votos de Esperança

 

Eu nunca imaginei que seria possível estar ali novamente. Havia uma possibilidade, mas eu nunca pensei nela, nunca gostei dela. E no momento, ela está se tornando realidade. Aparentemente, meu azar sempre torna meus temores reais. Em menos de uma hora, três coisas ruim que temi acontecerem, realmente aconteceram.

Os pacificadores me empurram para a porta da sala de despedidas. A porta branca está ali de novo e eu estou sendo mandada para dentro dela e eu nada posso fazer. Minha vontade de sair correndo e protestar para que não me colocassem lá de novo é colossal, mas eu não posso arranjar encrenca. Então fico quieta e deixo que me tranquem dentro do recinto.

O recinto é diferente, mas é como voltar àquele ano tortuoso. O sentimento terrível que eu sentia anos atrás, quando vim dar o último abraço no meu irmão, persiste. Eu sei que serão ditas as mesmas palavras e todo o processo de dor e arrependimento vai se repetir. A diferença é que dessa vez sou eu quem corre o risco de ser morta.

Aqui foi o último lugar que eu o vi. A última vez que ele prometeu que tudo ficaria bem. A última vez que acreditei numa palavra chamada esperança.

Eu era só uma criança, carregada no colo pela mãe, mas eu consigo me lembrar. Parece que as memórias ficaram trancadas numa caixinha velha e estão saindo pela familiaridade do lugar. 

E de repente ele está ali, sentado no sofá de couro, sorrindo como se zombasse de mim.

Todas as câmeras estavam focadas naquele momento. O mundo todo sabia que seria decisivo. O sangue corria mais forte em todos os corpos presentes enquanto assistíamos ao show com pesar. Era uma perseguição e os comentários de Caesar Flickerman acompanhavam os acontecimentos, tornando as coisas mais torturantes.

Eu ouço as palavras saindo da minha mãe dizendo para ele tentar, que ele vai voltar para casa. No entanto, eu as digo, dessa vez, para mim. E a sensação que elas trazem não é reconfortante, não devolvem a mim a convicção com que as pronunciei anos atrás. Ou talvez elas nunca tiveram convicção, elas nunca foram palavras de credibilidade, só foram ditas porque precisavam ser ditas. E eu não me perdoo por ter acreditado que, desde o momento em que ele saiu pela porta, ele não voltaria mais.

Sinto a minha mãozinha alcançando a dele. Éramos eu e Chris com ambas as mãos dele nos nossos ombros, e um sorriso no rosto. Pequenas vidas inocentes, com medo sem saber por quê. Não tínhamos noção do que era aquilo, e somente aprendi quando nos ensinaram na escola. Tudo fez sentido. Tudo estava claro demais na minha cabeça depois de entender o que eram os Jogos Vorazes.

Os jogos... podem ser revistos, eles ficam gravados, e sim, há um jeito de conseguir. Chris as conseguiu para mim, as fitas. E então... nós assistimos. Pois a memória de um quarto membro da família se apagava em minha mente. Ele foi e nunca mais tinha voltado... E eu queria saber por quê.

A arena daquele ano era caótica. O cenário era semelhante ao que nos ensinavam na escola sobre os primórdios da vida terrestre, quando não havia nada, há bilhões de anos atrás. Não havia quase nenhuma vegetação, só uma terra avermelhada e vasta. A arena era a ameaça mais constante dos tributos. Um piso em falso e um gêiser escaldante queimaria o tributo azarado. Um piso em falso e a vítima estaria afundada em magma, preso numa vala, caindo num abismo escuro e profundo.

Eu afasto a lembrança. Ele está morto, afinal. Isso não importa mais.

A porta é aberta e minha mãe entra no aposento. Ela corre até mim e me abraça. Eu impeço as lágrimas, sufocando-as no canto escuro da minha alma onde aprisiono os sentimentos ruins. Sinto uma amargura no peito por vê-la assim. Não há dor maior do que perder um filho e há uma chance de ela perder a única filha que lhe resta. Eu não quero que ela passe por isso por minha causa. Não posso deixar isso acontecer.

— Filha... — ela ousa começar. Eu a interrompo.

— Não diga nada, eu já sei. Nós duas sabemos o que acontece depois.

Todo mundo sabia que não tinha escapatória. Era só uma questão de tempo e ele só estava adiantando o encontro dele com a morte. O tempo acabou quando o tributo carreirista alcançou o outro, derrubando-o. Em questão de segundos, meu irmão estava imobilizado nos braços de um adolescente grotesco.

— Então você sabe que tem que tentar, não é?

Aperto minhas unhas na palma de minha mão para aliviar o estresse. Vencer parece algo tão distante...

— Você disse isso para ele. Você disse e ele prometeu, mas ele não voltou. Como posso acreditar nisso?

— Lara, para com isso. Você não é...

— Não, pare, você disse isso a ele e isso não o salvou e não são essas palavras que vão me salvar!

Então a lamina rasga seu pescoço, degolando-o e espirrando sangue no rosto do adversário, que saboreava o momento. A sentença de morte declarada por Caesar é clara para toda a população. O distrito 3 não receberia vencedores aquele ano.

Meu irmão retornaria, enfim, para casa. Porém, sem vida, em um caixão.

— Você não é o seu irmão, Lara! — A voz dela ganha um tom mais autoritário. —  É isso que ele gostaria que você fizesse? Ficar se destruindo por coisas que já aconteceram?

— Eu estou cansada de perder tudo o que eu tenho mãe. Já não bastava ele e agora... Chris. Eu. E você... Minha vida.

— Eu sei Lara. Eu entendo. Você é tudo que eu tenho. E eu não quero perder mais um filho.

Gaguejo, tentando falar alguma. As palavras ficam presas na minha garganta e se dissolvem, formando lágrimas. É duro receber um choque de realidade, ainda mais quando ela está coberta de razão.

— São vinte e três adolescentes mãe... — eu recapitulo. Eu sei que a verdade é dura, eu sei, e é por isso que deve ser dita, é por isso que deve ser encarada. — Como eu vou poder... matar? Como eu vou conseguir sobreviver em condições desfavoráveis, com pessoas me caçando. Isso é tão injusto, tão injusto!

Enterro meu rosto em minhas mãos. É impossível. 

— Não entregue a bandeira agora, garotinha. Agora me escuta. — Mamãe agarra meus braços para que eu fique de frente para ela. Seus olhos escuros e profundos já não exibem medo e tristeza. São frígidos, representando dureza e determinação. — Você é boa em se esconder. Você é rápida, ágil. Você estuda mais do que ninguém na escola. Vocês dois são fortes, eu sei que se prepararam para isso a vida toda, por medo de serem escolhidos...  Sei que sabem o que o fazer. Podem não ser fortes como os outros, mas vocês são inteligentes. Vocês...

A voz dela morre um pouco e se afoga na poça de lágrimas em seus olhos. Com um inspirar trêmulo, ela se recupera. 

— Sei o que você passou com seu pai e com a morte do seu irmão. Eu sei quanto rancor você guarda dentro de si. Mas lembra da lenda do cavalheiro que eu contava para você?

— Aquela que a família do cara desaparece e ele dá tudo de si para procurá-los? — pergunto, lembrando da história. — O Conto da Perseverança.

— Exatamente. Seja como ele, querida. Use o que te coloca para baixo para tornar-se mais forte e vencer a luta. “Para no final...

... retornar a quem te espera” — completo a frase citada.

Não sou uma pessoa que facilmente é convencida a acreditar em si mesma, que engole a conversa furada de “tentar e falhar é melhor do que nunca ter tentado”. Mas, nessa situação, é a melhor hora para mudar de opinião. Se eu quiser sobreviver, está na hora de crescer e enfrentar o desafio. Não posso ser a pessoa que costumava ser. Eu preciso acordar pra vida.

Ela sorri ao ver a nova postura que assumo. Vejo os olhos dela marejados, porém não de tristeza. É algo maior e mais motivador.

— Você sabe por que colocamos seu nome de Lara? — Faço que não. — Pois significa vitoriosa, triunfadora. Você tem um bom coração Lara, não se esqueça disso. Mesmo que o pior aconteça, lembre-se de que eu te amo e estou aqui esperando por você.

— Eu te amo também — sussurro enquanto a abraço. Ela retribui o gesto, um pouco mais forte. — Eu vou tentar. Eu prometo.

Laço meu mindinho ao dela simbolizando a promessa. Ela beija minha testa e me abraça mais uma vez.

— E eu sinto muito pelo Chris — ela diz, e eu abaixo a cabeça, abatida. — Mas você sabe que ele irá fazer o melhor por você.

— É mãe, eu sei — digo, olhando para o chão. Não quero pensar nele no momento. — Só queria que não fosse assim.

— Mas é. E temos que aceitar isso de forma coerente e seguir em frente.

O pacificador abre a porta e diz que o tempo dela acabou. Aperto-a para guardá-la na memória, como se pudesse levá-la junto.

— Estou apostando em você — ela sussurra perto da minha orelha. É possível ver um sorriso estampado em seu rosto antes de ela sair.

Então a porta se fecha e é a última vez que vejo minha mãe. O silencio preenche o recinto, trazendo consigo os fantasmas e os pensamentos desconfortáveis.

Outras pessoas vem também; colegas de classe, velhos amigos... São as mesmas palavras, algumas despedidas. Como se já soubessem, esperassem que nunca mais voltarei. 

As despedidas acabam, enfim. Com mãos em minhas costas, sou levada até o automóvel que nos conduzirá ao trem que dará início à grande jornada. Chris está ali, de cabeça baixa. Desvio o olhar. Não suporto vê-lo ao meu lado. É como encarar a face do destino indesejado.

Da janela do automóvel, dou uma última olhada no corredor escuro, iluminado pelo sol que reflete as cores dos vidros coloridos. Uma última olhada para o Distrito 3. Uma última olhada para aquele sorriso que debocha de mim, que resplandece uma sentença que muitos conheceram.

“Você está condenada”, ele diz.


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Notas finais do capítulo

Não, Lara não vê nem se comunica com espíritos. Tudo é apenas fruto da imaginação obscura dela. Só está contando isso de uma forma mais... Poética.

Novamente to patrocinando aqui Os Jogos de Johanna Mason e Os Jogos de Annie Cresta. Os autores dessas histórias foram os que mais me ajudaram com Our Games no processo de reescrita.

Enfim, é só. Obrigada por acompanharem. Comentem o que acharam.

*Atenciosamente,
Magicath
(pra quem se perguntava o que era *Att)